Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
553/08.5GFLLE.E2
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
CRITÉRIOS DE ESCOLHA
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Depois de decidida a questão da medida concreta da pena de prisão, deve ponderar-se a pretendida substituição dessa mesma pena - que não excederá 8 meses de prisão pois só o arguido interpôs recurso da sentença condenatória – pela pena de prisão suspensa (como pretende o recorrente) ou outra das penas de substituição em sentido próprio aplicáveis, ou seja, as penas que respondem a um duplo requisito: terem, por um lado, caráter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade, e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, para serem então aplicadas [na sentença condenatória] em vez desta – cf. F. Dias Direito Penal Português, 1993 pp 335.

Só no caso de não proceder esta pretensão do recorrente, cabe ponderar se a pena de prisão efetiva, ou seja, a pena de prisão aplicada na sentença depois de decidida a sua não substituição em sentido próprio, pode ser executada em RPH com fiscalização por meios técnicos à distância, nos termos do art. 43.º nº1 a) do C. Penal, na redação introduzida pela Lei 94/2017 de 23 de agosto.

II - De acordo com a norma especial agora contida no nº1 do art. 45.º e antes no nº1 do art. 43.º, do C. Penal, a opção regra do legislador pela pena de multa de substituição ou outra pena não privativa da liberdade, apenas será excecionalmente afastada se razões de prevenção especial ou de prevenção geral exigirem a execução da pena principal de prisão, ainda que a escolha entre as penas de substituição aplicáveis deva fazer-se à luz do critério geral da adequação e suficiência afirmado no art. 70º do C. Penal e nas disposições especiais que estabelecem os pressupostos formais e materiais das diversas penas de substituição, desde a reforma do C. Penal de 1995.

III - Face ao desconhecimento da situação pessoal e familiar do arguido nos últimos 8 anos, não se mostra que a execução daquela pena de prisão seja exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes, pelo que, dado o disposto no art. 45º nº1 do C. Penal na sua atual redação, decide-se suspender a execução da pena de 8 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º do C. Penal.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

Em conferência, acordam os juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
1. Nos presentes autos de processo sumário que correm termos no Juízo Local Criminal de Loulé (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o MP deduzira acusação em processo sumário contra FF, casado, nascido a 26/06/1961, imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292° n° 1 e art. 69° n° 1 a) do C.P..

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi o arguido condenado por sentença de 25.09.2008 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292° do CP, na pena de prisão efetiva de 8 meses e na pena acessória de proibição de conduzir por 30 meses.

3. – Inconformado, o arguido interpôs recurso daquela sentença para este Tribunal da Relação que, por acórdão de 1.07.2010, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento parcial restrito à matéria da escolha e determinação da pena.

4. – Realizado novo julgamento parcial da causa, foi proferida nova sentença em 17.12.2010, que decidiu, nos mesmos termos, condenar o arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292° do CP, na pena de 8 meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de conduzir por 30 meses.

5. De novo inconformado, é desta sentença que o arguido vem agora interpor recurso, extraindo as seguintes conclusões da sua motivação

- «CONCLUSÕES
I – A PENA DE OITO MESES DE PRISÃO EFECTIVA APLICADA AO RECORRENTE É MANIFESTAMENTE EXCESSIVA.

II – O RECORRENTE ENCONTRA-SE SOCIALMENTE INTEGRADO, QUER A NÍVEL FAMILIAR QUER A NÍVEL PROFISSIONAL.

III - REVELANDO-SE ADEQUADA A APLICAÇÃO AO RECORRENTE DE UMA PENA DE PRISÃO, QUE SE FIXE NOS LIMITES MÉDIOS LEGAIS, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, CONDICIONADA À FREQUÊNCIA POR PARTE DO RECORRENTE DE UM PROGRAMA DE REABILITAÇÃO/TRATAMENTO DO ALCOOLISMO.

IV -CASO V. EXAS., ASSIM NÃO ENTENDAM, DEVERÁ AO MENOS A PENA DE PRISÃO SER CUMPRIDA EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VIGILÂNCIA ELETRÓNICA.

