Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO AMARAL | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 10/06/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Sumário: | Impede a atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto o casamento de um dos respectivos membros mesmo que, à data do seu óbito, estivesse pendente uma acção de divórcio, dados os termos do art.º 1789.º, n.º 3, Cód. Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora AA instaurou a presente acção contra a Herança Indivisa de BB e contra o Instituto CC alegando, em suma, que viveu por mais de vinte e oito anos em condições análogas às dos cônjuges com o de cujus BB, que este faleceu em 27 de Dezembro de 2007, que após a morte daquele, ficou sem condições de sustento, carecendo assim de alimentos da ré Herança Indivisa, não podendo exigi-los de mais nenhuma das pessoas elencadas no artigo 2009.º do Código Civil. * O réu DD contestou a acção invocando, em suma, que o direito da autora caducou, a ilegitimidade passiva e impugnando a demais factualidade alegada pela autora.O Instituto CC contestou também a presente acção, impugnando genericamente a factualidade alegada pela autora, sustentando ainda que a autora não poderá ver reconhecida a qualidade de titular das prestações por morte pelo facto de, à data da morte do de cujus, este ser ainda casado com EE. * Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.* Desta sentença recorre a A. concluindo as suas alegações nestes termos:I - BB faleceu no dia 27 de Dezembro de 2007. II - Na data do óbito, corria termos no Tribunal de Família e Menores um processo de divórcio litigioso que BB instaurou contra EE, processo 3869/06.1TBPTM, que deu entrada em 24 de Novembro de 2006. III - O divórcio veio a ser decretado em 6 de Junho de 2009, tendo a sentença transitada em julgado em 22 de Junho de 2009. IV - A presente acção deu entrada em juízo em 17 de Dezembro de 2009. V - Os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção de divórcio - 24 de Novembro de 2006 - quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. VI - Entre os efeitos patrimoniais do divórcio encontra-se o direito a exigir alimentos da herança. VII - O beneficiário BB encontra-se divorciado. VIII - A Autora vivia em união de facto, há mais de dois anos, com o falecido BB. IX - A Autora apenas tem de fazer prova relativa ao estado civil do beneficiário e ao facto de ter vivido em união de facto, há mais de dois anos, com o mesmo, para ter acesso às prestações sociais ou a uma pensão de alimentos da herança. X - A Autora preenche os requisitos legais que lhe permitem beneficiar das disposições legais que tutelam a união de facto. XI - Disposições violadas: Artigo 1789.º e 2020.º do Código Civil e Artigo 1.º da Lei nº 7/2001 de 11 de Maio. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Foram colhidos os vistos.* No início das suas alegações, a recorrente afirma que sentença em apreço não fez boa apreciação da matéria de facto provada referindo-se, com isto, à data do óbito de BB. A sentença dá por provado que a data é a de 6 de Outubro de 2007 quando o que consta da respectiva certidão é o dia 27 de Dezembro do mesmo ano.Cremos que não se trata de impugnar a matéria de facto, nos termos do art.º 640.º, Cód. Proc. Civil, mas antes de um simples lapso de escrita que se detecta pela leitura do documento e da sentença (art.º 249.º, Cód. Civil). E que é um lapso evidente resulta desta passagem da sentença a propósito da fundamentação da matéria de facto: «cópia do assento de óbito de BB, a qual certifica a morte deste em 27 de Dezembro de 2007, de fls. 14 e ss.». Ou seja, o tribunal teve presente a data correcta mas escreveu outra. Assim, apenas se corrigirá este lapso. * 1- No dia 27 de Dezembro de 2007, faleceu BB.2- BB foi casado com EE. 3- À data do óbito do referido BB, corria termos pelo Tribunal de Família e Menores, um processo de divórcio litigioso que o mesmo tinha instaurado contra EE, processo esse com o número 3869/06.1TBPTM, que deu entrada em juízo em 24 de Novembro de 2006. 4- Após o óbito do referido BB foi a instância suspensa até que se mostraram habilitados os seus herdeiros, o que veio a suceder por sentença que transitou em julgado. 5- Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, que já transitou em julgado e na qual foi a acção julgada procedente por provada e decretado o divórcio litigioso entre o referido BB e EE. 6- Os referidos BB e EE, casados entre si no regime de comunhão geral de bens, estavam separados há cerca de 20 anos, relativamente à data da propositura da dita acção de divórcio (24.11.2006) e, desde então, não mais viveram juntos, na mesma casa, e, desde tal data, não mais dormiram ou comeram juntos, nem o referido BB queria refazer a sua vida com a EE. 7- A Autora nasceu em 02 de Abril de 1954 e é solteira. 8- Do relacionamento da Autora com o BB nasceu em 09 de Setembro de 1981, um filho de nome FF. 9- A Autora adquiriu casa própria, com recurso a empréstimo bancário, em 6 de Dezembro de 1994. 10- Em 6 de Dezembro de 2009, no âmbito do empréstimo mencionado, a Autora ainda devia ao Banco a quantia de € 26 593,42. 11- BB era contribuinte da Segurança Social. 12- Desde o início do ano de 1980 que a Autora vivia com o falecido BB e até à data da sua morte, na mesma habitação. 13- Desde o referido ano de 1980, a Autora e o falecido partilhavam a mesma cama e se relacionavam afectiva e sexualmente. 14- Tomando as refeições em conjunto. 15- Passeando e saindo juntos. 16- A Autora e o falecido viviam como se de marido e mulher se tratassem e assim eram tratados por todas as pessoas que com eles se relacionavam. 17- A autora cuidava do falecido quando este se encontrava doente e ele dela. 18- E auxiliavam-se mutuamente no dia a dia, designadamente nos cuidados e educação do referido filho de ambos. 19- Quando o BB ficou doente, a Autora levou-o ao médico, administrou-lhe os medicamentos e prestou-lhe os demais cuidados necessários. 20- O falecido era dono do restaurante XX, do qual auferia rendimentos superiores a 3 500,00 por mês, em média. 21- A Autora reside na casa própria que adquiriu com recurso ao crédito bancário. 22- Pelo empréstimo assente em I), a Autora paga ao Banco a quantia de € 259,12 por mês. 23- A herança do falecido BB é composta pelos bens (activo e passivo) que constam da relação que foi apresentada pelo cabeça de casal nos autos de processo de inventário que correm termos sob o numero 477/08.6TBLGS do 2º Juízo do Tribunal Judicial, constante a fls. 60-70, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 24- O falecido BB e a referida EE não chegaram a fazer partilhas. * A sentença coloca o problema nestes termos (com que concordamos):«É nesta última condição [estado de casado ou divorciado] que divergem, autora e réus, quanto ao entendimento a seguir, considerando que à data da morte de BB já se encontrava instaurada e pendente acção de divórcio com vista ao decretamento do divórcio entre aquele e EE, mas o mesmo só veio a ser decretado posteriormente. «A autora entende que, face à previsão do artigo 1789.º n.º 1 do Código Civil, o qual dispõe que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, o falecido BB deve ter-se por divorciado para os efeitos desta acção à datada da morte. «Os réus entendem que não, que o divórcio apenas ocorreu depois da morte, pelo que à data da morte o de cujus tem que se considerar casado, pelo que a autora não pode, nessas condições ser beneficiária de alimentos». * Cremos que convém, logo no início, arredar um argumento exposto nas alegações.A recorrente alega que entre os efeitos patrimoniais do divórcio encontra-se o direito a exigir alimentos da herança. Salvo o devido respeito, não podemos concordar e cremos, mesmo, que tal afirmação altera o objecto do que se discute aqui. O art.º 2020.º, Cód. Civil, desinteressa-se completamente do estado civil do autor da herança; o que a lei exige, neste texto, é que tenha existido uma situação de união de facto. Não pode, um dos unidos de facto, estar casado; mas pode ser solteiro, viúvo ou divorciado. Qualquer um destes, independentemente do seu concreto estado civil (salvo o de casado, como logo se dirá), tem o direito conferido por aquele preceito legal. Assim, o argumento, além de deslocar o objecto da acção, não é correcto. * Mas que é impeditivo da atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto o estado de casado de um dos seus membros, não há qualquer dúvida. O art.º 2, al. c), da Lei n.º 7/2001, é claro a este respeito.No nosso caso, estava o falecido, à data do seu óbito, casado ou divorciado? Se estava casado, o outro membro da união de facto não tem direito às prestações previstas na lei; se não estava, tem. A resposta só pode ser uma: o BB morreu no estado de casado. E morreu nesta condição porque ainda não tinha sido decretada a dissolução do seu casamento. Mas podem os efeitos patrimoniais do divórcio retroagir para a data da propositura da acção e, assim, ficcionar o estado civil do falecido (divorciado em vez de casado)? Cremos que não pois que a lei dá resposta clara ao problema e nos termos em que a sentença decidiu. A retroactividade dos efeitos patrimoniais do divórcio cinge-se às relações entre os próprios cônjuges (melhor dizendo, ex-cônjuges), nos termos do art.º 1789.º, n.º 1, Cód. Civil; eles são tratados como divorciados a partir da data da propositura da acção no que aos bens diz respeito. A retroactividade pode ir mais longe para o momento da separação de facto mas (1.º) tem isto que constar da sentença e (2.º) e, ainda assim, o seu âmbito de eficácia é o mesmo: as relações patrimoniais entre os cônjuges. Ou seja, em termos pessoais, em termos de estado civil, os ex-cônjuges não se consideram divorciados desde a data da propositura da acção (um deles não pode casar com um terceiro na pendência da acção). Mas no nosso caso não estamos perante um problema atinente apenas aos ex-cônjuges. O problema tem que ver com uma terceira pessoa (a A.) que, obviamente, nada tem que ver com o casamento que foi dissolvido. A A. invoca, para seu benefício, um determinado estado civil da pessoa com quem vivia em união de facto; a A. quer, como é natural, que os efeitos do divórcio se produzam a partir da propositura da competente acção de forma a que não se verifique o impedimento do vínculo conjugal indicado no art.º 2.º atrás citado. Mas a lei é clara a este respeito: «Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença» (art.º 1789.º, n.º 3). Esta oponibilidade tem dois sentidos, naturalmente: os efeitos não podem ser opostos a terceiro e o terceiro não os pode invocar contra algum dos ex-cônjuges. O divórcio só vale, perante terceiros, depois de registada a respectiva sentença. * Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.Custas pela recorrente. Évora, 6 de Outubro de 2016 Paulo Amaral Francisco Matos Tomé Ramião |