Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
956/16.1T8STR-A.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
SENTENÇA
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DO RECURSO
Data do Acordão: 11/04/2016
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Sumário:
A notificação a que alude a última parte do nº 1 do artigo 74º do DL nº 433/82, de 27.10 (RGCC) apenas se aplica nos casos em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido, e não nas situações em que o mandatário tenha sido notificado da data da leitura da sentença e não compareceu, contando-se o prazo para interposição do recurso a partir do depósito da sentença.
Decisão Texto Integral:
Proc. Nº 956/16.1T8STR-A.E1
Reclamação – Art.º 405 do CPP.
Reclamante:
AA. S.A.


AA, S.A., notificado do despacho da Exmª Srª. Juíza, que não admitiu o recurso, por si interposto contra a sentença, por ter considerado que o mesmo fora interposto depois de esgotado o prazo legal de recurso, veio apresentar reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, nos termos do disposto no art.º 405 do CPP.
Instruídos os autos, foram remetidos à distribuição, como reclamação do Art.º 405º do CPP, tal como havia sido requerido pelo reclamante.
O reclamante fundamenta a sua discordância nos seguintes termos:
«
Por despacho proferido em 13/07/202016 (c/ refª eletrónica 725538219) a Mma Juiz a quo rejeitou o Recurso interposto da sentença final, com base no seguinte:
a) A leitura da sentença - assim como o respetivo depósito - foi realizada no dia 08.06.2016;
b) O mandatário da recorrente esteve presente na leitura da sentença conforme acta de fls. 153e 154;
c) A arguida interpôs recurso da sentença em 08.07.2016;
d) O prazo de interposição do recurso é de 20 dias e a arguida considera-se notificada com o depósito da sentença na secretaria (cfr. artigo 411.º, n.º 1 do CPP, aplicável “ex vi” dos artigos 50.º, n.º 4 e 60.º, da Lei 107/2009), ou seja, no dia 08.06.2016;
e) O prazo normal para propositura do recurso da sentença, acrescido dos três dias de multa (cfr. artigo 139.º do CPC) já tinha decorrido à data da interposição do recurso.
2.º
Acontece que, por um lado, não corresponde à realidade que a arguida deva considerar-se como notificada da sentença no próprio dia 8 de Junho de 2016, ou seja na própria data em que se procedeu à sua leitura;
3.º
Por outro, também não é verdade que o recurso tivesse sido interposto apenas no dia 8 de Julho.
4.º
E em razão da não verificação de nenhum destes dois pressupostos, a decisão ora proferida é completamente desacertada.
Vejamos então,
5.º
Importa desde logo referir que contrariamente ao que é referido em sede de despacho, na audiência em que se procedeu à leitura da sentença não esteve presente qualquer representante da arguida e muito menos ainda a pessoa de qualquer um dos seus mandatários.
6.º
E esse facto resulta evidente pela simples leitura (mesmo que enviesada) do teor da ata dessa diligência, na qual é expressamente assinalado o seguinte: “NÃO PRESENTES: O mandatário da recorrente, Sr. Dr. …” – Cfr. Ata da diligência
7.º
Aliás, a ata em questão apenas identifica como tendo estado presentes na diligência, as seguintes pessoas:
Juiz de Direito: Dr(a). …
Procurador da República: Dr.(ª) Dr(a). …
Escrivão Auxiliar: …
8.º
Mais refere expressamente a responsável pela elaboração dessa mesma ata que “procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir, após o que comuniquei verbalmente à Mmª Juiz de Direito, o rol dos presentes e dos faltosos (art.º 329º, n.ºs 1 e 2 do C. P. Penal), a saber: NÃO PRESENTES: O mandatário da recorrente, Sr. Dr. …” (sublinhado nosso)
9.º
Assim sendo, em circunstância alguma poderia considerar-se a arguida notificada da sentença logo no dia 8 de Junho, ou seja, na data da sua leitura e subsequente depósito.
10.º
Nos termos do disposto no art. 50,º, nº 1 da Lei nº “O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste” (sublinhado nosso)
11.º
Acresce que contrariamente ao que consta dos autos, a sentença foi notificada ao mandatário da Recorrente não por transmissão eletrónica de dados (CITIUS), mas ao invés por correio simples.
12.º
Na realidade, pese embora nos autos conste que se procedeu à notificação da sentença pelo correio [Notificação Electrónica CITIUS], a verdade é que não consta dos autos qualquer PDF (ou ficheiro eletrónico de qualquer outra natureza) contendo a sentença, pelo que é manifestamente impossível que a mesma tivesse sido submetida informaticamente - Cfr. refª eletrónica nº 72064684
13.º
Carta essa que apenas foi rececionada no escritório do ora signatário em 14 de Junho.
14.º
Mas ainda que se admita que a notificação ocorreu por via informática, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre deverá considerar-se como data da citação o dia 13 de Junho e não o própria dia 8.
