Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
856/13.7TMSTB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DESPESAS ELEGÍVEIS
ENSINO
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1-O acordo de regulação das responsabilidades parentais que as partes celebraram é um acordo escrito sujeito às regras de interpretação definidas no art.º 236.º do Código Civil.
2-É neste acordo que toda a situação deve ser regulada de modo a que se perceba o âmbito de vinculação de cada uma das partes.
3-Estas obrigam-se pelo que dele consta e não se obrigam pelo que dele não consta.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 856/13.7TMSTB.E1 (2.ª Secção)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) deduziu contra (…) o presente incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais relativo ao filho de ambos, (…), no que se refere à comparticipação nas despesas com a frequência de infantário por este.
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O requerido respondeu alegando que deve ser declarado improcedente este incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
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A requerente informou que, embora o requerido tenha pago a metade das despesas relativas à saúde e educação do menor, fê-lo tão só e apenas a partir do início do ano lectivo escolar de 2014/2015, mas “continua em incumprimento das responsabilidades parentais” por ainda não ter pago a metade das despesas referentes ao menor (nomeadamente a metade das mensalidades da educação pré-escolar a qual terminou em Julho de 2014, mês da última mensalidade paga ao estabelecimento pré-escolar), pelo que a dívida total do requerido é de € 699,31.
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O incidente foi julgado improcedente.
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Desta decisão recorre a requerente alegando que o tribunal a quo violou, entre outros, o princípio da igualdade dos progenitores e da defesa dos superiores interesses do menor, consagrados no artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, e a sentença impugnada ainda desrespeitou o regime normativo substantivo previsto nos artigos 1878.º e 2003.º todos do Código Civil, por erro de interpretação do acordado e da lei.
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O Digno Magistrado do M.º P.º contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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O tribunal considerou os seguintes factos:
1- Por acordo homologado por decisão da Conservatória do Registo Civil da Moita em (…), foram reguladas as responsabilidades parentais do menor, ficando este a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores;
2- E o pai assumiu a obrigação de pagar uma pensão de alimentos para o menor, no valor de € 60,00 mensais, a depositar na conta da mãe até ao dia 5 de cada mês;
3- Mais ficou estabelecido que todas as despesas referentes ao menor, relativas a saúde e educação, seriam suportadas por ambos os pais (metade a cada um), mediante apresentação de recibo;
4- O menor frequentou o infantário do “Centro Paroquial (…)” desde Novembro de 2012 a Julho de 2014, com uma mensalidade de € 60,00 (com excepção do mês de Agosto);
5- O requerido não procedeu ao pagamento de metade da despesa com a frequência desse infantário pelo menor, assim como da respectiva inscrição, renovações de matrícula e idas da criança à praia com o dito infantário, no montante de € 699,31.
6- O menor nasceu em 26 de Março de 2008.
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A discórdia cifra-se no seguinte: a frequência do infantário está sujeita à cláusula onde se estabeleceu que todas as despesas referentes ao menor, relativas a saúde e educação, seriam suportadas por ambos os pais (metade a cada um)?
A sentença recorrida, tal como a contra-alegação, defende que tal despesa não está prevista pelo que não está abrangida pela obrigação de alimentos. Baseia-se, para tanto, em que o «conceito de despesas de educação não deverá abranger a mensalidade relativa à frequência de um infantário pelo menor, assim como as respectivas despesas de matrículas/inscrições e de idas à praia com o dito infantário.
«Se essa fosse a vontade das partes quando acordaram nas cláusulas do regime de exercício das responsabilidades parentais, então devia ter ficado expressamente prevista a comparticipação do pai nesse tipo de despesas».
Diferentemente, a recorrente defende que as despesas apontadas englobam-se no conceito de despesas de educação pelo que foram violados os artigos 1878.º e 2003.º do Código Civil.
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Sem dúvida que o acordo de regulação que as partes celebraram é um acordo escrito sujeito às regras de interpretação definidas no art.º 236.º do mesmo diploma legal. É neste acordo que toda a situação deve ser regulado de modo a que se perceba o âmbito de vinculação de cada uma das partes. Estas obrigam-se pelo que dele consta e não se obrigam pelo que dele não consta (é este o sentido do ac. da Relação de Évora, de19 de Abril de 2012, citado na contra-alegação do Digno Magistrado do M.º P.º).
E a verdade é que não se vê que esteja prevista, autonomamente, a frequência pelo menor (com os custos inerentes) de um infantário.
Por outro lado, também devemos ter em conta que esta despesa não é imperativa juridicamente, não é imposta por lei. Queremos com isto dizer que a frequência do ensino pré-escolar não era obrigatória para o menor uma vez que os factos se situam entre Novembro de 2012 a Julho de 2014 (sendo que o menor completou 6 anos em Março de 2014). A Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto, estabelece a escolaridade obrigatória desde os 6 anos aos 18 anos (art.º 2.º, n.º 1) (note-se que a Lei n.º 65/2015, de 3 de Julho, estabeleceu a idade mínima nos 5 anos mas a sua entrada em vigor é posterior ao momento que aqui nos interessa). Aquela Lei determina ainda a universalidade da educação pré́-escolar para todas as crianças a partir do ano em que atinjam os 5 anos de idade mas tal universalidade não significa obrigatoriedade.
Assim, não sendo obrigatória a frequência da educação pré-escolar, a respectiva despesa não integra a previsão da cláusula transcrita.
Ela teria que estar expressamente prevista no acordo pois que não é uma despesa imperativa. Como se escreve no citado ac. (no caso tratava-se de uma creche), «as despesas relativas à creche não cabem no conceito de despesas escolares, uma vez que a creche não é escola nem instituição de ensino propriamente dito, ainda que, para além da finalidade de guarda e prestação de cuidados, também tenha uma função educativa e pedagógica»; da mesma forma também não cabem no mesmo conceito as despesas com o pré-escolar que, repete-se, ainda não era obrigatória para o menor.
A ser de outra forma, estaremos perante despesas imprevistas, isto é, não estabelecidas, no acordo, como sendo da responsabilidade de ambos os pais.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 09 de Março de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho