Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
159/14.0TBETZ.E2
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
UNIDADE DE CULTURA
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O art.1380º, nº 1, do Cód. Civil e o art. 18º do D.L. 384/88, de 25/10, conferem direito de preferência aos donos de prédios rústicos confinantes desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P.159/14.0TBETZ.E2

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e mulher (…), intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…), (…) e mulher, (…), peticionando o seguinte:
- Reconhecer-se aos Autores, porque proprietários do prédio misto confinante denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, concelho de Estremoz, com a área de l,5250HA, tendo a parte urbana inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) e a parte rústica inscrita sob o artigo (…) da secção E, descrito na C.R.P. de Estremoz, sob o nº (…), a fls. (…), do Livro (…)-15, o direito de preferir na aquisição que o 2º Réu, casado com a 3ª Ré, fez do prédio misto no sítio denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, concelho de Estremoz, com a área de 9,4250HA, estando a parte urbana inscrita na respectiva matriz sob o artigo (…) e a parte rústica sob o artigo (…) da secção C, descrito na C.R.P. de Estremoz sob o nº (…)/20120918 – Freguesia de Arcos, através da escritura pública realizada em 23.10.2013, no Cartório Notarial do Dr. Gonçalo Rodrigo Barreiros Soares Cruz, em Lisboa, e que aí se encontra lavrada de fls. 61 a 62 do livro de notas para escrituras diversas nº (…), devendo assim passar os mesmos Autores a ocupar o lugar daquele comprador;
- Reconhecer-se aos Autores o direito de requererem em qualquer C.R.P. que se proceda ao averbamento através do qual os mesmos Autores se substituam em qualquer inscrição predial que, com referência ao prédio objecto de preferência – descrição contida na ficha nº (…)/20120918 – freguesia de Arcos, porventura ali tenha sido feita a favor do 2º Réu, casado com a 3ª Ré;
- Ser ordenando o cancelamento de todos os ónus, eventualmente existentes, que possam ter sido constituídos sobre o prédio objecto da preferência após 23.10.2013, data da escritura através da qual o 2º Réu casado com a 3ª Ré, adquiriu o imóvel em questão.
Para tanto, alegaram os Autores, em síntese, o seguinte:
- São legítimos proprietários do prédio misto denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, Concelho de Estremoz, com a área de l,5250HA, tendo a parte urbana inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) e a parte rústica inscrita sob o artigo (…) da secção E, descrito na C.R.P. de Estremoz, sob o n.º (…), a fls. 164, do Livro (…)-15; o lº Réu era legítimo proprietário do prédio misto no sítio denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, concelho de Estremoz, com a área de 9,4250HA, estando a parte urbana inscrita na respectiva matriz sob o artigo (…) e a parte rústica sob o artigo (…) da secção C, descrito na C.R.P. de Estremoz sob o nº (…)/20120918 – Freguesia de Arcos;
- Por escritura pública de 23.10.2013, outorgada no Cartório Notarial do Dr. Gonçalo Rodrigo Barreiros Soares Cruz, em Lisboa, o lº Réu vendeu ao 2º Réu o prédio de que era proprietário, denominado "(…)", pelo preço de € 80.000,00; a parte rústica de ambos os prédios é confinante; os proprietários de prédios confinantes gozam do direito de preferência, nos termos dos artigos 18º, nº 1, do D.L. nº 384/88, de 25/10 e 1380º do Cód. Civil;
- O lº Réu não deu conhecimento aos Autores da venda do referido prédio, o que os impediu de exercer a preferência de que beneficiam;
Devidamente citados para o efeito vieram os Réus apresentar a sua contestação nos autos, alegando, em suma, o seguinte:
- Pertencendo a freguesia de Arcos, município de Estremoz, a Portalegre, a unidade de cultura arvense foi fixada em 2,5HA;
- Os Autores não demonstram que o prédio de que são titulares é de área inferior à unidade de cultura, nem que de todos os prédios confinantes com o do 2º e 3.ª Réus é o dos Autores aquele que pela preferência é o que mais se aproxima da unidade de cultura da zona;
- O prédio confinante com a matriz predial 31, situado em (…), com a área de O,05HA é aquele que pela preferência obteria a área que mais se aproxima da unidade de cultura;
- Os Autores são proprietários de um aglomerado de prédios, confinantes entre si, com as matrizes 31, 46, 49, 67 e 66, e cuja área total é de 9,93HA, os quais optaram por não emparcelar, o que afasta a preferência que invocam;
- A situação dos autos não se enquadra em nenhuma das medidas que estão no âmbito de aplicação do D.L. nº 384/88;
- Os Autores actuam em abuso de direito ao invocarem o regime previsto em tal diploma;
- O direito de preferência não tem lugar quando o prédio objecto da preferência preencha a exigência mínima da área feita pela lei;
- Ao invocar tal direito, os Autores actuam de má-fé; entre os prédios dos Autores e o prédio sobre que exerceram a preferência, existe uma real e efectiva separação física, consubstanciada numa estrada pública que os separa;
- Os Autores litigam de má-fé, por deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não deveriam ignorar e omitindo factos relevantes para a decisão da causa, pelo que devem ser condenados em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00;
- Recorreram à acção de preferência nos termos do D.L. nº 384/88 (artigo 18º), apenas com o intuito de haver para si mais um prédio, omitindo serem proprietários de mais cinco prédios com área inferior à unidade de cultura e, ainda assim, não emparcelados.
Os Autores responderam à contestação, alegando, em síntese, que:
- O D.L. nº 384/88, de 25.10 não obriga os proprietários dos prédios rústicos a procederem ao respectivo emparcelamento;
- A unidade de cultura em causa é de 7,50HA (cultura de sequeiro);
- O direito dos Autores não depende de situações possivelmente existentes com terceiros;
- Pelo que os Autores não deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deveriam ignorar, nem alteraram a verdade dos factos ou omitiram factos relevantes para a decisão da causa.

Foi realizada audiência prévia e foi proferido saneador sentença, o qual veio a ser revogado por acórdão deste Tribunal Superior, datado de 25/6/2015, aí se determinando o prosseguimento dos autos no tribunal “a quo” e a produção da prova pertinente para a boa decisão da causa.
Assim sendo, foi proferido novo saneador, prosseguindo os autos para apreciação dos temas da prova aí previamente fixados.
Posteriormente foi certificado o óbito do Autor (…), pelo que (…), (…), (…), (…) e (…), foram habilitados como sucessores do primeiro.
Em 31/3/2017 foi proferido despacho que procedeu ao aditamento de mais um tema da prova extraído do alegado nos arts. 13º e 18º da contestação dos Réus..
De seguida, foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu os Réus do pedido. Além disso, julgou improcedente, por não provado, o pedido dos Réus de condenação em multa e indemnização dos Autores, por litigância de má-fé, absolvendo-os do mesmo.

Inconformados com tal decisão dela apelaram os AA., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é interposto da parte da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", a fls., que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. Recorridos do pedido, condenando os AA. Recorrentes em custas.
B) Atente-se na matéria constante das alíneas a), b), c), d), e), f) e g) dos Factos Provados da douta sentença recorrida, que se dá por integralmente reproduzida.
C) Há direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles tenha área inferior à unidade de cultura.
D) No caso em apreço, em que se provou a existência de uma venda de um prédio com área superior à unidade de cultura, a propriedade, por parte do preferente, de um prédio confinante com o prédio alienado, com área inferior à unidade de cultura e que o adquirente não é proprietário confinante, haveria condições para dar provimento à acção.
E) Não foi este o entendimento da Ma Juíz "a quo", que julgou a acção improcedente, com o qual discordamos.
F) Segundo a Ma Juíz, de acordo com a matéria de facto assente, é patente que os AA. (habilitados) são ainda proprietários dos prédios com as matrizes nºs 31, 46, 49, 66 e 67, os quais, conjuntamente com o prédio identificado na alínea a) dos Factos Provados, têm uma área total de 9,93ha.
G) Afirma ainda a Ma Juíz "a quo" que os referidos prédios são contíguos e que os AA. (habilitados) optaram por não os emparcelar.
