Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
215/14.4T2STC.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Só a verificação de um grau de probabilidade séria, consistente e razoável poderia sustentar a responsabilização do 1º R.., na sua qualidade de mandatário da A. que, não tendo interposto recurso para esta Relação da decisão desfavorável à sua cliente, fez-lhe perder a chance de o resultado final poder, eventualmente, vir a ser-lhe favorável.
2 - Para avaliação da probabilidade de sucesso no litígio em questão deverá o juiz realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto omissivo e negligente por parte do 1º R., como advogado, avaliando o grau de probabilidade séria e consistente de vitória nesse processo.
3 - Por isso, só será indemnizável a chance com uma probabilidade séria de vencimento a qual, no caso em apreço, de todo em todo, não se tinha por verificada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 215/14.4T2STC.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos RR., (…) e Companhia de Seguros (…), S.A., actualmente Seguradoras (…), S.A., a pagarem à A. a quantia de € 133.391,29, tendo como fundamento, no que tange ao 1º R., a responsabilidade civil emergente de contrato de mandato judicial celebrado com a A. e, no que respeita à 2ª R., o contrato de seguro celebrado com o 1º R., para quem este tinha transferido a responsabilidade por eventuais prejuízos causados a terceiros na sua actividade profissional de advogado.
Devidamente citados para o efeito contestaram os RR., por excepção e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.
Foi realizada a audiência prévia, lavrado despacho saneador e fixados os temas de prova.
Oportunamente veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a 2ª R. no pagamento à A. da quantia de € 20.000,00, acrescida dos juros moratórios à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o 1º R. do pedido contra si deduzido.
Inconformados com tal decisão todas as partes apelaram da mesma para esta Relação. Todavia, o recurso do 1º R. não foi admitido, por falta de interesse em agir (atenta a sua absolvição na sentença proferida na 1ª instância), sendo que, relativamente à A., foi julgada extinta a instância recursiva (cfr. art. 281º, nº 1, do C.P.C.).
Assim, quanto à 2ª R,, foram por ela apresentas as respectivas alegações de recurso, tendo terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
A) Considera o Douto Tribunal que não se manifesta possível levar a cabo o “juízo dentro do juízo”, e como tal, atribui uma indemnização à Recorrida, segundo critérios de equidade, o que, salvo melhor opinião, não é a melhor opção no âmbito dos presentes autos;
B) Com efeito, tenha-se em atenção o estabelecido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, referente ao Proc. 276/12.0TVPRT.P1, de 17.05.2016, disponível em www.dgsi.pt: “Sendo a vitória judicial sempre de natureza incerta e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a acção judicial teria sido julgada total ou parcialmente procedente, muito embora haja ficado, irremediavelmente, comprometida a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.”
C) Continua: “É essencial que se faça um «juízo dentro do juízo» quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente”.
D) “Defende-se mesmo que, devendo a probalidade ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».”
E) “O órgão decisor está obrigado a realizar um “juízo dentro do juízo”, isto é, uma representação ideal daquilo que teria ocorrido no processo que indague quais são as probabilidades para que pudessem ser atendidas as pretensões do cliente. O “juízo dentro do juízo” não é mais do que a aplicação particular a um âmbito concreto da realidade da regra geral de que a certeza do nexo causal se comprova através de um juízo de pronóstico de probabilidades com vista a saber se o facto ilícito foi condicio sine qua non.”
F) No mesmo sentido, veja-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao Proc. 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05.02.2013, disponível em www.dgsi.pt: “Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.”
G) Continuando: “Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».”
H) Não se ignora que o cálculo da probabilidade de vitória na acção “falhada” será mais ou menos dificultado, consoante o tipo de acto ilícito em causa, sendo mais fácil nos casos em que, por exemplo, o advogado não interpôs recurso da decisão proferida, em primeira instância, deixando que a mesma transitasse em julgado (…)”
I) Ora, face ao exposto, deveria o Douto Tribunal ter levado a cabo nos presentes autos o tal “juízo dentro do juízo”, reproduzindo de forma o mais fiel possível os factos referentes à aqueloutra acção que deu origem à presente demanda, proferindo uma decisão quanto à questão em crise.
J) Com efeito, o juízo em apreço consistia apenas em qualificar, no âmbito de um processo de prestação de contas, se os honorários despendidos com mandatário o haviam sido feitos por conta e interesse pessoal da cabeça de casal, ou se, ao invés, tais despesas tiveram como beneficiário a herança.
K) As despesas alegadamente realizadas pela Recorrida com mandatário, apresentadas no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, Proc. 6762/07.0TBSTB, não foram realizadas na qualidade de cabeça de casal e no interesse da herança, uma vez que foram apresentadas para defesa de interesses próprios e pessoais da mesma, não podendo nem devendo ser consideradas como despesas relativas e atinentes à administração da herança, nos termos dos arts. 2078.º, 2079.º, 2087.º, 2088.º, 2091.º, 2092.º, 2093.º, 2096.º e 2104.º, todos do Código Civil.
L) Veja-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora referente ao Proc. n.º 155/11.9T2STC.E1, no qual também era R. a aqui Recorrida e A., já junto aos autos, dizia respeito a uma outra prestação de contas, em tudo semelhante à da acção que deu origem aos presentes autos, e no qual foram igualmente desconsideradas as verbas referentes a honorários despendidos com mandatário, por se considerar que as mesmas foram gastas para benefício pessoal da Recorrente.
M) Também naquele processo, a Recorrida aqui A. despendeu quantias referentes a honorários com mandatário – tal como nos presentes autos – as quais foram consideradas como sendo do seu próprio interesse.
N) Ora, o referido Acórdão não foi tido em conta pelo Douto Tribunal para efeitos de elaboração do já aludido “juízo dentro do juízo”, pois se o tivesse feito, não poderia ter referido na Douta Sentença que não dispunha de meios probatórios para emitir uma decisão que “substituísse” aquela que seria tomada no caso de ter havido interposição de recurso.
O) Face ao exposto, o Douto Tribunal de Primeira Instância poderia e deveria ter levado a cabo um “juízo dentro do juízo”, uma vez que dispunha de todos os meios para o fazer, e concluir assim pela absolvição da R. aqui Recorrente na totalidade do pedido.
P) Por outro lado, e no caso de se confirmar a decisão de condenação da Seguradora aqui Recorrente, sempre se diga que o R. Dr. (…) terá que suportar a franquia contratual no montante de € 5.000,00, pois o seguro de responsabilidade civil em apreço é facultativo. Sendo facultativo, não poderá ser seguido o entendimento do Douto Tribunal a quo no que a este ponto diz respeito.
Q) Conforme tem vindo a decidir a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a apólice que segura a responsabilidade civil profissional dos Advogados, “integra o regime comum do seguro de responsabilidade civil obrigatório, apresentando-se por isso, como facultativo e inteiramente submetido à total liberdade das partes” (v. Ac. RE de 2012.03.22, Apelação n.º 2827/09.9TBSTR-A, da 2ª Secção Cível; cfr. Ac. RE de 2010.07.08, Proc. 1190/08.0TBSTC.E1, in www.dgsi.pt; cfr. Art. 99.º, n.º 1 do EOA e art. 9.º CC.).
R) No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 13.12.2012, no âmbito do Proc. 1156/10.0TVLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
S) Neste tipo de contratos “os princípios e razão de ser subjacentes ao seguro obrigatório não se aplicam, naturalmente e com os mesmos fundamentos, ao seguro facultativo (no qual) está essencialmente em causa a liberdade contratual das partes e, por esse motivo, poderão no mesmo fazer incluir as cláusulas que lhes aprouver (v. Ac. RC de 2011.10.25, Proc. 770/07.5TBGRD.C1, in www.dgsi.pt; cfr. Ac. RE de 2008.09.18, CJ, Tomo IV, p. p. 265).
T) Assim, dúvidas não restam que estamos perante um seguro de natureza facultativa, e como tal, a franquia no valor de € 5.000,00 terá necessariamente de ser suportada pelo R. Dr. (…), conforme contratualmente estabelecido.
