Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1138/18.3T8PTG-F.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
PREJUÍZO PARA OS CREDORES
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Sendo o direito potestativo de resolução conferido ao Sr. AI pelos art.ºs 120.º e 121.º do CIRE de exercício vinculado, a declaração resolutiva prevista no n.º 1 do art.º 123.º do CIRE há-de ser fundamentada, ou seja, deve conter a indicação dos fundamentos que legitimam o exercício daquele direito, impondo-se a invocação dos concretos factos que, na sua perspectiva, são idóneos a motivar a resolução do acto;
II. Não relevam para indagar do bom fundamento da resolução quaisquer factos ali não invocados, pois só aqueles poderão ser discutidos na acção de impugnação da resolução que pelos interessados na manutenção do acto venha a ser proposta.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1138/18.3T8PTG-F.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo Local Cível – Juiz 1


I. Relatório
Por apenso aos autos principais nos quais foi declarada a insolvência de (…) – Produtos Alimentares, Lda., veio a massa insolvente de (…), representada pela Sr.ª Administradora Judicial nomeada, impugnar, nos termos do artigo 125.º do CIRE, a resolução a favor da massa insolvente do contrato de compra e venda tendo por objecto o veículo automóvel da marca (…), com a matrícula 16-(…)-41, promovida pelo Sr. AJ.
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Citada a massa insolvente, apresentou contestação na qual alegou que, tendo a vendedora (…), Produtos Alimentares, Lda., sido declarada insolvente por sentença proferida em 12 de Outubro de 2018, verificou que o negócio translativo do direito de propriedade do veículo teve lugar em Setembro de 2018 e, tendo procedido à notificação do comprador para fazer prova do pagamento do preço, este nada disse, do que resulta tratar-se de negócio prejudicial aos credores, uma vez que se registou diminuição do património da devedora insolvente sem qualquer contrapartida.
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Foi de seguida proferido saneador-sentença por cujos termos foi a acção julgada improcedente e a ré massa insolvente de (…) – Produtos Alimentares, Lda. absolvida do pedido formulado.
Inconformada, apelou a autora e, tendo apresentado alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:
1.ª O facto 6 considerado provado na sentença recorrida nunca o poderia ser.
2.ª O Tribunal “a quo” considerou que a notificação datada de 9/1/2019, enviada pela AJ da massa insolvente da (…) – Produtos Alimentares, Lda. para a morada Zona Industrial L, Mestre (…), n.º 4, (…), foi efectuada.
3.ª No entanto, a sentença de insolvência de (…) estabelece como morada da insolvente a R. (…), n.º 1, 2.º Esq.º, em Portalegre.
4.ª Portanto, não podia o Tribunal “a quo” dar como provado o facto 6 da sentença (…).
5.ª Assim, e por consequência, não pode o Tribunal retirar da falta de resposta à notificação datada de 9/1/2019 uma presunção de que o veículo não foi pago.
6.ª A Administradora Judicial da massa insolvente da (…), Produtos Alimentares, Lda. nunca concretizou o prejuízo na sua carta de resolução em benefício da massa insolvente.
7.ª Na contestação, a AJ da massa insolvente da (…), Produtos Alimentares, Lda. confessou que o prejuízo era apenas e tão só o não pagamento do valor pelo qual o veículo foi vendido a (…).
8.ª Portanto, não se pode considerar como provado o valor comercial de € 4.500,00 e, nessa medida, o prejuízo causado aos credores a considerar pela Administradora Judicial será apenas o do eventual não pagamento do valor do veículo.
Conclui pela revogação da sentença recorrida.
Não foram oferecidas contra-alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, sãs as seguintes as questões enunciadas:
i. Do erro de julgamento no que respeita ao facto n.º 6;
ii. Do fundamento da resolução.
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Da impugnação da matéria de facto
A recorrente impugna, como se viu, o ponto 6 dos factos assentes, com fundamento na falta de prova bastante, uma vez que a carta enviada pelo Sr. AJ da massa insolvente da devedora (…), Produtos Alimentares, Lda. foi endereçada para uma morada diferente da fixada ao então já declarado insolvente (…), inexistindo prova do seu recebimento.
É o seguinte o teor do impugnado ponto:
O Sr(a). Administrador(a) de Insolvência notificou, por carta datada de 9/01/2019, (…) para realizar prova do pagamento do referido veículo automóvel, o que o mesmo não fez, tendo o Sr(a). Administrador(a) de Insolvência resolvido o negócio a favor da massa insolvente a 1/02/2019 com o fundamento de que o acto em causa é um acto prejudicial à massa insolvente por implicar diminuição do valor da massa insolvente, tornando a satisfação dos interesses dos credores mais difícil ou mais demorada.
Compulsados os elementos constantes dos autos, verifica-se que por carta datada de 9 de Janeiro de 2019, dirigida a (…), o Sr. AJ nomeado nos autos principais, a que os presentes se encontram apensos, notificou-o para “remeter ao Administrador da Insolvência o comprovativo do pagamento do veículo, bem como a demais documentação pertinente que demonstre a boa fé do acto concretizado” (cfr. cópia de fls. 20). Tal carta foi expedida no dia 11 de Janeiro, sob registo, para o seguinte endereço: Zona Industrial L, Mestre (…), n.º 4, em Portalegre, conforme resulta da cópia de fls. 19 v.º, sendo certo que, à data, já o destinatário havia sido declarado insolvente e fixada a sua residência na Rua (…), n.º 1, 2.º Esq.º, em Portalegre (cfr. fls. 6 a 11).
Tendo presente a factualidade vinda de descrever, e sem embargo de em data posterior ter sido remetida para a mesma morada a carta de resolução, que o devedor (…) terá recebido, uma vez que veio impugnar o acto, na ausência de qualquer comprovativo de que aquela primeira missiva tenha sido recebida pelo seu destinatário, impõe-se concluir que não produziu quaisquer efeitos (cfr. art.º 224.º/1 do CC, a contrario), impondo-se eliminar o primeiro segmento do impugnado ponto 6.
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Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade apurada nos autos:
1. A devedora (…) – Produtos Alimentares, Lda. apresentou-se à insolvência a 2/10/2018.
2. Por sentença prolatada nos autos principais a 12/10/2018, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da devedora.
3. A 26/09/2018, a insolvente transferiu a propriedade do veículo automóvel ligeiro de marca (…), do ano de 2008, matrícula 16-(…)-41, para o nome de (…), alegadamente mediante o pagamento de € 500,00, acrescido de IVA, tendo emitido a factura recibo VDGL/…, cuja cópia se encontra a fls. 34 dos autos, aqui se dando por reproduzido o seu teor.
4. (…) apresentou-se à insolvência a 3/01/2019, a qual foi declarada por sentença prolatada a 7/01/2019, pelos Juízos Locais de Portalegre – J2, no âmbito do processo n.º 1139/18.1T8PTG-E.
5. Nesse processo de insolvência (…) veio pedir a dispensa de liquidação do referido veículo pelo valor de € 350,00, o que lhe foi negado, uma vez que a Sr(a). Administrador(a) de Insolvência nomeada nesses autos fixou à viatura, em 13/02/2019, o valor de venda judicial imediata de € 4.250,00, correspondente a 85% do seu valor real de mercado de € 5.000,00, acrescido de IVA.
6. O Sr. Administrador de Insolvência declarou resolvido o negócio a favor da massa insolvente a 1/02/2019 com o fundamento de que o acto em causa é um acto prejudicial à massa insolvente por implicar diminuição do seu valor, tornando a satisfação dos interesses dos credores mais difícil ou mais demorada.
7. (…), nascido a 30/03/1986, é filho de (…) e (…), casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, os quais são os únicos sócios gerentes da insolvente.
8. Por sentença prolatada no apenso A, a 6/01/2020, ainda não transitada em julgado, foi declarada culposa a insolvência de (…) – Produtos Alimentares, Lda.
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De Direito
Da verificação do fundamento resolutivo
A autora nestes autos, massa insolvente de (…), veio impugnar a resolução da venda que teve por objecto o veículo automóvel identificado, tendo alegado que a carta de resolução não contém a indicação dos factos que a fundamentam, contendo apenas uma referência à observância do limite temporal imposto pela lei e a afirmar, sem concretizar, que o negócio resolvido foi prejudicial à massa. Assim não foi entendido na decisão impugnada, na qual se considerou que a factualidade apurada permite concluir pelo não pagamento do preço uma vez que, tendo o Sr. AJ solicitado a entrega de comprovativo, o mesmo não foi enviado, nem nenhuma explicação foi dada para a omissão. Ali se referiu ainda que quer se considere o acto como gratuito, quer se entenda tratar-se de negócio oneroso, resultando a sua prejudicialidade da manifesta desproporção entre o valor real e o preço acordado, e sendo de presumir a má fé, “na medida em que o comprador do veículo é uma pessoa especialmente relacionada com o insolvente, neste caso o filho dos gerentes da insolvente”, por aplicação do disposto nos art.ºs 121.º, n.º 1, als. b) e h), 120.º, n.º 4 e 49.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIRE, a resolução seria, em qualquer caso, de manter.
Apreciemos agora a valia da argumentação da recorrente.
A resolução de actos em benefício da massa, cujo regime se encontra previsto nos art.ºs 120.º a 126.º do CIRE[1], é o mecanismo por via do qual a lei permite à massa insolvente recuperar as atribuições correspondentes às vantagens concedidas a um terceiro, tendo como finalidade a reintegração do património da massa, em ordem a satisfazer o interesse dos credores. A consagração legal de tal mecanismo encontra assento na ideia básica, que enforma todo o processo insolvencial, de que, visando a insolvência a satisfação igualitária dos direitos dos credores (cfr. art.º 1.º), não deverá ser admitida a concessão de vantagens a nenhum credor ou terceiro a partir do momento em que seja conhecida a situação de insolvência do devedor. Deste modo, e cumpridos que sejam determinados requisitos de natureza objectiva e subjectiva, a lei prevê a possibilidade de o administrador de insolvência destruir a eficácia de toda uma panóplia de actos que se revelem prejudiciais àquele nuclear objectivo.
De realçar que, no âmbito deste instituto, os actos resolúveis não são tidos por inválidos, enquanto afectados de vícios, quer de natureza formal, quer de natureza substancial; “do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”, sendo sua “finalidade a reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor.”[2].
Nos termos do art.º 120.º podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos a ela prejudiciais quando praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (cfr. o n.º 1). Consoante dispõe o n.º 2 do preceito, consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência, estando assim em causa, “para além dos actos que implicam diminuição da massa insolvente (…) todos os que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada”[3].
Demonstrada a prejudicialidade do acto, a sua resolubilidade depende, ainda assim, da má-fé do terceiro, a qual, no entanto, é presumida – presunção juris tantum – quando nele tenham participado ou dele tenham tirado proveito “pessoas especialmente relacionadas com o insolvente”, aqui relevando todas as situações previstas no art.º 49.º, dada “a manifesta proximidade entre a suspeição do legislador que está aqui em causa e a que se identifica na qualificação dos créditos subordinados”[4].
A par da resolução dos actos prevista neste artigo 120.º, subordinada aos mencionados pressupostos, prevê o preceito imediato uma outra modalidade, dita incondicional. Nos termos da solução legal aqui consagrada, atendendo à natureza do acto e tempo em que foi praticado, não depende a sua resolução de qualquer requisito adicional, ou seja, presumida em termos inilidíveis a sua prejudicialidade (cfr. n.º 3 do artigo precedente), dispensa a lei a demonstração do requisito da má fé.
Estabeleceu assim a lei no artigo 121.º uma presunção iuris et de iure de prejudicialidade em relação aos actos ali taxativamente elencados, presumindo, de forma inilidível, que são prejudiciais à massa: a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos; b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais; c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência; d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele; e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência; f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento; g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir; h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte; i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
Quanto à forma da resolução, estabelece o n.º 1 do artigo 123.º, sem se afastar do modelo de resolução extrajudicial consagrado no art.º 436.º, n.º 1, do CC, que esta deve ter lugar mediante o envio de carta registada com aviso de recepção no prazo de seis meses após o conhecimento, pelo administrador, do negócio, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração da insolvência.
No que concerne aos requisitos da declaração, sendo embora a lei omissa a este respeito, e conforme antes tivemos oportunidade de assinalar[5], porque se trata de uma resolução vinculada à verificação de determinados pressupostos, cremos consensual o entendimento de que deve ser fundamentada[6], isto é, deve conter a indicação dos concretos fundamentos que legitimam o exercício do direito potestativo de resolução. Tal requisito não deverá ter-se por satisfeito pela mera indicação das normas legais correspondentes ou pelo uso de expressões jurídicas ou juízos conclusivos, impondo-se ao Sr. administrador que invoque os concretos factos que, na sua perspectiva, são idóneos a motivar a resolução do acto[7]. “E embora possa estar dispensado de alegar os factos que integram um determinado requisito da resolução, em virtude de a lei presumir a sua existência, terá sempre que alegar, pelo menos, os factos concretos que servem de base a tal presunção”[8]. E assim terá de ser porque da precisa indicação dos fundamentos de resolução depende o cabal exercício, pelo terceiro prejudicado, do direito à impugnação que lhe é facultado pelo art.º 125.º, uma vez que são esses precisos factos que irão “ser apreciados e discutidos na acção que se interponha com vista à impugnação da resolução, quer no sentido de confirmar a sua existência (mediante a produção de prova que seja necessária), quer no sentido de decidir se os mesmos se integram ou não na previsão legal e se, como tal, têm a aptidão necessária para determinar a resolução do acto”[9].
Com efeito, destinando-se a acção de impugnação da resolução a atacar os fundamentos que, para tanto, foram invocados pelo administrador e comunicados ao impugnante, não pode este ser posteriormente surpreendido com novos factos e novos fundamentos, relevando apenas e só aqueles que, enquanto fundamento da resolução, foram invocados na carta contendo a declaração resolutiva[10]´[11]. Deste modo, e coerentemente, não poderá eventual omissão ser suprida na contestação que vier a ser apresentada[12].
Finalmente, atendendo a que a acção de impugnação da resolução do acto em benefício da massa insolvente na qual não tenham sido invocados factos extintivos do direito de resolução se configura como uma acção de simples apreciação negativa, conforme vem sendo comummente entendido, a prova dos fundamentos resolutivos recai sobre a massa insolvente nos termos do n.º 1 do art.º 343.º do Código Civil[13].
De volta ao caso dos autos, e decorrência do que vem de se dizer, importa atentar no conteúdo da carta contendo a declaração resolutiva emitida pelo Sr. AI, tendo em vista sindicar a validade do(s) fundamento(s) invocados, irrelevando, pois, quaisquer factos adicionais alegados na contestação e/ou outros que tenham vindo a ser apurados no decurso da instrução do processo.
Na carta enviada, de relevante, consta textualmente o seguinte:
“Ex.mº Senhor,
Na qualidade de Administrador de Insolvência no processo em epígrafe, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 123.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), venho proceder à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda realizado pela insolvente (…) – Produtos Alimentares, Lda. (…) como vendedora, respeitante ao veículo automóvel com a matrícula 16-(…)-41.
(…)
Ora, o processo de insolvência teve início em 02-10-2018, com a entrada da petição inicial em juízo nessa mesma data, tendo a insolvência sido decretada, por sentença de 12-10-2018.
O acto em causa é um acto prejudicial em relação à massa insolvente, pois consideram-se como tais, além dos actos que impliquem diminuição da massa insolvente, todos os que tornem a satisfação dos interesses dos credores mais difícil ou demorada.
E tal critério está em consonância com a finalidade do processo de insolvência, que visa a satisfação igualitária dos direitos dos credores.
Assim, entende-se que o carácter prejudicial do acto praticado pela insolvente.
Em face do exposto, fica V.ª Ex.ª por este meio notificado da resolução declarada, com a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria, se o acto não tivesse sido praticado”.
Tendo-se o Sr. AJ limitado a invocar – conclusivamente – o carácter prejudicial do acto, tal remete-nos para a resolução condicional, cujo regime é definido pelo art.º 120.º, preceito legal invocado na declaração resolutiva, por contraposição à dita incondicional de que se ocupa o já mencionado art.º 121.º do CIRE. No entanto, e como se vê da transcrição feita, não só não é invocado nenhum dos factos integrativos da previsão deste último preceito, designadamente nas suas als. b) e h) invocadas na decisão recorrida para justificar a resolução operada, como não é feita qualquer alusão à relação familiar do adquirente com os sócios gerentes da insolvente/vendedora, nem tão pouco se refere que o preço não foi pago, do que resultaria a prejudicialidade do acto para a massa insolvente, facto que só na contestação foi invocado e, por isso, não pode ser considerado, não se justificando portanto que os autos prosseguissem para o seu apuramento.
Em suma, porque da declaração resolutiva não consta a indicação de nenhum facto capaz de a fundamentar, não sendo motivação bastante a mera afirmação de que se trata de um negócio prejudicial à massa insolvente, não pode manter-se a decisão recorrida[14].
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III. Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a decisão apelada.
Custas a cargo da massa insolvente.
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Sumário:
(…)
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Évora, 04 de Junho de 2020
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Mário Rodrigues da Silva

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[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que doravante vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2] Gravato Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 47.
[3] Assim, Carvalho Fernandes, João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013.
[4] Cire anotado, págs.526-527.
[5] Ac. do TRC de 17/6/2014, processo 694/13.7TBGRD-F.C1, relatado pela ora relatora, acessível em www.dgsi.pt
[6] Cf. Cire anotado, pág. 537, com indicação de diversa jurisprudência.
[7] Neste preciso sentido, a título meramente exemplificativo, ac. do TRL de 23/11/2017, processo 1208/16.2T8BBR-C.L1, acessível em www.dgsi.pt
[8] Do acórdão do TRC de 18/12/2013, proferido no processo n.º 1943/09.1T2AVR-L.C1, acessível em www.dgsi.pt, no qual a ora relatora interveio como adjunta.
[9] Idem.
[10] Neste sentido, ac. STJ de17-09-2009 (processo n.º 307/09.1YFLSB), acessível no mesmo sítio, de que se destaca o seguinte trecho: “O impugnante (…) tem o direito de saber por que factos ou razões concretos se tinha de considerar resolvido o negócio por ele celebrado, pois só assim se garantiria o efectivo contraditório.
A acção de impugnação é pela sua natureza uma acção de contra-ataque, e, por isso tem o impugnante de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos. Só assim está ele em condições de poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo. O impugnante não vai atacar factos ou fundamentos que não lhe foram revelados na carta de resolução. Não pode ser surpreendido, por outro lado, com novos factos ou novas razões quando a acção de impugnação se encontra já em andamento. Se a Ré alegou a resolução com base em factos conducentes à simulação absoluta é apenas sobre essa matéria que o impugnante tem de defender-se.
O Administrador da Massa insolvente não pode pois, na contestação à impugnação, apresentar uma nova versão, contrária à primeira, ainda que subsidiariamente ou em alternativa. A invocação posterior de outras versões de factos ou vícios não invocados antes, maxime quando contrários aos indicados na resolução, ficam fora da alçada do campo que o Administrador primeiramente definiu e que não podem conviver com a primeira versão dos factos por ele apresentados”.
[11] Tal entendimento faz recair sobre o AI um ónus cujo cumprimento demandará, por vezes, admite-se, o domínio e manejo de alguns conceitos jurídicos de que não estará eventualmente munido. Nesta eventualidade, afigura-se nada obstar a que pelo Sr. AI seja reclamada assistência técnico-jurídica em ordem a desempenhar cabalmente os deveres que por lei lhe são cometidos, sem que daqui resulte beliscada a pessoalidade do exercício do cargo consagrada no art.º 55.º (cfr., a propósito da contratação dos serviços de Il. Advogado para fins de patrocínio judiciário, o aresto do TRG de 19/3/2013, proferido no processo número 1464/0.0TBGMR-H.G1, disponível ainda em www.dgsi.pt).
[12] Ac. TRG de 13/2/2020, no processo 554/19.8T8VNF-E.G1, no identificado sítio.
[13] Constitui jurisprudência constante (cfr. arestos da Relação de Coimbra de 24/5/2011, proferido no âmbito do processo n.º 1791/08.6TBLRA.K.C1 e de 21/5/2013, processo n.º 928/11.2TBFIG.C3, acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Carvalho Fernandes/João Labareda, ob. cit., nota 7, págs. 539/540. [14] A verificar-se a hipótese do acto ter sido simulado e assim praticado em prejuízo dos credores, nem por isso ficarão desprovidos de tutela face à procedência da presente impugnação, pois sempre poderão lançar mão dos meios de conservação da garantia patrimonial concedidos pelos artigos 605.º e seguintes do Código Civil.