15.º
É que correspondendo o dia 8 à data que foi certificada pelo sistema informático como a da elaboração da notificação, a notificação presume-se feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, conforme estabelece o art. 248.º do CPCivil.
16.º
E como o 3º dia posterior correspondeu ao dia 11, um Sábado, então a notificação passa a considerar-se feita na 2ª feira seguinte, ou seja no dia 13.
17.º
É pois a partir desta data que começa a contar-se o prazo de 20 dias para a interposição do recurso.
18.º
Chegados a este ponto, verifica-se que esse prazo de 20 dias terminaria então só no 3 de Julho.
19.º
Mas porque este dia correspondeu a um Domingo, para efeitos de contagem o dia a ter em consideração passou a ser o dia 4 de Julho.
20.º
E porque assim é, o 3º dia para a prática do ato com recurso ao pagamento da multa corresponderá ao dia 7 de Julho.
21.º
Ora, foi precisamente no dia 7 de Julho (e não no dia 8 como erradamente se refere na decisão) que o recurso foi remetido aos autos.
22.º
Em concreto, o recurso foi recebido no Tribunal de Santarém às 19:09:04 do dia 7, por comunicação FAX - Cfr. comprovativo da receção da comunicação fax, junta aos autos sob a referência eletrónica nº 2974888
23.º
Aliás, o requerimento de recurso e respetiva fundamentação foi acompanhado quer do comprovativo do pagamento da correspondente taxa de justiça, quer ainda do comprovativo do pagamento da multa correspondente à prática do ato no 3º dia seguinte ao termo do prazo (art. 139.º, nº 5 do CPCivil, aplicável ex vi do art. 107º.-A do CPP
24.º
Em face do supra exposto, deve pois considerar-se o presente recurso como interposto dentro do prazo legal, ordenando-se em conformidade a sua subida ao Venerando Tribunal da Relação de Évora para apreciação e julgamento.
Termos em que se requer que seja ordenada a subida imediata do recurso interposto pela ora Reclamante, considerando-se o mesmo como tempestivamente interposto.

A Srª. Juíza, sustentou e manteve a decisão reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
Defende o reclamante que o prazo de recurso só se inicia com a notificação formal da sentença ao arguido, ainda que a mesma tenha sido lida em audiência para a qual foram convocados tanto o arguido como o seu mandatário, sendo que nem um nem outro compareceram.
Decorre dos autos que:
« No dia 2 de Junho de 2016, pelas 10:00h, deu-se inicio à audiência de julgamento nos autos de recurso de contra-ordenação nº 956/16.1T8STR, tendo estado presente, para além das testemunhas identificadas na acta, o Digno Magistrado do MP e o Exmº mandatário da arguida Dr. …..
Finda a produção da prova e produzidas as alegações, a Sr. Juíza designou o dia 8 de Junho de 2016, para a leitura da sentença. Deste despacho foram notificados todos os presentes (cfr. acta de fls. 68).
No dia 8 de Junho de 2016, procedeu-se à leitura da sentença, não tendo comparecido nem o mandatário da arguida nem nenhum representante desta (acta de fls. 82). A sentença foi depositada no próprio dia 8/6 (Declaração de fls. 84). Nesse mesmo dia foi expedida notificação da sentença para a arguida (fls. 26).
*
O regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, encontra-se plasmado na lei nº 107/2009, actualizada pela lei nº 63/2013 de 27 de Agosto. No seu artigo 50.º a Lei n.º 107/2009 estabele que:
1 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.”
A disciplina constante deste preceito, com excepção do prazo de recurso, que é aqui maior, é em tudo similar ou idêntica à constante do art.º 74º do regime geral das Contra-ordenaçãoes, aprovado pelo DL nº 433/82 de 27 de Outubro.
A questão suscitada na presente reclamação consiste em saber a partir de que momento se deve iniciar a contagem do prazo de recurso, quando o arguido não esteve presente na leitura da sentença e o seu mandatário também não compareceu, apesar de notificado para tal acto.
A questão objecto da presente reclamação consiste em saber qual o “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contra-ordenação, quando nem o arguido nem o seu mandatário estiveram presentes à leitura da sentença, sendo que o mandatário foi notificado da data dessa audiência e anuiu a ela.