U) Nestes termos, deverá ser conferido provimento ao presente recurso e ser revogada a Douta Decisão recorrida, concluindo-se pela absolvição da Recorrente na totalidade do pedido, ou se assim não se entender mas sem todavia conceder, na parte em que considera o contrato de seguro de responsabilidade em apreço como contrato a favor de terceiro, fazendo-se assim a tão costumada Justiça.
Pela A. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela 2ª R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a A. não tem direito a ser indemnizada pela 2ª R., uma vez que as despesas alegadamente efectuadas pelo 1º R.., na qualidade de mandatário judicial da A. e que foram apresentadas no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, P.6762/07.0TBSTB, não foram realizadas na qualidade de cabeça de casal da A. e no interesse da herança, tendo sido apresentadas para defesa de interesses próprios e pessoais da A., pelo que não podiam, nem deviam, ser consideradas como despesas relativas e atinentes à administração da herança e, por isso, o eventual recurso a interpor da sentença proferida no processo em causa estava votado ao insucesso.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter aqui presente a factualidade apurada na 1ª instância, a qual não foi impugnada por via recursiva e que, de imediato, passamos a transcrever:
1. No Tribunal Judicial de Setúbal, Vara de Competência Mista, correu termos o processo de prestação de contas, com o nº 6762/07.0TBSTB;
2. A Autora outorgou procuração forense ao Dr. (…), 1º Réu, para a representar no referido processo de prestação de contas;
3. Neste processo foi proferida sentença que condenou a agora Autora, a entregar à herança aberta por morte de (…) a quantia de € 165.609,38;
4. Notificada da sentença referida no art.2º desta petição, a Autora deu instruções ao 1º Réu para interpor recurso;
5. O que o réu não fez por ter deixado passar o prazo para o efeito;
6. Pela Apólice nº (…), que garante a responsabilidade profissional dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados, o 1º Reu transferiu a sua responsabilidade para a 2ª Ré, sendo o limite da indemnização o capital de 150.000,00 euros por sinistro;
7. A Autora apresentou as contas de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006;
8. Relativamente às contas de 2005, a Autora apresentou os seguintes resultados:
- Receita: 4.498,52 €
- Despesa : 58.898,41 €
- Saldo : -54.399,89 €.;
9. A sentença fez as seguintes correções:
- Receita: 4.498,52 €
- Despesa: 10.131,38 €
- Saldo : -5.632,86 €;
10. Resulta da dita sentença (factos provados, ponto 4) que a Autora intentou as acções que aí são referidas, tendo contabilizado nas contas de 2005, as despesas de honorários;
11. A sentença apenas considerou as despesas de honorários referentes ao processo nº 216/97, no valor de € 8.279,18;
12. No Processo nº 262/99, a agora Autora, pediu que se reconhecesse a existência de benfeitoria no prédio entretanto doado a uma Ré. A sentença condenou os RR. a reconhecerem a existência de uma benfeitoria útil, que consiste na construção de uma barragem. Foi fixado o valor desta benfeitoria em € 17.458,10. Esta verba foi incluída na relação de bens, integrando o acervo da herança;
13. No processo nº 3217/97 foi pedido que se reconhecesse a existência de duas doações feitas à ali Ré, e consequentemente a devolução à massa da herança da importância em causa. A sentença julgou improcedente a acção, tendo os tribunais superiores confirmado essa decisão;
14. No Processo nº 243/97, a cabeça de casal pedia a condenação da ali Ré, a devolver à herança o montante de 1.130.105$30 escudos. A sentença julgou a ação procedente, mas o Tribunal da Relação reduziu o montante, condenando a Ré, a restituir à massa da herança a quantia de 565,052$60 escudos;
15. No Processo nº 124/97, foi formulado o pedido de condenação da ali Ré a devolver à herança, a quantia de 6.678.474$70 escudos. A sentença julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Ré a entregar à herança, metade desta quantia. Porém, o Tribunal da Relação de Évora revogou a decisão, e condenou a Ré a restituir a totalidade do montante de 33.312,10 euros;
16. No processo 104/99, foi pedido a condenação dos ali Réus, a reporem à herança determinado montante. A sentença condenou o ali Réu a entregar 2.609,900$00 escudos, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora;
17. Quanto às contas de 2006, a Autora apresentou os seguintes resultados:
- Receita: 299.325,38 €
- Despesa: 282.436,95 €
- Saldo : 16.888,91 €;
18. A sentença corrigiu estes resultados nos seguintes termos:
- Receita: 299.274,38 €
- Despesa: 185.716,04 €
- Saldo: 113.558,34 €;
19. Mais decidiu ordenar, à Autora a restituição à herança da quantia de € 96.669,43;
20. Quanto ao ano de 2006 a sentença decidiu: “pelo exposto às despesas contabilizadas pela Ré, nas contas de 2006 deve ser deduzido o valor de 96.720,91€”, que desagrega da seguinte forma: (€ 48.767,03 + € 37.215,23 + € 395,29 + ……);
21. Do texto da sentença não consta qualquer justificação para incluir as duas primeiras verbas (€ 48.767,03 + € 37.215,23) e no montante a deduzir e das contas apresentadas pela Ré do ano de 2006 não aparecem contabilizadas despesas com aqueles valores;
22. As condições particulares da apólice de seguro indicada em 7 prevêem uma franquia no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros).

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela R. seguradora, aqui recorrente – saber se a A. não tem direito a ser indemnizada pela 2ª R., uma vez que as despesas alegadamente efectuadas pelo 1º R.., na qualidade de mandatário judicial da A. e que foram apresentadas no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, P.6762/07.0TBSTB, não foram realizadas na qualidade de cabeça de casal da A. e no interesse da herança, tendo sido apresentadas para defesa de interesses próprios e pessoais da A., pelo que não podiam, nem deviam, ser consideradas como despesas relativas e atinentes à administração da herança e, por isso, o eventual recurso a interpor da sentença proferida no processo em causa estava votado ao insucesso – importa desde já dizer a tal propósito que, atenta a factualidade apurada nos autos, resulta claro que entre a A. e o 1º R. foi celebrado um contrato de mandato, oneroso, com representação, sujeito ao disposto nos arts. 1157º, 1158º e 1178º do Cód. Civil, pelo que estamos no domínio da responsabilidade contratual.
Ora, no exercício da sua actividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da sua profissão – cfr. art. 6º, nº 2, da LOFTJ.
Além disso, os pressupostos da responsabilidade contratual são comuns aos da responsabilidade extracontratual: o facto voluntário; a ilicitude do facto; a culpa (dolo ou negligência do autor do facto); o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido pelo lesado.
Todavia, importa salientar que na responsabilidade contratual a ilicitude corresponde à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado – cfr. art. 798º do Cód. Civil – sendo que, por outro lado, presume-se a culpa do devedor, pois é a este que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – cfr. art. 799º, nº 1, do Cód. Civil.
Mas, como daí decorre, é ao credor que compete a prova do facto ilícito do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso.
Acresce que, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que, no cumprimento do mandato forense, o advogado não se obriga a conseguir um determinado resultado, mas tão só a utilizar diligentemente os seus conhecimentos e experiência, segundo as regras de arte, para que, na defesa dos interesses do cliente, tal resultado se obtenha.
Por isso, a obrigação que o advogado assume é de meios e não de resultado – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 73; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., pág. 1039; Nuno Pinto Oliveira, Direito das Obrigações, págs. 143 e segs e Acs. do STJ, de 29/4/2010, 5/2/2013 e 9/12/2014, disponíveis in www.dgsi.pt.
A este propósito Antunes Varela afirma que, nas obrigações de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão – cfr. obra citada, página 101.
Assim sendo, compete ao mandatário agir segundo as exigências da leges ettis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos então existentes, actuando de acordo com o dever objectivo de cuidado, e não em função de um resultado pré-estabelecido – cfr. Carlos Mateus, A limitação da responsabilidade profissional de advogado em prática isolada, Abril 2007.
Voltando ao caso em apreço constata-se que, na decisão sob censura, e atenta a factualidade apurada, no que respeita à apreciação da culpa do 1º R., considerou-se que a conduta deste, ao não ter interposto recurso da sentença proferida pelo Julgador “a quo” no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, P.6762/07.0TBST – gorando-se, assim, a possibilidade desta Relação se pronunciar sobre a bondade da sentença proferida na 1ª instância no processo acima identificado – é uma conduta culposa, o que não podemos deixar de reconhecer (tendo o 1º R. incumprido o contrato de mandato), cabendo então aferir se essa conduta omissiva é causal do dano que a A. se arroga ter sofrido.
Na verdade, o que importa descortinar é se desse incumprimento contratual resultou responsabilidade contratual do 1º R., o que implica ponderar os pressupostos desta, ou seja, verificar se existiu o dano consistente na perda da oportunidade de que a acção de prestação de contas intentada contra a aqui A. viesse a ser julgada improcedente (no recurso a interpor para esta Relação), sendo que tal dano, para a A., se traduziu na condenação desta a entregar, à herança aberta por morte de (…), a quantia de € 165.609,38.
Por isso, apenas se for positiva a resposta a tal questão, haverá lugar à condenação da 2ª R., em virtude do 1º R. ter transferido para esta a sua responsabilidade no exercício da profissão de advogado (cfr. ponto 5 dos factos provados).
Ora, a este propósito, não podemos deixar de citar o Ac. da R.P. de 17/5/2016, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) É pacífico na doutrina e na jurisprudência que no cumprimento do mandato forense não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide e, por isso, a obrigação do advogado é, como já foi dito supra, uma obrigação de meios.
O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua da formulação negativa, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele.
A teoria da causalidade adequada visa excluir da indemnização os danos que resultaram de “desvios fortuitos”, com a finalidade de libertar o lesante do risco de suportar, quase em termos de «versari in re illicita» ou de responsabilidade objectiva, todos os danos a que o seu acto deu origem.
Por isso, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar ser admissível no ordenamento jurídico-civil nacional a tutela do dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo.
É uma alteração do paradigma tradicional destinada a ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e, em muitos casos, injusta, a que conduz o modelo clássico do «tudo ou nada», isto é, em que o julgador, depois de valorada toda a prova produzida, não encontra um grau suficiente de probabilidade para optar pela solução de que o agente causou o dano.
Distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas também que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
Assim sendo, a doutrina da «perda de chance» ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar a um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.
Sendo a vitória judicial sempre de natureza incerta e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a acção judicial teria sido julgada total ou parcialmente procedente, muito embora haja ficado, irremediavelmente, comprometida a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.
Trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, qual o conteúdo da decisão judicial, nomeadamente, porque tal depende ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
É essencial que se faça um «juízo dentro do juízo» quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.
Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso conjecturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não chegou a começar, que não foi contestado, onde não foi apresentado o requerimento probatório ou relativamente ao qual não foi interposto recurso, enquanto que o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida acção, contestação, produção de prova ou recurso.
Importa, por seu turno, saber se o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no primeiro processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando se o grau de probabilidade de vitória naquele deve ser realizado, segundo o ponto de vista do juiz da acção de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como, presumivelmente, tal teria sido decidido pelo juiz da acção falhada ou omitida, através da reconstrução de um processo imaginário.
Defende-se mesmo que, devendo a probalidade ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».

E, a respeito da referida noção de “perda de chance”, pode ver-se o Ac. desta Relação de 21/4/2016, disponível in www.dgsi.pt (aresto esse em que o aqui relator interveio como 2º Adjunto), no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) A perda de chance corresponderá à extinção da possibilidade de se obter um determinado resultado (favorável), situação que poderá assumir relevo para o Direito caso seja imputável a um terceiro, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil (v. Sara Lemos de Meneses in Perda de Oportunidade: uma mudança de paradigma ou um falso alarme?, Universidade Católica Portuguesa, 2013, 1).
Embora a doutrina da perda de chance ou de oportunidade não tenha apoio expresso na lei substantiva nacional, a jurisprudência vem entendendo que em certas condições é possível o arbitramento de indemnização.
Como se salienta no acórdão do TRP de 10/09/2012 (disponível em www.dgsi.pt) A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” numa ação judicial, consiste em saber como determinar a certeza do dano e respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto.
Entendemos que terá de ser em função da maior ou menor probabilidade de vencimento, com recurso à equidade, mas terá sempre de haver alegação e prova de que esse vencimento era provável, era possível.”
No acórdão do STJ de 14/03/2013 (disponível em www.dgsi.pt) fez-se constar que “O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada”.
Por sua vez no Ac. do STJ de 05/05/2015 (disponível em www.dgsi.pt), refere-se que “a perda de chance deve ser considerada como um dano atual, autónomo, consubstanciado numa frustração irremediável (dano), por ato ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida, ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, não fosse essa omissão (nexo causal). Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer” de modo que a omissão da obrigação de interpor e fazer seguir um recurso que foi julgado deserto por falta de alegações que teve como consequência impedir que o STJ emitisse pronúncia sobre a questão, não é determinante, impondo-se “alegar e provar que, sem essa omissão”, os fundamentos aduzidos no recurso seriam aceites, sendo “muito elevada a probabilidade” de vencimento na instância recursiva.
Também, no acórdão do STJ de 05/02/2013 (disponível em www.dgsi.pt) se alude que na doutrina da perda de chance o direito a indemnização decorrente do ato omitido está dependente das probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo,” serem “reais, sérias, consideráveis,” ou seja, “de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.”
Assim, maioritariamente a jurisprudência tem vindo a entender que a mera perda de chance é irrelevante para efeitos indemnizatórios, só podendo haver indemnização por ato omitido que conduziu a uma perda de oportunidade de fazer valer o direito, se existir nexo de causalidade entre o facto danoso e a perda de oportunidade de obter o resultado final que a vítima esperava alcançar, cabendo à vítima, de acordo com o artigo 563º do Código Civil, fazer a prova dos factos atinentes ao prejuízo que invoca, só sendo indemnizável a chance com probabilidade séria de vencimento.
Na sentença recorrida entendeu-se que tendo, por um lado, o autor alegado “factos atinentes a várias decisões do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional que, aplicando a lei em vigor à data da declaração da falência, consideravam que os créditos salariais deveriam ser graduados antes dos créditos hipotecários ou que tal entendimento não era inconstitucional”, e por outro, ter sido chamada à colação, designadamente pela interveniente Tranquilidade, outra jurisprudência do STJ, em sentido contrário, “não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito do recurso, sem afastar, inclusive, a sua improcedência, pelo que, com base na equidade, que é agora o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, fixa-se o mesmo em 50%, para cada uma das partes.”
Deve dizer-se que o autor não indicou mais do que um acórdão do STJ em defesa da sua posição referente à preferência de graduação do seu crédito laboral, sendo certo que em sentido divergente, como salienta e indica a ré, ora recorrente, é possível constatar, à data em que foi omitida a apresentação de alegações (Outubro de 2008), a existência de variados acórdãos, que exemplifica, nomeadamente “os acórdãos de 3/4/2001 (Azevedo Ramos), revista nº 652/01 - 6ª secção, de 27/6/02 (Quirino Soares, com um voto de vencido), CJ S. Ano X, T. 2, p. 146, de 6/3/2003 (Joaquim de Matos), Pº 03B034, de 24/6/2004 (Oliveira Barros), Pº 04B1560, de 26/10/2004 (Lopes Pinto), Pº 04A2875, de 18/1/2005 (Pinto Monteiro), revista nº 3367/04-1ª S., de 20/9/2005 (Faria Antunes), revista nº 2066/05, 1ª S., de 22/9/2005 (Ferreira de Sousa), revista nº 2220/05, 7ª S., de 4/10/2005 (Barros Caldeira), revista nº 1653/05, 1ª S., de 25/10/2005 (Silva Salazar), Pº 05A2606, de 8/11/2005 (Nuno Cameira), Pº 05A2355, de 29/11/2005 (Salreta Pereira), revista nº 3534/05, de 31/1/2006 (Moreira Camilo), revista nº 3978/05-1ª S., de 21/2/2006 (Pereira da Silva), P 05B2387, de 21/9/2006 (Salvador da Costa), de 14/11/2006 (Urbano Dias), de 30/11/2006 (Custódio Montes), Pº 06B3699, de 19/6/2008 (Lázaro Faria),” bem como com data posterior ao momento de apresentação das alegações, “revista nº 873/08-7ª S., de 18/11/08 (Sousa Leite), revista nº 3308/08, 6ª S., de 19/3/2009 (Rodrigues dos Santos), revista nº 2081/08-2ª S., de 25/3/2009 (Salvador da Costa), Pº 08B2642, de 16/6/2009 (Hélder Roque), Pº 518-A/1999.C1.S1, de 2/7/2009 (Oliveira Rocha), Pº 752.S/2002.C1.S1, de 10/12/2009 (Paulo de Sá), Pº 864/07.7TBMRG.C1.S1, de 25/11/2010 (João Bernardo), revista nº 636-N/2001.L1.S1 – 2ª S., de 6/7/2011 (João Camilo), revista nº 734/05-3TCSNT.L1.S1-6ª S e de 12/1/2012 (Lopes do Rego), Pº 91/09.92T2AVR.C1.S1.”
De tal decorre, que em face da quantidade de acórdãos e da diversidade de relatores, coletivos e secções do STJ, podemos afirmar que estaremos perante uma situação não muito longe da figura da jurisprudência constante e reiterada, ou seja da adoção de “um entendimento uniforme em relação a determinada questão jurídica” (v. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 360) ou, por outras palavras, como é reconhecido no Ac. do STJ de 29/03/2012 (no Processo 10655/09.5T2SNT-G.L1.S1 da 2ª secção), citado na sentença impugnada, perante uma jurisprudência francamente maioritária do STJ.
A conduta ilícita da ré fez o autor, seu cliente, perder a chance de o resultado final poder ser-lhe favorável, mas só a verificação de um grau de probabilidade razoável, favorável, deve poder sustentar a responsabilização daquela pelo ressarcimento desse dano.
Para avaliação da probabilidade de sucesso no litígio em questão, deve o juiz “realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado avaliando o grau de probabilidade séria de vitória nesse processo” – v. Luís Medina Alcoz, in Revista de Responsabilidade Civil e Seguro, disponível http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf?phpMyAdmin=9 eb1fd7fe71cf931d588191bc9123527.
Perante a situação da corrente jurisprudencial no sentido afirmado, não podemos concluir, que o grau de probabilidade de vencimento do recurso interposto pelo autor da decisão da Relação, caso o mesmo não tivesse sido julgado deserto por falta de alegações, fosse relevante ou atendível para efeitos indemnizatórios, no âmbito do dano de perda de oportunidade, antes se apresentando como manifestamente irrelevante se atendermos que só é indemnizável a chance com probabilidade séria de vencimento que, no caso, não acontecia perante o grau de incerteza patente.
A atribuição de indemnização, está assim, dependente da “demonstração de certa consistência da oportunidade perdida” opção “que tem vindo a ser seguida pelos tribunais portugueses, nomeadamente pelo STJ, há uma aproximação à avaliação do nexo de causalidade realizada pelos tribunais ingleses e estado-unidenses, que preservam o respeito pela conditio sine qua non, bastando-se com uma certeza de 50%,” graduação esta que manifestamente se reconhece não existir perante o sentido francamente maioritário da jurisprudência em dissonância com o defendido pelo autor – ver Sara Lemos de Meneses in Perda de Oportunidade: uma mudança de paradigma ou falso alarme?, Universidade Católica Portuguesa, 2013, 73.
Efetivamente, deve impor-se ao lesado o “ónus de provar, além do ilícito, a verificação do dano final (o único a indemnizar) e uma considerável probabilidade de obtenção de ganho de causa na ação originária que se frustrou, não fora a falta cometida pelo mandatário forense, o que seja, exatamente, essa considerável probabilidade é algo que, necessariamente, dependerá da prudência dos julgadores, parecendo-nos acertado, como orientação geral, o limiar dos 50%. Na verdade, abaixo do referido limiar … o cliente lesado acabaria por ser ressarcido, pelo seu mandatário forense e ainda que parcialmente, pela frustração de pretensões cujo êxito, relativamente à verdadeira contraparte, não se acharia minimamente assegurado” – ver Rui Cardona Ferreira in A PERDA DE CHANCE REVISITADA (a propósito da responsabilidade do mandatário forense) disponível em http://www.oa.pt/upl/%7Bc8303c60-83ae-4dbf-af6a cf29f1c61ba4%7D.pdf.

Voltando novamente ao caso em apreço, também não podemos olvidar, de todo, o acórdão proferido nesta Relação em 11/9/2014, no P.155/11.9T2STC.E1 – oportunamente junto aos autos – no qual também era R. a aqui A. e que dizia respeito a uma outra acção de prestação de contas – em tudo semelhante à acção que deu origem a este processo – onde foram igualmente desconsideradas as verbas referentes a honorários despendidos com mandatário, por se ter considerado (e bem) que tais verbas foram gastas para benefício pessoal e no próprio interessa da A.!
Com efeito, tendo em conta a factualidade que veio a ser apurada nos autos, verifica-se que a A. não logrou fazer prova de que existiria uma probabilidade séria e efectiva de vencimento, no eventual recurso a interpor para esta Relação, se não se tivesse verificado a conduta omissiva do 1º R. (50% ou mais no entendimento sufragado por Rui Cardona Ferreira e já acima transcrito), nem tão pouco que, sem a mesma conduta omissiva, se verificariam probabilidades sérias e reais de modo a evitar uma desvantagem, a qual se veio a consubstanciar para a A. na sua condenação a entregar, à herança aberta por morte de (…), a quantia de € 165.609,38.
Por isso, face às razões expostas nos arestos supra transcritos e atento o acórdão desta Relação acima referido (datado de 11/9/2014 e proferido no P.155/11.9T2STC.E1), forçoso é concluir que as probabilidades de procedência no eventual recurso a interpor no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, P.6762/07.0TBST, no qual a A. foi condenada a entregar, à herança aberta por morte de (…), a quantia de € 165.609,38, eram reduzidas – ou seja, dito por outras palavras, não existia qualquer probabilidade forte ou séria de que o recurso da A. para esta Relação fosse julgado procedente – donde não temos por verificada a existência do alegado nexo de causalidade entre a atuação omissiva do 1º R. e o desfecho do aludido processo, não se impondo, por isso, o ressarcimento de qualquer quantia à A. por parte da R. seguradora, para onde, aliás, o 1º R. havia transferido a sua responsabilidade no exercício da sua profissão de advogado.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, o Ac. desta Relação de 7/6/2018, disponível in www.dgsi.pt., no qual veio a ser afirmado o seguinte:
- Para arbitrar uma indemnização com base na perda de chance é necessário que existia possibilidade séria de obter a vantagem pretendida e que não foi obtida porque houve um acto ilícito por parte do mandatário (por exemplo, a falta de interposição do recurso).
- Não se verifica tal possibilidade quando o autor baseia a sua pretensão apenas numa informação de uma entidade pública que não é nem definitiva nem corroborada pelos factos que formam o objecto do julgamento nem pela jurisprudência dominante.
E, em sentido idêntico ou similar, veja-se ainda o recente Ac. desta Relação de 31/1/2019, também disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado que:
- A não interposição de um recurso por parte de um advogado pode não constituir por si só, um facto ilícito por não se consubstanciar na violação de um dever de zelo a que está estatutariamente adstrito.
- Será o caso de não haver qualquer fundamento jurídico para o deduzir, isto é, quando não se antevê, face ao quadro fáctico assente, qualquer viabilidade na sua procedência.
- Mesmo que se considere que a não interposição de um recurso configura por si só um facto ilícito, para haver lugar a uma indemnização ter-se-á de reconhecer que o potencial recorrente perdeu a chance de obter provimento no seu pedido, isto é, que através do recurso omitido teria uma consistente e uma séria probabilidade de o ver deferido.
Nestes termos, resulta claro e evidente, quanto a nós, que a sentença recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a 2ª R. do pedido formulado pela A.

***

Por fim, atento o estipulado no artigo 663º, nº 7, do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela 2ª R. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pela A., ora apelante, em ambas as instâncias.
Évora, 26 de Setembro de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás


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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).