H) Mais diz que o terreno dos AA. identificado na alínea a), juntamente com os prédios identificados na alínea h), que lhe são contínuos e sem hiatos, embora com artigos matriciais diferentes, excedem a unidade de cultura de 7,5ha. fixada para a zona onde estão inseridos.
I) Pelo que o terreno em questão, não estando numa situação de minifúndio, não está em condições de exercício do direito de preferência à luz do art. 18° do Dec.-Lei n° 384/88, de 25-10.
J) Todas estas considerações levaram a Ma Juíz "a quo" a julgar não ser possível reconhecer aos AA., ora recorrentes, o invocado direito de preferência nos moldes pretendidos, o que discordamos.
L) Na verdade, do Dec.-Lei n° 384/88, de 25.10, não decorre qualquer obrigatoriedade para os proprietários dos prédios rústicos procederem ao respectivo emparcelamento.
M) Dá-se por integralmente reproduzida a matéria constante das alíneas h), i), j) e k), III – Factos provados, cfr. douta sentença recorrida a fls.
N) Da mesma sentença ressuma que a Ma Juíz "a quo" a sustentou no Acórdão do S.T.J. de 03.10.2013, cujo número 5 do respectivo Sumário se dá por integralmente reproduzido.
O) Note-se que com o prédio dos AA. identificado em a) - art° 45, apenas confina o n° 31, confinando este, por sua vez, com o n° 67 e este, com o n° 66.
P) O prédio n° 46 não confina com o n° 45. Apenas com os nºs 31, 66 e 67.
Q) O prédio n° 49, também não confina com o n° 45. Apenas confina com o n° 66.
R) Nada resulta dos factos provados nos autos que todos estes prédios (nºs 31, 46, 49, 66 e 67) sejam contínuos com o prédio n° 45, denominado "(…)", pertencente aos AA/Recorrentes e/ou que entre ele não existam hiatos.
S) Pura e simplesmente, desconhece-se!
T) Pelo que nos parece abusivo, injustificado e desajustado, considerar que os ditos prédios rústicos dos AA. Recorrentes são contínuos entre si e entre eles não existem hiatos.
U) Considerar que o prédio dos AA/Recorrentes identificado em a), denominado "(…)", não está numa situação de minifúndio é partir de uma premissa eventualmente desconforme com a realidade existente.
V) Ao conceito de minifúndio está directamente ligado o de função social da terra.
X) O novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, constante da Lei n° 111/2015, de 27 de Agosto, e a Portaria n° 219/2016, de 09 de Agosto, que veio ampliar a superfície da unidade de cultura de 7,5ha. para 24ha. no concelho onde os prédios em causa nos autos se situam, diplomas posteriores ao Ac. S.T.J. de 03.10.2013, contêm uma perspectiva jurídica de abrangência que a douta sentença recorrida contraria.
Z) Nestes termos, nos melhores de Direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene os RR. Recorridos no pedido deduzido pelos AA. Recorrentes, pois só assim se fará boa e sã Justiça.
Pelos RR. foram apresentadas contra alegações de recurso, aí pugnando pela manutenção da sentença recorrida, as quais, no entanto, foram desentranhadas dos autos por serem extemporâneas.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos AA., ora apelantes, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se assiste aqueles o direito de preferência na alienação do prédio identificado no art. 2º da p.i. (tendo por base o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 1380º, nº 1, do Cód. Civil e 18º, nº 1, do D.L.384/88, de 25/10).
Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
a) Aos autores (habilitados) pertence o prédio misto denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, Concelho de Estremoz, com a área de l,5250HA, tendo a parte urbana inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) e a parte rústica inscrita sob o artigo (…) da secção E, descrito na C.R.P. de Estremoz, sob o nº (…), a fls. 164, do Livro (…)-15.
b) Ao 1º réu pertencia o prédio misto no sítio denominado "(…)", sito na freguesia de Arcos, concelho de Estremoz, com a área de 9,4250HA, estando a parte urbana inscrita na respectiva matriz sob o artigo (…) e a parte rústica sob o artigo (…) da secção C, descrito na C.R.P. de Estremoz sob o nº (…)/20120918 – Freguesia de Arcos.
c) Por escritura pública de 23.10.2013, outorgada no Cartório Notarial do Dr. Gonçalo Rodrigo Barreiros Soares Cruz, em Lisboa, o 1º réu declarou vender ao 2º Réu o prédio de que era proprietário, denominado "(…)", pelo preço de € 80.000,00, tendo este declarado comprar o mesmo.
d) A parte rústica do prédio misto identificado em a) e a parte rústica do prédio misto identificado em b) são confinantes, na medida em que o prédio misto denominado "(…)" confina a Sul com o prédio misto denominado "(…)", confinando, este, por sua vez, a Norte com o primeiro.
e) O 1º réu não deu conhecimento aos autores da venda do prédio referido em b).
f) A unidade de cultura estabelecida para a circunscrição territorial onde se inserem os prédios em causa é de 7,50 HA (cultura de sequeiro).
g) À data da escritura mencionada em b), os réus (…) e (…) não eram proprietários de prédio confinante ao "(…)".
h) Os autores (habilitados) são ainda proprietários dos prédios com as matrizes nºs 31, 46, 49, 66 e 67 descritos a fls. 86 a 93 e assinalados dessa forma a fls. 120 e 121.
i) Os prédios referidos em h) nº 31, 66 e 67 confinam entre si e com o prédio identificado em a) – "(…)".
j) O prédio referido em h) nº 46 confina com os nºs 31, 66 e 67.
k) O prédio referido em h) nº 49 confina com o nº 66.
l) Os prédios referidos em h) e a) têm uma área total de 99.250 m2 (9, 93ha) - (15250 m2 + 500 m2 +47750 m2 + 3000 m2 + 20750 m2 + 12000 m2).
m) Os autores (habilitados) optaram por não emparcelar os prédios referidos em l).

Apreciando agora a questão que foi suscitada pelos recorrentes – saber se assiste aos AA. o direito de preferência na alienação do prédio identificado no art. 2º da p.i. – importa ter presente, desde já, o que, a tal propósito, estipula o art. 1380º, nº 1, do Código Civil:
- Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
Por sua vez, a Portaria 202/70, de 21/4, veio definir as áreas de cultura para as diversas regiões do país.
Além disso, o art. 18º, nº 1, do D.L. 384/88, de 25/10 dispõe que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art. 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
Ora, a razão de ser do regime consagrado nos normativos legais supra transcritos teve na sua base, na óptica do legislador, o propósito de facilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente – cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 127, págs.-308 e segs e 365 e segs.
E, como decorre do nº 1 do citado art. 1380º, o direito de preferência era atribuído a favor dos proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, sendo que o art. 18º do D.L. 384/88 veio introduzir uma alteração na disciplina daquela norma, alargando o âmbito do direito de preferência ao concedê-lo aos proprietários de terrenos confinantes, ainda que a sua área fosse superior à unidade de cultura.
Na verdade, conforme consta do preâmbulo do D.L. 384/88, teve-se em vista o progresso da agricultura portuguesa, de modo a aumentar a sua produtividade, obstando à fragmentação e dispersão da propriedade.
No entanto, se o objectivo foi propiciar a extinção progressiva dos minifúndios, sem incentivar a criação de grandes latifúndios, tem-se entendido – e bem – que o alargamento do direito de preferência se limita aos casos em que apenas um dos terrenos confinantes tenha uma área superior à unidade de cultura.
Sendo o direito de preferência recíproco, ficam, pois, em igualdade, justamente, os proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura, com os de terrenos de área superior, conseguindo-se o propósito legal, independentemente de quem venha a exercer o direito de preferência.
Por outro lado, o direito de preferência já não se verifica quando ambos os prédios têm área superior à unidade de cultura (cfr. nesse sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 13/10/1993, in CJSTJ, Tomo 3, pág. 64, os Acs. da R.L. de 8/3/2006 e de 3/4/2008, o Ac. da R.C. de 20/1/2009 e de 9/2/2010 e ainda o Ac. da R.P. de 21/11/2005 e de 2/7/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Ora, voltando agora ao caso dos autos, verifica-se que está dado como assente que os AA., além do prédio identificado na alínea a) dos factos provados – com base no qual pretendem exercer o seu direito de preferência – são ainda proprietários dos prédios rústicos com as matrizes nºs 31, 46, 49, 66 e 67 descritos a fls. 86 a 93 e assinalados dessa forma a fls. 120 e 121. Além disso, os prédios com as matrizes nºs 31, 66 e 67 confinam entre si e com o prédio identificado na alínea a) – "(…)", o prédio com a matriz nº 46 confina com os nºs 31, 66 e 67 e o prédio com a matriz nº 49 confina com o nº 66, pelo que resulta claro que todos os prédios de que os AA. são proprietários confinam, de alguma forma, entre si – cfr. para esse efeito (e para uma melhor compreensão do aqui afirmado) o doc. junto a fls. 437, que representa uma planta de localização dos prédios acima identificados.
Acresce que, por outro lado, todos os prédios supra referidos têm uma área total de 9,93 ha (cfr. alíneas a) e h) a l) dos factos provados), cuja área globalmente considerada excede, por isso, a unidade de cultura referida na Portaria 202/70, de 21/4, para o distrito de Évora, que é de 7,5 há para a cultura de sequeiro.
Assim sendo, não estando o terreno dos AA., confinante com o terreno alienado, numa situação de minifúndio, mas numa situação de exploração agrícola e económica que abrange outros terrenos dos AA. que lhe são contínuos e sem hiatos, como se de um único prédio se tratasse, isto é, explorando os terrenos de forma unitária (cfr. a audição da gravação dos depoimentos das testemunhas … e … afirmando, a tal propósito, “está tudo ligado”), cuja área total ascende aos 9,93 há, os prédios em questão (o alienado e o confinante juntamente com os outros prédios de que os AA. são proprietários) têm áreas superiores à unidade de cultura fixada pela Portaria 202/70, de 21/4, para o distrito de Évora (a qual, repete-se, é de 7,5 há para a cultura de sequeiro) e, sendo esta a realidade existente, não estão verificados – de todo – os pressupostos para o exercício do direito de preferência, por parte dos AA.
A entender-se de outro modo, como pretendem os AA., aqui apelantes, permitindo-se o exercício da preferência sobre um prédio que excede a unidade de cultura, ao proprietário de diversos prédios rústicos contíguos entre si, ainda que tivesse área inferior à unidade de cultura mas que no seu total excedem aquela unidade, estaríamos a constituir um verdadeiro latifúndio e, consequentemente, a violar frontalmente o estipulado no art. 94º da Constituição da República Portuguesa (que proíbe a constituição de latifúndios).
Ora, neste sentido, e em caso similar ao dos presentes autos, veio já a pronunciar-se o Ac. do STJ de 13/10/2013, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) Antes de mais há que definir a unidade de cultura a observar nos terrenos em causa.
Os prédios em questão situam-se no distrito de Faro, em que a unidade de cultura fixada pela citada Portaria 202/70, de 21/4 é de 5 ha para o terreno de sequeiro e de 2,5 ha para terrenos arvenses e 0,5 ha para os terrenos hortícolas.
O terreno confinante dos AA , segundo o que vem provado e de acordo com a utilização do solo , área agrícola com cultura de sequeiro e hortícolas ,onde chega a existir um poço, o que empresta ao terreno um natureza predominante de hortícola com características de regadio (só assim se justifica a existência do poço).
Isto para dizer que para terrenos do tipo do dos AA a unidade de cultura, segundo a citada Portaria, é de 0,5 ha, o que significa que o prédio dos AA com a área de 0,6840 ha excede aquela unidade de cultura.
Acresce também como referem as instâncias que os AA são igualmente proprietários dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 90, 94 e 95, os quais são contíguos com aquele identificado em A) (confinante directo com o alienado) e sem hiatos de outros proprietários, cuja área ascende no total a 24.088m2, área esta que globalmente considerada também excede aquela unidade de cultura referida na Portaria 202/70, de 21.04 para o distrito de Faro.
Por sua vez, o prédio alienado e objecto da presente acção de preferência tem a área 67.720m2.
Significa portanto, que os prédios em questão têm áreas superiores à unidade de cultura fixada no art. 1º da citada Portaria, não tendo os AA, por isso, à partida o direito de preferência que invocam.
Como fundamento que, aqui, se acolhe pela pertinência escreveu-se no Ac. deste Supremo de 28.02.2002 acessível via www.dgsi.pt:
- o direito de preferência tem a sua origem na Lei nº 2116, de 14/8/1962.
Segundo a Base VI nº 1 desta Lei os proprietários de terrenos confinantes com um prédio rústico alienado gozavam de direito preferência desde que este prédio tivesse área inferior à unidade de cultura.
Com a entrada em vigor do Código Civil, artigo 1380º, nº 1, o direito de preferência passou a aproveitar aos proprietários de prédios confinantes com área também inferior à unidade de cultura
Preceitua hoje o art.18º, nº 1, do DL nº 384/88, de 25/10 que “os proprietários de terrenos confinantes gozam de direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura.
O legislador de 1988 pretendeu aumentar a eliminação dos minifúndios, afastando o regime do Código Civil e não querendo regressar á disciplina legal de 1962.
Assim sendo, como diz o Professor Antunes Varela, in RLJ, ano 127 págs. 373/374 “uma única solução capaz de corresponder simultaneamente a esse duplo objectivo – que é a de estabelecer um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade cultura.
Neste sentido também se pronunciou entre outros Ac. deste Supremo de 28.07.2008, acessível via www.dgsi.pt.
As instâncias negaram o direito de preferência por considerarem que o prédio dos AA (confinante juntamente com os outros contíguos de que também são proprietários) e o prédio objecto de preferência têm área superior à unidade de cultura (cfr. além do Acórdão supra citado também os citados no Acórdão recorrido).
No que concerne à consideração das áreas do prédio confinante com as áreas dos prédios que lhe são contíguos e dos quais os AA também são proprietários, o certo é que vem provado que se trata de prédios rústicos inscritos sob os artigos 90, 94, 95 não interessando, aqui, para efeitos de aferir do direito de preferência saber se os mesmo estão ou não integrados na RAN.
Se aqueles artigos em termos fiscais dizem respeito a prédios rústicos e não estando questionado nos autos essa qualificação pelos respectivos interessados não há que colocar em causa essa qualificação.
Como se diz no Ac da Relação do Porto de 31.10.1985 in CJ Ano X, Tomo IV, pág. 253 “no caso do art.1380º fundamentalmente o que interessa é a contiguidade dos terrenos partindo da elementar evidência que é muito mais fácil cultivar uma unidade agrícola cujos terrenos sejam contínuos, do que explorar outra área igual dispersa por várias parcelas descontínuas.
Daí que o legislador não se tenha preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial. Aliás o conceito do prédio para estes casos, tem desse ir buscar ao nº 2 do art. 204º do C. Civil e não a outro local.”
E conclui o citado Acórdão que, aqui, se acolhe pela pertinência: “Desde que exista um terreno nas condições indicadas não interessa que a sua extensão, desde que contínua, seja abrangida por mais do que um artigo matricial.
Resulta, pois, que quer o terreno dos AA (confinante directo) juntamente com aqueles outros que lhe são contínuos, embora com artigos matriciais diferentes e de que os AA também são proprietários, excede a unidade de cultura fixada, o mesmo sucedendo com o prédio alienado.
O que, aqui, interessa é confrontar os prédios com os requisitos legais do art. 1380º, nº 1, do C. Civil e art. 18º do DL 384/88, de 25/10, nomeadamente com a unidade de cultura fixada para a zona onde os mesmos se situam.
O Acórdão recorrido considerou que com a solução preconizada não colocou em questão o propósito do legislador (art. 18º, nº 1, do DL 384/88) que, como se sabe com este diploma visou sobretudo aumentar a eliminação dos minifúndios, pelos graves inconvenientes que a exploração da terra provoca em termos de produtividade e rentabilidade agrícola quando feita em situação de minifúndio.
