Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5353/16.6T8STB.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE TRANSIÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
A resolução do Banco de Portugal, relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., tendo em vista “ a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos”, não viola, nomeadamente, os princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

AA, divorciada, residente na rua …, nº …, 1º, Grândola, intentou a presente ação declarativa, na forma de processo comum, contra a Massa Insolvente do Banco Espirito Santo, S.A, com sede social na rua Barata Salgueiro, nº 28, 6º, Lisboa, Novo Banco, S.A., com sede social na avenida da Liberdade, nº 195, Lisboa, e Fundo de Resolução, pessoa coletiva de direito público, com sede junto ao Banco de Portugal, sito na rua do Comércio, nº 148, Lisboa, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de €100.000,00, acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos, desde 3 de novembro de 2014, e vincendos, até efetivo e integral pagamento, e da importância de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais, articulando factos que, em seu critério, conduzem à sua procedência, a qual culminou, em sede de saneador/sentença, com absolvição da instância da primeira e terceiro demandados, com fundamento, respetivamente, na anulação do processo, por inadequação da forma processual empregue, e na verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal recorrido, e com a absolvição do segundo demandado do pedido, a pretexto da ocorrência de uma exceção perentória inominada, geradora da sua ilegitimidade substantiva, por, face às deliberações tomadas pelo banco de Portugal, inexistir “qualquer responsabilidade que possa ser assacada ao réu Novo Banco, S.A.”.

Inconformada com o decidido, recorreu a demandante Esperança Pratas.

Relativamente ao demandado Fundo de Resolução, o recurso, na sequência de requerimento de desistência do pedido, quanto a este sujeito processual, não foi admitido.

Em síntese, formulou a dita recorrente as seguintes conclusões:


Quanto ao erro na forma do processo

- A reclamação de créditos não é suscetível de retirar qualquer utilidade aos presentes autos, bem como não é suscetível de fazer com que estes autos não sejam o meio processual adequado, considerando a causa de pedir, o pedido e as partes envolvidas;

- O facto dos presentes autos terem sido apresentados contra outras pessoas (Fundo de Resolução e Novo Banco) constitui motivo suficiente para que haja e se mantenha a utilidade e interesse em agir;

- O decurso dos ulteriores termos do processo não prejudica, em nada, os direitos e legítimos interesses da massa falida do Réu BES, o mesmo não acontecendo na situação inversa;

- Não faz sentido que os presentes autos fiquem suspensos durante vários anos, até que todas as instâncias de recurso se mostrem esgotadas, pondo em causa não só os princípios da celeridade e da tutela efetiva, com também os direitos da Autora e demais Réus, respetivamente recorrente e recorridos, em poder ter acesso a uma decisão final, em tempo útil, com também não faz qualquer sentido, por maioria de razão, a absolvição da Ré Massa Insolvente do BES da instância, com base neste mesmo argumentário;

- Razão pela qual deve improceder a nulidade, invocada pela Ré Massa Insolvente do BES, de erro na forma do processo.


Quanto à verificação da exceção perentória inominada, geradora de ilegitimidade substantiva

- As deliberações com fundamento nas quais o Tribunal a quo tomou a sua decisão de procedência da exceção de ilegitimidade substantiva do recorrido Novo Banco, S.A. foram impugnadas judicialmente, perante os tribunais administrativos, por diversas razões legais e constitucionais e mesmo por violação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que, embora somente a titulo subsidiário, no caso de não procedência dos fundamentos anteriores respeitantes à impugnação da improcedência da presente ação, entende a recorrente, em conformidade com o disposto no artigo 92º. do Código de Processo Civil, que a decisão a tomar na presente ação, quando menos no tocante a tal questão, por depender de decisão a tomar no âmbito da jurisdição administrativa, deve sobrestar até esta se encontrar resolvida, com a consequente suspensão;

- A medida da resolução aplicada ao Banco Espirito Santo e ulteriores deliberações permitiram delimitar (pese embora não se aceite a sua legalidade), grosso modo, o perímetro de responsabilidades que foram transmitidas daquele para o banco de transição, o Novo Banco;

- Facto incontornável e incontestável é que os saldos das contas de depósitos à ordem e a prazo foram integralmente transmitidas para o Novo Banco;

- Com efeito, soubesse a recorrente que o seu dinheiro estava a ser investido em produtos financeiros complexos, podendo implicar a perda, por completo, do seu capital e nunca teria investido um cêntimo;

