Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72786/13.5YIPRT.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PRAZO PROCESSUAL
CONTAGEM DO PRAZO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: É inconstitucional o disposto no art.º 24.º, n.º 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, quando interpretado no sentido de considerar como válido e eficaz o patrocínio judiciário quando o seu requerente só é dele notificado depois do patrono nomeado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

BB apresentou requerimento de injunção contra CC pedindo que lhe fosse paga a quantia de €7.872,00 e respectivos juros de mora.
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A requerida deduziu oposição.
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Por ter sido considerada extemporânea a apresentação da oposição, foi esta mandada desentranhar; do mesmo passo, foi proferida sentença que concedeu força executória à petição.
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Desta sentença recorre a requerida concluindo a sua alegação desta forma:
1 – A nomeação de patrono foi notificada à Recorrente em 30.05.2014;
2 - Tal facto foi alegado e junta prova por Doc. n.º1 junto ao articulado/Oposição e deverá ser dado como assente;
3 - Consequentemente, deve tal meio probatório constante do processo ser atendido, e considerada a data de 30.05.2014 como data de notificação da Recorrente;
4 - Atenta a literalidade da norma contida na al. a) do n.º 5 do art.º 24.º da Lei 34/2004 de 29 de Julho, decidiu a Meritíssima Juiz a quo, julgar extemporânea a oposição apresentada, porquanto foi tomada em consideração a data da nomeação de patrono, para contagem do prazo;
Contudo,
6 - Apenas com a notificação da nomeação de patrono ao respectivo beneficiário em 30.05.2014, a Recorrente fica em posição de exercer o seu direito de defesa, e não antes;
7 - Em nenhum momento prévio, nem aquando da apresentação do pedido de apoio judiciário, nem posteriormente, foi dado a conhecer à Recorrente que o prazo interrompido se inicia com a notificação ao Patrono da sua nomeação;
8 - Só a partir de tal momento — 30.05.2014 — se pode considerar que reciprocamente podem ser exercidos os dois direitos: por um lado, a Recorrente pode exercer os seus direitos de defesa e por outro, o patrono nomeado tem conhecimento dos factos que pode e deve contestar, em que medida o pode fazer e enquadra-los juridicamente, exercendo o patrocínio judiciário;
9 - Cumpre ao julgador, em concreto, interpretar a norma, no seu sentido literal, mas igualmente no seu sentido teleológico;
10 - O espírito da lei não é criar divisões entre os requerentes de apoio judiciário a quem o mesmo é concedido e aqueles a quem não é concedido;
11 - Não seguir este entendimento seria colocar os requerentes de apoio judiciário, a quem o mesmo não é concedido, em situação de verdadeiro privilégio, já que dispõem, na íntegra, do prazo para contestar a partir da sua própria notificação; Ou seja, o agir ou não agir, depende exclusivamente de si próprios; Já os requerentes de apoio judiciário, a quem é concedido o patrocínio judiciário, ficam dependente da sorte, ou acaso, que a notificação de Patrono ocorra na mesma data da sua!
12 - “Na interpretação do regime legal do patrocínio judiciário, isto é, na busca do sentido prevalente ou decisivo da norma legal, deverá ter força preponderante o princípio do acesso à justiça e ao direito, e força irradiante o princípio da tutela judicial efectiva” - ex vi artigos 9º CC; 20º CRP - Manuel de Andrade, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação da Lei, 2ª edição, páginas 9 e 10.
13 - O despacho em recurso, fez assim errada interpretação do art.º 24.º nº5, al. a) da lei 34/2004, pois que, deveria ter apreciado o caso em concreto e concluir que o prazo a atender deveria ser o da notificação ao beneficiário, julgando a oposição tempestiva.
14 - Em consequência, deve o despacho ser revogado e ordenado o prosseguimento dos autos em 1ª instância.
15 - Caso assim não proceda, pugna-se pela inconstitucionalidade da norma.
16 - A garantia constitucional que consagra os princípios da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, expressos nos art.º 13º e 20º da CRP e, até os próprios princípios do Estado de direito democrático e da dignidade da pessoa humana que decorrem dos artigos 1º e 2º da CRP, não podem ser vazios de conteúdo por aplicação literal da al. a) do nº5 do art.24º da Lei do Apoio Judiciário, derrubando o sentido normativo da mesma; Aos princípios constitucionais tem de corresponder-lhes na prática a possibilidade do exercício completo e efectivo dos direitos de defesa para realização da justiça material;
17 - A interrupção de prazos, no âmbito do instituto de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e nomeação de patrono, não pode ser visto com dois pesos e duas medidas, senão vejamos:
- Se houver indeferimento, o prazo interrompido inicia-se com a notificação ao requerente, para que pague a taxa de justiça e constitua mandatário (al. b) nº5 art.24)
- Se houver deferimento, o prazo interrompido inicia-se com a notificação do patrono (al. a) nº5 art.24º;
18 - O início do prazo com a notificação da nomeação de patrono é uma afronta ao direito à defesa dos direitos do requerente de apoio judiciário, que continua, note-se, a ser a parte mais vulnerável, isto porque,
19 - Admitindo-se o indeferimento total de apoio judiciário, o mandatário constituído teria o prazo legal para deduzir defesa, após contacto do seu constituinte para o efeito;
Contudo,
De forma absurda, o requerente de apoio judiciário, que até vê a sua pretensão deferida na íntegra, é confrontado com a efectiva realidade de ver o prazo para contestar terminado….. no momento em que lhe é notificada a nomeação de patrono;
20 - No fundo, o perpetuar da aplicação da norma, conforme decisão recorrida, é ver o acesso à justiça como um “dar com uma mão e tirar com a outra”, o que é grave, e redunda em sérios prejuízos para os requerentes Apoio Judiciário,
21 - Decidindo como decidiu, a decisão judicial recorrida violou a norma do artigo 24 n.º 5, al. a), da Lei nº34/2004 de 29.07, por ser a mesma inconstitucional, por representar uma verdadeira denegação do exercido dos direitos defesa de acesso aos tribunais, ao arrepio da lógica e dos princípios plasmados na Lei Fundamental Portuguesa, quando interpretada a al. a) do n.º 5 do art.º 24 da Lei 34/2004 de 29.07, no sentido de considerar que o prazo interrompido se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação;
22 – A norma legal terá de ser interpretada no sentido de, havendo um hiato entre a data da notificação ao patrono da sua designação e a data da notificação do beneficiário de apoio judiciário da nomeação de patrono, ser considerada a última das duas datas, para efeitos de inicio do prazo interrompido nos termos e para efeitos do disposto no art.º 24º/5 da Lei 34/2004 de 29.07., no estrito cumprimento dos cânones legais e princípios constitucionais.
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Foram colhidos os vistos.
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Os factos a ter em conta dão os seguintes:
Por e-mail de 14 de Maio de 2014, a Ilustre Patrona foi notificada de que tinha sido nomeada patrona da requerida para os termos deste processo.
A nomeação de patrono foi notificada à Recorrente em 30 de Maio de 2014.
A oposição o requerimento de injunção foi apresentada em 16 de Junho de 2014.
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O problema é só o de saber a partir de qual notificação se retoma a contagem do prazo processual que estava suspenso com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento de apoio.
O despacho recorrido que a notificação que releva é a que é feita ao patrono nomeado.
A recorrente defende que é que á feita ao próprio requerente.
Esclareça-se, em todo o caso e porque a recorrente levanta a questão, que estas notificações são efectuadas pela Ordem, nos termos do art.º 31.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004.
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A Lei n.º 34/2004 dispõe no seu art.º 24.º, n.º 4, o seguinte:
«4 — Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
Que é este o preceito aplicável não dá lugar a dúvidas. A requerida (agora recorrente) tinha de contestar uma acção e, no decurso do respectivo prazo, requereu a concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono; assim, o prazo referido ficou paralisado, suspenso, com a apresentação, no processo, de tal pedido.
Ora, a suspensão deste prazo pode cessar em duas situações diferentes, consoante o pedido seja deferido ou indeferido.
No primeiro caso, a recontagem inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado, notificação esta que se destina a dar-lhe conhecimento do facto de ter sido nomeado. No segundo caso, é com a notificação ao próprio requerente que a contagem se retoma.
É isto mesmo que está determinado no n.º 5 do citado preceito legal:
«5 — O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
«a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
«b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
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Sendo assim, o despacho recorrido não fez mais do que aplicar a Lei.
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O que, em bom rigor, a recorrente não contesta; defende é que a aplicação daquele preceito nesta situação é inconstitucional.
Conforme o seu entendimento, a norma legal terá de ser interpretada no sentido de, havendo um hiato entre a data da notificação ao patrono da sua designação e a data da notificação do beneficiário de apoio judiciário da nomeação de patrono, ser considerada a última das duas datas, para efeitos de inicio do prazo interrompido.
Argumenta com o facto de que só após a segunda data, por um lado, a recorrente pode exercer os seus direitos de defesa e por outro, o patrono nomeado tem conhecimento dos factos que pode e deve contestar, em que medida o pode fazer e enquadra-los juridicamente, exercendo o patrocínio judiciário.
Concordamos.
O desfasamento entre os prazos das notificações não pode ter como consequência a impossibilidade de recorrer a tribunal, a impossibilidade do acesso ao Direito, que é, afinal, o que a Lei pretende.
Mas, com a aplicação estrita do art.º 24.º, n.º 5, é isso mesmo que se verifica.
Repare-se que, como no caso dos autos, a recorrente nada sabe (quanto ao apoio judiciário) e só vem a saber quando, por força do mesmo dispositivo legal, o prazo terminou ou está a terminar. Até este momento, a recorrente de nada sabe; se nada sabe, como pode exercer o seu direito? E note-se que a obrigação de contacto, entre patrono e patrocinado, incumbe a este último. Por isso, o art.º 31.º, n.º 2, determina que a «notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado». Como poderia a recorrente contactar o seu patrono em tempo útil se desconhecia que já lhe tinha sido nomeado um?
Por outro lado, como também nota a recorrente, que tipo de contestação pode oferecer o patrono sem que o patrocinado ainda o não tenha contactado? Mais ainda quando desconhece tal facto.
A execução do art.º 20.º da Constituição não pode ser impedida por acasos burocráticos como é, certamente, as notificações em datas diferentes. O que a Constituição pretende, com o n.º 2 daquele preceito, é que efectivamente a pessoa tenha um patrono judiciário o que tem como pressuposto óbvio que as pessoas interessadas tenham conhecimento da sua relação de patrocínio.
Quando, como é o caso, tal conhecimento mútuo não existe, não se pode falar em patrocínio judiciário eficaz, útil.
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Por estes motivos, entendemos que é inconstitucional o disposto no art.º 24.º, n.º 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, quando interpretado no sentido de considerar como válido e eficaz o patrocínio judiciário quando o seu requerente só é dele notificado depois do patrono nomeado.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida, determinando-se que o processo siga os seus termos posteriores à contestação.
Évora, 12 de Março de 2015
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Xavier