Efectivamente, no caso em apreço, esse propósito do legislador não está em causa, porquanto o certo é que em termos de realidade agrícola e fundiária, o prédio dos AA (confinante) juntamente com os outros que lhe são contíguos e de que os AA também são proprietários, não se encontram numa situação de minifúndio e por conseguinte em condições do exercício do direito de preferência à luz do citado art. 18º, nº 1, do DL 384/88, de 25/10 que, como é sabido, teve em vista combater a proliferação dos minifúndios, tidos como factores de entrave ao desenvolvimento agrícola do país, sem, no entanto, preconizar soluções de latifúndio.
Isto para dizer para efeitos de se aferir do direito de preferência à luz do s citados normativos dos artigos 1380º, nº 1, do Código Civil e 18º do Dl 384/88, a realidade fundiária onde está integrado o prédio confinante directo (com o prédio objecto de preferência-alienado) não pode ser autonomizada de forma a deixar de considerar outros prédios que lhe são contíguos e sem hiatos e que são do mesmo proprietário do confinante directo.
E sendo assim, parece não haver dúvidas que estamos perante prédios com áreas superiores à unidade de cultura fixada pela Portaria 202/70, de 21/4 para o distrito de Faro, não merecendo censura as decisões das instâncias quando negaram o direito de preferência.
Efectivamente, perante a área do prédio alienado (67.720 m2) e a área do confinante directo juntamente com a área dos prédios que lhe são contíguos e dos quais os AA também são proprietários (24.088m2) não se verifica o requisito do direito de preferência legal que os AA invocam.

Por último apenas se dirá que o novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, constante da Lei nº 111/2015, de 27/8, e a Portaria 219/2016, de 9/8, não são de aplicar “in casu”, uma vez que resulta claro que a sua entrada em vigor é posterior à instauração da presente acção, não tendo os AA. suscitado tal questão no tribunal “a quo”, sendo, por isso, uma “questão nova”, a qual não poderá ser objecto de apreciação neste Tribunal Superior. Com efeito, é entendimento pacífico na jurisprudência que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo lícito às partes invocar nos recursos questões que não tenham previamente suscitado perante o tribunal recorrido (cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92 e 7/1/93 in, respectivamente, BMJ 364, pág. 719, BMJ 408, pág. 521, BMJ 416, pág. 642, BMJ 421, pág. 400 e BMJ 423, pág. 540 e, mais recentemente, o Ac. do STJ de 16/1/2002, Rev. nº 3247/01, 4ª sec., Sumários, 57º).
Nestes termos, face às razões e fundamentos acima explanados, forçoso é concluir que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo - ao afastar a existência de fundamento ao exercício do direito legal de preferência por parte dos AA. – sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum” as conclusões de recurso formuladas pelos AA., ora apelantes, não tendo sido violados os preceitos legais por eles indicados.
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Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- O art.1380º, nº 1, do Cód. Civil e o art. 18º do D.L.384/88, de 25/10, conferem direito de preferência aos donos de prédios rústicos confinantes desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.
- O terreno dos AA. (confinante directo), juntamente com outros terrenos dos AA. que lhe são contínuos e sem hiatos, embora com artigos matriciais diferentes, excede a unidade de cultura fixada para a zona onde está inserido, não se encontrando em situação de minifúndio e, por isso, em condições do exercício do direito de preferência à luz do art. 18.º, do D.L. 384/88, de 25/10, que, como é sabido, teve em vista combater a proliferação dos minifúndios, tidos como factores de entrave ao desenvolvimento agrícola do país, sem, no entanto, preconizar soluções de latifúndio.
- Constatando-se que, no caso em apreço, os prédios em questão (o alienado e o confinante, juntamente com outros que lhe são contínuos e sem hiatos também propriedade dos AA) têm áreas superiores à unidade de cultura fixada pela Portaria 202/70, de 21/4, para o distrito de Évora, não se verificam os pressupostos para o exercício do direito de preferência por parte dos AA.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelos AA. e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelos AA., ora apelantes.
Évora, 10 de Maio de 2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).