- Isto permite que o investimento/negócio seja anulado e o dinheiro devolvido para a conta à ordem da recorrente (com efeitos à data do investimento);

- Em todo o caso, contrariamente ao entendimento professado pela decisão recorrida, a recorrente considera que, desde logo, a deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, com fundamento na qual o Tribunal a quo tomou a referida decisão padece inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º., 18º. e 20º., nº 1 da Constituição da República Portuguesa, não podendo, assim, independentemente de qualquer outra consequência, serem plicáveis nos presentes autos;

- Aos lesados foi apresentado um acordo pelo próprio Novo Banco;

- Nessa perspetiva houve quem aceitasse e quem rejeitasse;

- Contudo, àqueles que aceitaram, o Novo Banco, S.A., nos seus balcões, aceitou a responsabilidade e o compromisso público de os compensar, mediante a subscrição de obrigações perpétuas por si emitidas;

- Os lesados que não aceitaram esse acordo e prosseguiram com as ações judiciais foram prejudicados em face das Deliberações de “clarificação” do Banco de Portugal;

- Uma coisa será definir um perímetro de responsabilidades que o recorrido Novo Banco, S.A. terá de assumir, outro é distinguir credores e lesados em função de terem aceite ou não um acordo;

- Há uma violação clara do princípio da igualdade e da não diferencia de credores (detentores do mesmo tipo de crédito), o que permite ao Tribunal ad quem recusar a aplicação e sujeição ao teor das deliberações do Banco de Portugal da presente ação até tal se verificar.


Contra-alegaram os recorridos Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S. A. e Novo Banco S.A., manifestando-se pela manutenção do decidido.


Face às conclusões antes referidas, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: a) saber se ocorre ou não erro na forma de processo, no que concerne ao pedido formulado contra a demandada Massa Insolvente do Banco Espeito Santo, S.A.; b) a alegada verificação de questão prejudicial, a decidir no âmbito da jurisdição administrativa, com consequente abstenção de decisão nos presentes autos, até que aquela jurisdição se pronuncie; c) a invocada inconstitucionalidade da deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, por violação dos artigos 13º., 18º. e 20º., nº1 da Constituição da República.


Foram colhidos os vistos legais.


Fundamentação

A - Os factos


A.a - Quanto ao alegado erro na forma processual adotada (decisão recorrida)


“ Por sua vez, a Ré Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S.A, em Liquidação, veio na sua contestação arguir a exceção de erro na forma do processo, dizendo, em suma, que o meio processual para a Autora exercer o direito de crédito sobre o BES, decorrente do investimento em papel comercial emitido pelo Espírito Santo Internacional, deverá ser reclamado no processo de insolvência.


(…)


Quanto ao exercício dos créditos contra a insolvência, dispõe o art. 90º do CIRE que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente código durante a pendência do processo”.


Deste modo, os credores da insolvência, quaisquer que sejam, devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência. E mesmo o credor que tenha já reconhecido o seu crédito por decisão definitiva “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, como resulta, expressamente, do disposto no nº 3 do art. 128.º”.


(…)


É, pois, evidente que de nada serve uma sentença proferida numa ação pendente, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência na medida em que essa decisão não poderá ser dada execução para cumprimento coercivo, art.88º do CIRE.


(…)


O crédito que a Autora pretende fazer valer não configura uma dívida da massa insolvente, mas, na verdade, uma dívida do insolvente BES.


No caso em apreciação verificamos que a presente ação deu entrada em juízo no dia 27/07/2016, ou seja, depois da declaração de liquidação judicial do BES, foi instaurada contra, entre outros, a Massa Insolvente do BES, o crédito subjacente à anterior a referida de declaração judicial e, por último está alegado um acervo de factos que tipifica claramente a dívida como sendo do insolvente BES.


No dia 21/07/2016 foi proferido, no âmbito do processo nº 18588/16.2 T8LSB, despacho de prosseguimento, nos termos do art. 9º do Dec. Lei 199/2006, o qual foi publicado na plataforma citius, no dia 22 /07/2016, nesse despacho foi, além do mais fixado em 30 dias o prazo para reclamação de créditos, atr. 36º.,alinea j) do CIRE e 9º., nº 2 do Dec. Lei 199/2206.


(…)


Por conseguinte, não é admissível que um credor, em posição de dever reclamar o seu crédito na insolvência, não o reclamasse e, pudesse vir a exercer o seu direito em desrespeito pelos créditos que ali foram reconhecidos e graduados. Se tal fosse possível, estaria absolutamente comprometida a razão de ser e o fim último do processo de insolvência.


A Autora, enquanto credora do insolvente BES, apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE.


(…)


Existe erro na forma de processo quando há desconformidade entre a forma prevista na lei e a que foi escolhida pelo autor, em face do pedido formulado e da causa em que o sustenta.


Com já acima dissemos o pedido que a Autora pretende fazer valer correspondente a forma de processo de reclamação e verificação de créditos, existe erro na forma de processo que, por ser incompatível com a forma escolhida e a petição inicial completamente desajustada, insuscetível de sanação, determina a nulidade do processo nesta parte, com a consequente absolvição da ré Massa Insolvente da instância.


Deste modo julgo procedente a alegada exceção dilatória de nulidade relativamente à Massa Insolvente com a consequente absolvição da ré Massa Insolvente da instância, nos termos dos arts. 278º.nº 1, b) e 494., al. b), ambos do NCPC.


(…)”.





A.b - Quanto a saber se se verifica ou não uma exceção perentória inominada, geradora da ilegitimidade substantiva do demandado Novo Banco S.A. (decisão recorrida)


“ (…)


A responsabilidade imputada pela Autora ao Banco Espirito Santo, S.A., consta da lista de “Passivos Excluídos” que não foram transferidos para o Novo Banco, S A, por força do disposto na Deliberação do BdP de 03.08.2014, na versão consolidada que consta em Anexo à deliberação relativa ao Perímetro, também, do BdP de 29.12.2015.


(…)


Por ser assim, a título de clarificação legislativa, pedida pelo Banco de Portugal, o Governo, através do Decreto-Lei nº140/2015, de 31 de julho, veio determinar que cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas para um adquirente ou para uma instituição de transição não é exigível à instituição objeto de resolução, com exceção daquelas que o Banco de Portugal determine ser indispensável para preservação e valorização do seu ativo”.


(…)


As deliberações de 29.12.2005 são uma mera precisão ou concretização da delimitação aludida na deliberação de 11.08.2014, a qual veio “clarificar e delimitar o teor do Anexo 2 da deliberação do mesmo Banco de Portugal de 03.08.2014.


(…)


A medida de resolução tomada pelo BdP e, bem assim, as clarificações e concretizações tomadas por tal instituição, a respeito do BES e do banco de transição - Novo Banco - criado apoio legal e não se nos afigura ofenderam normas constitucionais ou legais em vigor e, no que diz respeito às deliberações do Banco de Portugal, tomadas em 29.12.2015, denominadas “Contingência”, “Perímetro” e “Retransmissão”, configuram uma verdadeira “interpretação autêntica” do teor da medida de resolução, proferida pelo órgão competente da autoridade reguladora com poderes legais para o efeito.


(…)


As deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, na medida em que asseveram a irresponsabilidade do Novo Banco, S.A., seja a que título for, por responsabilidades que radicam na esfera do BES, tendo por base a atividade deste antes da medida de resolução - onde se insere toda a atuação que fundamenta as pretensões da Autora nos presentes autos (com base na “sucessão de responsabilidade face ao BES, a qual se mostra inexistente) -configura uma causa que determina, quanto ao Novo Banco, S.A. a sua ilegitimidade substantiva.


A legitimidade substantiva passa por determinar quem é o efetivo titular do direito em questão, relacionando-se com o mérito da ação e não com a legitimidade ad causam, a que já se fez referência.


De facto, a legitimação ou legitimidade substantiva é o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do facto jurídico.


Das considerações acima expendidas decorre que inexiste qualquer responsabilidade que possa ser assacada a Réu Novo Banco, S.A..


A ausência de legitimidade substantiva constitui exceção perentória que conduz à absolvição do pedido.


Em face do exposto, considera-se verificada a exceção perentória inominada, de falta de legitimidade substantiva, em consequência do que, nos termos do disposto no art.576º., nºs 1 e 3 do NCPC tal determina a absolvição do pedido do réu Novo Banco, S.A..


Pelo exposto, ao abrigo do art. 576º nºs 1 e 3 NCPC, absolvo o réu “Novo Banco S.A.” do pedido formulado pela Autora.


(…)”.





B - O direito/doutrina/jurisprudência


Quanto ao alegado erro na forma processual adotada


- “ (…) todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação” [1].


- A total inadequação da petição à forma de processo seguida implica a anulação de todo o processado, com a consequente extinção da instância[2];


- Se o autor pretende exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito instaura uma ação declarativa; esta pode ser comum ou especial; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial[3].





Quanto a alegada verificação de questão prejudicial, a decidir no âmbito da jurisdição administrativa, com consequente abstenção de decisão nos presentes autos, até que aquela jurisdição se pronuncie


- “É questão prejudicial toda aquela cuja resolução constitui pressuposto necessário de decisão de mérito, quer esta necessidade resulte da configuração da causa de pedir, quer da arguição ou existência de uma exceção, perentória ou dilatória, quer ainda objeto de incidentes em correlação lógica com o objeto do processo, e seja mais ou menos direta a relação que ocorra entre essa questão e a pretensão ou o thema decidindum [4];


- “Verificada a questão prejudicial, o juiz pode prosseguir na apreciação e no julgamento da ação, decidindo-a previamente ele próprio, ou, em alternativa, sobrestar na decisão até ao seu julgamento pelo tribunal competente. Trata-se de uma faculdade que a lei confere ao juiz e que este pode exercer oficiosamente, independentemente, pois, de requerimento das partes” [5];


- “Denomina-se questão prejudicial aquela cuja solução é necessária para se decidir outra”[6];


- “Em termos amplos mais amplos: o julgamento da ação civil está dependente de decisão duma questão que é da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo. Quando isso acontece, o que há-de fazer o juiz? O artigo diz: pode sobrestar na decisão até que o tribunal criminal ou o tribunal administrativo se pronuncie. A palavra “pode” é significativa. Perante a ocorrência descrita, ao juiz da causa é lícito tomar uma destas atitudes: a) Ou suspender o curso da ação até que o tribunal criminal ou o tribunal administrativo decida a questão prejudicial; b) Ou deixar seguir a causa os seu termos e resolver ele próprio, na altura respetiva, a referida questão” [7].





Quanto à invocada inconstitucionalidade da deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, por violação dos artigos 13º, 18º e 20º, nº1 da Constituição da República


- “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto o tribunal superior não é chamado apreciar de novo a ação e a julgá-la, como se fosse a primeira vez, indo antes controlar correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado jus novorum), mas apenas apreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la. Os tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo, das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso (…)”[8];


- Reproduzem-se, nesta sede, todas as disposições legais especificadas, pelo Tribunal recorrido e de modo exaustivo, nesta parte do decidido;


- “Relativamente à legislação, o princípio da igualdade assume relevância, por um lado, na forma de igualdade formal ou igualdade perante a lei (…) e, por outro lado, na forma de igualdade através da lei. Na primeira forma, implica a proibição de discriminações ilegítimas por via da lei (proibição do arbítrio legislativo, de tratamento diferenciado injustificado); na segunda forma, o princípio da igualdade obriga o legislador a concretizar as imposições constitucionais dirigidas à eliminação de desigualdades fácticas impeditivas do exercício de alguns direitos fundamentais (discriminações positivas através da lei e deveres de atuação legislativa) (…). A vinculação da administração pelo princípio da igualdade encontra os seus momentos mais relevantes no seguinte: a) proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coativas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres; b) exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela administração (administração de prestações); c) autovinculação da administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para resolução de caso idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade (não existindo porém, um direito à “igualdade na ilegalidade”, ou à “repetição dos erros” e podendo administração, por razões de interesse público afastar-se de uma prática anterior que se mostre ser ilegal); d) direito à compensação de sacrifícios quando a administração, por razões de interesse público, impôs a um ou vários cidadão sacríficos especiais, violadores do princípio da igualdade perante os encargos públicos (…)”[9];


- Para que a restrição aos direitos, liberdades e garantias “(…) seja constitucionalmente legítima, torna-se necessária a verificação cumulativa das seguintes condições: a) que a restrição esteja expressamente admitida (ou, eventualmente, imposto) pela Constituição, ela mesma (…); b) que a restrição vise salvaguardar ouro direito ou interesse constitucionalmente protegido (…), c) que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta para o efeito e se limite à medida necessária pra alcançar esse objetivo (…); d) que a restrição não aniquile o direito em causa atingindo o conteúdo essencial do respetivo preceito (…)”[10];


- O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva “(…) é um corolário lógico do monopólio tendencial de solução de conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídica”. “ O direito à proteção jurídica estende-se a todos e quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos” [11];


-“ Sendo o investidor titular de uma conta com depósito junto do banco objeto de medida de resolução e tendo a execução da ordem de subscrição das obrigações feitas à conta do saldo existente - como sucedeu no caso vertente - a anulação do negócio pode implicar a reconversão do crédito num saldo, considerando-se ser este um verdadeiro depósito, transmissível para a instituição bancária de transição, desde que essa transmissão não tenha sido excluída pela medida de resolução” [12];


- “Um banco de transição deve ser considerado como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência deste para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução”; “O direito de propriedade não é um direito absoluto, como também não é absoluto o direito de cada um ao seu próprio património, podendo ocorrer restrições, desde que sejam respeitados os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade”; “A medida de resolução constitui o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos, sendo a transferência de ativos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, condição sine qua non para a realização de tal objetivo”[13];


- “No caso concreto, face ao teor das deliberações do Banco de Portugal no que respeita à delimitação dos passivos que transitaram ou não para o Novo Banco, uma eventual obrigação de indemnização a favor dos autores que se tenha constituído na esfera do BES,S.A. não pode considerar-se transferida para o Novo Banco”; “A resolução de instituição bancária, acompanhada da criação de um banco de transição, constitui uma das medidas que podem ser adotadas pelo Banco de Portugal ao abrigo dos poderes legais e regulamentares que lhe estão atribuídos, envolvendo ainda o poder de, dentro dos parâmetros legais, definir os elementos do ativo e do passivo que ficarão afetos ao banco de transição” [14];


- “Não podendo o direito de propriedade ser considerado como um direito absoluto, não deve considerar-se que a transferência das situações patrimoniais do BES para o Novo Banco de transição, através de critérios de seleção concretamente seguidos, haja redundado em qualquer tipo de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos comandos ínsitos nos artigos 62º e 101º da Constituição da República Portuguesa”; “A garantia constitucional à propriedade privada estabelecida no artigo 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, não obriga ao reconhecimento genérico de direito subjetivo do credor à satisfação do seu crédito, precisamente por tal não constituir uma faculdade nuclear do seu direito de crédito o que apenas sucede com os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do credor”; “A intervenção reguladora do Banco de Portugal - e em concreto a resolução bancária operada - tendo em conta o circunstancialismo factual que se deixou enfatizado, respeitou indiscutivelmente os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade, encontrando-se em estreita conformidade com o princípio constitucional ínsito no artigo 18º., nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa” [15];


-“Não podendo o direito de propriedade ser considerado como um direito absoluto, não deve considerar-se que a transferência das situações patrimoniais do BES para o Novo Banco de transição, através de critérios de seleção concretamente seguidos, que respeitaram os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade, haja redundado em qualquer tipo de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos comandos ínsitos nos artigos 62º e 101º da CRP” [16];


- “Um banco de transição deve ser considerado, como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência desta para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução” [17].





C - Aplicação do direito aos factos





Quanto ao alegado erro na forma processual adotada


A presente ação, referente, manifestamente, a uma dívida da Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S.A. deu entrada em juízo após a sua declaração de liquidação judicial e após despacho do Tribunal a fixar o prazo de 30 dias para a reclamação dos créditos.


Como tal, a recorrente AA, para poder obter satisfação do seu alegado crédito, devia socorrer-se da forma processual consagrada nos artigos 128º. e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.


Assim sendo, é total a inadequação à forma de processo seguida - a típica ação declarativa, na forma de processo comum.


O facto de pretender, também, demandar o Novo Banco, SA., não a prejudicava, uma vez que nada obstava que o fizesse de forma autónoma.


Não é, pois, de ratificar a pretensão ora em análise da dita recorrente.





Quanto a alegada verificação de questão prejudicial, a decidir no âmbito da jurisdição administrativa, com consequente abstenção de decisão nos presentes autos, até que aquela jurisdição se pronuncie


Ao tribunal recorrido era lícito apreciar a legalidade da “ (…) resolução aplicada ao Banco Espírito Santo e ulteriores deliberações (…)“, que delimitaram “ (…) o perímetro das responsabilidades e contingências que foram transmitidas daquele para o banco de transição, N. B.”.


Foi o que fez o tribunal de 1ª instância, julgando a dita resolução conforme às normas legais em vigor, que, de modo exaustivo, especifica.


Assim sendo, não cometeu, neste domínio, qualquer ilegalidade.


Improcede, deste modo, esta parte do recurso.





Quanto à invocada inconstitucionalidade da deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, por violação dos artigos 13º, 18º e 20º, nº1 da Constituição da República


A alegada disponibilidade do Novo Banco, S.A. em aceitar um “compromisso ” de compensar os “lesados do BES”, através “da subscrição de obrigações perpétuas por si emitidas” e a consequente distinção dos credores e lesados, “em função de terem aceite ou não o acordo”, não foi suscitada, em sede de articulados, sendo, por conseguinte, uma questão nova.


Assim sendo, esta Relação não toma conhecimento da invocada violação “do princípio da igualdade e da não diferenciação de credores”, decorrente da aceitação ou não do dito compromisso.


A recorrente AA aceita que o perímetro de responsabilidades que foram transferidas, pelo Banco de Portugal, através da medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A., incluindo as “ulteriores deliberações”, não contempla “a atuação que fundamenta as pretensões da Autora nos presentes autos”.


Daí que a questão suscitada, no presente recurso, se radique numa eventual inconstitucionalidade da dita resolução, por violação dos princípios da igualdade, da restrição de “direitos, liberdades e garantias” e da tutela jurisdicional efetiva.


A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações é coincidente no sentido de considerar conforme à Constituição a deliberação em causa do Banco de Portugal, ainda que tendo como referência os “comandos ínsitos nos artigos 62º e 101º da Constituição da República Portuguesa”.


No caso dos autos, não se vislumbra que o Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes administrativos de regulação da atividade bancária, tendo em vista “ a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos”, não tenha atuado em conformidade com “os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade “.


Por outro lado, o “direito à proteção jurídica” da recorrente AA está balizado pelos “direitos e interesses legalmente protegidos”, o que não é caso da sua pretensão, no que concerne ao demandado Novo Banco, S.A..


É, pois, de manter a decisão do Tribunal recorrido, no domínio da rotulada “ilegitimidade substantiva” do Novo Banco, S.A..


Em síntese[18]: a resolução do Banco de Portugal, relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., tendo em vista “ a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos”, não viola, nomeadamente, os princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.


Decisão


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter as decisões recorridas.


Custas pela recorrente.


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Évora, 10 de maio de 2018


Sílvio José Teixeira de Sousa


Manuel António do Carmo Bargado


Albertina Maria Gomes Pedroso


__________________________________________________
[1] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2ª edição, pág. 448, e artigos 90º. e 128º., nºs 1 e 3 e seguintes do mesmo diploma.
[2] Artigos 193º., nºs 1 e 2 e 278º., nº 1, b) do Código de Processo Civil, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado (2ª edição), vol. I, págs. 365 a 367, e Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, vol. II, págs. 470 a 480.
[3] Artigos 10º., nºs1,2 e 3, b) e 546º. do Código de Processo Civil.
[4] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ªedição, pág. 184.
[5] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ªedição, pág. 185, e artigo 92º do mesmo diploma.
[6] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ªedição, 1960, pág. 286.
[7] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ªedição, 1960, págs. 287 e 288.
[8] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil anotado, vol. III, tomo I, 2ªedição, págs. 7 e 8, artigo 627 do mesmo diploma.
[9] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ªedição, pág. 345, e artigo 13º. do mesmo diploma.
[10] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ªedição, pág. 388, e artigo 18º. do mesmo diploma.
[11] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ªedição, págs. 409 e 410, e artigo 20º. do mesmo diploma.
[12] Acórdão do STJ de 18 de janeiro de 2018 (processo nº 1808/15.5 T8LSB.L1,S2), in www.dgsi.pt..
[13] Acórdão do STJ, de 27 de setembro de 2017 (processo nº 3499/16.0 T8VI. S1), in www.dgsi.pt..
[14] Acórdão da Relação de Évora, de 22 de fevereiro de 2018 (processo nº 2020/16.4 T8STR.E1), in www.dgsi.pt..
[15] Acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de novembro de 2017 (processo nº 5436/16.2 T8LSB.L1-7), in www.dgsi.pt..
[16] Acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de outubro de 2017 (processo nº 20120/16.9 T8LSB.L1-7), in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão da Relação de Lisboa, de 13 de julho de 2017 (processo nº 20213/16.2 T8LSB.L1-2), in www.dgsi.pt..
[18] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil.