Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1242/12.1TBSLV-F.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: VENDA JUDICIAL
REMIÇÃO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares diretos do executado e dada a finalidade do instituto (proteção da família), parte do princípio de que o executado lhes deu a respetiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1242/12.1TBSLV-F.E1 (2ª Secção Cível)





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


(…) e (…) instauraram ação contra a Massa Insolvente de (…), Massa Insolvente de (…) e (…) Banco, SA, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 1) peticionando a nulidade da venda da fração autónoma descrita sob o n.º (…), da freguesia de Armação de Pera, na Conservatória do Registro Predial de Silves, pelo facto de não lhes ter sido dada a possibilidade de exercício o direito de remição/preferência enquanto residentes na fração e filhos dos proprietários da mesma, que haviam sido declarados insolventes.
Na contestação alegaram-se factos tendentes a concluir-se pela improcedência da ação.
Realizaram-se, audiência prévia e audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a ação.
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Não se conformando com a sentença, foi dela interposto recurso pelos autores, terminando as suas alegações por formularem as seguintes conclusões que se transcrevem:
A) Os recorrentes são filhos dos insolventes.
B) Os recorrentes deram a conhecer ao senhor AJ a sua vontade em remir.
C) Mas, mesmo que o não fizessem habitam o local e tinha de lhe ter de ser dado a preferência, o que não ocorreu.
D) Ora a venda deve assim ser considera nula.
E) Deve ser esta sentença ser considerada NULA.

Em contra-alegações o (…) Banco, SA pugnou pela confirmação do julgado.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se bem andou a Mª Juiz “a quo”, ao decidir que não foi demonstrado fundamento para anulação da venda realizada, designadamente por preterição do direito de remissão/preferência que os autores invocam.

No tribunal recorrido foi dado como provada, a seguinte matéria de facto:
1. Nos autos principais, depois de ter sido nomeado no processo o Administrador da insolvência (…), foram apreendidas duas metades indivisas de duas frações, identificadas no auto de apreensão de bens.
2. O banco foi notificado nos termos do artigo 164.º, n.º 2, do CIRE, e informou sobre o valor mínimo das propostas, tendo sido publicados os anúncios para venda, tendo sido aceite a proposta do (…) Banco por ser a mais elevada.

Foram considerados não provados os seguintes factos:
1) Que os Autores manifestaram perante o Senhor Administrador de Insolvência (…) a intenção de exercer o direito de remição.
2) Que os Autores apresentaram uma proposta para aquisição dos bens.
3) Que os Autores apresentaram uma reclamação relativamente à venda dos bens no processo de insolvência.
4) Que os Autores são “inquilinos” da habitação dos seus pais.
5) Que o imóvel transmitido no processo encontrava-se ocupado por terceiros.

Conhecendo da questão
Resulta das conclusões das alegações apresentadas pelos autores um mero inconformismo em relação à sentença recorrida, sem, no entanto, ter sido apresentada sustentação concreta, baseada em factos, aos quais, aplicado o direito resulte sustentação idónea para pôr em crise o julgado, pelo que, patentemente, se evidencia não existir fundamento válido para revogar a sentença recorrida.
Dispõe o 842.º do CPC que “ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
Por sua vez o artigo 843.º do CPC, quanto ao exercício do direito de remição, refere:
“1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.”
Em face da matéria que foi dada como provada, não resulta ter havido qualquer irregularidade relacionada com o invocado direito de remissão por parte dos autores que ponha o processo da venda dos bens em causa, pelo que comungamos do entendimento do Julgador “a quo”, ou seja, pela verificação de não ter havido qualquer omissão ou violação por parte do Administrador da Insolvência dos direitos dos autores, sendo que cabia a estes fazer a prova de factos conducentes a pôr o processo de venda em crise a fim do direito por si invocado poder ser atendido, o que não aconteceu, em face da não prova de factos essenciais a permitir tal desiderato, designadamente, dos constantes nos pontos 1 a 5 dos factos não provados.
Convém salientar, tal como afirma o recorrido, que apesar de os recorrentes poderem ser titulares do direito de remição, nos termos do artigo 842.º do CPC, não se confundido tal direito com o direito de preferência, a que aludem os artigos nos artigos 800.º, n.º 2, e 819.º do CPC, certo é que a lei não determina a notificação aos titulares do direito de remição, da data venda, como é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência.
“… Ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal” (cfr. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 2.º, 483).
“… O remidor não é notificado para o exercício do seu direito” (Anselmo de Castro in Ação Executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, 226).
Deve acolher-se, por ser mais consistente, a tese da não obrigatoriedade da notificação, porque o legislador considerou ser suficiente o conhecimento dado pela publicidade que rodear a venda ou da informação prestada pelo executado, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda (art. 886.º-A, n.º 4, do CPC), e, por outro lado, o titular do direito de remição não é parte no processo (cfr. Amâncio Ferreira, loc. cit., página 368, Anselmo de Castro, Acção Executiva, pág. 226, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pág. 624).
O legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares diretos do executado e dada a finalidade do instituto (proteção da família), parte do princípio de que o executado lhes deu a respetiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento (cfr., por ex. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, pág. 150).
Na verdade, destinando-se a remição a preservar o património do executado no seio da família, e uma vez que é também do próprio interesse do executado, recai sobre ele o ónus de informar os familiares diretos e sobre estes o ónus de acompanhar a situação dos bens. É também para isso que a lei impõe a notificação ao executado da modalidade da venda e do preço (artigo 886.º-A, n.º 4, do CPC).
(…) Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade da venda (cfr., por ex., Ac RL de 13/3/2008, em www.dgsi.pt). Mais exigente é a interpretação de Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, pág.609) para quem “o remidor tem o ónus de acompanhar a situação dos bens, de modo a poder efetivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação” – Ac. do TRC de 20/01/2009 no processo n.º 877/2002.C1.
Também, no mesmo sentido, Ac. do TRP de 15/12/210 no processo 523-F/1999.P1; Ac. do TRC de 25/05/2015 no processo 386/12.4TBSRE-B.C1.
Na sua motivação o Julgador “a quo” não deixou de salientar que nos elementos probatórios documentais foram tidos em conta os que constam dos autos principais e respetivos apensos, donde se evidencia que:
- Em 15/02/2013 foi realizada a Assembleia de Credores em que foi aprovado o relatório apresentado pelo AI e, consequentemente, a liquidação, estando presente na diligência o Insolvente, pai dos autores (cfr. respectiva Acta que se encontra nos autos principais);
- Em 29/03/2013, o AI notifica o credor hipotecário nos termos e para os efeitos do artigo 164º do CIRE;
- Na sequência da indicação do valor base e da modalidade de venda por parte do credor hipotecário, foi designada a data para abertura de propostas em carta fechada, para 21/05/2013, com publicação de anúncio;
- Tendo sido aceite a proposta apresentada pelo credor hipotecário, foi outorgada a respetiva escritura pública de compra e venda em 04/06/2013.
Assim, não resulta ter alguma formalidade sido preterida pelo AI na fase da venda do imóvel em causa nos autos e não tendo os ora recorrentes feito prova de factos donde resulte qualquer omissão relevante, a sua pretensão não podia deixar de naufragar.
Nestes termos, a decisão recorrida é de manter, improcedendo, assim, a apelação.

Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por os recorrentes beneficiarem de apoio judiciário.
Évora, 25 de junho de 2020
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes