Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
61/19.9GBGDL.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: AMEAÇA
CAUSALIDADE
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:


1 – A ameaça para ser penalmente censurável também deve ser compreensível. Se não é e acaba por estar mais próxima do ridículo do que do anúncio de um mal, deixa de preencher o requisito do tipo penal, a adequação a causar o medo, a intimidação.

2 – Se é verdade que o tipo penal de ameaça não exige a prova de que o resultado se tenha verificado no concreto ameaçado, exige ao menos uma causalidade entre o acto ou palavra e a possível causação de um estado subjectivo no visado.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Local Criminal de Grândola, Juízo Local de Pequena Criminalidade correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual foi julgado (...), actualmente em prisão preventiva à ordem do processo n. (…), a quem foi imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo:

- de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.°, n. 1, alínea b) e n. 2, alínea a) do Código Penal, requerendo ainda a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, nos termos do artigo 152.°, n. 4 e 5, do Código Penal;

- e de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153°, n. 1 e 155°, n. 1, alínea a), ambos do Código Penal.


*

A final - por sentença lavrada a 10-01-2020 - veio a concluir o Tribunal recorrido julgar procedente por provada a acusação pública e em consequência, decidiu:

- condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela alínea b) do n. 1 e n. 2, do artigo 152° do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153°, n. 1 e 155°, n. 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

- em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

- condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com (...) de Jesus por um período de 3 (três) anos.

- condenar o arguido a pagar à ofendida (…) a quantia de € 1.000,00 (mil euros).

- condenar o arguido no mais que é de lei.


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Inconformado, o arguido interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos em 10.01.2020, nos termos da qual se decidiu considerar como provada a factualidade vertida na acusação pública e, em consequência, condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela al. b) do n. 1 e n. 2 do art. 152° do Código Penal, na pena de prisão de dois anos e seis meses, bem como ainda pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, aI. a), ambos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de dois anos e oito meses de prisão.

B. Na sentença recorrida, o tribunal a quo concluiu, dando como provado em o) dos factos provados que "ao dirigir tais expressões a (…), o arguido agiu com o propósito de lhe provocar temor ciente de que as suas condutas eram aptas a provocá-lo, tal como efetivamente, veio a suceder.", explicitando, na parte da fundamentação que: "Prestou ainda depoimento (…), pai da ofendida, que confirmou o teor das mensagens trocadas e dirigidas a si. Admitiu que previamente às mesmas disse ao arguido que se o mesmo voltasse a ameaçar a sua filha lhe dava um tiro."

C. Tendo ainda admitido em Tribunal, por várias vezes, que não tinha tido medo absolutamente nenhum do arguido, ou que este concretizasse a ameaça.

D. Para a consumação do crime de ameaça exige-se que a ameaça seja, na situação concreta, adequada a provocar no ofendido medo e inquietação, devendo ser utilizado, para ajuizar dessa adequação, um critério objetivo e individual, sendo adequada aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.

E. Sabido que o ofendido, militar de carreira, ameaçara primeiro dar um tiro ao arguido, é óbvio que o contexto em que as mensagens/expressões foram proferidas - de resposta a uma ameaça de que levaria um tiro do pai da ofendida - não é apto a que se conclua que tais expressões se mostram idóneas a provocar medo ou inquietação no ofendido, ainda que efetivamente não o tenham provocado.

F. Muito menos que o arguido o tenha efetivamente querido e representado de forma livre, voluntária e consciente, sendo até altamente duvidoso que, responder a alguém que acabou de nos ameaçar com qualquer coisa como "vamos ver quem dá o tiro a quem" configure sequer uma verdadeira ameaça que não um simples desabafo, antes se impondo a conclusão de que, atento o contexto em que as expressões foram proferidas - não se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça agravado, devendo consequentemente absolver-se o arguido.

G. Ao considerar verificados os elementos do tipo de crime de ameaça agravada, atendo o contexto em que as mensagens do arguido foram enviadas, o tribunal a quo fez errada interpretação do disposto nos arts. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, aI. a) do Código Penal, dispositivos que violou.

H. Devia ao invés o tribunal a quo ter considerado que, nas circunstâncias em que as "ameaças" foram proferidas, num contexto de resposta a um aviso de que levaria um tiro, as mesmas configuravam um mero desabafo, não se mostrando por isso preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da prática do crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, al. a) do Código Penal, devendo, consequentemente, V. Exas absolver o arguido da prática do crime em causa.

I. Considera ainda o arguido que, tendo em atenção as circunstâncias referidas na decisão recorrida e levadas em conta pelo Tribunal a quo para a determinação da medida da pena aplicada ao arguido, é manifesto que a medida da pena concreta aplicada se mostra excessiva, não tendo o Tribunal valorado corretamente os critérios levados ao art.° 71 ° n. 1 e 2 do Código Penal, dispositivos que violou.

J. Dentro da miríade de condutas adequadas a preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, concluímos que a ilicitude se situa num patamar mediano, atenta a ausência de condutas mais graves. E o 50°, n. 1 do Código Penal também.

K. Com efeito, não ignorando que estamos perante a prática de um crime de enorme gravidade na sociedade portuguesa, que urge combater a todo o custo, a verdade é que, no caso concreto, tal como o próprio tribunal a quo acaba por reconhecer, dentro da miríade de condutas adequadas a preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, aquela que foi praticada pelo arguido será das menos gravosas, situando-se a sua ilicitude num patamar mediano.

L. Tendo em conta que a conduta do arguido, embora reiterada, ocorreu durante um curto período de tempo, que o arguido confessou a prática dos factos e, tendo embora um passado criminal algo extenso, nunca foi condenado pela prática de crime desta natureza, bem como que tem um filho menor que precisa de si e do seu apoio, será infinitamente mais útil do ponto de vista da prevenção especial, mas também geral que o arguido seja "reeducado" para o direito, através da aplicação de uma suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, não só sofrendo a ameaça de prisão caso incumpra as injunções que lhe forem impostas, mas sobretudo impondo-se-Ihe um regime de prova apertado com tratamento e frequência de ações de formação precisamente na área da prevenção de violência doméstica.

M. De modo a que, num futuro próximo, dentro de dois anos, a situação não se volte a repetir e o arguido apenda a respeitar o outro, o que certamente não sucederá se simplesmente se encarcerar o arguido pelo período em que foi condenado.

N. Termos e fundamentos por que, em respeito por uma correta valoração dos critérios levados ao art. 71°, n.s 1 e 2 e 50° do Código Penal, deverá ser alterada a concreta medida da pena aplicada ao arguido, por excessiva, mostrando-se justa e adequada a sua condenação em pena nunca superior ao limite mínimo e sempre suspensa na sua execução.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente:

a) ser o arguido absolvido da prática do crime de ameaça agravada por que foi condenado;

b) ser alterada a concreta medida da pena aplicada ao arguido, mostrando-se justo e adequado a aplicação ao arguido de pena situada no seu limite mínimo e sempre suspensa na sua execução.


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A Digna magistrada do Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões:

1º. O arguido (...) foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com (…) por um período de 3 (três) anos, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 e n.º 2/ do artigo 152.º do Código Penal (2 anos e 6 meses de prisão) e de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), ambos do Código Penal (6 meses de prisão).

2º. O arguido/recorrente inconformado com a decisão recorreu da Douta Sentença sufragando, fundamentalmente a incorreta dosimetria das penas aplicadas, à luz dos artigos 40.º, 47.º, 71.º e 77.º do Código Penal e a errada interpretação dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), do Código Penal.

3º. O Ministério Público entende não assistir qualquer razão ao arguido/recorrente, concordando integralmente com a Douta Sentença recorrida quer quanto à matéria de facto considerada como provada, como quanto ao seu enquadramento jurídico, fundamentação, escolha e determinação da medida da pena aplicável, a qual não padece de qualquer vício ou irregularidade.

4º. Assim, analisadas as expressões proferidas (“Dás me um tiro vamos ver o tiro que me vais dar o fudido o respeito acabo agora matas e morres" "Tão homem na hora da verdade escondesse há 20m que aqui estou") e o circunstancialismo em que foram efetuadas é legítimo concluir que as mesmas transmitem uma mensagem ameaçadora, sendo as mesmas suscetíveis de causar no destinatário, (…), medo e intranquilidade quanto a uma efetiva concretização do mal transmitido, que não tem necessariamente de ser concretizado no momento em que a ameaça foi proferida.

5º. Pelo que bem andou o tribunal a quo quando considerou como consumado o crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), ambos do Código Penal, praticado pelo arguido Ricardo Pegas.

6º. Na determinação da medida da pena foram valoradas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, designadamente em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: de prevenção geral (sobretudo positiva), no sentido da defesa do ordenamento jurídico, assegurando a estabilização das expectativas contrafáticas da comunidade nas normas jurídicas violadas; e de prevenção especial, já que a pena visa também a ressocialização do agente do crime, de modo a que ele adote, no futuro, condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.

7º. "No caso vertente, as necessidades de prevenção geral e especial reputam-se de elevadíssimas. Com efeito, todos os dias morrem mulheres às mãos de companheiros, ex-companheiros, namorados e ex-namorados. O que impõem que o tribunal, numa operação de validação da norma jurídica, imponha penas mais graves."

8º. "Os factos são graves e as consequências dos mesmos também, adequados a aterrorizar a vítima e a coartar a liberdade de ação e decisão. Contudo, dentro da miríade de condutas adequadas a preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, concluímos que a ilicitude se situa num patamar mediano, atenta a ausência de condutas mais graves. Idêntica consideração tecemos relativamente ao crime de ameaça. O dolo é intenso e direto. A culpa é elevada"

9º. Nessa senda, o tribunal a quo entendeu ser adequada e proporcional a aplicação ao arguido "pela prática de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.°, n. 1, alínea b), a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com (...) de Jesus por um período de 3 (três) anos", o que não nos merece qualquer reparo.

10º. Em suma, bem andou o tribunal a quo quando condenou o arguido (…), em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com (...) de jesus por um período de 3 (três) anos, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 e n.º 2/ do artigo 152º do Código Penal (2 anos e 6 meses de prisão) e de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), ambos do Código Penal (6 meses de prisão).

Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado e mantida a Douta Sentença recorrida na íntegra, assim se fazendo a costumada justiça!


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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

A) O arguido (…) e a ofendida (…) viveram como se de marido e mulher se tratassem, desde Março de 2018 até ao início do mês de Março de 2019, sendo que, desde aproximadamente desde Outubro de 2018 que viviam numa habitação sita na (…).

B) Residiam com o arguido e a ofendida os dois filhos menores (…), com (…) anos de idade, filhos da ofendida de um anterior relacionamento.

C) Porém, nos últimos tempos do relacionamento, mais concretamente, desde que vieram morar para (…), que o comportamento do arguido, para com a sua companheira (…), começou a agravar-se, sendo que, o mesmo, por ciúmes, iniciava, com uma frequência quase diária, discussões, apelidando-a de puta, vaca, porca e imputava-lhe relacionamentos extraconjugais.

D) Também, por ciúmes excessivos, o arguido procurava, a todo o tempo, controlar a vida de (...), sua companheira, não a deixando sair de casa e, por diversas vezes, a ameaçou de morte, designadamente referiu-lhe que lhe dava um tiro ou uma facada na garganta.

E) Tais discussões e expressões eram proferidas no interior da residência de ambos e na presença dos dois menores.

F) Atenta degradação da relação e o temor e receio que a ofendida, diariamente, vivenciava, decidiu terminar a relação e sair de casa, tendo ido viver para junto dos seus pais.

G) Após a ofendida ter saído de casa que o arguido, não aceitando o fim do relacionamento, enviou-lhe mensagens escritas, pela aplicação Whatsapp, de cariz ameaçador, contra a vida e integridade física da ofendida, bem como, afirmou que caso aquela apresentasse queixa de violência domestica contra si, iria matar os pais daquela.

H) Designadamente, através de mensagens na aplicação Whatsapp o denunciado escreveu: "Vou atras de fim i ate ao fim do mundo jurote ou me das o que e meu are amanha ou eu moto te agora podes ir a policia eu mato te ou pagas ou das me o carro" "Voyu te matar estou me a cagar pior que isto não fico mas tu fodeste", "Vais pagar o tu ou o teu pai"

I) "Ai pagão i filhos pagão is pais" ( ... ) "Acabou vou acabar ctg a mim não fazes isto" "Vou te matar vou mesmo não duvides disto (...) o ódio que tenho de ti sopera qualque coisa" "so quando te metrr as mãos em sima ai vais te arrepender", "Provoca me provoca me", "tas fudida da tua vida cmg", "tas bloqueada eu envottote descansa a primeira vacilada estou a teu lado e aí vais ganir e perceber", "apagei o numero mandei mgs sim e a partir de agora para mim não há maus respeito nenhum a cacada esta aberta vamos ver quem da o tiro aquém seu merdaes", "vou ai agora quero ver vaus sar tiros a quem filho da puta", "vamos ver se são tao homens assim de boca eu também falo muito agora vamos ver procuras-teme foste mexer no meu istag-tames e ainda vais ameaçar com o papa não te devias meter nisso não admito ameaca de ninguém de ninguém mesmo da me tiro 101 já vais ver quem da tiro a qum", "(...) estava na minha vida aqui queto como me pediram o que tenho ctg e contigo já te tinha dito não metas o teu pai nos nossos pblemas pra me meteres medo tipo que eu te bati o algo do género ameaxo da boca".

J) A ofendida temeu que aquele concretizasse as ameaças de morte contra o seu pai, uma vez que aquele inclusivamente se fazia acompanhar com uma caçadeira.

K) Também o arguido disse a (…), pai da ofendida, que estava em frente à sua casa e que lhe ia dar um tiro e, de seguida, por mensagens referiu "Dás me um tiro vamos ver o tiro que me vais dar o fudido o respeito acabo agora matas e morres", "Tão homem na hora da verdade escondesse há 20m que aqui estou".

L) O arguido com as suas condutas quis molestar e humilhar psiquicamente a ofendida, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas e idóneas a provocar-lhe, como o fez, danos à sua saúde, medo, clima de terror, inquietação, sobressalto, tristeza, mágoa e desgaste psicossomático, molestando a sua dignidade enquanto pessoa humana, o que conseguiu, não se abstendo de praticar tais condutas no interior da habitação, bem como, na presença dos filhos menores da ofendida, querendo e conseguindo molestar a mesma.

M) Mais sabia o arguido que após o términus do relacionamento, as expressões que lhe dirigiu, atentando contra a integridade física e vida da ofendida e dos pais daquela, eram adequadas a provocar-lhe, como efectivamente provocaram, medo, receio e inquietação, e que actuava contra a sua companheira, que sempre o ajudou e com quem vivia na mesma casa, mas não se coibiu de o fazer, o que quis e conseguiu.

N) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que, as expressões mencionadas, dirigidas a (…), eram de molde a provocar-lhe justificado receio pela sua vida e integridade física, dada a forma intimidatória como se lhe dirigiu.

O) Ao dirigir tais expressões a (…), o arguido agiu com o propósito de lhe provocar temor ciente de que as suas condutas eram aptas a provocá-lo, tal como, efectivamente, veio a acontecer.

P) Em todas as circunstâncias descritas, agiu o denunciado de forma livre, voluntária e esclarecida, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Q) O arguido já sofreu as seguintes condenações:

i. Foi condenado por Acórdão transitado em julgado em 2-07-2003 proferido no proc. n. 2/02.2PGLSB, pela prática em 2-02-2002, de um crime de roubo, na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.

ii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 17-11-2003, proferida no proc. n. 259/01.6GEVFX, pela prática em 31-08-2001, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias à taxa diária de € 5,00 no montante global de € 250,00, encontrando-se extinta por prescrição.

iii. Foi condenado por Acórdão transitado em julgado em 7-05-2008 proferida no proc. n. 355/02.2SFLSB, pela prática em 9-03-2002, de um crime de roubo, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, que s e encontra declarada extinta.

iv. Foi condenado por sentença transitada em julgado 19-05-2008 proferida no proc. n. 61/04.3PQLSB, pela prática em 19-03-2004, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime perigosa de veículo rodoviário, na pena única de seis meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 3.00, encontrando-se tal pena extinta.

v. Foi condenado por sentença transitada em julgado 02-03-2009 proferida no proc. n. 1018/04.0PSLSB, pela prática em 26-06-2004, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, encontrando-se tal pena extinta.

vi. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 2-03-2009, proferida no proc. n. 1613/02.1POLSB, pela prática em 16-11-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, encontrando-se tal pena extinta.

vii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 15-02-2010, proferida no proc. n. 11/07.5SPCDL, pela prática em 16-06-2007, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de furto simples, na pena única de 6 meses de prisão, encontrando-se tal pena extinta.

viii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 04-08-2010, no proc. n. 399/10.0S6LSB, pela prática em 26-05-2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 14 meses de prisão, encontrando-se tal pena extinta.

ix. Foi condenado por sentença transitada em julgado 04-10-2010, proferida no proc. 289/10. 7POLSB, pela prática em 28-03-2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, encontrando-se tal pena extinta.

x. Foi condenado por Acórdão transitado em julgado em 20-10-2010, proferido no proc. 22/03.0POLSB, pela prática em 01-03-2003, de um crime de furto simples e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa por 4 anos, encontrando-se tal pena extinta.

xi. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 06-05-2011, proferida no proc. n. 495/07.1POLSB, pela prática em 15-05-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de furto simples e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na perna única de 22 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, encontrando-se tal pena extinta.

xii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 06-12-2011, proferida no proc. n. 510/04.0PDLRS, pela prática em 05-08-2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 900,00.

xiii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 23-01-2012, proferida no proc. n. 656/04.5S6LSB, pela prática em 19-08-2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, encontrando-se tal pena extinta.

xiv. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 20-03-2012, proferida no proc. 1405/11.7PILRS, pela prática em 31-12-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa de € 5,00, o que perfaz o total e € 900,00, encontrando-se extinta.

xv. Foi condenado por sentença transitada em julgado 19-09-2013, proferida no proc. n. 77/13.9SXLSB, pela prática em 15-05-2013, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 15 meses de prisão de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres, encontrando-se tal pena extinta.

xvi. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 28-01-2014, proferida no proc. n. 73/13.6SULSB, pelar pática em 08-10-2013, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 27 meses de prisão suspensa na sua execução, encontrando-se tal pena extinta.

xvii. Foi condenado por Acórdão transitado em julgado em 3-07-2014, proferido no proc. n. 199/02.1S6LSB, pela prática em 06-03-2002, de um crime de roubo, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, encontrando-se tal pena extinta.

xviii. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 22-06-2017, proferida no proc. 45/12.8GEBJA, pela prática em 01-10-2012, de um crime de furto simples e um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 14 meses de prisão, encontrando-se tal pena extinta.

xix. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 31-03-2017, proferida no proc. 1116/15.4S6LSB, pela prática em 24-09-2015, de um crime de furto simples, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova, encontrando-se tal pena extinta.

R) O arguido é fruto de uma relação ocasional da mãe, aos 13 anos de idade, que nunca coabitou com o pai do arguido. De relações posteriores a mãe teve mais 3 filhos, que integraram o agregado assim como os companheiros da mãe, os quais nunca foram bem aceites pelo arguido. O agregado habitava inicialmente numa casa de construção clandestina, nos (…), onde a progenitora suportava com dificuldade a sustentabilidade do agregado, trabalhando num café local, propriedade da avó materna. A mãe, revelou maior preocupação em garantir a sobrevivência quotidiana do agregado do que com o acompanhamento dos filhos e (…) foi sujeito a uma frágil supervisão e orientação normativa durante o seu desenvolvimento.

Educado num contexto carenciado e desestruturado, (…) revelou desde cedo, acentuada instabilidade emocional, tendência para adoptar condutas disruptivas, e para procurar modelos de referência externos nos amigos com que habitualmente convivia no bairro.

S) Em 1998, o agregado foi realojado num bairro camarário problemático, próximo da residência inicial. Nessa fase, a progenitora iniciou novo relacionamento afectivo, que não se afigurou potencializador de maior estabilidade para o arguido. As dificuldades em aceitar os novos relacionamentos da progenitora, distanciou-o afectivamente ainda mais da figura materna e aproximou-o dos grupos de referência locais Envolveu-se ainda enquanto menor, com o sistema judicial pela prática de um crime de furto e condução sem habilitação legal, e foi integrado com uma medida tutelar no (…), de onde saiu aos 16 anos. Quando a medida cessou, voltou a viver com a progenitora, mas devido à continuidade de um modo de vida pró criminal e sucessivas práticas desviantes, foi integrado no (…), em regime fechado, onde se manteve até aos 18 anos. O seu percurso escolar, já pautado por desmotivação, insucesso, absentismo e abandono escolar, veio a ter algum incremento durante o cumprimento das referidas medidas tutelares e concluiu o 6° ano quando terminou a medida de internamento. Em meio externo, estabeleceu uma relação de namoro com uma jovem portuguesa que tinha familiares na Holanda, para onde emigraram durante cerca de 3 anos, ao fim dos quais regressou, já em situação de rotura relacional. Em Portugal envolveu-se novamente em práticas pró criminais e em Setembro de 2010 iniciou o cumprimento de uma pena de prisão efectiva de 6 meses, pela prática de crimes de roubo e condução sem habilitação legal, com termo em Março de 2011.

Refere que foi em meio prisional que teve algumas experiências de consumo de haxixe e posteriormente um consumo esporádico de ecstasy, os quais não se constituíram, contudo, segundo o próprio, como qualquer forma de dependência.

Posteriormente conheceu outra companheira, com a qual iniciou vida em comum em 2013, nascendo um filho desta relação. A relação com esta companheira e o nascimento do filho foram factores estruturantes para o arguido, não apenas pelo facto das responsabilidades familiares terem contribuído para alguma alteração da sua conduta, mas igualmente pela capacidade da companheira para lidar a impulsividade e agressividade verbal do arguido. O falecimento desta companheira em 2015, por atropelamento teve um forte impacto emocional no arguido e constituiu-se como um factor desestabilizador significativo na sua vida já que motivou a atribuição de responsabilidades parentais à avó materna, pelo facto do filho necessitar de cuidados especiais (sofria de hipertonia global dos membros superiores e inferiores) O filho foi assim confiado judicialmente à guarda da avó materna, embora (…), continuasse a demonstrar interesse e proximidade afectiva ao descendente e a ficar com este semanalmente por alguns períodos com o acordo da sua tutora, com a qual manteve ao longo dos anos, um excelente relacionamento. A nível profissional (…) regista um percurso irregular, pouco investido e com trabalhos indiferenciados e temporários no ramo da construção civil, lavandaria, colocação de alcatifas e, num período mais recente na área de jardinagem. Ocupava o tempo livre essencialmente no apoio ao filho, no convívio em cafés da zona de residência, frequentando igualmente espaços de diversão nocturna com o grupo de pares, alguns ligados igualmente a práticas criminais. No que concerne à família de origem foi também sujeito a outras situações emocionalmente perturbadoras, com o suicídio de um dos irmãos há 2 anos e posteriormente de uma prima com a qual mantinha alguma proximidade, há cerca de 1,5 ano, circunstâncias que também tiveram impacto no seu equilíbrio emocional na época.


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B.1.2 - E como não provados os seguintes factos

Não se provaram quaisquer factos que se encontrem em oposição com os factos provados, designadamente:

1) Que na sequência das discussões, o arguido imputava relacionamentos extraconjugais à ofendida.

2) Que a ofendida temesse que o arguido concretizasse as ameaças de morte, pois sabia que, o arguido, era conhecido, na área de residência dos pais da ofendida, como traficante de produto estupefaciente e, tal circunstância, fez crer a ofendida de que aquele pudesse pedir a alguém, do seu conhecimento, que concretizasse as ameaças e fizesse mal aos seus pais.


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B.1.3 - E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes motivos:

«A convicção do Tribunal estribou-se no conjunto da prova produzida, que se analisou à luz das regras da experiência e de critérios de normalidade e razoabilidade.
E no caso vertente, a análise da prova produzida não se afigurou particularmente difícil, porque a mesma foi toda consentânea entre si, sem contradições ou incoerências, sendo certo que o teor das mensagens se encontra documentado, sem embargo da confirmação efectuada pelo arguido e da contextualização efectuada pela ofendida.
O arguido prestou declarações, admitindo quase a totalidade dos factos, tendo adoptado um discurso vitimológico e desculpabilizante.
Por sua vez, a ofendida prestou um depoimento absolutamente credível, descritivo, seguro, fluente, objectivo, em termos que não nos deixaram dúvidas da sua veracidade.
Descreveu assim a sua relação com o arguido, o antes e o depois da vinda para Grândola e os contextos em que se desenrolavam as discussões, concretizando os termos em que o arguido manifestava ciúmes e o contexto e os termos em que o arguido proferia as expressões dadas como provadas.
Também no depoimento desta resulta a factualidade não provada, uma vez que à mesma não foi feita qualquer referência.
Prestou ainda depoimento (…), pai da ofendida, que confirmou o teor das mensagens trocadas e dirigidas a si. Admitiu que previamente às mesmas disse ao arguido que se o mesmo voltasse a ameaçar a sua filha, lhe dava um tiro.
Os elementos subjectivos dados como provados resultam dos factos objectivos provados analisados à luz das mais elementares regras de experiência e normalidade social.
Os antecedentes criminais do arguido avultam do certificado de registo criminal junto aos autos. As condições pessoais deste, do relatório da DGRSP elaborado para efeitos de determinação da pena.»

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Cumpre conhecer.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

Das suas conclusões extrai-se que o recorrente está insatisfeito com a decisão recorrida por quatro motivos:

- que o ameaçado, pai da ofendida, não teve medo;

- o ter havido provocação deste, com ameaça de morte, pelo que – tudo considerado - não ocorreu crime de ameaça agravada;

- a pena aplicada é excessiva (diremos que o uso do singular supõe a absolvição pela prática do crime de ameaça);

- que sempre deveria ser suspensa.

Acresce a estes pontos uma óbvia, porquanto notória, contradição factual entre a parte final do facto C) e o facto não provado sob 1), de que o tribunal conhecerá oficiosamente.


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B.2 - Quanto a este último ponto parece ser evidente que a simples leitura da decisão recorrida faz sobressair a contradição entre os factos C) e 1) pois que o primeiro afirma que “Porém, nos últimos tempos do relacionamento, mais concretamente, desde que vieram morar para (…), que o comportamento do arguido, para com a sua companheira (...), começou a agravar-se, sendo que, o mesmo, por ciúmes, iniciava, com uma frequência quase diária, discussões, apelidando-a de puta, vaca, porca e imputava-lhe relacionamentos extraconjugais, enquanto no segundo se afirma não provado precisamente o contrário, que “Que na sequência das discussões, o arguido imputava relacionamentos extraconjugais à ofendida”.

Em princípio e inserindo-se o vício de facto na letra do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal o mesmo deveria ser suprido pelo tribunal recorrido e implicaria o reenvio dos autos para reabertura da audiência com esse fim. Tal contradição, de facto, supõe uma opção de apreciação de prova no sentido de afastar um dos factos que se encontra em contradição pois que apenas um deles pode subsistir na sentença.

No entanto esta já contém a resposta à questão de facto, dispensando-nos o procedimento de reenvio pois que na fundamentação se afirma que a ofendida “Descreveu assim a sua relação com o arguido, o antes e o depois da vinda para (…) e os contextos em que se desenrolavam as discussões, concretizando os termos em que o arguido manifestava ciúmes e o contexto e os termos em que o arguido proferia as expressões dadas como provadas. Também no depoimento desta resulta a factualidade não provada, uma vez que à mesma não foi feita qualquer referência.”

Se temos como certo que a matéria de facto não provada – tão exígua que não dá azo a possíveis confusões ou lapsos – corresponde ao depoimento da ofendida esse e aquela prevalecerão sobre quaisquer dúvidas meramente formais e mantêm-se o facto não provado em 1), eliminando-se a expressão “o arguido imputava relacionamentos extraconjugais à ofendida” constante do facto provado sob C).

Acresce que “imputar relacionamentos extraconjugais” é nada em termos de factos. Afirmação de um grande significado psicológico e sociológico mas não serve para nada em termos judiciais, pois que nesta sede se exigem factos e não expressões generalistas e conclusivas.


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B.3 - Nas suas motivações e conclusões - designadamente conclusões B a H - o recorrente desenvolve as razões porque entende que a sua condenação pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº, al. a) do Código Penal, deve ser revertida e, assim, dele absolvido, convergindo a argumentação do arguido nas ideias de que o ameaçado ameaçou-o inicialmente, o ameaçado declarou não ter tido medo, de onde resulta em seu entender que:

D. Para a consumação do crime de ameaça exige-se que a ameaça seja, na situação concreta, adequada a provocar no ofendido medo e inquietação, devendo ser utilizado, para ajuizar dessa adequação, um critério objetivo e individual, sendo adequada aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.

E. Sabido que o ofendido, militar de carreira, ameaçara primeiro dar um tiro ao arguido, é óbvio que o contexto em que as mensagens/expressões foram proferidas - de resposta a uma ameaça de que levaria um tiro do pai da ofendida - não é apto a que se conclua que tais expressões se mostram idóneas a provocar medo ou inquietação no ofendido, ainda que efetivamente não o tenham provocado.

E daqui conclui o recorrente que «nas circunstâncias em que as "ameaças" foram proferidas, num contexto de resposta a um aviso de que levaria um tiro, as mesmas configuravam um mero desabafo, não se mostrando por isso preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da prática do crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, al. a) do Código Penal, devendo, consequentemente» ser o arguido absolvido do crime de ameaças imputado.

É patente que o recorrente tem noção – conclusão 9ª - de que o crime de ameaças após a revisão de 1995 do Código Penal passou a ter a natureza de um tipo de perigo, abandonando-se a opção inicial que seguia a influência do artigo 169º do Projecto, um crime de dano. - “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Especial”, Associação Académica, Lisboa, 1979, pags. 81-83.

De forma clara o legislador não quer que a interacção interpessoal, familiar e social seja invadida pelo direito penal a não ser em caso extremo balizado pelas exigências deste tipo penal. Desde logo, o artigo 153.º é claro na exigência de que a ameaça tem que ser concretizada na prática de um crime (“quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”).

Depois, a exigência de “adequação” a causar “medo e inquietação”, conceito que não deve ser confundido com a efectiva verificação da causação do “medo e inquietação” na vítima.

Ou seja, tratando-se de um crime de perigo concreto e não de um crime de resultado, o crime de ameaças apenas supõe que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação, não exigindo a prova de que o resultado se tenha verificado no concreto ameaçado. - Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pags. 348-349, Coimbra Editora, 1999.

O critério a utilizar para determinar essa adequação a causar medo ou inquietação é objectivo-individual, por referência ao “homem-comum”, adulto e médio, apenas atenuado na sua procurada objectividade pela ancoragem nas particularidades da pessoa ameaçada.

Se é certo que “a ameaça «adequada» é aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente do seu destinatário ficar, ou não, intimidado” (Ac. TRG de 21-06-2010 - 380/06.4GEGMR.G2, rel. Fernando Monterroso), também é certo que se deve afastar a integração no tipo se as características pessoais do ameaçado excluem claramente a adequação ao surgimento do “medo ou inquietação” ou o prejuízo para a respectiva “liberdade de determinação”.

Apuremos, então, da adequação dos factos dados como provados no caso concreto ao dito preenchimento do tipo.

Num raciocínio ainda em abstracto, perceber as mensagens do arguido coloca uma questão inicial de compreensibilidade da linguagem, logo, da ameaça. A mensagem com o teor «Dás me um tiro vamos ver o tiro que me vais dar o fudido o respeito acabo agora matas e morres» suscita dúvidas interpretativas de monta. Admitindo que a essência da mensagem tem algo de suspense tétrico - tiro, vais dar, agora matas e morres – e alguns termos que fazem pouco sentido na mistura linguística utilizada («o fudido o respeito acabo») acaba por ser uma mensagem de difícil compreensão e de nulo efeito ameaçador.

Adaptando aqui Wittgenstein, uma ameaça também deve ser compreensível. Se não é e acaba por estar mais próxima do ridículo do que do anúncio de um mal, deixa de preencher o requisito do tipo penal, a adequação a causar o medo, a intimidação.

Não só nada se concretiza, nem a característica do “discurso” permite retirar com segurança uma qualquer ameaça concretizável.

Por outro lado, o concreto destinatário das expressões do arguido é um militar de carreira e está naturalmente habituado ao uso de arma e às bravatas que bastas vezes lhes são associadas. Se o critério a utilizar para determinar essa adequação a causar medo ou inquietação é objectivo-individual, por referência ao “homem-comum”, adulto e médio, mas necessariamente atenuado na sua objectividade pelas particularidades da pessoa ameaçada, entendemos que esse critério não se cumpre no caso concreto, pois que a mensagem enviada pelo arguido não passa de uma jactância inadequada a causar medo ao imaginado ofendido.

Se é verdade que o tipo penal de ameaças não exige a prova de que o resultado se tenha verificado no concreto ameaçado, exige ao menos uma causalidade entre o acto ou palavra e a possível causação de um estado subjectivo no visado. Ou seja, tratando-se de um crime de perigo concreto e não de um crime de resultado, o crime de ameaças apenas supõe que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação, No caso concreto não há “adequação” a causar “medo e inquietação” num cidadão vulgar que não seja assustadiço, muito menos num militar. Não há, portanto, crime de ameaças face aos elementos objectivos do tipo.

Em resumo, a pretensão de integração no tipo claudica no primeiro pressuposto de integração tipológica: não há ameaça com acto ilícito criminal. Restaria inútil apurar da adequação ao surgimento do “medo ou inquietação” ou o prejuízo para a respectiva “liberdade de determinação”. Fez-se essa análise para facilitar a compreensão do tipo no caso concreto.

Não há, portanto, que analisar a questão da eventual “provocação” ou “provocação da provocação”.

Por fim se afirma que a exclusão destes casos de “tensão” interpessoal são o preço de vida em sociedade, casos que não podem, todos, ser objecto de tutela penal, sob pena de se tornar inviável a vida societária ou esta se transferir para a sala de audiências.

Não há, destarte, crime de ameaças, pelo que o arguido dele deve ser absolvido.


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B.4 - A única questão que resta para resolver centra-se no pedido de alteração da pena imposta por esta, no entender do recorrente, se mostrar excessiva.

Aqui estamos de acordo com o tribunal recorrido na ideia de que a violência nestes autos e a exercida nos crimes já cometidos pelo arguido – vejam-se os crimes de roubo praticados pelo arguido - impõe especiais necessidades de prevenção, quer geral, quer especial.

E numa sociedade cada vez mais agressiva, a reacção criminal contra a violência já assume foros de defesa social premente, imperativa. Há pois que sinalizar essa violência com uma adequada pena e, no caso, a pena de prisão que foi imposta pelo tribunal recorrido cumpre a sua função de aviso solene muito mais eficaz.

Acresce que a insatisfação do recorrente não imputa erros de facto ou direito ao raciocínio que sustentou a fixação da pena e seu regime de cumprimento – aqui se incluindo a sua pretensão à suspensão da execução da pena e à fixação de um regime de prova – limitando-se a fazer apelo à aplicação de “um outro critério”.

No entanto, considerando que o arguido vem a delinquir desde 2001 e até 2015, já com 19 (dezanove) condenações e que o número excessivo de suspensões de execução das penas impostas não afastou o arguido da delinquência nestes catorze anos, suspender a execução da pena seria consagrar um regime de impunidade a favor do arguido.

Por isso nada há a alterar no regime punitivo imposto.


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C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:

- Eliminar a expressão “o arguido imputava relacionamentos extraconjugais à ofendida” constante do facto provado sob C);

- Absolver o arguido da prática de um crime de ameaças agravado;

. No resto declarar o recurso parcialmente improcedente.

Sem tributação.

Notifique.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 23 de Junho de 2020

João Gomes de Sousa

Nuno Garcia