V -CUMPRINDO A PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO OU EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO AS NECESSIDADES DE PREVENÇÃO ESPECIAL EXIGIDAS.

VI – CONTRARIAMENTE, A PENA DE PRISÃO EM QUE O RECORRENTE FOI CONDENADO, COLOCARÁ EM CAUSA A SUA INTEGRAÇÃO SOCIAL, EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ART.ºS 40.º, 70.º E 71.º DO CÓDIGO PENAL.

Pelo exposto e pelo mais e melhor de direito que Vossas Excelências não deixarão de suprir deve dar-se provimento ao recurso, aplicando ao recorrente uma pena de prisão que se fixe nos limites médios legais, suspensa na sua execução, condicionada à frequência por parte do recorrente de um programa de reabilitação/tratamento do alcoolismo, ou, caso V. Exªs não entendam ser de suspender a execução da pena de prisão, deverá ao menos a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, mediante a sujeição por parte do recorrente a tratamento médico em instituição adequada.

Assim se fazendo justiça.»

6. – Na sua resposta ao recurso o MP pugna pela procedência parcial do recurso, concluindo nos seguintes termos:

- «1. No nosso entendimento, e salvo melhor opinião, o tribunal “a quo” à data da prolação da douta sentença – 17.12.2010, não violou as regras dos artigos 292º nº 1, 40º nº 2, 70º e 71º, todos do CP, ao condenar o recorrente na pena de 8 meses de prisão efectiva, já que o arguido havia sido condenado por 4 vezes no mesmo crime, inclusivamente em penas de prisão suspensa e no crime de desobediência em que cumpriu pena de prisão efectiva.

2. Acontece, contudo, que pese embora a douta sentença date de 17.12.2010, o facto é que somente passados mais de 8 anos a esta parte foi possível notificar o arguido, ora recorrente do teor da sentença; ora o decurso do tempo de quase uma década, salvo melhor opinião, faz mitigar as finalidades de prevenção especial que se fazem sentir, no caso concreto, razão pela qual não se justificando, nos tempos actuais, a suspensão da pena ainda que em regime de prova, justifica-se dar parcial provimento ao recurso, condenando-se o recorrente na pena de 8 meses de prisão em regime de permanência em habitação com vigilância electrónica e com autorização para sair para efeitos laborais e/ou para comparecer a consultas médicas de despistagem de alcoologia.».

Termos em que deve ser dado parcial provimento ao presente recurso interposto, nos termos supra expendidos, mantendo-se, na integra, o remanescente da douta sentença recorrida. »

7. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

8. Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada veio acrescentar.

9. – Transcrição (parcial) da sentença recorrida:
- « (…)
FACTOS PROVADOS:--
l- No dia 18 de Setembro de 2008, cerca das 00h49m, na Rua Manuel dos Santos Vaquinhas em Almancil, Loulé, o arguido conduzia veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula -VB.

2- Uma vez submetido a teste de pesquisa de álcool no ar expirado, foi possível apurar que enquanto procedia ao exercício da condução de veículo automóvel, o fazia com uma taxa de álcool de 1,77 gramas por cada litro de sangue.

3- O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção que concretizou de ingerir bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução de veículo automóvel na via pública, representando como possível que o tivesse feito em quantidade suficiente para ultrapassar os limites máximos legalmente estabelecidos.

4- Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou
5- Na dinâmica familiar o arguido ressalta como um elemento pouco interveniente na estruturação das vivências dos descendentes, constituindo-se o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, sobretudo aos fins-de-semana e em contexto social, um condicionante na assunção das suas responsabilidades face à família.

A progenitora é o principal suporte da família, quer em termos afectivos, quer em termos económicos, sendo neste momento o sustento da família, auferindo € 600,00/mês, não obstante o arguido ser um indivíduo com hábitos de trabalho;

6- À data dos factos o arguido residia com a sua companheira e os três filhos, num apartamento arrendado; encontrava-se a trabalhar; presentemente encontra-se inactivo a nível profissional, mas com perspectivas de ingresso numa Firma Francesa de Campos de Golf "Sociedade Espaço Verde";

7- No que se refere à problemática aditiva o arguido não a reconhece, verbalizando que diariamente consome apenas álcool às refeições e em quantidades reduzidas, não sentindo qualquer necessidade de se submeter a tratamento.

No entanto, a família adianta que há muitos anos que o arguido é alcoólico, o que destabiliza a vivência familiar e o seu percurso profissional, sendo certo que apesar das várias tentativas de o sensibilizar para o tratamento, aquele nunca acedeu.

8- O arguido evidenciou algumas dificuldades na capacidade de analisar e prever as consequências dos seus actos e de pensamento sequencial efectuando uma avaliação destorcida do valor jurídico em causa nos autos, distanciando-se por completo das situações que o colocam neste momento em juízo, bem assim, nas condenações anteriores, relativamente às quais não assume qualquer responsabilidade ou necessidade de alteração comportamental.

Nesta linha, tende a desvalorizar os consumos de bebidas alcoólicas e a não aderir a propostas de avaliação médica apresentadas pela família.

9- No que concerne às características pessoais e de interiorização do valor jurídico, foram detectadas no arguido algumas disfuncionalidades a este nível, pelo distanciamento que revela na ponderação do seu comportamento e nas consequências das situações em que participa.

10- O percurso vivencial de FF tem sido assim condicionado de forma negativa devido ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

11- O arguido foi condenado em 22 de Novembro de 1993 por factos de 20 de Novembro do mesmo ano, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 600$00 e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo prazo de um ano, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool.

12- O arguido foi condenado em 30 de Outubro de 1995 por factos de 28 de Outubro de 1995, na pena de 4 meses de prisão substituída por multa, à taxa diária de 400$00, no montante de 48.000$00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo prazo de 6 meses, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool.

13- O arguido foi condenado em14 de Março de 2000, por factos de 28 de Agosto de 97, na pena de oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool. Tal pena foi declarada extinta por decisão de 04 de Outubro de 2005.

14- O arguido foi condenado em 15 de Abril de 2002, por factos de 24 de Agosto de 2001, na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de desobediência. Tal pena foi declarada extinta atento o cumprimento, por decisão de 21 de Outubro de 2003.

15- O arguido foi condenado em 17 de Outubro de 2006, por factos de Setembro de 2006, na pena de três meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool. Tal decisão transitou em julgado a 03 de Novembro de 2006.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a causa não há.

FUNDAMENTAÇÃO:
Cumpre em primeiro lugar referir que o arguido não esteve presente em julgamento, nem na reabertura da audiência, pese embora a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua presença
(…)
Não existindo causas que excluam a ilicitude ou a culpa deverá o arguido ser condenado pelo crime de condução sob a influência do álcool.

Tal crime é punido com a pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Mais acresce a sanção acessória de inibição de conduzir de 3 meses a 3 anos – art.º 69º, nº 1 al, a) do CP.

Entre a pena de prisão e a pena de multa, o Tribunal optará por esta caso seja suficiente para proteger o bem jurídico da segurança rodoviária e a reintegração do agente na sociedade – art.º 70º do C.P.

No tipo de crimes como o dos presentes autos são prementes as exigências de prevenção geral, atenta a proliferação da criminalidade rodoviária e o elevado número de acidentes de viação que ocorrem nas estradas portuguesas (neste sentido vide Ac. TRP, de 31.03.2004 e Ac. TRL, de 23.10. 2007, disponíveis in www.dgsi.pt).

Importa ainda referir que o arguido já foi condenado 4 vezes pelo crime de condução em estado de embriaguez e uma vez pelo crime de desobediência.

O arguido cumpriu já pena de prisão pela prática do crime de desobediência.

Comportamento que agrava significativamente a responsabilidade do arguido.

Além disso, como decorre da factualidade provada de pontos 5. a 10, o arguido não revela consciência do desvalor da sua conduta, desvalorizando a prática dos factos assim como o consumo de bebidas alcoólicas, não assumindo a necessidade de alteração comportamental.

Pelo que, perante uma personalidade com tão poucas inibições em relação ao cometimento de ilícitos e que não reagiu a penas não privativas de liberdade, impõe-se agora a aplicação de uma pena de prisão.

Pois que, só esta pena pode, neste momento do percurso criminal do arguido, satisfazer as expectativas da comunidade, por um lado, e servir de advertência individual ao arguido, por outro.

Vejamos, agora, a determinação da medida concreta da pena, tendo em conta os critérios previstos no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP.

O grau de ilicitude concretizado em mais 0,57 g/l relativamente a medida de perigo imposta pelo legislador é relativamente elevado. Por outro atendendo à altura em que o facto se realizou, (de madrugada).-

O dolo é de gravidade elevada em face das regras da experiência da vida e atendendo à hora e à taxa a que se reportam.

Assim entendo por adequada a pena de prisão de 8 meses.

Da substituição da pena detentiva
Atendendo a que por imperativos constitucionais e legais a pena de prisão é e deverá sempre a última a ser aplicada, criou o legislador penal um sistema substitutivo da pena de prisão.

Os artigos 43.º, nº l, 44.º, nº l do C.P. indicam-nos que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano pode ser substituída por pena não detentiva (multa ou trabalho a favor da comunidade) ou então pelo regime de permanência na habitação.

O artigo 50º do mesmo diploma refere que a pena de prisão em medida não superior a 5 anos pode ser suspensa, com a implicação para o arguido de deveres, regras de conduta ou regime de prova.

No caso concreto a substituição da pena de prisão pela pena de multa ou de trabalho a favor da comunidade não se revela de grande utilidade, atendendo à existência de antecedentes criminais do arguido pela prática de ilícitos iguais.

Já o regime de permanência na habitação implica o consentimento do arguido que não se apresentou em juízo, entendendo também o tribunal que tal medida não consegue de forma cabal fazer cumprir as exigências de prevenção especial que o caso requer, pois que, permanecendo na habitação o arguido não conseguirá fazer a introspecção necessária e valorar devidamente a gravidade da sua conduta.

Por fim a suspensão da execução da pena de prisão é também insuficiente não só pela circunstância de actualmente o arguido estar sujeito a medida de igual índole o que não evitou que viesse a praticar crime idêntico, e a sua aplicação novamente não seria sentida pelo arguido como uma verdadeira pena.

Entende assim o tribunal que a prisão não deverá ser substituída mas efectivamente aplicada já que é a única forma de evitar que o arguido volte a delinquir, ao mesmo tempo que o afasta da condução, e protege a comunidade de um cidadão que demonstra pouco respeito pelas regras da vida em sociedade.

Apenas a prisão efectiva poderá ter algum efeito ressocializador já que durante tal tempo terá o arguido oportunidade de fazer uma auto-observação e querendo, mudar o seu rumo de vida.

Importa agora determinar a sanção acessória. Neste âmbito importa buscar os considerandos anteriores, bem como a prevenção especial. Assim considero adequada a fixação da pena acessória em 30 meses (artigo 69º nºl do CP), já que tal se revela essencial para fazer sentir ao arguido a necessidade de se comportar de acordo com os ditames da lei e do direito.
(…) »
Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso.

O recorrente não põe em causa a opção do tribunal recorrido pela pena de prisão em detrimento da pena principal de multa, mas antes a medida concreta da pena de 8 meses de prisão que lhe foi aplicada, por considerar ser a mesma excessiva, e, em todo o caso, a não substituição da pena de prisão, pretendendo que esta seja suspensa na sua execução, condicionada à frequência de um programa de reabilitação/tratamento do alcoolismo, ou, subsidiariamente, que a pena de prisão seja cumprida no regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, mediante sujeição a tratamento médico em instituição adequada.

São estas, pois, as questões a decidir, pela ordem indicada, de acordo com o procedimento para determinação e escolha da pena da pena resultante do regime legal traçado na parte geral do C. Penal.

Com efeito, depois de decidida a questão da medida concreta da pena de prisão, deve ponderar-se a pretendida substituição dessa mesma pena - que não excederá 8 meses de prisão pois só o arguido interpôs recurso da sentença condenatória – pela pena de prisão suspensa (como pretende o recorrente) ou outra das penas de substituição em sentido próprio aplicáveis, ou seja, as penas que respondem a um duplo requisito: terem, por um lado, caráter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade, e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, para serem então aplicadas [na sentença condenatória] em vez desta – cf. F. Dias Direito Penal Português, 1993 pp 335.

Só no caso de não proceder esta pretensão do recorrente, cabe ponderar se a pena de prisão efetiva, ou seja, a pena de prisão aplicada na sentença depois de decidida a sua não substituição em sentido próprio, pode ser executada em RPH com fiscalização por meios técnicos à distância, nos termos do art. 43º nº1 a) do C.Penal, na redação introduzida pela Lei 94/2017 de 23 de agosto.

RPH que, nos casos, como o presente, a que se reportam as alíneas a) e b) do nº1 do art. 43º do C. Penal na versão introduzida pela Lei 94/2017 de 23.08, continua a configurar-se como pena de substituição detentiva ou em sentido impróprio, na medida em que, supondo a prévia determinação concreta da pena de prisão e sendo decidida na sentença condenatória, tal como as penas de substituição em sentido próprio, não substitui a pena de prisão por outra pena, antes substitui a forma paradigmática de execução da pena de prisão (em estabelecimento prisional) pelo seu cumprimento em meio não prisional, nutrindo-se, assim, na expressão de F. Dias, que passamos a parafrasear (ob. cit. p. 336), do mesmo húmus histórico e político-criminal das restantes penas de substituição: o da luta contra as penas (curtas) de prisão, pois é claro e indiscutível que os inconvenientes político-criminais graves que a estas penas se apontam – e que podem resumir-se no que se chama o efeito criminógeno da prisão - valem para a pena de prisão intramuros, mas já não para a prisão cumprida em regime de permanência na habitação.

Para concluir, sempre se diga que nos casos de aplicação do RPH na sequência de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento de multa, a que se reporta a al. c) do mesmo nº1 do art. 43º do C. Penal, o RPH constitui mera forma de execução da pena de prisão, a decidir incidentalmente na fase respetiva (e não na sentença condenatória), o que leva a que, após a Lei 94/2017, o RPH assuma natureza híbrida de pena de substituição detentiva e de mera forma de execução da pena de prisão, conforme os casos.

2. Decidindo.

1. A medida concreta da pena.
Para fundamentar a sua pretensão de ver fixada a pena concreta nos limites médios legais, como diz, o recorrente alega encontrar-se socialmente integrado, quer a nível familiar quer a nível profissional e que, apesar de já ter outras condenações por crimes de idêntica natureza, atenta a taxa de álcool registada, as consequências dos factos praticados e as condições pessoais do recorrente, revela-se ainda assim adequada a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão menos gravosa.

Sem razão, porém.
Por um lado, a factualidade provada não revela que o arguido se encontrasse integrado a nível familiar e profissional à data da sentença recorrida (17.12.2010), e o recorrente tão pouco alega na sua motivação de recurso qual seja a sua situação atual, limitando-se às considerações genéricas aludidas. Não se verifica, pois, que a sua situação pessoal e familiar constitua circunstância favorável ao arguido que pudesse levar à redução da medida concreta da pena determinada pelo tribunal recorrido.

Por outro lado, sendo o crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 292º e 41º nº1 com pena de prisão entre 1 mês e 1 ano, os antecedentes criminais do arguido, quase integralmente preenchidos com a prática de crimes da mesma natureza, associados ao grau de ilicitude do facto, máxime em função do caráter doloso da conduta e do grau de alcoolémia verificado e, ainda, à ausência de circunstâncias favoráveis ao arguido, nomeadamente do ponto de vista da sua situação pessoal, não permitem concluir, como pretende o recorrente, que se impõe no caso presente a aplicação de medida mais curta que a pena de 8 meses de prisão fixada pelo tribunal a quo, pelo que improcede o recurso nesta parte.

2. Pena de substituição.

O arguido fundamenta a pretendida suspensão da execução da pena nas mesmas circunstâncias em que assenta a pretensão de ver reduzida a medida concreta da pena, ou seja, na alegada integração familiar, económica e profissional, na ausência de consequências concretas da sua conduta e na taxa de alcoolémia.

2.1. Vejamos.
O atual art. 45º do C. Penal, que resulta das alterações introduzidas ao C. Penal pela Lei 94/2017 de 23 de agosto e corresponde aos nºs 1 e 2 da versão do art. 43º do C. Penal anterior a esta Lei, traduz a opção legal pela substituição-regra das penas de prisão aplicadas em medida igual ou inferior a 1 ano e constitui um preceito emblemático do programa de política criminal de luta contra as penas curtas de prisão e de preferência pelas reações criminais não detentivas reafirmado pelo legislador desde o C. Penal de 1982, à luz do qual apenas terá lugar a execução de prisão até um ano (prisão até 6 meses anteriormente à Lei 59/2007 de 4 de setembro) se tal for exigido pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Significa isto que, de acordo com a norma especial agora contida no nº1 do art. 45º e antes no nº1 do art. 43º, do C. Penal, a opção regra do legislador pela pena de multa de substituição ou outra pena não privativa da liberdade, apenas será excecionalmente afastada se razões de prevenção especial ou de prevenção geral exigirem a execução da pena principal de prisão, ainda que a escolha entre as penas de substituição aplicáveis deva fazer-se à luz do critério geral da adequação e suficiência afirmado no art. 70º do C. Penal e nas disposições especiais que estabelecem os pressupostos formais e materiais das diversas penas de substituição, desde a reforma do C.Penal de 1995.

Como referia Maia Gonçalves aquando da revisão do C. Penal introduzida pelo Dec.-lei 48/95 de 15 de março, a alteração do regime antes acolhidos no art. 43º foi igualmente determinada pela “premência de clarificar que a substituição das curtas penas de prisão é regra, só podendo deixar de ser efetuada quando a prisão efetiva for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes…”. – cf. Código Penal Português, 8ª edição, p. 298.

Também F. Dias, referindo-se precisamente ao art. 43º do C. Penal na versão então em vigor, deixa claro que «Uma pena de prisão não superior a 6 meses só poderá ser aplicada se a sua execução se revelar imposta por razões exclusivas de prevenção. (…). Isto verificado, o tribunal só poderá ordenar a execução na base de uma de duas razões, que especificamente terá de fundamentar: ou de razões de prevenção especial, nomeadamente de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência; e (ou) na base de que aquela execução é imposta por exigências irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico.» - Cfr Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime-1993 p. 363.

Impõe-se, pois, ao intérprete um verdadeiro dever no sentido da aplicação de pena de substituição em sentido próprio, salvos casos excecionais devidamente fundamentados.

Ora, embora as necessidades de prevenção geral positiva não se oponham à substituição da prisão por pena não detentiva em casos de gravidade mediana como se verifica no caso concreto, pois encontramo-nos no âmbito da pequena criminalidade relativamente à qual é crescente a consciência de que as penas de substituição constituem verdadeira resposta contrafática à prática do crime, ou seja, verdadeiras penas, dado o seu conteúdo penoso para o infrator, traduzido na exigência de comportamentos positivos que representam um sacrifício pessoal ou patrimonial da sua parte, para além da inerente limitação ou condicionamento da liberdade do condenado, as exigências de prevenção especial ditam particulares reservas à opção regra no caso presente, o que terá levado o tribunal a quo à aplicação de prisão efetiva ao arguido.

Com efeito, o arguido foi condenado pela prática, entre 1993 e 2006, de quatro crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência diretamente relacionado com a mesma problemática, tendo mesmo cumprido pena de prisão, e à data da sentença (dezembro de 2010) continuava a desvalorizar a gravidade e consequências do consumo abusivo de álcool, que tem condicionado de forma negativa o seu percurso vivencial, conforme consta da sentença recorrida, levando a que o tribunal a quo tivesse afastado prognose positiva sobre a possibilidade de o arguido se manter afastado da prática de crimes mediante a aplicação de pena não privativa da liberdade.

Sucede, porém, que os factos ocorreram em 2008 e a sentença foi proferida em 2010, sem que seja conhecida a prática de outros factos típicos posteriormente e sem que seja conhecida a situação pessoal, familiar e profissional, do arguido nestes últimos anos, o que nos parece determinante para a decisão a tomar em sede de recurso, sendo certo que não são igualmente conhecidos os contornos que levaram a que o arguido não fosse encontrado durante todos estes anos, apesar das diversas diligências ordenadas pelo tribunal, a propósito das quais se alude a ausências para trabalhar em Marrocos e no Brasil, mas sem que tal se encontre confirmado, não sendo igualmente referido na motivação de recurso a razão daquela ausência.

Assim sendo, as bases do juízo de prognose negativo realizado na sentença condenatória sobre a possibilidade de reintegração do arguido em liberdade, apesar de não se mostrarem infirmadas, encontram-se desatualizadas, máxime no que respeita às condições pessoais do arguido e ao seu comportamento posterior aos factos, pelo que não pode concluir-se agora que a execução da pena de 8 meses de prisão é (ainda) exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, levando ao afastamento da regra geral sobre as penas curtas de prisão que constitui norma paradigmática do modelo sancionatório acolhido entre nós desde a versão originária do C. Penal de 1982, como referido.

Por outro lado, a maior incerteza sobre o comportamento futuro do arguido, provocada pela desatualização de dados essenciais à prognose respetiva, torna comunitariamente suportável, à luz da preferência pelas penas não privativas da liberdade afirmada e reafirmada pelo nosso ordenamento jurídico-penal desde o início de vigência do C. Penal de 1982, a substituição da prisão mediante a sua suspensão com acompanhamento pelos serviços públicos de reinserção social, que se constitui, assim, em verdadeira prestação positiva própria de um Estado de Direito Social de Direito, dado o papel que pode assumir na reintegração social do arguido, que não se mostra atualmente comprometida na presente situação.

Por último, a opção pela suspensão da execução da pena não impede que o arguido venha a ter que cumprir mais tarde a pena privativa da liberdade agora suspensa, caso a suspensão da prisão venha a ser revogada em resultado da prática de novo crime ou de incumprimento culposo de plano de reinserção social, deveres ou regras de conduta a impor – cf. art. 56º do C. Penal - , sem prejuízo de a pena de prisão poder ser então executada em RPH, nos termos do art. 43ºº 1 c) do C. Penal, na sua atual redação, o que sempre minora os riscos inerentes a um falso positivo na prognose sobre o comportamento futuro do arguido.

Assim, tudo ponderado, entendemos que em atenção à compatibilidade entre a pena suspensa com regime de prova e imposição de deveres e as exigências de prevenção especial positiva, por um lado, e às vantagens que pena não privativa da liberdade pode assumir ainda para a vivência de um futuro afastado da prática de crimes por parte do arguido, face ao desconhecimento da sua situação pessoal e familiar nos últimos 8 anos, não se mostra que a execução daquela pena de prisão seja exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes, pelo que, dado o disposto no art. 45º nº1 do C. Penal na sua atual redação, procede o recurso nesta parte.

Decide-se, pois, suspender a execução da pena de 8 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º do C. Penal, pelo período de 1 ano - que constituía o período mínimo de suspensão previsto pelo art. 50º nº5 do C. Penal na sua redação em vigor à data dos factos, que é mais favorável ao arguido - , sendo a suspensão acompanhada de regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar nos termos dos artigos 54 do C. Penal, e sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada do problema de consumo abusivo de álcool, mediante o consentimento do arguido – cf. artigo 52º nº 3 do C. Penal.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, FF, revogando a sentença recorrida na parte em que decidiu não substituir a pena única de 8 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º do C. Penal, pelo período de 1 ano, decidindo, em substituição, suspender a execução daquela mesma pena de 8 meses de prisão pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova e sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada do problema de consumo abusivo de álcool, mediante consentimento do arguido.

Sem custas.

Évora, 2 de julho de 2019

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete