Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
30/16.0T8RMR.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: EMPREITADA
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Ao dono da obra consumidor, confrontado com o cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada, incumbe definir o direito que pretende exercitar de entre aqueles que a lei lhe concede.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Réus: (…) e (…)

Recorrida / Autora: (…) – Equipamentos para Piscinas, Lda.

O presente processo consiste em ação declarativa de condenação através da qual a A peticionou a condenação dos RR, na qualidade de herdeiros de (…), a reconhecerem a existência de um crédito da A. sobre a herança no montante de € 31.115,00 (trinta e um mil, cento e quinze euros) acrescido de juros de mora à taxa supletiva que pode ser praticada pelas empresas comerciais, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento e a satisfazerem esse crédito pelos bens da herança. Crédito esse que decorre dos trabalhos executados e do fornecimento dos equipamentos mencionados nos orçamentos apresentados nos autos, referentes à construção de uma piscina, os quais foram aceites pela falecida mãe dos RR, (…).

Em sede de contestação, os RR pugnaram pela total absolvição do pedido, invocando que a piscina perde água por baixo, conforme denunciado à A, que desconhecem se os materiais usados em obra são aqueles cujo preço é reclamado, dando conta de que não quiseram a reparação por parte da A por entenderem ter esta forjado documentos, incorrendo em ilícito criminal.

Os RR requereram a realização de perícia, a qual veio a realizar-se tendo por objeto, designadamente, o apuramento dos materiais utilizados e dos equipamentos aplicados na empreitada e a correspondência destes aos elencados nas propostas de orçamento.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente condenando os RR, na qualidade de herdeiros de (…), a reconhecer a existência de um crédito da A. sobre a herança na quantia de € 28.653,67 (vinte e oito mil, seiscentos e cinquenta e três euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento e a satisfazerem esse crédito pelos bens da herança, absolvendo os RR do demais peticionado.

Inconformados, os RR apresentaram-se a recorrer, requerendo que o processo baixe à 1.ª instância para realização de diligências probatórias com o objetivo de aferir do concreto valor de mercado dos trabalhos e equipamentos que não se verificaram na obra – placa de grelha em aço inox AISI-316 com 500x245 mm, 2 (dois) projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo e ralo de pavimento da casa das máquinas – e, em consequência, proceder-se à sua redução no preço convencionado no 1.º orçamento, sendo certo que o valor da bomba de calor e a duplicação do robô já se encontram fixados e, nessa medida, deve a sentença recorrida ser, desde já, anulada nessa parte operando-se a redução do preço convencionado; quanto ao valor de mercado dos trabalhos realizados e identificados no 2.º orçamento cuja aceitação pela mãe dos Recorrentes não se provou, deve a sentença ser anulada e substituída por outra que considere os valores de materiais/equipamentos e mão-de-obra apurados pelo perito nomeado pelos Recorrentes dados os fundamentos supra mencionados ou, caso assim não se entenda, em caso de fundada dúvida, deve a sentença ser anulada e substituída por outra que considere a média dos valores apresentados pelos 3 peritos nomeados nos autos.

Concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A) A douta decisão recorrida condenou os ora Recorrentes, na qualidade de herdeiros de (…), a reconhecer a existência de um crédito da Autora sobre a herança na quantia de € 28.653,67 (vinte oito mil, seiscentos e cinquenta e três euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento e a satisfazerem esse crédito pelos bens da herança;
B) Ora, salvo o devido respeito que nos merece a opinião e a ciência jurídica do douto Tribunal a quo, afigura-se aqui aos Recorrentes que a douta sentença, na parte em que julgou parcialmente procedente a argumentação de facto e de direito da ora Recorrida e, como tal, condenou os ora Recorrentes no pedido, não poderá manter-se;
C) Dúvidas não existem, nem está aqui em causa, que (…) contratou a construção de uma piscina na sua casa sita na Asseiceira e que a mesma foi construída;
D) Atenta a prova produzida, considerou o Tribunal a quo que a empreitada em apreço foi acordada por um preço global;
E) Quanto ao 1.º orçamento, datado de 04/04/2015, no valor de € 28.000,00 mais IVA, o Tribunal a quo entendeu que “se deve atender ao preço convencionado pelas partes na parte em que se provou tal acordo.”;
F) Mais sustenta o douto Tribunal que “não faz sentido proceder à subtração dos elementos identificados no facto 13 que não se verificaram na obra.”, uma vez que “se desconhece se os mesmos foram efetivamente faturados” e, que “as demais situações (placa de grelha, dois projetores aquáticos, ralo, e diferente referência da bomba de calor) não são significativas num contrato de empreitada cujo preço foi acordado globalmente.”;
G) Alega ainda que, pese embora se tenham provado outros valores de mercado para os trabalhos em causa (factos 24 e seguintes), a autonomia privada é soberana e deve prevalecer;
H) Relativamente ao 2.º orçamento, datado de 15/05/2015, o Tribunal a quo entendeu que não se provou a aceitação de (…) quanto ao valor proposto dos trabalhos a mais, uma vez que o exame pericial realizado a esse documento, constante de fls. 119 e seguintes, concluiu como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura não seja da autoria de (…);
I) Ora, não se tendo provado a assinatura do 2.º orçamento e não se tendo provado os preços normalmente praticados pela Recorrida à data da conclusão do contrato, entendeu o Tribunal a quo que o preço global da empreitada deveria ser fixado de acordo com os valores de mercado;
J) Para a fixação desses valores o Tribunal a quo atendeu, única e exclusivamente, ao relatório pericial apresentado pelo perito nomeado pelo Tribunal e pelo perito nomeado pela Recorrida, tendo desconsiderado os valores apresentados pelo perito nomeado pelos ora Recorrentes;
K) No entanto, salvo o devido respeito e melhor opinião, tais deduções e conclusões não encontram suporte na matéria factual e jurídica constante dos autos;
L) Primeiramente, cumpre desde já referir que o 1.º orçamento, datado de 04/04/2015, discrimina os seguintes valores:
 Preço da Piscina 8 x 4 M: € 14.000,00 (catorze mil euros), encontrando-se incluído no referido preço a estrutura, revestimento, bomba de recirculação, filtro, acessórios de distribuição de água para tela pvc, fornecimento e instalação de um regulador de nível automático de reposição de água, iluminação da piscina, kit de manutenção e quadro elétrico;
 Cobertura de segurança: € 4.860,00 (quatro mil oitocentos e sessenta euros);
 Execução do fosso: € 1.357,00 (mil trezentos e cinquenta e sete euros);
 Preço Projectores LEDs RGB: € 913,32 (novecentos e treze euros e trinta e dois cêntimos);
 Preço Robôt: € 1.090,00 (mil e noventa euros);
 Preço Tratamento Automático da água: € 2.162,50 (dois mil cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos);
 Preço Bomba de calor: € 3.624,00 (três mil seiscentos e vinte e quatro euros);
M) Ora, conforme resultou provado em sede de 1.ª instância, (…) aceitou o 1.º orçamento (equipamentos base e opcionais) pelo preço de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), acrescidos do respetivo IVA, o qual deveria compreender todos os trabalhos e equipamentos aí melhor discriminados;
N) Com efeito, “A etiologia de um contrato de empreitada está na obrigação assumida pelo empreiteiro de realizar – prestação de facere – uma obra, segundo um plano e com caraterísticas previamente definidas no conteúdo contratual acordado com o dono da obra, em que este assume a obrigação do pagamento do respetivo preço (art. 1207.º do CC).”;
O) No caso em análise, resulta inequivocamente provado que a empreitada constante do 1.º orçamento, datado de 04/04/2015, foi acordada entre a ora Recorrida e a dona da obra, tendo ficado previamente estabelecido os trabalhos a executar e, bem assim, os equipamentos a fornecer e a instalar e quais as suas caraterísticas e dimensões (vide documento 2 junto com a contestação);
P) Sucede que, após perícia realizada no dia 07/02/2017, constatou-se que não se encontra instalada na obra em apreço a placa de grelha em aço inox AISI-136 com 500x245 mm, a piscina não possui os 2 (dois) projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo conforme indicado na proposta de adjudicação, apenas existe um robôt de limpeza e não 2 (dois), a bomba de calor instalada tem uma referência e potência diferentes das que constam da proposta de adjudicação e o ralo do pavimento da casa das máquinas não foi executado;
Q) Ora, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, entendem os ora Recorrentes que a ausência de tais elementos na obra deve ser tida em consideração na retribuição que é devida à ora Recorrida;
R) Na verdade, conforme vem sido defendido pela nossa mais douta jurisprudência, “O empreiteiro desonera-se da obrigação a que está adstrito quando executa o plano acordado e procede à efetivação da entrega da obra sem quebra dos compromissos específicos que derivaram do consensuado.”;
S) Para além de o empreiteiro se encontrar vinculado à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado, encontra-se também vinculado a executar uma obra conforme o convencionado;
T) Neste âmbito, dispõe o Art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil que “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”;
U) Isto significa que o devedor somente cumpre a obrigação quando realizar, pontualmente, a prestação a que está vinculado, isto é, “o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito.”, o que não se verificou no caso em apreço;
V) Nestes termos, ao preço acordado na proposta de adjudicação de 04/04/2015 (€ 28.000,00 + IVA), para além da dedução da quantia já liquidada pela dona da obra no valor de € 18.700,00 (dezoito mil e setecentos euros), IVA incluído à taxa legal em vigor (23%), conforme resulta das faturas n.ºs C15/167 e C15/226 e recibos n.ºs C15/145 e C15/183 juntos aos autos, deverá também operar-se uma redução do preço que foi previamente convencionado, uma vez que tais trabalhos/equipamentos se encontravam incluídos no mesmo e não foram executados/instalados;
W) No que se refere à placa de grelha em aço INOX AISI – 136 com 500 x 245 mm, pese embora tenha sido realizada uma perícia à piscina, o seu valor não se encontra apurado nos autos;
X) Com efeito, para se poder afirmar que o seu valor “não é significativo num contrato de empreitada cujo preço foi acordado globalmente”, é necessário saber qual o preço de mercado de tal material, o que não resulta dos autos;
Y) No que se refere aos 2 (dois) projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo, os mesmos têm um preço de mercado no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), IVA não incluído, conforme relatório pericial elaborado pelo perito nomeado pelos ora Recorrentes e respetivos esclarecimentos – note-se que, o perito nomeado pelo Tribunal e o perito nomeado pela Recorrida não apuraram o seu valor de mercado no relatório pericial –, pelo que, tal quantia deveria ter sido devidamente apurada e deduzida do preço globalmente acordado neste âmbito (€ 14.000,00 + IVA);
Z) Relativamente à bomba de calor que se encontra instalada na piscina, resultou provado que a mesma tem uma referência e potência diferentes das que constam da proposta de adjudicação, logo, um valor de mercado inferior ao que consta na proposta de adjudicação, mais precisamente de € 2.316,00 (dois mil, trezentos e dezasseis euros), IVA não incluído, de acordo com o relatório pericial elaborado pelos peritos do Tribunal e da Recorrida, pelo que, deveria o Tribunal a quo ter procedido à redução no preço da respetiva diferença que se cifra na quantia de € 1.308,00, IVA não incluído, (€ 3.624,00 – € 2.316,00);
AA) Também constataram os peritos que o robôt de limpeza se encontra repetido na proposta inicial e nos opcionais da primeira proposta de adjudicação quando na realidade apenas foi fornecido um robôt por parte da Recorrida;
BB) Ora, segundo o 1.º orçamento de 04/04/2015, o robôt de limpeza tem um custo de € 1.090,00 (mil e noventa euros), IVA não incluído, existindo por esse motivo uma duplicação de valores, pelo que, incumbia ao Tribunal a quo proceder à redução do preço nesse mesmo montante uma vez que tal valor se encontra devidamente discriminado nos opcionais e, bem assim, encontrasse também incluído no preço globalmente acordo na proposta base de €14.000,00 + IVA;
CC) Nestes termos e, no que se refere ao preço acordado no 1.º orçamento de 04/04/2015, atendendo à discriminação de valores que aí foi efetuada e aos trabalhos e equipamentos que não se verificaram na obra, entendem os ora Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter procedido à aferição do concreto valor de mercado de tais trabalhos e equipamentos, nomeadamente, da placa de grelha em aço INOX AISI – 136 com 500 x 245 mm, dos 2 (dois) projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo e bomba de calor e, assim, proceder à redução do respetivo preço;
DD) Com efeito, como pode o Tribunal a quo considerar que “as demais situações (placa de grelha, dois projetores aquáticos, ralo, e diferente referência da bomba de calor) não são significativas num contrato de empreitada cujo preço foi acordado globalmente, (…)” quando não se encontra aferido o seu concreto valor de mercado?
EE) Mais, no modesto entendimento dos ora Recorrentes, independentemente do valor que se venha a apurar de tais trabalhos e equipamentos, sempre deverá proceder-se à redução do preço convencionado nos termos e ao abrigo dos Art.ºs 1211.º, n.º 1 e 884.º do Código Civil;
FF) Por esse motivo, deve ser aferido o concreto valor de mercado de tais trabalhos/equipamentos e, nessa medida, abater ao preço convencionado entre as partes as parcelas atinentes aos valores dos trabalhos/equipamentos que não foram realizados/fornecidos e/ou que foram incorretamente instalados;
GG) Relativamente ao 2.º orçamento, datado de 15/05/2015, no valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), acrescido do IVA, não resultou provada a sua aceitação por parte da dona da obra pois a assinatura constante do documento não é da sua autoria;
HH) Nessa medida e, desconhecendo-se os preços praticados pela Recorrida à data da conclusão do contrato, entendeu o Tribunal a quo que o preço dessa empreitada deveria ser fixado de acordo com os valores de mercado;
II) Conforme referido supra, o Tribunal a quo atendeu, única e exclusivamente, ao relatório pericial apresentado pelo perito nomeado pelo Tribunal e pelo perito nomeado pela Recorrida para fixação dos valores de mercado dos materiais/equipamentos instalados e respetiva mão-de-obra;
JJ) Ora, “a finalidade da perícia é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.”, sendo o perito “um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação”;
KK) Nessa medida, “O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação”;
LL) Salvo o devido respeito, entendem os ora Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter igualmente atendido aos valores de mercado apresentados pelo perito nomeado pelos ora Recorrentes;
MM) O perito nomeado pelos ora Recorrentes, Engenheiro de profissão, é o único dos 3 (três) peritos nomeados que possui uma vasta experiência na realização deste tipo de empreitadas (piscinas) e, inclusivamente, é sócio gerente de uma empresa de construção de piscinas denominada de “Piscinas (…), Lda.” que tem como objeto social o comércio, importação, exportação e montagem de piscinas, abrigos, spas e todo o tipo de equipamentos e ambientes de lazer relacionados com o sector, construção civil e obras públicas;
NN) Por outro lado, pese embora o Tribunal a quo tenha considerado “parcos” os esclarecimentos prestados pelo perito nomeado pelos ora Recorrentes, certo é que foi o único perito que procedeu à junção de orçamentos que sustentam os valores de mercado por si apresentados;
OO) Mais, o perito nomeado pelo Tribunal a quo e o perito nomeado pela Recorrida referem expressamente no relatório pericial que “para realização da peritagem foram solicitados orçamentos”, orçamentos esses que os Recorrentes requereram que fossem juntos aos autos por requerimento, datado de 26 de Maio de 2017, tendo tal solicitação sido indeferida por despacho datado de fls.;
PP) Motivo pelo qual, entendem os ora Recorrentes, que permanece por concretizar no plano dos factos o motivo pelo qual o perito nomeado pelo Tribunal a quo entende que os valores apresentados pelo perito nomeado pelos Recorrentes se encontram abaixo dos preços de mercado;
QQ) Com efeito, pese embora o perito nomeado pelo Tribunal tenha explicado em sede de audiência de julgamento todo o processo de recolha de elementos (orçamentos, faturas, etc.) que foi feito para a realização do relatório pericial, certo é que tais elementos não foram facultados aos ora Recorrentes para análise e apreciação;
RR) No que se refere à margem de lucro do empreiteiro, é comumente consabido que a mesma é variável e que está inevitavelmente correlacionada com os custos de determinada empreitada no que se refere a aquisição de materiais e equipamentos junto de fornecedores, mão-de-obra, deslocações, entre outros;
SS) Deste modo, não se encontrando devidamente apurada nos autos qual a margem de lucro aplicada pela Recorrida e qual a margem de lucro aplicada pelo perito nomeado pelo Tribunal e pelo perito nomeado pela Recorrida no seu relatório pericial – nem tão-pouco foi obtido um valor médio neste âmbito – não é possível afirmar com um elevado grau de certeza que os valores apresentados pelo perito nomeado pelos Recorrentes não incluem tal margem de lucro;
TT) Quanto ao número de horas necessárias para a realização da empreitada referente ao 2.º orçamento, os peritos apresentaram valores diferentes, sendo certo que o perito nomeado pelo Tribunal a quo considerou que “não lhe parece possível realizar os trabalhos nos tempos indicados no relatório do Eng. (…)”;
UU) Conforme referido supra, o perito nomeado pelos Recorrentes tem uma vasta experiência na realização deste tipo de empreitadas e exerce diariamente essa atividade, pelo que, o número de horas por este apresentado reflete a sua vasta experiência profissional, sendo, por esse motivo, possível que os trabalhos sejam realizados nesse período de tempo atentas as regras da experiência e de normalidade comercial;
VV) É certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal de acordo com o disposto no Art.º 389.º do C. Civil;
WW) No entanto, não pode o douto Tribunal deixar de apreciar a prova pericial com observância das regras de experiência comum, prudência e bom senso, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objetivos suscetíveis de motivação e controlo;
XX) Mais, a perícia a realizar nos presentes autos era colegial contudo, a mesma não foi possível, tendo daí resultado a presente discrepância de valores quando o que se pretendia com a sua realização era a obtenção de valores de mercados que reunissem o consenso dos 3 (três) peritos;
YY) Face ao exposto, salvo o devido respeito pela fundamentação explanada na douta sentença, os ora Recorrentes entendem que o Tribunal a quo deveria ter tido igualmente em consideração na sua análise os valores apresentados pelo perito nomeado pelos Recorrentes para fixação dos valores de mercado dos materiais/equipamentos instalados e respetiva mão-de-obra relativos ao 2.º orçamento, sendo certo que, em caso de fundada dúvida, sempre o Tribunal poderia socorrer-se de uma média aritmética dos mesmos por uma questão de justiça e equidade;
ZZ) Nestes termos, na mira da descoberta da verdade material e tratando-se de elemento de relevo, deve o processo baixar à 1.ª instância para realização de diligências probatórias com o objetivo de aferir do concreto valor de mercado dos trabalhos e equipamentos que não se verificaram na obra – placa de grelha em aço inox AISI-316 com 500x245 mm, 2 (dois) projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo e ralo de pavimento da casa das máquinas – e, em consequência, proceder-se à sua redução no preço convencionado no 1.º orçamento, sendo certo que o valor da bomba de calor e a duplicação do robôt já se encontram fixados e, nessa medida, deve a sentença recorrida ser, desde já, anulada nessa parte operando-se a redução do preço convencionado;
AAA) E, quanto ao valor de mercado dos trabalhos realizados e identificados no 2.º orçamento cuja aceitação pela mãe dos Recorrentes não se provou, deve a sentença ser anulada e substituída por outra que considere os valores de materiais/equipamentos e mão-de-obra apurados pelo perito nomeado pelos Recorrentes dados os fundamentos supra mencionados ou, caso assim não se entenda, em caso de fundada dúvida, deve a sentença ser anulada e substituída por outra que considere a média dos valores apresentados pelos 3 peritos nomeados nos autos.»

A Recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida alinhando as seguintes conclusões:
«A. Proferida sentença que condenou os recorrentes na qualidade de herdeiros de (…), a reconhecer a existência de um crédito da A. sobre a herança na quantia de € 28.653,67 (vinte e oito mil, seiscentos e cinquenta e três euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento e a satisfazerem esse crédito pelos bens da herança, vieram os mesmos interpor o presente recurso, requerendo o efeito suspensivo do mesmo.
B. Quanto ao pedido de efeito suspensivo, não se encontram devidamente preenchidos os requisitos de que depende a sua atribuição, porquanto os recorrentes não alegam nem provam factualidade suficiente.
C. Além de que, a quantia que se propõe a caucionar é manifestamente insuficiente, irrisória mesmo, em face do quanto foram efectivamente condenados, e não tem qualquer correspondência com o quanto clamam no seu recurso.
D. Quanto ao recurso em si, formulam, segundo nos parece, em síntese, as seguintes conclusões:
I- Deve ser realizada uma redução do preço da empreitada relativamente ao primeiro orçamento (base + opcionais) – provado ter sido aceite pela mãe dos recorrentes – por não terem sido realizados trabalhos e entregues equipamentos previstos no orçamento e se o processo deve baixar à primeira instância para apurar os valores dos trabalhos e equipamentos não entregues cujo valor não foi apurado;
II) - Para aferir do valor de mercado dos equipamentos e trabalhos contantes do segundo orçamento (trabalhos a mais), o Tribunal deveria ter-se baseado nos valores apresentados pelo perito dos recorrentes ou, em caso de dúvida, pela média dos dois valores apresentados.
E. Ora, no concerne à primeira linha argumentativa, a mesma falece, porquanto, tendo-se demonstrado ser a empreitada por preço global e não se mostrando demonstrada a essencialidade dos trabalhos e fornecimentos em falta, não resulta claro haver qualquer direito de redução do preço.
F. Em todo o caso, nem estão em falta os projectores de halogénio, bem como, não está em falta qualquer robot.
G. Não havendo qualquer duplicação, mas antes a escolha da dona de obra entre o equipamento base e equipamentos opcionais, tendo resultado provado que foram entregues os equipamentos na versão opcional.
H. Quanto à grelha de inox, verificou-se a sua desnecessidade, ou então não se aferiu da sua necessidade para que a obra fosse concluída e ficasse funcionar, o que os recorrentes tinham o ónus de provar.
I. Quanto ao ralo da casa das máquinas, o preço da empreitada proposta no segundo orçamento, foi aferido com recurso à prova pericial e tendo presente apenas o que foi efectivamente prestado, pelo que a não colocação do mesmo foi devidamente apreciada no relatório.
J. No que concerne aos valores de mercado apurados pelos serviços referidos no segundo orçamento e efectivamente prestados, os recorrentes não cumpriram com o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, pelo que, não sendo alterada a matéria de facto, por a mesma não ter sido atacada, é inócua a alegação dos recorrentes.
K. A sentença é clara no sentido e motivação do Tribunal a quo ao aceitar a posição maioritária dos peritos, pelo que, decidir em sentido contrário seria ir contra a convicção do próprio Tribunal a quo atentando também contra o princípio da imediação.»

Assim, atento o teor das conclusões das alegações de recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], são as seguintes as questões suscitadas:
- do direito dos RR à redução do preço relativamente ao denominado “1.º orçamento”;
- do preço corresponde aos trabalhos realizados e equipamentos aplicados em sede do denominado “2.º orçamento”.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância, que não foram impugnados em sede de recurso

1) A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outras, ao comércio de piscinas e seus equipamentos.
2) No âmbito da sua atividade comercial, no decorrer do ano de 2014 a autora foi contactada pela senhora (…) para que lhe orçamentasse a construção de uma piscina no n.º (…), da Urbanização (…), em Asseiceira, Rio Maior.
3) Depois da deslocação ao local do legal representante da autora e de reuniões com a senhora (…) foram elaborados orçamentos que compreendiam:
- a elaboração de estrutura e acabamentos de piscina com 8.00m x 4.00m, com profundidade mínima de 1,20m e prof. máxima de 1,80m + fosso para cobertura, com um volume de 51m3 e área de 32 m2.
- o fornecimento e montagem de equipamentos de filtração, recirculação, iluminação, tratamento e manutenção, nomeadamente: bomba de circulação, filtro, acessórios de distribuição de água, projetores subaquáticos, aspirador manual, robot de limpeza; quadro elétrico.
4) Sendo que os trabalhos e fornecimentos mencionados nos itens anteriores foram orçamentados com o valor de € 14.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor.
5) Foi também orçamentado o fornecimento de opcionais, concretamente a montagem de uma cobertura de segurança, a execução de fosso para instalação da cobertura, o fornecimento e montagem de mais dois projetores subaquáticos, um robot de limpeza de fundo e paredes, sistema de tratamento automático de água e bomba de calor.
6) O valor proposto para estes opcionais foi de € 14.006,82.
7) Porque o orçamento não compreendia a execução da estrutura da casa das máquinas (inexistente no local), as escavações necessárias do terreno (com exceção do fosso para instalação da cobertura), o pavimento circundante da piscina em deck e havia necessidade de alteração dos equipamentos de ar condicionado, foi elaborado pela autora orçamento a compreender tais trabalhos, com data de 05 de Maio de 2015, no valor de € 12.643,83.
8) (…) aceitou o primeiro orçamento (equipamento base e opcionais) pelo preço de € 28.000,00, acrescidos de IVA.
9) Logo em Maio de 2015, e conforme acordado com a autora, (…), procedeu ao pagamento de parte dos trabalhos no montante de € 8.700,00.
10) Tendo sido emitida a correspondente fatura n.º C15/167 e o competente recibo C15/145.
11) No decorrer de Junho de 2015, (…) procedeu ao pagamento de outra parte dos trabalhos, concretamente mais € 10.000,00.
12) Tendo sido emitida a correspondente fatura n.º C15/226 e o competente recibo C15/183.
13) A autora executou os trabalhos e forneceu os equipamentos mencionados nos referidos orçamentos no período compreendido entre Maio e Julho de 2015, à exceção da placa de grelha em aço inox AISI-316 com 500x245 mm e de dois projetores subaquáticos com lâmpadas de halogéneo, que não se verificaram na obra; a referência do robôt de limpeza existente é RV4400 e não a indicada na proposta, sendo certo que apenas existe um robôt e não dois, conforme descrito nas propostas; a referência e potência da bomba de calor é diferente da da proposta; o ralo no pavimento das máquinas não foi executado.
14) Sucede que (…) faleceu em 03-07-2015.
15) Após a entrega da obra, a A. emitiu a fatura n.º C15/498, de 13.10.2015, no valor remanescente dos trabalhos que se encontram a pagamento, no montante de € 31.115,00 (€ 15.740,00 + € 15.375,00), com o contribuinte da falecida e ao cabeça de casal de herança.
16) Fatura essa enviada ao cabeça de casal de herança, por intermédio de carta registada com A/R, assinado a 25.11.2015.
17) A mãe dos Réus, (…), sofria de cancro há já vários anos, incluindo neoplasia da mama esquerda, metástases ósseas da coluna vertebral a vários níveis, fratura com colapso do corpo da vértebra C6 e lesões secundárias cervicais, lombares e sagradas.
18) Como forma de ultrapassar o seu estado de saúde, já de si debilitado, a mãe dos Réus deslocou-se a 7 de Maio de 2015 a Boston acompanhada da sua irmã, (…), tendo ambas regressado em voo de 13 de Maio de 2015 que aterrou em Portugal na manhã de 14 de Maio de 2015.
19) Nesse mesmo dia 14 de Maio de 2015, a mãe dos Réus iniciou a toma de comprimidos destinados a travar a evolução da sua doença cancerígena e que lhe provocaram efeitos secundários de tal forma violentos que a forçaram a ficar de cama por mais de uma semana.
20) (…) passou vários dias sem comer, a vomitar e sempre deitada.
21) A partir dessa data (…) nunca mais saiu de casa, a não ser para se deslocar ao médico ou ao hospital de urgência.
22) Nem nunca mais se reuniu com a Autora, seus trabalhadores ou quem representasse, ou mesmo outras pessoas.
23) (…) não assinou o documento com a data de 15 de Maio de 2015.
24) Os materiais utilizados na obra em causa e identificados na proposta base tiveram um custo global de € 7.199,60, sendo o seu valor de mercado de igual montante.
25) Os materiais utilizados na obra em causa e identificados na proposta de opcionais tiveram um custo global de € 9.634,00, sendo o seu valor de mercado de € 10.122,00.
26) O fornecimento e execução da casa das máquinas teve um custo de € 1.690,00; o fornecimento e execução da alteração de localização a unidade exterior de AVAC para nova localização junto à casa das máquinas, teve um custo de € 50,00 e o fornecimento e execução de betonilha para colocação de deck em compósito da EPW, réguas e acessórios de fixação teve um custo de € 2.944,92; num total de € 4.684,92; sendo o seu valor de mercado de igual montante.
27) Para execução dos trabalhos previstos na proposta base são necessárias aproximadamente 150 horas, implicando um custo global de mão-de-obra de € 5.130,00.
28) Para execução dos trabalhos previstos nos opcionais são necessárias aproximadamente 88 horas, implicando um custo global de mão-de-obra de € 3.006,00.
29) Para execução dos restantes trabalhos realizados e incluídos na 2ª proposta são necessárias 141 horas, implicando um custo global de mão-de-obra de € 5.814,00.
30) Os referidos valores não incluem o IVA.

B – O Direito

Do direito dos RR à redução do preço relativamente ao denominado “1.º orçamento”

Os Recorrentes sustentam que, uma vez apurado, com a perícia realizada, que a Recorrida não realizou/instalou todos os trabalhos/equipamentos compreendidos no objeto da empreitada, o Tribunal de 1.ª Instância devia ter atendido ao valor de mercado de tais trabalhos e equipamentos e, nessa medida, ter procedido à redução do preço convencionado.

Ora vejamos.

Tal como exarado na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, está em causa um contrato de empreitada de consumo, sujeita ao regime inserto do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as necessárias adaptações (cfr. art. 1.º-A, nº 2, do citado DL), diploma este que consagra regras especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando aquelas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação – o da relação de consumo.[2]

Por via disso, importa atentar no regime específico do contrato de empreitada. Ora, o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (art. 1218.º, n.º 1, do CC). O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou, sem reserva, com conhecimento deles; presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra (art. 1219.º, n.ºs 1 e 2, do CC). O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento; equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito (art. 1220.º, n.ºs 1 e 2, do CC). Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção (art. 1221.º, n.º 1, do CC). Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (art. 1222.º, n.º 1, do CC).

Nesta senda, ao empreiteiro assiste o direito de proceder, em primeira linha, à reparação dos defeitos, a quem deve ser solicitada ou exigida tal atividade por parte do dono da obra. Impõe-se a interpelação do empreiteiro, para essa finalidade, conforme resulta do regime inserto nos arts. 777.º, 804.º, 805.º e 808.º do CC, o que se dispensa caso o empreiteiro tenha reconhecido a existência do defeito em termos que traduza vontade de assumir a responsabilidade pela existência do defeito.[3] Feita a interpelação e sendo proposta a adequada reparação pelo empreiteiro, o dono da obra a ela não se deve opor, a menos que objetivamente tenha perdido o interesse na prestação do devedor (art. 808.º do CC), sob pena de incorrer na violação do princípio da boa-fé, princípio a que ambas as partes estão vinculadas no cumprimento das obrigações recíprocas – art. 762.º, n.º 2, do CC.

Para além dos direitos de recusa da obra, de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato, ao dono da obra assiste ainda o direito de indemnização nos termos gerais (art. 1223.º do CC) e, bem assim, o direito de excecionar o incumprimento do contrato ou o cumprimento defeituoso para suspender o cumprimento da prestação que é por si devida, de pagamento do respetivo preço, enquanto não forem eliminados os defeitos ou não seja realizada nova obra ou o dono da obra não seja indemnizado dos prejuízos sofridos, verificados que estejam os pressupostos previstos no art. 428.º do CC.

Tratando-se de uma relação de consumo, em caso de falta de conformidade da obra realizada (cfr. arts. 1.º-A, n.º 2 e 2.º do DL nº 67/2003, de 8 de Abril), o dono da obra tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (art. 4.º, n.º 1, do citado DL). Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao dono da obra (art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 67/2003), sendo que o dono da obra consumidor pode exercer qualquer dos direitos conferidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 4.º, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais (art.º 4.º, n.º 5, do DL n.º 67/2003).

Decorre do exposto que o regime aplicável à empreitada de consumo, para além de consagrar regras específicas designadamente quanto a prazos para exercícios de direitos e à inexigência de culpa no cumprimento defeituoso, permite o exercício dos direitos de redução do preço e de resolução, verificados que estejam os respetivos pressupostos e a limitação estipulada no n.º 5 do art. 4.º do DL n.º 67/2003, sem necessidade de observar a sequência determinada nos arts. 1221.º e 1222.º, n.º 1, do CC.[4]

Nas palavras de Cura Mariano[5], «o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível. Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a conformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.»

Como decorre do exposto, detetado que seja, pelo dono da obra consumidor, a existência de defeito na obra realizada, o cumprimento defeituoso do contratado, este tem ao seu dispor vários direitos que pode exercer, conforme melhor se adeque à salvaguarda dos seus interesses. Ao dono da obra consumidor cabe trilhar o caminho a seguir, consoante o direito que pretenda exercitar.

Analisados os autos, constata-se que apenas em sede de recurso os Recorrentes peticionam a redução do preço relativamente ao denominado “1.º orçamento”, sustentando que o Tribunal de 1.ª Instância devia ter procedido à redução do preço, em função do apurado na perícia realizada.

Não lhes assiste razão. O Tribunal está impedido de declarar direito cuja tutela não foi concreta e expressamente peticionada – cfr. arts. 2.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1, do CPC. Uma vez que os Recorrentes não se apresentaram a exercer o direito à redução do preço, invocando-o de forma expressa em juízo, não podem cobrar do Tribunal a declaração desse concreto direito.

Por outro lado, não cabe apreciar o concreto direito à redução do preço (como se referiu, um direito entre a panóplia de direitos que a lei concede ao dono da obra consumidor em caso de cumprimento defeituoso) tendo ele sido invocado apenas em sede recursional.

Na verdade, o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
Donde, é unanimemente sustentado que não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos arts. 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (art. 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, do CPC)
[6]. Importa, pois, definir o critério para apurar quais são as concretas questões apresentadas pelas partes, numa e noutra instância, as questões que são submetidas a julgamento nos termos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ainda ex vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC. Para isso, há que atentar na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pela parte passiva na lide. Assim, as questões serão apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter. Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções[7].

Não tendo os Recorrentes, em sede de contestação e por via de exceção, pugnado pela redução do preço, designadamente em função do que viesse a apurar-se através da perícia cuja realização requereram, nem tendo apresentado qualquer articulado autónomo com tal finalidade na sequência de tal perícia (cfr. art. 588.º do CPC), encontra-se este Tribunal de recurso impedido de apreciar a pretensão ora deduzida de redução do preço fixado no contrato.

Improcedem, nesta matéria, as conclusões da alegação do recurso.

Do preço corresponde aos trabalhos realizados e equipamentos aplicados em sede do denominado “2.º orçamento”

Relativamente ao denominado “2.º orçamento”, aquele que contemplou os trabalhos de execução da estrutura da casa das máquinas, as escavações no terreno, o pavimento circundante da piscina em deck e a alteração da localização dos equipamentos de ar condicionado (cfr. n.º 7 dos factos provados), o Tribunal fixou o preço devido em € 12.913,67, alicerçando-se na factualidade assente[8], a saber:
- o fornecimento e execução da casa das máquinas teve um custo de € 1.690,00; o fornecimento e execução da alteração de localização a unidade exterior de AVAC para nova localização junto à casa das máquinas, teve um custo de € 50,00 e o fornecimento e execução de betonilha para colocação de deck em compósito da EPW, réguas e acessórios de fixação teve um custo de € 2.944,92; num total de € 4.684,92; sendo o seu valor de mercado de igual montante – cfr. n.º 26 dos factos provados;
- para execução dos restantes trabalhos realizados e incluídos na 2.ª proposta são necessárias 141 horas, implicando um custo global de mão-de-obra de € 5.814,00 – cfr. n.º 29 dos factos provados;
- os referidos valores não incluem o IVA – cfr. n.º 30 dos factos provados.

Os Recorrentes pretendem que o valor seja fixado em função dos elementos avançados pelo perito por eles nomeado ou, assim não se entendendo, pela média dos valores indicados pelos 3 peritos nomeados nos autos.

Na medida em que a factualidade julgada provada em 1.ª Instância não foi colocada em crise pelos Recorrentes, que a não impugnaram nos moldes estatuídos no art.º 640.º do CPC, não há como desconsiderar o fundamento factual do crédito da A fixado na sentença, substituindo-o por valores diversos.

Improcedem, por isso e desde logo, as conclusões da alegação do recurso nesta matéria.

As custas recaem sobre os Recorrentes – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
- ao dono da obra consumidor, confrontado com o cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada, incumbe definir o direito que pretende exercitar de entre aqueles que a lei lhe concede;
- o tribunal não está incumbido de declarar a redução do preço convencionado na empreitada sem que o dono da obra tenha expressamente impetrado esse efeito jurídico;
- em sede de recurso não cabe apreciar questões novas, salvo se a lei expressamente determinar o contrário ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso;
- fixados que estejam os factos atinentes à definição do montante do crédito da A, não contemplando o recurso a impugnação da decisão tomada quanto a esses mesmos factos, não cabe apreciar se tal crédito deve antes definir-se com base em valores monetários diversos dos constantes naqueles factos.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Évora, 8 de Março de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Cura Mariano, Responsabilidade Civil Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, p. 139.
[3] Cura Mariano, ob. cit., p. 81; Ac. RP de 11/11/2003 (Henrique Araújo).
[4] Cfr. Ac. STJ de 30/09/2010 (Maria dos Prazeres Beleza), RC de 21/04/2015 (Barateiro Martins), RC 16/02/2016 (Arlindo Oliveira), in dgsi.pt.
[5] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª edição, p. 226.
[6] V. Ac. do STJ de 01/10/2002, in CJ-STJ ano X, 3, 65 e de 29/04/98, in BMJ 476/401; Ac. TRP de 12/01/2015 (Manuel Domingos Alves Fernandes).
[7] Acs. STJ de 07/04/2005 (Salvador da Costa) e de 14/04/2005 (Ferreira de Sousa).
[8] Não obstante o lapso na indicação dos n.ºs correspondentes no rol dos factos provados.