O tribunal “ a quo” entendeu e bem que nestas circunstâncias o prazo de interposição do recurso se inicia com a leitura da decisão e depósito da sentença na secretaria. Na verdade era já esse o entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais superiores, aliás sufragado pelo Tribunal constitucional, quanto à sua conformidade com os princípios e preceitos constitucionais (vide entre outros os Acs. do TC nº 483/2010 e 77/2005 e, n.º 142/201). Em recente Ac. da Relação do Porto, de 24 e Setembro de 2014, disponível em www.dgsi.pt...e que pela sua pertinência vale a pena reproduzir, afirma-se que, «no que respeita ao “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contra-ordenação, vem a jurisprudência, que reputamos maioritária, defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido. Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05. Numa posição mais garantística, pode-se entender que esse prazo só começa a correr a partir do momento em que ao arguido seja dado efetivo conhecimento, rectius, proporcionada efetiva possibilidade de tomar conhecimento do teor da decisão proferida. Mas, ainda assim, bastará que a notificação seja feita ao seu mandatário, pois, de outra forma, estar-se-ia a dar um tratamento privilegiado aos casos em que nem o arguido, nem o seu mandatário, comparecem à leitura da sentença, por comparação com aqueles em que o arguido, não comparecendo, mas fazendo-se representar por mandatário e, por isso, considerando-se “presente” – mais precisamente, processualmente presente -, se considera notificado na pessoa deste. O cabal conhecimento da decisão atinge-se, então, sem violação ou encurtamento inadmissível das garantias de defesa que o processo de contra-ordenação deve comportar, com a notificação ao mandatário do arguido (seja logo aquando da leitura da sentença, se a ela tiver assistido, seja posteriormente, se não tiver estado presente)». Prosseguindo, e fazendo apelo a um argumento a fortiori, observa-se que « é completamente inadmissível que as garantias de defesa do arguido obtenham proteção mais reforçada no processo contra-ordenacional do que aquela que é assegurada no processo criminal», vide art.º 411º nº 1 al. c) do CPP. Como se referiu supra o regime processual das contra-ordenações laborais, excetuado o alargamento do prazo de recurso, não difere do regime geral. Assim a solução jurisprudencial adoptada a propósito do nº 1 do art.º 74º do DL nº 433/82, tem plena aplicação ao disposto no art.º 50º nº 1 da Lei nº 107/2009.
A tese sustentada pelo reclamante conduziria a uma incongruência do sistema, sem que haja razões sérias para que tal suceda. Na verdade se a lei impõe um acto formal de leitura em audiência, e uma obrigação de depósito da sentença, em acto seguido a tal leitura e para a qual são notificados os intervenientes processuais (sem que sejam obrigados a comparecer), tal imposição não pode deixar de ter a consequência de se considerarem notificados da sentença as pessoas que foram legalmente convocadas ou notificadas para o acto[1]. Efectivamente só não tomaram conhecimento porque não quiseram. Já há muito que assim acontece no Processo Pena - art.º 411º nº 1 al. c) do CPP e também agora o novo Código de Processo Civil - art.º 638º nº 3 do novo e art.º 685º nº 3 do antigo) consagra disciplina idêntica, ou seja no sentido de que o prazo de interposição de recurso se inicia na data da leitura da sentença independentemente de a parte ou o seu defensor estarem presentes, desde que tenham sido notificados para esse acto.
O sistema processual deve assegurar os direitos de defesa do arguido, mas não deve permitir o abuso nem premiar o desinteresse ou a negligência dos sujeitos processuais ou dos seus representantes. É por isso que o T. Constitucional reiteradamente afirma a conformidade da interpretação feita no despacho reclamado, como ressalta da seguinte passagem do Ac. do TC n.º 142/2012 : “(…) tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de, ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contraordenação, é o absentismo simultâneo do arguido – que viu a sua presença logo no julgamento dispensada – e do seu mandatário constituído, que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de, notificado do dia da leitura da decisão, ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do ato judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído.
No caso dos autos o tribunal não impôs a comparência obrigatória do arguido e este fez-se sempre representar pelo seu mandatário, que foi devidamente notificado da diligência de leitura da sentença e assentiu na data designada, pelo que só não tomou conhecimento da sentença nessa data foi porque não quis. Por isso a sentença não pode deixar de se ter por notificada naquela data ou seja em 8/6/2016. O prazo pra a interposição do recurso iniciou-se no dia imediato ou seja em 9/6. Tendo o requerimento de interposição de recurso dado entrada em 7 de Julho, é manifesta a sua extemporaneidade, porquanto o prazo legal terminara em 28 de Junho. Mesmo considerando a possibilidade da sua prática até ao terceiro dia útil seguinte nos termos do disposto no art.º 139º nº 5 do CPC , aplicável ex vi do art.º 107-A do CPP, o prazo terminaria em 4 de Julho. É manifesta a extemporaneidade do recurso.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações desatende-se a reclamação e confirma-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante.
Notifique.
Évora, em 4 de Novembro de 2016.
O Vice-presidente da Relação

(J.M. Bernardo Domingos)

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[1] Vide Acórdão da Relação de Lisboa de 21-09-2011, Proc. 2486/10.6TBOER.L1-5, disponível in www.dgso.pt.., em cujo sumário pode ler-se que:
Iº Em processo de contra-ordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado;
IIº O art.74, nº1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse acto.