Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
942/20.7T8FAR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: GRAVAÇÃO DEFICIENTE
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO PEDIDO
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Decorrido o prazo fixado no n.º 4 do artigo 155.º do Código de Processo Civil, para a arguição da falta ou deficiência da gravação da audiência final sem que o vício tenha sido arguido, fica precludida a possibilidade de arguição posterior.
2 – Os Tribunais Superiores vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.
3 – Com a mudança de paradigma no processo civil e com o desaparecimento da regra equivalente àquela que estava contida no número 4 do artigo 646.º do anterior Código de Processo Civil, a razão prevalecente aponta, indiscutivelmente, para que se imponha a solução que defende que não há fundamento para considerar como não escritos os factos que correspondem a realidades concretas e perfeitamente apreensíveis por qualquer pessoa, designadamente aqueles que estavam indexados a experiências sensoriais ou percepções subjectivas.
4 – Os princípios da confiança e da proibição da indefesa comportam indiscutivelmente direitos de natureza processual ínsitos no direito de acesso aos tribunais e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, mas este prejuízo não se verifica se, em sede de dedução de defesa baseada na ineptidão da petição inicial, a Ré entendeu o conteúdo da petição inicial e a interpretou convenientemente, na medida em que, na sua contestação, acaba por se defender dos concretos factos alegados.
5 – Lidos os articulados, na presente situação, qualquer pessoa medianamente diligente e dotado de discernimento comum fica possibilitado de compreender a extensão temporal e circunstancial de toda a envolvência descrita na petição inicial.
6 – Na hipótese de colisão de direitos, no confronto entre eles, existem uma série de critérios operacionais tendentes a solucionar o litígio fundado e está estabilizado o entendimento que, em abstracto, o direito à identidade biológica prevalece sobre o direito à protecção da vida privada e da intimidade.
7 – A actividade dos Tribunais tem como objetivo principal a solução dos conflitos de interesse de forma adequada, funcionando como um filtro da litigiosidade e assegurando o acesso à ordem jurídica de forma justa.
8 – Fora dos casos em que é possível desdobrar o cálculo do prejuízo, se o Autor deduz um pedido concreto de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por factos ilícitos, verifica-se uma decisão ultra petitum, se a sentença condenar a Ré numa quantia superior à pretensão apresentada.
9 – Conforme resulta da intersecção entre a disciplina contida nos artigos 494.º e 495.º do Código Civil, a determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio.
10 – Relativamente à possibilidade de aplicação da disciplina contida no artigo 494.º do Código Civil, se houve dolo a indemnização não pode deixar de corresponder aos danos efectivamente sofridos, devendo os mesmos ser fixados nos termos do artigo 562.º e seguintes do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 942/20.7T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Faro – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:

Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (…), a Ré veio interpor recurso da sentença proferida.
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O Autor pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe:
a) o montante global de € 63.000,00, a título de compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais; custas judiciais e ainda nos juros de mora vincendos que se vierem a liquidar até integral e efectivo pagamento ou
b) Caso assim não se entendesse e, em alternativa, o montante global de € 63.000,00, a título de enriquecimento sem causa e indemnização por danos não patrimoniais; custas judiciais e ainda nos juros de mora vincendos que se vierem a liquidar até integral e efectivo pagamento.
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Para tanto, o Autor alegou que foi casado com a Ré e que esta o convenceu de que criança nascida na pendência do casamento era filho de ambos. Após o divórcio, o Autor procedeu ao pagamento da pensão de alimentos ao menor e suportou várias despesas. Posteriormente, na sequência da realização de um teste de paternidade, o Autor teve conhecimento que não era o progenitor da criança, tendo sofrido com isso.
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Devidamente citada, a Ré deduziu contestação em que invocou a ineptidão da petição inicial e negou que soubesse que a criança não era filha do Autor, impugnando os danos peticionados.
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Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, fixando o objecto do litígio e os temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo decidiu condenar a Ré (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-a do demais peticionado.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
1 Na sua Contestação alegou a ora recorrente que a alegação fáctica feita na Petição Inicial do Recorrido é bastante confusa e totalmente imprecisa em matéria de localização temporal, e mesmo contraditória em si própria. Expressões e termos como “Durante os anos que se seguiram…” (artigo 10), “Depois…” (artigo 12), “…durante esse período…” (artigo 18), “Desde o nascimento do seu hipotético filho…” (artigo 36), são vagos, genéricos e impreciso, não são perceptíveis e não permitem a respectiva contradita. Dos mesmos vícios padecem também as alegações sem qualquer concretização de tempo (vide artigos 8, 12, 13, 14, 15, 19, 21, 27, 28, 46 parte final, 47).
2 Porque o Tribunal não conhece de puras abstracções, mas de factos reais, específicos e concretos – e os factos devem ser concretizados em termos de tempo, lugar e modo – a Recorrente defendeu a ineptidão da PI e invocou que a inexistência de factos devidamente caracterizados em circunstâncias de tempo, lugar e modo, impede o exercício do contraditório em toda a sua verdadeira acepção.
3 Entendendo que, embora de forma genérica e com algumas suposições à mistura, na PI estão alegados os factos essenciais necessários à procedência da ação, bem como que a R. entendeu o seu conteúdo, o Tribunal a quo não a julgou inepta nem convidou o A. ao seu aperfeiçoamento.
4 Com essa errada decisão foi desrespeitado o direito de defesa da Recorrente, com consequências directas para a decisão consubstanciada na sentença recorrida.
5 É que o Tribunal acabou por “embarcar” nessa indefinição temporal dos factos e, com base em elemento temporal falso, prosseguiu num raciocínio contra a R. que, por assentar numa base falsa, também alcança conclusão falsa – e foi com esses raciocínios viciados que se foi construindo a sentença de que se recorre.
6 Assim, a douta decisão proferida na Audiência Prévia fez errada aplicação do disposto nos artigos 186.º, n.º 2, alínea a), 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com violação do direito de defesa da Ré.
7 Suscita-se a questão da inconstitucionalidade dos artigos 186.º, n.º 2, alínea a), 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que a falta de alegação na Petição Inicial dos factos, de forma concretizada em termos de tempo, lugar e modo, permite a impugnação especificada na Contestação e/ou não ofende o direito de defesa.
8 A Recorrente alegou também na Contestação que muita da alegação da PI não tem natureza de factos, são meras afirmações genéricas, abstractas e conclusivas, conjecturas e mesmo estados de alma, e por isso foi impossível à A. exercer a contradita a não ser também em invocação geral.
9 A douta sentença recorrida vem dar razão à R. também nessa parte, uma vez que muita da matéria tida como provada assume também natureza genérica e conclusiva, em alguns casos mesmo proclamatória, em vez de factos concretos e concretizados.
10 Com isso violou a douta sentença recorrida os números 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
11 – A douta sentença recorrida condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00 por danos não patrimoniais que alegadamente lhe causou e, a fundamentar tal condenação e os pretensos danos, considera provado o seguinte:
12. Tudo isto provocou ao Autor sofrimento, ansiedade e desgaste emocional (artigo 16º da petição inicial).
14. O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo afinal o pai do Sandro Rodrigues (artigo 19º da petição inicial).
17. A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente, porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor (artigo 22º da petição inicial).
20. A partir dessa data (29 de março de 2017) o Autor enfrentou uma enorme vergonha, uma vez, que na (sic) e no seu meio social se soube que o (…) não era seu filho, que o Autor havia sido traído sem (sic) o (…) fruto de uma relação extraconjugal (artigo 27º da petição inicial).
21. O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua (artigo 28º da petição inicial).
22. O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários (artigos 29º e 33º da petição inicial).
23. O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade (artigo 34º da petição inicial).
24. O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquenta referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas (artigo 39º da petição inicial).
12 Nos seus depoimentos, conforme e nos termos minuciosamente indicados e localizados no sistema de gravação na parte expositiva deste Recurso, nenhuma das testemunhas se refere a, ou menciona, ansiedade, desgaste emocional, enorme embaraço, família irremediavelmente dilacerada, deprimido, dificuldades em dormir, não está feliz, enorme vergonha, valor de pelo menos € 100,00 despendido mensalmente pelo Autor entre 2002 e 2017 com o seu filho.
13 Quanto à alegada enorme vergonha enfrentada pelo Autor a partir de 29 de março de 2017 é o próprio Autor que a desmente ao responder “…há sempre aquelas pessoas mais próximas que acabam por saber…”, minuto 35,00 do seu depoimento. Também a testemunha (…), quando perguntado, disse, no seu curto depoimento, “… nunca presenciei nada que tenham dito sobre o caso. A gente não falou sobre o assunto, não notei que ele ficasse mais triste…”.
14 Sobre os gastos do Autor com o (…), não há qualquer afirmação concreta de valores, bem como de elementos concretos que permitam fazer qualquer raciocínio dedutivo nesse sentido.
15 A referência a sofrimento (vide números 12, 14, 17) é inadequada na matéria dada por provada. O sofrimento é um sentimento a que se chega e que se sente em consequência de factos, é um estado conclusivo, não é um facto em si próprio. Deve ser desde logo por isso tido por não escrito – no caso dos autos ainda por maioria de razão, uma vez os factos em que alegadamente se baseia não estão suportados nos meios de prova.
16 No seu depoimento (vide minuto 33,20) o Autor, em resposta a pergunta diz “provoca-me uma grande raiva, uma grande revolta”. Porém, continuando o seu depoimento, alicerça essas grande raiva e grande revolta “porque a senhora acabou por ficar bem na vida à custa de um otário, que lhe deu uma casa, um carro, para ela continuar e eu tive que continuar a minha vida do zero aos 30 anos. Ela hoje em dia tem uma casa grande que já vendeu à custa do (…) e eu não tenho nada… ela aproveitou uma deixa de um miúdo que não era meu filho para fazer chantagem”.
17 Ou seja, o Autor diz ter tais sentimentos não por causa das questões em análise neste Processo, mas pelo que se passou aquando do divórcio, aparentemente num processo para ele mal gerido e pelo qual se considera prejudicado (realça-se que as afirmações dos minutos 29,40 – 31,40 – vão no mesmo sentido).
18 É, assim, errado dar por provados e tirar as conclusões que a douta sentença alcança quando, nas palavras do próprio Autor, a raiva e a revolta que afirma se devem a factos e situações bem diferentes das que aqui estão em causa, muitos anos atrás (aquando do divórcio).
19 Quando ao minuto 37,00 do seu depoimento o A. diz “…não é fácil… principalmente quando chega o Natal …é muito doloroso, eu chorei muitas vezes no Natal…” está a referir-se a situações diferentes do que está em causa nestes autos, já que de seguida diz “…porque a mãe não o deixava passar o Natal…acho que o (…) nunca passou comigo o 24 para 25 de Dezembro…”.
20 Pela Testemunha (…) é referido que o A. teve uma paralisia facial muito grave, ele andava triste (minuto 32,40) e logo a seguir diz “nessa altura também faleceu-lhe uma irmã com um AVC, que era uma das testemunhas, ela faleceu nesses dias” – pelo que não é possível fazer qualquer ligação disso à situação dos autos.
21 Nos autos, em todos os documentos que integram o processo, não se encontra qualquer documento médico a atestar situações de doença ou mesmo de baixa médica – pelo contrário, a Testemunha (…) diz mesmo que o A. continuou a ir trabalhar.
22 Por tudo o referido parece-nos claro que a matéria em causa não tem qualquer apoio e sustentação nas provas testemunhais produzidas (e sobre isso outros meios de prova não há).
23 Devem, por isso, ser eliminados os factos dados como provados sob os números 12, 14, 17, 20, 21, 22, 23, 24 – porque não há qualquer meio de prova que os sustente.
24 Violou, também, aqui, a douta sentença recorrida os números 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
25 Como é pacifico, só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites, objeto de disputa das partes).
26 No caso dos autos, não são factos mas meras conclusões, abstracções e juízos de valor, nalguns casos mesmo proclamações e estados de alma, para além dos já referidos, os seguintes números da matéria dada por provada:
2) no segmento “– para extrema felicidade do Autor”.
4) no segmento “… o Autor sempre se preocupou com a criança, amou-o, cuidou dele e ansiava por passar tempo com o seu filho e nem sequer imaginou que não fosse o pai de (…)”.
5) no segmento “… mas sempre garantiu tudo o que lhe era possível à satisfação dos interesses do seu primogénito, dando-lhe os presentes que ele pedia, passando tempo com o mesmo e amava o seu filho”.
7) “Durante os anos que se seguiram, o Autor sempre tentou estar ao máximo perto do seu filho, porém apercebeu-se de um distanciamento cada vez maior a ser provocado pela Ré, com efeito, o regime de visitas passou a ser muito dificultado pela Ré, parecendo que apenas se preocupava com o pagamento da pensão de alimentos, mas sem cultivar uma relação pai-filho como seria natural”. Este número 7) padece também de imprecisão temporal, pela vacuidade da expressão “durante os anos que se seguiram”
8) “Depois, a Ré começou por dizer ao (…), que a outra filha do Autor, não era na verdade sua irmã, o que estes transmitiram ao Autor”, pela imprecisão e vacuidade do termo “depois” bem como da expressão “começou a dizer”.
9) Pela indefinição temporal e no segmento “… segundo ficou a saber, a Ré intitulava os seus companheiros afetivos de “pai do (…)” nas escolas, e nos locais que frequentava, para desgosto extremo do Autor”.
10) Ficou ainda a saber que na escola o (…) não assinava com o nome de família do pai (artigo 14º da petição inicial) – o facto é saber se tal sucedia e não se o A. ficou a saber.
11) A Ré proibiu ainda o (…) de passar férias com a família do Autor, ou sequer ir visitá-lo (artigo 15º da petição inicial) – mas quando, como, onde?
14) “O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo afinal o pai do (…)”.
15) No segmento “…na sequência das dúvidas que o passaram a atormentar atentas as suspeições levantadas pela Ré acerca da paternidade de (…) …”.
16) No segmento “… o distanciamento face ao seu filho aumentou, pois, tornava-se incompreensível para o menor que o Autor, desconfiasse da filiação deste”.
17) “A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente, porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor”.
21) “O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua”.
22) O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários.
23) O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade.
24) O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquenta referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas.
26) O Autor foi ludibriado pela Ré acreditando que era o pai de (...), dado que a Ré, por ter mantido relações sexuais com terceiro no período legal de conceção, admitiu como possível que o Autor não fosse o pai e conformou-se com essa possibilidade, mas fazendo crer ao Autor que era o pai da criança, sendo-lhe indiferente o resultado desta situação.
27 Devem, por isso, os referidos números ser eliminados da matéria dada por provada.
28 O número 26 reveste ainda, para além do vício assinalado, natureza jurídico-conclusiva, cuja utilização não é neutra do ponto de vista da apreciação dos factos na sentença, pelo que desde logo o termo “ludibriado” deve ser declarado como não escrito.
29 Também aqui foram violados pela douta sentença recorrida os números 3 e 4 do art. 607º do CPC.
30 Não têm, porque não apoiados em qualquer meio de prova, qualquer suporte e fundamentação os seguintes excertos da sentença recorrida:
“O comportamento da Ré provocou um choque emocional no Autor, com reflexos na sua auto- estima, andando permanentemente nervoso, triste e deprimido, vivenciando sentimentos de desgosto e revolta, com dificuldades em dormir (pág. 26);
“De facto, caso a Ré não tivesse agido daquela forma o Autor não teria sofrido os prejuízos morais que efetivamente resultaram para a sua personalidade moral e integridade psíquica, pelo que se mostram reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos” (pág. 27).
“Por outro lado, foi a estabilidade emocional do Autor que foi tocada e violada, resultando apurado que esta situação provocou um choque emocional no Autor, com reflexos na sua auto-estima, andando permanentemente nervoso, triste e deprimido, vivenciando sentimentos de desgosto e revolta, com dificuldades em dormir” (pág. 31).
“Considerando que nos autos a Ré permitiu que a situação se mantivesse, o facto de ter começado a levantar suspeições acerca da paternidade depois dela já estar estabelecida há anos, a angústia, revolta, preocupação e desequilíbrio emocional que tal situação lhe provocou” (pág. 33).
31 São por isso errados, e por sua vez levaram a decisão também errada.
32 Em matéria de direito, um dos pilares da douta sentença recorrida assenta na obrigação que imputa à R. de dever ter informado o A. de que ele podia não ser o pai do (...) – diz-se a págs. 26 que um cidadão médio tinha a obrigação do informar o A. que tinha tido relações sexuais com terceiro (isto é afirmado na sentença) no período legal de concepção e que, por isso, haveria a possibilidade de o (...) não ser seu filho.
33 Com o devido respeito, não nos parece que assim seja. Não pode impor-se a qualquer cidadão que se violente a si próprio, sob pena de manifesta ofensa dos seus direitos de personalidade – não pode impor-se a qualquer pessoa que assuma uma postura violentadora de si própria e que a obrigue a tomar posições humilhantes e vexatórias de si própria, da sua intimidade e da sua personalidade.
34 É desumano e ilegal impor à R. tal obrigação, e é ilegal uma sentença condenatória de alguém por meio da imposição de tão ilegal e violentadora “obrigação”.
35 Em consequência, uma vez que a R. não estava obrigada ao comportamento que a sentença recorrida lhe imputa, não se verifica a ilicitude de que depende o dever de indemnizar.
36 É errada e ilegal também por isso a sentença recorrida, e é também aqui ela violadora do direito de personalidade, constitucionalmente garantido, da R.
37 Suscita-se a inconstitucionalidade dos preceitos legais expressamente nessa vertente indicados pela sentença recorrida, em particular os artigos 70º, 80º, 483º, 1901º do Código Civil, interpretados no sentido de não atenderem e respeitarem o direito de personalidade da R. – que deveriam ter sido interpretados e aplicados de modo a não impor à R a sujeição a situações humilhantes ofensivas da sua intimidade e vida privada.
38 Foram, nesta parte, tais preceitos legais violados pela sentença recorrida.
39 Contrariamente ao que parece entender a sentença recorrida, não foi a R. que deu causa a que o A. fizesse o teste.
40 Com efeito, como é pelo A. dito e repetido nos autos, foi ele que decidiu fazer o teste e em lugar algum atribui essa responsabilidade à Ré.
Aliás, e como se invocou na Contestação (vide Artigo 8º) como uma das contradições em que labora a PI, “segundo o Artigo 17 o A. quis fazer um teste de paternidade para pressionar a Ré e legitimar o seu papel paterno, enquanto no Artigo 20 diz que tal sucedeu por estar “cansado dos comportamentos da Ré e dos sentimentos de dúvida que o passaram a atormentar”.
Mas nunca imputou à R. qualquer responsabilidade por isso.
41 Assim, é errada também nessa parte a sentença, não tendo a R. “privado o Autor do contacto com a criança que sempre tratou como filho” como se refere a págs. 25 da mesma.
42 Como resulta do artigo 496.º do Código Civil e doutrina e jurisprudência vêm entendendo, de forma praticamente unânime, só são indemnizáveis danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo tendo em conta as circunstâncias do caso concreto – e não, como fez a sentença sob recurso, por considerandos tecidos sobre um quadro que, incidindo em muito pouco sobre o que considerou provado, teceu considerandos muito para além dele.
43 Mesmo perante a matéria factual tida por provada na sentença recorrida afigura-se-nos que inexistem danos não patrimoniais que justifiquem a tutela do direito – pelo que já não havia lugar a qualquer indemnização.
44 Porém, impugnada a matéria de facto nos termos em que o foi, perante o quadro fáctico resultante dessa impugnação é manifesta a inexistência de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
45 Violou, nessa parte, a douta sentença recorrida o artigo 496.º do Código Civil.
46 Abordando, por dever de patrocínio, o montante da indemnização de € 50.000,00 fixado na douta sentença recorrida, verifica-se que o A. pediu a condenação da R. no pagamento de € 18.000,00 por enriquecimento sem causa, pelas quantias alegadamente pagas a título de pensão de alimentos do menor, e no pagamento de € 45.000,00 a título de danos não patrimoniais.
47 O primeiro pedido foi em absoluto julgado improcedente (por serem importâncias para o menor e não para a R.).
48 Trata-se de valores diferentes, por causas diferentes (um por pagamento das pensões de alimentos fixadas por sentença judicial, o outro por alegados actos ilícitos da A.), não devendo por isso aplicar-se como limites da condenação o pedido global.
49 Pelo que, a nosso ver, nunca a condenação poderia ser superior a € 45.000,00.
50 Contudo, sempre sem prejuízo do atrás alegado quanto à inexistência da obrigação de indemnizar, ainda que houvesse tal obrigação o respeito pelas circunstâncias referidas no artigo 394.º do Código Civil (grau de culpabilidade, situação económica da A., demais circunstâncias do caso), aplicável por força do n.º 4 do artigo 496.º também do Código Civil, jamais permitiriam o alcance de um valor que ultrapassasse € 5.000,00.
51 Quanto à fixação do valor, da forma como o fez violou a sentença recorrida o artigo 394.º do Código Civil.
52 No caso de se entender que a impugnação da matéria a que atrás se procedeu, apenas da primeira sessão do julgamento, não é suficiente para a procedência dessa impugnação, devem, por ser totalmente imperceptível a gravação da segunda sessão do julgamento, ser repetidos os depoimentos das Testemunhas, (…), (…), (…) e (…).
Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve a matéria de facto provada ser alterada conforme invocado, quer quanto à matéria sem apoio nos meios de prova (em particular depoimentos das Testemunhas) quer à que é genérica e conclusiva, juízos de valor, conjecturas, e deve ser proferido douto Acórdão que declare a absolvição total da R., seja face à matéria agora dada provada, seja porque inexiste a obrigação de indemnizar.
Como dever de patrocínio se consigna que, ainda que assim não fosse e a indemnização fosse devida, não deveria ela ultrapassar o valor de € 5.000,00.
Deve, no circunstancialismo referido na Conclusão 52ª, ser anulada a segunda sessão do julgamento e repetidos os depoimentos nela prestados pelas testemunhas que aí o fizeram».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
1) Erro na fixação dos factos.
2) Erro na apreciação do direito.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Após o julgamento e discussão da causa, e com interesse para a decisão das questões enunciadas, provaram-se os seguintes factos:
1) No dia 25 de Julho de 1998, o Autor (…) e a Ré (…) contraíram matrimónio por casamento católico (artigo 1º da petição inicial).
2) Na constância do casamento, no dia 6 de março de 2000, nasceu, para extrema felicidade do Autor, (…), que o Autor pensou ser filho de ambos (artigo 2º da petição inicial).
3) O casamento do Autor e da Ré foi dissolvido no dia 25 de Setembro de 2002, mas as responsabilidades parentais do menor já haviam sido reguladas no âmbito do processo n.º 84/2002, do Tribunal de Família e Menores de Faro, por acordo de 17 de Abril de 2002 homologado por sentença e o menor ficou à guarda e cuidados da mãe que exercia o poder paternal, tendo ficado o pai responsável pelo pagamento da quantia de € 50,00 mensais, a título de alimentos, bem como pelo pagamento de metade das despesas médicas e medicamentosas (artigos 3º e 4º da petição inicial).
4) Apesar da relação com a Ré ter sido dissolvida, o Autor sempre se preocupou com a criança, amou-o, cuidou dele e ansiava por passar tempo com o seu filho e nem sequer imaginou que não fosse o pai de … (artigos 5º e 6º da petição inicial).
5) Após o divórcio, o Autor refez a sua vida amorosa, tendo uma filha com a sua actual companheira, mas sempre garantiu tudo o que lhe era possível à satisfação dos interesses do seu primogénito, dando-lhe os presentes que ele pedia, passando tempo com o mesmo e amava o seu filho (artigos 7º e 8º da petição inicial).
6) Apesar de ter ficado estipulada a comparticipação de € 50,00 mensais, como pensão de alimentos, o Autor comparticipava, quando o menor estava em sua casa, com roupas, alimentação, brinquedos e afetos (artigo 9º da petição inicial).
7) Durante os anos que se seguiram, o Autor sempre tentou estar ao máximo perto do seu filho, porém apercebeu-se de um distanciamento cada vez maior a ser provocado pela Ré, com efeito, o regime de visitas passou a ser muito dificultado pela Ré, parecendo que apenas se preocupava com o pagamento da pensão de alimentos, mas sem cultivar uma relação pai-filho como seria natural (artigos 10º e 11º da petição inicial).
8) Depois, a Ré começou por dizer ao (…), que a outra filha do Autor, não era na verdade sua irmã, o que estes transmitiram ao Autor (artigo 12º da petição inicial).
9) O Autor deixou de ser informado das escolas que o seu filho frequentava, não era chamado para qualquer reunião escolar e segundo ficou a saber, a Ré intitulava os seus companheiros afectivos de “pai do (…)” nas escolas, e nos locais que frequentava, para desgosto extremo do Autor (artigo 13º da petição inicial).
10) Ficou ainda a saber que na escola o (…) não assinava com o nome de família do pai (artigo 14º da petição inicial).
11) A Ré proibiu ainda o (…) de passar férias com a família do Autor, ou sequer ir visitá-lo (artigo 15º da petição inicial).
12) Tudo isto provocou ao Autor sofrimento, ansiedade e desgaste emocional (artigo 16º da petição inicial).
13) As suspeições que a Ré levantou acerca da paternidade de (…), levou a que o Autor quisesse fazer um teste de paternidade relativamente ao menor (artigo 17º da petição inicial).
14) O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo afinal o pai do … (artigo 19º da petição inicial). 15) Na sequência das dúvidas que o passaram a atormentar atentas as suspeições levantadas pela Ré acerca da paternidade de (…), o Autor instaurou, no Tribunal de Família e Menores de Faro, acção judicial de impugnação da paternidade, que correu regulares trâmites sob o n.º 1711/14.9TBFAR (artigo 20º da petição inicial).
16) Enquanto aguardava pelas diligências processuais e conclusão desta acção, o distanciamento face ao seu filho aumentou, pois tornava-se incompreensível para o menor que o Autor desconfiasse da filiação deste (artigo 21º da petição inicial).
17) A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor (artigo 22º da petição inicial).
18) Enquanto o processo de averiguação de paternidade correu os seus regulares trâmites, o Autor sempre pagou a pensão de alimentos, por transferência bancária que, entretanto, havia sido aumentada para € 70,00, mensais (artigo 24º da petição inicial).
19) O exame de paternidade excluiu o Autor da Paternidade de (…), o que foi declarado por sentença transitada em julgado no dia 29 de março de 2017 (artigos 25º e 26º da petição inicial).
20) A partir dessa data o Autor enfrentou uma enorme vergonha, uma vez que na e no seu meio social se soube que o (…) não era seu filho, que o Autor havia sido traído sendo o (…) fruto de uma relação extraconjugal (artigo 27º da petição inicial).
21) O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua (artigo 28º da petição inicial).
22) O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários (artigos 29º e 33º da petição inicial).
23) O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade (artigo 34º da petição inicial).
24) O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquentas referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas (artigo 39º da petição inicial).
25) O Autor foi declarado insolvente no dia 20 de Fevereiro de 2014 no âmbito do processo n.º 322/14.3TBFAR que correu regulares no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Faro (artigo 41º da petição inicial).
26) O Autor foi ludibriado pela Ré acreditando que era o pai de (…), dado que a Ré, por ter mantido relações sexuais com terceiro no período legal de concepção, admitiu como possível que o Autor não fosse o pai e conformou-se com essa possibilidade, mas fazendo crer ao Autor que era o pai da criança, sendo-lhe indiferente o resultado desta situação (artigo 45º da petição inicial).
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3.2 – Factos não provados[1]:
Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada, designadamente que:
a) A Ré durante este período sempre garantiu que (…) era filho do Autor e ameaçou-o de que se este fizesse o teste levaria o filho de ambos para o Canadá para lá passarem a residir (artigo 18º da petição inicial).
b) Na sociedade ficou rotulado com adjetivos que atentam a sua honra, pois é “o corno e o burro”, por nunca se ter apercebido que o (…) não era seu filho, tendo descoberto esta factualidade, após um penoso processo judicial, sendo que contribuiu inteiramente a Ré para as legitimas expectativas deste quanto pai que foram goradas (artigo 46º da petição inicial).
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IV – Fundamentação:
4.1 – Decisão de facto:
4.1.1 – Da imperceptibilidade parcial dos depoimentos tomados às testemunhas (…), (…), (…) e (…):
A audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na acta o início e termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respectiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
A gravação é efectuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o Tribunal possa dispor.
Na vigência do Código de Processo Civil de 1961 existiam divergências interpretativas relativamente aos requisitos temporais e vícios da gravação dos depoimentos. Uma dessas linhas jurisprudenciais entendia que «não era razoável exigir das partes e/ou dos seus mandatários que fiscalizassem as condições técnicas das gravações antes do momento em que se confrontavam com a necessidade de optar acerca do recurso da matéria de facto, o que só ocorria após o conhecimento da decisão final. Assim, segundo esta jurisprudência, as eventuais deficiências das gravações dos depoimentos poderiam ser arguidas nas alegações do recurso»[2].
Outros, porém, entendiam que a aludida nulidade deveria ser arguida no prazo de 10 dias após a conclusão da audiência de julgamento ou, pelo menos, após a entrega, pela secretaria, do suporte da gravação da audiência de julgamento, mediante reclamação para o Tribunal da primeira instância, onde ocorrera a nulidade. Ajuizava-se que as partes deveriam cooperar com o Tribunal no sentido de remediarem o mais cedo possível eventuais irregularidades da gravação que pudessem comprometer a desejável celeridade no andamento dos autos, efeito esse que seria possível face à obrigação que, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15/02, incidia sobre o Tribunal, de “facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram” (para o que a parte ou mandatário deveriam fornecer ao tribunal “as fitas magnéticas necessárias” – n.º 3 do citado artigo 7.º)»[3].
No domínio do Código de Processo Civil anterior à reforma promovida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, estabilizou o entendimento que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Tornou-se assim opinião comum que, após a reforma de 2013, o legislador processual civil pretendeu esclarecer a controvérsia existente à luz do regime processual pretérito no que concerne ao prazo para arguir a nulidade decorrente da omissão ou deficiência da gravação, afastando a ideia que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos ficava dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final).
Actualmente, os Tribunais Superiores sufragam a posição que sobre as partes recai um dever de diligência que as onera com o encargo de diligenciarem pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos e, num prazo curto, averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.
Na articulação entre a disciplina contida nos n.º 3 e 4 do artigo 155.º do Código de Processo Civil[4] e a cronologia processual presente nestes autos resulta que a audição das testemunhas (…), (…), (…) e (…) foi realizada no dia 15/04/2021. E, assim, no máximo, no prazo de 10 dias após a entrega do suporte magnetofónico[5], a questão da nulidade deveria ter sido suscitada[6].
A este propósito, o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes esclarece que o n.º 4 do artigo 155.º «veio resolver as dúvidas, impondo à parte o ónus de invocar a irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (…). Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admissível a sua inserção imediata nas alegações de recurso”[7].
Este posicionamento é partilhado pela doutrina[8] [9] [10] e aceite transversalmente por toda a jurisprudência[11] e assim torna-se pacífico afirmar que decorrido o prazo fixado no n.º 4 do artigo 155.º do Código de Processo Civil, para a arguição da falta ou deficiência da gravação da audiência final sem que o vício tenha sido arguido, fica precludida a possibilidade de arguição posterior. E, por conseguinte, em caso de imperceptibilidade relevante, para além da impossibilidade de utilizar os referidos depoimentos na operação de apreciação da modificação de facto, o Tribunal ad quem está igualmente impedido de anular o julgamento para repetição dos depoimentos em discussão.
Isto é, a recorrente deveria ter diligenciado pela obtenção da gravação dos depoimentos prestados nessa sessão no prazo de dois dias a partir desse dia, de molde a suscitar a necessidade de se repetir a produção da prova eventualmente afectada por deficiência no seu registo ou, alternativamente, no máximo, numa interpretação menos rigorosa, esta oportunidade poderia ser accionada no decénio após a entrega do suporte gravado.
Assim, a nulidade em causa, quando foi invocada pelo apelante, em sede de alegações de recurso, decorrido o prazo de 10 dias após a entrega do suporte magnetofónico, mostrava-se sanada, tratando-se aqui de um cenário de preclusão temporal[12].
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4.1.2 – Da matéria conclusiva:
Quanto a um conjunto alargado de factos a recorrente invoca que os mesmos se devem declarar como não escritos por integrarem matéria conclusiva [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] [22] [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29], sendo que relativamente aos pontos 7) e 9) dos factos provados se invoca que os mesmos padecem também de imprecisão temporal. É imputado o mesmo tipo de indefinição aos pontos 10), 12), 18) e 36), entre outros da factualidade provada.
Em primeiro lugar, cumpre afirmar que parte da matéria apontada como conclusiva não assume essas características. Depois, as consequências jurídicas da inserção de matéria conclusiva não tem os mesmos contornos na legislação processual civil vigente.
Reconhece-se com facilidade que a opção de redacção poderia ter sido distinta e que o julgador «a quo» poderia ter reescrito parte da matéria alegada de forma a substituir algumas expressões por outras. Porém, se o fizesse, com toda a probabilidade, poderia ser-lhe imputado o vício de se afastar do alegado nos articulados e criar uma nova realidade fáctica não integralmente coincidente com os factos que suportam a causa de pedir.
No entanto, a título exemplificativo, não se vislumbra que a substituição da expressão «ludibriar» por «enganar», «iludir», «mentir» ou «trair» ou outra equivalente pudesse ter um efeito distinto ao nível da construção silogística do direito.
No pretérito era abundante a jurisprudência dos Tribunais Superiores na afirmação de que o preceituado no número 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma, no sentido de se terem por «não escritas» as respostas do Tribunal sobre questões de direito e o campo de aplicação desta teoria abrangia ainda as asserções de natureza conclusiva porquanto as mesmas se reconduziam à formulação de um juízo de valor que se deveria extrair de factos concretos objecto de alegação e prova.
No entanto, esta tese não era exclusiva, uma vez que coexistia com jurisprudência que considerava que «o artigo 646.º, n.º 4, do CPC, manda ter por não escritas apenas as respostas sobre matéria de direito, e não propriamente as respostas conclusivas, sendo duvidoso, no mínimo, que a regra contida nessa norma possa aplicar-se por analogia a esta última situação, por não ser inteiramente líquido que procedam no caso omisso (factos conclusivos) as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (questão de direito)»[30].
No domínio do anterior Código de Processo Civil estava estabilizada a posição que, relativamente a alguns assuntos de alguma complexidade, era «praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis pelos sentidos e compreensíveis pelo intelecto do homem, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia e um exacerbado rigorismo na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena da resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções distantes dos interesses legítimos que o direito e os Tribunais têm o dever de proteger»[31].
Com a mudança de paradigma no processo civil e com o desaparecimento da regra equivalente àquela que estava contida no número 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, a razão prevalecente aponta, indiscutivelmente, para que se imponha a solução que defende que não há fundamento para considerar como não escritos os factos que correspondem a realidades concretas e perfeitamente apreensíveis por qualquer pessoa, designadamente aqueles que estavam indexados a experiências sensoriais ou percepções subjectivas.
Paulatinamente passou a ser entendido que os factos, no domínio processual, abrangem não apenas as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (por exemplo, o dolo, a determinação da vontade real do declarante, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção)[32].
Em função da evolução registada no direito processual civil e da substituição do questionário/base instrutória pelos temas da prova está assim desactualizada a lição de Alberto dos Reis[33], quando sustentava que, à luz do quadro normativo então vigente, o Juiz devia tirar do questionário tudo «o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos» e, por reflexo e imperativo lógico, desapareceu a mesma limitação na fixação dos factos.
Isto é, a inserção, na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como sendo conclusivos é irrelevante, se os mesmos forem factualizados e forem usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido comum que é o empregue nas respostas[34].
Se é claro que uma decisão que se encontre despida de valorações conclusivas poderá ser apresentada como uma solução tecnicamente mais adequada, no plano casuístico e na presente situação tudo aquilo que consta do acervo factual impugnado não se destaca da esfera do judicialmente permitido.
E daqui se retira que, por essa via, os factos sob censura não podem ser eliminados do elenco dos factos provados. E, além do mais, quanto à indefinição temporal, entende-se que, numa leitura integrada, as referências contidas nos pontos 7) e 9) dos factos provados e, bem assim, nos restantes factos convocados contêm as referências mínimas para possibilitar o exercício do direito de defesa e que o conteúdo dessa factualidade é idóneo a localizar espacial, temporal e circunstancialmente os episódios, os comportamentos e as sequelas que são descritos na decisão de facto.
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4.1.3 – Da alteração da decisão de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certo facto pode ser alterado nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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A recorrente pretende que se considerem como não provados os factos indicados nos pontos 12)[35], 14)[36], 17)[37], 20)[38], 21)[39], 22)[40], 23)[41] e 24)[42] da factualidade provada.
Relativamente a este conjunto de factos, a decisão de facto assenta nas declarações de parte do Autor e nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), que acompanharam «a situação da relação do menor com o Autor ao longo dos anos, bem como os entraves colocados pela Ré».
Pode ler-se na fundamentação que «o próprio (…), embora tenha claramente assumido a posição da mãe, procurando defender a mesma de todas as “acusações” constantes deste processo, reconheceu que até aos 13 anos o Autor se preocupou consigo, o que corrobora os depoimentos acima referidos. O facto das testemunhas (…) e (…) terem referido que a Ré sempre procurou estimular a relação pai-filho não mereceu credibilidade ao Tribunal atenta a demais prova produzida, sendo evidente que uma pessoa que lança suspeições acerca do facto do filho não ser “irmão da irmã” não está interessada em manter as relações entre o Autor e o menor, sendo evidente que o fez, apesar do filho ter negado, só assim se justificando que o Autor tenha ido fazer o teste, tendo merecido acerbidade as declarações do Autor e das testemunhas (…) e (…) atenta a forma emocionada que depuseram sobre tal matéria, que claramente lhe causa sofrimento.
O sofrimento do Autor resultou apurado com base nas declarações de parte do Autor, espontâneas e credíveis, sendo visível a revolta, desgosto e amargura que toda esta situação provocou ao Autor, corroborado pelas declarações das testemunhas (…), (…) e (…), unânimes entre si e com conhecimento direto dos factos sobre os quais depuseram, aliadas às regras da experiência comum, sendo uma presunção natural da situação de saber que alguém que pensou que era seu filho não o é cause desgosto e sofrimento no pretenso pai, sendo evidente que tal situação terá sido comentada entre conhecidos, dado que não é uma situação que ocorra com frequência».
A matéria contida na resposta ao ponto 24 dos factos provados resulta da conjugação entre as declarações tomadas ao Autor e as regras de experiência comum.
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Relativamente ao ponto 24 dos factos provados é de aplicar o princípio de que os recursos sobre a impugnação da matéria de facto têm sempre carácter ou natureza instrumental, devendo as questões submetidas à apreciação poder repercutir-se, de forma útil e efectiva, na decisão a proferir pelo Tribunal ad quem, de modo alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto. De outro modo, no plano formal, não haverá interesse processual em promover a revisão dos factos controvertidos[43].
Como não existiu vencimento na questão da devolução dos montantes das pensões alimentares e das demais despesas de sustento e a matéria em causa transitou em julgado, carece, assim, em absoluto, de interesse ou de acuidade promover qualquer alteração neste tópico.
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As declarações de parte são impressivas, coerentes, fundamentadas e lógicas e permitiram o cabal esclarecimento do Tribunal de Recurso. Não se duvida minimamente de que a Ré o «fez acreditar que tinha um filho durante 17 anos» e que «era pai». Toda a descrição efectuada relativamente ao regime de visitas, ao suporte financeiro dado («tudo o que era preciso»), ao relacionamento entre o (…) e a filha do Autor e às sequelas psicológicas e perturbações sofridas é perfeitamente natural. Também mereceu crédito quando disse ter confrontado o filho com a assinatura que este utilizava na escola (firmava (…) e não utilizava o apelido (…) e as explicações dadas a este propósito) e transmitiu as dificuldades experimentadas nos contactos com as instituições de ensino. Reconheceu que a Ré foi tendo atitudes («soltando palavras») que o fizeram desconfiar da paternidade, a que acresceu a circunstância do (…) ter dito à filha do Autor «que não eram irmãos».
Também existe prova sólida que atesta que, não obstante ter realizado o exame biológico, «sempre acreditou que o (…) era filho» e foi convincente quando asseverou que a Ré «sempre soube que o miúdo não era meu filho» e que «provocou o distanciamento» com o (…) «ao longo dos tempos» e que «não soube interpretar os sinais».
Merece toda a credibilidade a afirmação que «chorou muitas vezes no Natal» e todas as descrições de sofrimento passado são igualmente convincentes. E, em contraponto, alguns dos excertos contidos na alegação de recurso são completamente descontextualizados e é realizada uma interpretação dos mesmos que claramente se destaca do sentido global da prova e da prova natureza das coisas.
É certo que o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (artigo 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Porém, as declarações de parte foram avaliadas pelo Tribunal, tomando em atenção a natureza supletiva[44] e as cautelas que doutrinal[45] [46] [47] [48] e jurisprudencialmente[49] são enumeradas a este propósito, face à existência de um interesse próprio, direto e imediato na resolução da causa. Neste enquadramento, somos adeptos da tese que admite a validade da prova por declarações de parte quando a mesma se reporta essencialmente a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes»[50] [51].
Ao reconhecer os problemas associados à fiabilidade deste meio de prova, a nível doutrinal e jurisprudencial foi construída uma linha de actuação que se baseia na ideia que inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, a mesma não deve ser valorada, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório, evitando que as acções se decidam apenas com base nas declarações das próprias partes[52] [53] [54].
No entanto, pese embora as especificidades das declarações de parte e as cautelas anteriormente anunciadas, entendemos que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente[55], embora no contexto atrás referenciado de apuramento de acontecimentos do foro privado, como sucede neste caso.
Da análise de todo o depoimento aquilo que perpassa é que no contraste entre as declarações de parte e os restantes meios de prova convocados na motivação sobre a decisão de facto não existe motivo para valorar de forma diferente o depoimento do Autor e com isto promover a alteração da matéria de facto nos termos propostos.
Aliás, no plano das regras da experiência e da normalidade social não existe qualquer motivo para não valorar positivamente estas declarações ao nível dos danos, das sequelas psicológicas e das perturbações sofridas pelo (…) e, bem assim, nas dificuldades de contacto com o filho motivadas por atitudes maternas.
E, se assim não fosse, os contributos probatórios das testemunhas (…), (…), (…) e (…) eram idóneos, suficientes e hábeis para determinar a prova dos factos apurados, à luz de presunções judiciais e das regras da normalidade social.
Neste domínio é particularmente incisivo o testemunho de (…) que relatou de forma aberta, simples e persuasória toda a evolução da relação paternal, designadamente, quando de forma emocional, mencionou os reflexos que toda a situação teve na filha do casal e na sobrevalorização por parte da Ré da pensão de alimentos sobre os demais interesses do menor na convivência com o Autor. Não se duvida que o Autor perdeu a alegria e que a situação teve um efeito ricochete na filha do casal, aspectos que são igualmente confirmados de forma igualmente acreditável pela testemunha (…).
Os Tribunais Superiores vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[56].
Analisada a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que não existe qualquer erro na definição da mesma e que a motivação individualiza com acerto os contributos que entendeu serem fundamentais na formação da convicção relativamente à prova dos factos em conflito.
A associação entre a prova gravada e os restantes meios de prova convocados na decisão permitem concluir que a matéria de facto corresponde assim à verdade processualmente adquirida, de acordo com um juízo de probabilidade muito séria e não de simples verossimilhança.
Quanto a algumas divergências assinaladas relativamente ao estado psicológico do Autor, o juiz que avalia a prova não é um mero reprodutor das palavras produzidas em audiência e os seus poderes de fixação de factos estão estruturados não numa lógica de assentada, mas sim de interpretação daquilo que os contributos processuais possam contribuir para tirar conclusões e formar a sua convicção.
A descrição efectuada na decisão recorrida é assim claramente suficiente para perfectibilizar os comandos legais destinados a salvaguardar a reconstituição do pensamento do julgador. E, por isso, à luz dos contributos doutrinais editados a este respeito [57] [58] [59] [60] [61] [62] [63] [64] [65], interligando a resposta do Tribunal e as exigências expressas na lei, não existe fundamento para julgar procedente qualquer das propostas de modificação, de eliminação ou de concretização temporal da decisão de facto.
Em suma, numa lógica de normalidade social é totalmente crível que a versão processualmente adquirida seja totalmente coincidente com a realidade ocorrida. E, nesta ordem de ideias, sopesados todos os argumentos esgrimidos pela recorrente, da interpretação da audição de todo o suporte magnetofónico gravado e das demais provas presentes nos autos, a Mma. Juíza de Direito estava legitimada a decidir nos termos em que o fez.
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4.2 – Do erro de direito:
4.2.1Da inconstitucionalidade dos artigos 186.º, n.º 2, alínea a)[66] e 552.º, n.º 1, alínea d)[67] do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que a falta de alegação na Petição Inicial dos factos, de forma concretizada em termos de tempo, lugar e modo, permite a impugnação especificada na Contestação e/ou não ofende o direito de defesa:
Do princípio do Estado de Direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização da justiça. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo[68].
A garantia da via judiciária entende-se a «todas as situações juridicamente protegidas»[69]. O direito de acesso à justiça (…) é uma emanação indissociável ao Estado de Direito. Não se pode falar, absolutamente, em Estado Democrático de Direito sem que se garanta aos cidadãos, na sua plenitude, a possibilidade de, em igualdade de condições, socorrer-se dos Tribunais para tutelar as respectivas posições jurídicas subjectivas. Cuida-se do direito geral de protecção jurídica, cujo asseguramento é dever inarredável do Estado para com os cidadãos sendo, ainda, uma imposição do ideal democrático[70].
Os princípios da confiança e da proibição da indefesa comportam indiscutivelmente direitos de natureza processual ínsitos no direito de acesso aos tribunais e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, decorrentes de um impedimento ou de um efectivo cerceamento ao exercício do seu direito de defesa e, bem assim, abrange casos de compressão relevante ao nível do exercício de outro poderes estruturantes ao nível do dispositivo, do acautelamento do efeito útil da acção ou da prevenção e da reparação de um direito de agir.
Na doutrina constitucional são habitualmente identificados como direitos fundamentais processuais os seguintes: direito de acesso aos tribunais, à igualdade no processo, à independência e imparcialidade do tribunal, direito à publicidade do processo, à fundamentação das decisões, ao contraditório, direito à prova, ao recurso, à prolação de uma decisão dentro de um prazo razoável; direito à efectividade material e à estabilidade da decisão judicial.
No caso concreto, na dimensão concreta da confiança e da possibilidade de exercício pleno do contraditório, o direito de acesso à justiça e o direito à jurisdição estão abstractamente perfectibilizados e a recorrente usufruiu de todas as faculdades e prerrogativas processuais ao atendimento das pretensões em jogo, as quais foram accionados sem qualquer entrave de natureza orgânica, funcional, processual ou substantiva.
Da interpretação dos articulados apresentados pelas partes, o Tribunal de Recurso perfilha do entendimento sufragado na Primeira Instância quando defende que «ainda que forma genérica e com algumas suposições à mistura, estão alegados os factos essenciais que, a provar-se, são necessários à procedência da acção.
Porém, ainda que assim não se entendesse, não há qualquer dúvida que a Ré entendeu o conteúdo da petição inicial e o interpretou convenientemente, na medida em que, na sua contestação, se defende de factos concretos e invoca o seu desconhecimento de que o Autor não era o pai, pelo que se tem que necessariamente concluir que entendeu o conteúdo».
Na realidade, por exemplo, não é processualmente exigível que quando se afirma que, depois da separação do casal, foram dificultados os convívios natalícios se torna necessário especificar e enumerar todos os anos em que isso aconteceu, dado que é perfeitamente entendível por todos os observadores, em especial pelos destinatários, o período em que tal terá ocorrido.
Ainda no plano concreto, ao ser alegado e ao ficar provado que «ao longo dos anos» existiram problemas na relação qualquer pessoa medianamente diligente e dotado de discernimento comum fica possibilitado de compreender a extensão temporal e circunstancial de toda a envolvência e a parte contrária estava habilitada a deduzir uma defesa completa a essa imputação.
E o mesmo se diga de expressões com “depois”, “desde o nascimento do hipotético filho” ou “durante os anos que se seguiram” que são inteiramente entendíveis no contexto da relação estabelecida entre o Autor, a Ré e os restantes membros dos respectivos núcleos familiares e nas dinâmicas sociais e escolares abrangidas pelas descrições em discussão.
E assim não existe aqui qualquer folga valorativa para invocar que a alegação descritiva contida na petição inicial seja limitadora, castradora ou compressora do correcto exercício do direito de defesa e que o teor da petição inicial torna desproporcional ou demasiado oneroso para a Ré a perfectibilização da possibilidade de dedução de uma contestação.
A decisão tomada pelo Juízo Central de Competência Cível de Faro está fundamentada, não corresponde na sua matriz axiológica-normativa de uma violação do princípio da confiança e assim não merece provimento o juízo de inconstitucionalidade convocado pela recorrente, até porque nesta dimensão não é aplicável a disciplina da definição temporal exigida em sede de processo penal.
Neste enquadramento lógico normativo, dando consistência prática ao disposto nos artigos 204.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa, ao decidir sobre a improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial, o Tribunal a quo não infringiu o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados, inexistindo assim, na perspectiva do Tribunal de recurso, fundamento para recusar a aplicação dos artigos convocados pela Ré com base na sua inconstitucionalidade.
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4.2.2 – Da responsabilidade civil e da responsabilidade da Ré:
No n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece-se que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação».
Tal categoria de direitos enquadra-se no âmbito dos denominados direitos absolutos, caracterizados pelo seu efeito erga omnes, de oponibilidade a todos os sujeitos.
Nas palavras de Heinrich Hörster, «absoluto não significa “ilimitado”, ou “isento de vinculações e deveres”, ou “incontrolado”, mas implica a exclusão de todos os outros acompanhada pela obrigação de não violar o respectivo direito subjectivo. Aos direitos absolutos corresponde assim uma obrigação passiva universal»[71].
No que respeita aos direitos de personalidade, importa atentar no disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código Civil, que postula que «a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral».
Este normativo, como resulta da sua análise, garante a todos os indivíduos a protecção da sua personalidade física ou moral, independentemente de culpa do lesante.
Para melhor se aferir do conceito amplo “direito de personalidade”, cuja definição é omissa no Código Civil, importa atentar nas palavras de Rabidranath Capelo de Sousa, o qual considera que se consagra «no nosso sistema normativo uma tutela jurídica, corporizada através de diversos mecanismos institucionais (desde a outorga de direitos subjectivos privados à programação de finalidades e de actuações públicas), visando proteger directamente a personalidade humana, quer enquanto participante numa comum dignidade humana quer na sua extrinsecada manifestação individualizada e existencial. Tutela jurídica essa que, para uma melhor e mais completa defesa da personalidade humana, tanto incide sobre aspectos parcelares da personalidade humana (v. g. a tutela da intimidade da vida privada, prevista nos artigos 80.º Código Civil e 176.º a 185.º do Código Penal), como sobre grandes zonas da mesma personalidade (v. g. o direito à integridade pessoal, previsto no artigo 25.º da Constituição), como ainda sobre a globalidade ou universalidade da personalidade humana (v.g., a tutela geral civil da personalidade prevista no artigo 70.º do Código Civil)» [72].
O bem jurídico protegido pelo normativo em análise é, então, a personalidade física ou moral dos indivíduos, ou seja, «os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem»[73], exigindo a tutela da personalidade não apenas a protecção dos seus bens interiores, inerentes à realidade física e à autonomia e liberdade de cada ser humano, como também o «resguardo e a preservação do espaço vital exterior de cada homem»[74].
A violação destes direitos é susceptível de fazer accionar o instituto da responsabilidade civil e são vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil:
a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[75] – que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) a ilicitude (ou anti-juridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil).
Tal como é bem equacionado pela Meritíssima Juíza de Direito a quo, na situação vertente apurou-se que Autor e Ré foram casados entre si e que, na pendência do casamento, nasceu o menor (…). Até à realização do exame de paternidade, a Ré nunca assumiu expressamente que o Autor não seria o pai da criança, apesar de ter demonstrado através de comportamentos sociais e intersubjetivos no relacionamento com o Autor que indiciavam que a paternidade do (…) estava incorrectamente averbada. Durante todo este tempo permitiu que o Autor se convencesse que era o pai da criança, mas foi progressivamente afastando a criança do pretenso progenitor, apesar de ter continuado sem qualquer rebuço a receber a pensão de alimentos.
Perscrutada a factualidade, comunga-se assim da visão que um «cidadão médio, colocado na posição da Ré, consciente de que a criança aqui em causa poderia não ser filha do Autor, teria informado o mesmo dessa possibilidade de forma a evitar um vínculo que sabia poder não ser verdadeiro e que, mais tarde, pôs em causa, quando já não lhe interessava que o mesmo figurasse como pai, sendo reprovável que permita a criação de um laço afetivo que mais tarde veio a pôr em causa, causando desconfianças no Autor, com a consequência de descobrir que não era o pai biológico da criança».
Do conspecto factual apurado resulta claramente que os referidos pressupostos da responsabilidade civil se encontram preenchidos e que toda a situação envolvente causou dor e sofrimento ao Autor, prejudicando a sua integridade moral e o direito constitucional à identidade pessoal que não se cinge à posição do filho e integra também a esfera protegida dos seus ascendentes ou de outros familiares.
A Ré suscita a inconstitucionalidade dos artigos 70º[76], 80º[77], 483º[78] e 1901º[79] do Código Civil, interpretados no sentido de não atenderem e respeitarem o direito de personalidade da Ré – que deveriam ter sido interpretados e aplicados de modo a não impor a esta a sujeição a situações humilhantes ofensivas da sua intimidade e vida privada.
Na óptica deste Colectivo do Tribunal da Relação de Évora a responsabilidade da Ré funda-se não no acto de infidelidade e também não se visa sancionar a violação do direito à sua autodeterminação e liberdade sexual, que, à data poderiam justificar o divórcio e um pedido de indemnização pela ruptura do casamento, mas está antes simplesmente baseada na necessidade de reparação de prejuízos causados sem qualquer necessidade de apelar a sentimentos de moralidade dominante.
Isto é a causa justificativa da atribuição da indemnização não radica na violação dos deveres de fidelidade e respeito nascidos com a celebração do casamento, mas sim no incumprimento de um dever geral de respeito e no desprezo de outros direitos de personalidade atribuídos ao Autor, que se mostram agravados pelo tempo de duração da conduta informativa omissiva, sendo que, na análise global de todo o enquadramento, como já se disse, a Ré tinha o perfeito conhecimento da paternidade não pertencia ao suposto pai do filho. E apenas residualmente a fixação da indemnização está relacionada com o percebimento não devido de uma pensão alimentar[80].
Se, em abstracto, poderia não ser exigível que a Ré expusesse a sua vida íntima e privada a terceiros, no plano singular, existe aqui uma teia de interesses conflituantes em que pai registral, mãe, filho e pai orgânico têm direito a saber a real identidade biológica da filiação e a detentora da informação completa sobre essa realidade era a Ré.
E do conspecto factual resulta claramente que a Ré estava ciente que o pai registral não era o progenitor biológico e que o escondeu a uma parte directamente interessada. Não subsistem dúvidas que a mesma sabia claramente que tal facto era idóneo a causar sofrimento ao Autor, em especial porque esta falsidade foi perpetuada durante 17 anos.
E a Ré não poderia negar ter consciência do seu comportamento ilícito, pois, ao mesmo passo, tomou diversos comportamentos concludentes ao nível social, na dinâmica escolar e no relacionamento subjectivo com terceiros que apontavam claramente para a existência de uma certeza – ou, pelo menos, de uma dúvida legítima – sobre a não paternidade atribuída ao Autor.
E aqui chegados, independentemente da protecção da sua vida íntima, ainda que existisse um conflito de direitos, impunha-se à Ré que, caso não quisesse tomar uma posição activa ao nível de uma acção de investigação de paternidade ou de promoção de outro procedimento de fim equivalente, alertasse o pai registral para a possibilidade do (…) não ser filho biológico do Autor. Esta situação é que amplificou o nível das sequelas psicológicas e dos danos morais experimentados pelo Autor.
A colisão de direitos encontra-se provisionada no artigo 335.º[81] do Código Civil e este fenómeno ocorre sempre que o exercício de um direito impossibilita, no todo ou em parte, o exercício de outro. Consensualmente, no plano doutrinário e jurisprudencial, para que se verifique uma situação desta natureza é necessária a presença cumulativa de três pressupostos: a existência de uma pluralidade de direitos, a sua pertença a diferentes titulares e a impossibilidade de exercício simultâneo e integral desses direitos.
Sobre o tema pode ser consultada a bibliografia geral civilística com destaque para Pires de Lima e Antunes Varela[82], Oliveira Ascensão[83], Carvalho Fernandes[84], Menezes Cordeiro[85] [86], P. Pais de Vasconcelos[87], Elsa Vaz Sequeira[88] [89] [90] e M. Galvão Telles[91].
Na hipótese de colisão de direitos, no confronto entre eles, existem uma série de critérios operacionais tendentes a solucionar o litígio fundado nos argumentos da antiguidade relativa, dos danos pelo não exercício, dos lucros do exercício, da prevalência em abstracto, do igual sacrifício, da composição aleatória equilibrada e da composição aleatória.
Neste domínio está estabilizado o entendimento que, em abstracto, o direito à identidade biológica prevalece sobre o direito à protecção da vida privada e da intimidade. E, em concreto, tal como resulta da audição da prova produzida em audiência, no plano prático o direito convocado não tem a pertinência e a acuidade que lhe é emprestada pela Ré, que, na pendência do casamento, ainda antes da separação, assumiu que tinha tido um relacionamento de natureza sexual com outro homem.
Ciente dessa realidade, ao arrepio da ética, do bom senso e do próprio direito, continuou a permitir que o Autor ficasse convencido que era pai do (…), sabendo que este não o era e tinha óbvio conhecimento que a divulgação desta realidade teria um impacto naturalmente negativo ao nível dos direitos de personalidade que juridicamente estavam confiados ao pretenso progenitor, em especial em função do tempo decorrido e dos laços afectivos que foram sendo construídos com o (…).
E, consequentemente, nesse contexto referencial, surgindo um conflito de direitos, a alegação da existência de uma inconstitucionalidade normativa cede claramente perante o bom senso, a ética e os direitos superiores atribuídos aos outros envolvidos na relação jurídica em discussão e que também beneficiam da aplicabilidade de outras constelações normativas incluídas na Lei Fundamental protectoras do direito de personalidade.
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4.2.3 – Do montante indemnizatório:
É incontroverso que a acção da Justiça visa essencialmente a pacificação social e a intervenção dos Tribunais assume uma natureza pedagógica e esta actividade tem como objetivo principal a solução dos conflitos de interesse de forma adequada, funcionando como um filtro da litigiosidade e assegurando o acesso à ordem jurídica de forma justa.
O Tribunal da Relação de Évora entende que existe um dano não patrimonial que deve ser ressarcido e, neste campo, são ressarcíeis «os danos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito», proporcionando-se à vítima uma satisfação ou compensação económica (cfr. artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil). E este dano é indiscutivelmente importante, ao contrário daquilo que consta das alegações de recurso, em particular nos artigos 42 a 45.
Conforme resulta da intersecção entre a disciplina contida nos artigos 494.º e 495.º do Código Civil, a determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio.
Almeida e Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[92] [93] [94] [95].
Conforme faz notar Pessoa Jorge, «na generosa formulação do artigo 496.º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afectado»[96].
A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça aponta igualmente para que o montante da indemnização seja proporcionado à gravidade do dano, objetivamente apreciado, e não à luz de critérios subjectivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
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Apesar de admitir residualmente que poderia ser condenada num pagamento indemnizatório (até ao limite máximo de € 5.000,00) nesta dimensão a recorrente contesta o montante atribuído com base na disciplina prevista no artigo 494.º[97] [98] do Código Civil e na condenação ultra petitum.
A mera culpa ou negligência tem sido entendida como a violação (objectiva) de uma norma por inobservância de deveres de cuidado[99] e a apreciação da medida de esforço devido pelo agente surge associado ao conceito da diligência de um bom pai de família ou do postulado das circunstâncias de cada caso concreto.
Em primeiro lugar, relativamente ao accionamento do artigo 494.º do Código Civil, não estamos perante um caso que se funda na mera culpa, mas que se estrutura numa acção manifesta e objectivamente acção dolosa, o que, ainda a título meramente eventual, por si só afastaria, a redução equitativa da indemnização – que, aliás, no caso concreto também está sujeita ao critério da equidade e isso traduzir-se-ia numa mera redundância retórica (reduzir equitativamente o que foi calculado com base nesse método de cálculo).
Efectivamente, na senda da melhor doutrina, se houve, portanto, dolo, a indemnização não pode deixar de corresponder aos danos, devendo ser fixada nos termos dos artigos 562.º e seguintes[100].
No que se refere à ponderação da situação económica do agente e à situação económica do lesado, importará considerar qual a repercussão que, respectivamente, o pagamento da indemnização e o facto lesivo têm na situação patrimonial de um e outro, devendo fazer-se uma análise comparativa dessas situações económicas, justificar-se-á a redução, apurados os demais pressupostos do artigo 494.º, se se verificar em concreto uma desproporção entre a situação económica do lesado (boa) e a do lesante (má) que a reclame[101] [102] [103] [104].
No entanto, relativamente aos parâmetros da situação económica do agente e do lesado, das demais circunstâncias do caso e do grau de culpabilidade, em sede de articulado de defesa, a parte passiva não municiou o Tribunal com os elementos fácticos que, a provarem-se, permitissem reduzir objectivamente o quantum indemnizatório.
Desta sorte, ganha aqui relevância o brocardo latino sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit. Isto é, a parte só se deve culpar a si própria por não ter alegado algo que poderia ter previsto e evitado.
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No que respeita ao excesso do pedido, na perspectiva da recorrente o montante da indemnização de € 50.000,00 fixado na douta sentença recorrida ultrapassa o valor peticionado. Nesta visão, ao ter pedido a condenação da Ré no pagamento de € 18.000,00 por via da devolução das quantias despendidas pagas a título de pensão de alimentos do menor, numa pretensão global de € 63.000,00, o Tribunal acabou por condenar a Ré em quantia superior à devida, pois não poderia atribuir uma indemnização superior a € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Em certos domínios, mormente na concretização dos danos patrimoniais, os limites da condenação contidos no n.º 1 do artigo 609.º[105] do Código de Processo Civil entendem-se referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo[106].
No entanto, aqui estamos perante causas de pedir absolutamente distintas – por um lado, a devolução das prestações alimentares e, por outro, a responsabilidade civil por factos ilícitos –, que congregam hipóteses jurídicas diferenciadas e onde o montante peticionado em cada uma das pretensões é perfeitamente autonomizável e se funda em pressupostos forenses distintos.
Se o Autor deduz, com toda a clareza e simplicidade, um pedido concreto de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por factos ilícitos, verifica-se que o juiz profere uma sentença ultra petitum, ao condenar a Ré numa quantia superior a título indemnizatório.
E, assim, neste espectro lógico-jurídico, o Juiz a quo não estava habilitado a proferir decisão que não se contivesse nos estritos limites em que foi delineado a pretensão pelo Autor, que, in casu, não poderia exceder € 45.000,00.
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Não existe qualquer argumento recursivo que afaste a culpa da lesante e obste à fixação de um montante indemnizatório.
Assim, em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto, tendo presente os factos apurados, cuja transcrição integral aqui se dispensa, o bom senso, a gravidade do caso e as demais circunstâncias anteriormente referidas determinam que os danos morais sofridos pelo Autor sejam dignos de protecção legal, atribuindo-se uma indemnização de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), actualizada à presente data, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a prolação do presente acórdão[107], até integral e efectivo pagamento.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto, concedendo-se uma indemnização de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a prolação da sentença recorrida, até integral e efectivo pagamento.
Custas a cargo do apelante e do apelado na proporção do respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Tenha-se em conta a decisão relativa ao pedido de apoio judiciário.
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(actos processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/10/2021
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] Ficou exarado na decisão recorrida que: «consigna-se que a matéria e/ou documento não selecionados dos articulados é mera repetição, conclusiva, de direito, de mera impugnação, meras suposições, não incumbe o ónus da prova da mesma a quem a alega e não se seleciona o facto na negativa ou não assume qualquer relevância para a decisão da causa, só tendo sido selecionados, para além dos constantes dos articulados, considerando o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os factos essenciais, complementares e instrumentais que se consideram relevantes para a decisão e compreensão da matéria em causa e para a compreensão do litígio, sendo certo que, relativamente a todos os factos complementares apurados, as partes tiveram oportunidade de se pronunciar acerca dos mesmos e podem ser considerados oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil».
[2] Neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2002, in CJ STJ, ano X, tomo II, pág. 153 e de 15/05/2008 e 02/02/2010, in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2007 e 16/09/2008.
[4] Artigo 155.º (Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz):
1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
2 - A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização.
3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
5 - A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível.
6 - A transcrição é feita no prazo de cinco dias a contar do respetivo ato; o prazo para arguir qualquer desconformidade da transcrição é de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos.
7 - A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido.
8 - A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz.
9 - Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial.
[5] De acordo com os elementos constantes dos autos o requerimento foi formulado no dia 18/06/2021 e a entrega ocorreu a 21/06/2021.
[6] Artigo 195.º (Regras gerais sobre a nulidade dos atos):
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[7] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, pág. 178.
[8] No mesmo sentido, em anotação ao citado artigo 155.º, António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, volume I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 190) defendem que o seguinte: «O n.º 4, com a virtude de clarificar um aspeto que vinha sendo controverso na prática forense, estabelece o prazo de 10 dias para a arguição de qualquer falta ou deficiência da gravação, contado a partir do momento em que a gravação é disponibilizada. Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso».
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 333, sublinham que «a reclamação por falta ou deficiência da gravação, que a parte frequentemente só invocada em recurso. O n.º 4 veio obstar a esta prática, ao remeter para ao regime das nulidades (artigos 195.º e seguintes)».
[10] João Correia/Paulo Pimenta/Sérgio Castanheira, in Introdução ao Estudo e Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, Almedina, 2013, págs. 35-36, comungam da visão que «o n.º 4 do artigo 155.º, com a virtude de clarificar um aspecto que vinha sendo controverso na prática forense, estabelece o prazo de dez dias para a arguição de qualquer falta ou deficiência da gravação, prazo que se conta do momento em que a gravação é disponibilizada».
[11] Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08/06/2017, 11/01/2018 e 24/10/2019, do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/05/2017, do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2018, do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/10/2018 e 16/05/2019 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/12/2017, todos disponibilizado em www.dgsi.pt.
[12] Wladimir Brito, Teoria Geral do Processo, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 302-303.
[13] (2) no segmento «para extrema felicidade do Autor».
[14] (4) no segmento «o Autor sempre se preocupou com a criança, amou-o, cuidou dele e ansiava por passar tempo com o seu filho e nem sequer imaginou que não fosse o pai de (…)».
[15] (5) no segmento «mas sempre garantiu tudo o que lhe era possível à satisfação dos interesses do seu primogénito, dando-lhe os presentes que ele pedia, passando tempo com o mesmo e amava o seu filho».
[16] (7) Durante os anos que se seguiram, o Autor sempre tentou estar ao máximo perto do seu filho, porém apercebeu-se de um distanciamento cada vez maior a ser provocado pela Ré, com efeito, o regime de visitas passou a ser muito dificultado pela Ré, parecendo que apenas se preocupava com o pagamento da pensão de alimentos, mas sem cultivar uma relação pai-filho como seria natural.
[17] (8) Depois, a Ré começou por dizer ao (…) que a outra filha do Autor não era na verdade sua irmã, o que estes transmitiram ao Autor”, pela imprecisão e vacuidade do termo “depois” bem como da expressão “começou a dizer”.
[18] (9) no segmento «… segundo ficou a saber, a Ré intitulava os seus companheiros afetivos de “pai do (…)” nas escolas, e nos locais que frequentava, para desgosto extremo do Autor».
[19] (10) Ficou ainda a saber que na escola o (…) não assinava com o nome de família do pai (artigo 14º da petição inicial) – o facto é saber se tal sucedia e não se o A. ficou a saber.
[20] (11) A Ré proibiu ainda o (…) de passar férias com a família do Autor, ou sequer ir visitá-lo (artigo 15º da petição inicial) – mas quando, como, onde?
[21] (14) O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo, afinal, o pai do (…).
[22] (15) no segmento «…na sequência das dúvidas que o passaram a atormentar atentas as suspeições levantadas pela Ré acerca da paternidade de (…) …».
[23] (16) no segmento «… o distanciamento face ao seu filho aumentou, pois, tornava-se incompreensível para o menor que o Autor, desconfiasse da filiação deste».
[24] (17) A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente, porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor.
[25] (21) O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua.
[26] (22) O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários.
[27] (23) O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade.
[28] (24) O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquenta referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas.
[29] (26) O Autor foi ludibriado pela Ré acreditando que era o pai de (…), dado que a Ré, por ter mantido relações sexuais com terceiro no período legal de conceção, admitiu como possível que o Autor não fosse o pai e conformou-se com essa possibilidade, mas fazendo crer ao Autor que era o pai da criança, sendo-lhe indiferente o resultado desta situação.
[30] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2012 e de 28/05/2015, in www.dgsi.pt
[31] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2012, in www.dgsi.pt.
[32] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, in www.dgsi.pt.
[33] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 212 e seguintes.
[34] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/12/2014, in www.dgsi.pt.
[35] (12) tudo isto provocou ao Autor sofrimento, ansiedade e desgaste emocional (artigo 16º da petição inicial).
[36] (14) O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo afinal o pai do … (artigo 19º da petição inicial).
[37] (17) A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente, porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor (artigo 22º da petição inicial).
[38] (20) A partir dessa data o Autor enfrentou uma enorme vergonha, uma vez, que na e no seu meio social se soube que o (…) não era seu filho, que o Autor havia sido traído sem o (…) fruto de uma relação extraconjugal (artigo 27º da petição inicial).
[39] (21) O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua (artigo 28º da petição inicial).
[40] (22) O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários (artigos 29º e 33º da petição inicial).
[41] (23) O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade (artigo 34º da petição inicial).
[42] (24) O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquentas referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas (artigo 39º da petição inicial).
[43] Acórdãos deste colectivo de Juízes do Tribunal da Relação de Évora datados de 30/01/2020, 08/10/2020 e 30/06/2021, entre outros disponibilizados em www.dgsi.pt.
[44] Paulo Pimenta, Processo Civil, Declarativo, Almedina, 2014, pág. 357.
[45] Para José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime as partes tiverem sido efectivamente ouvidas».
[46] Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova difícil, 2014, pág. 27, pugna que, até à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei n.º 41/2013, de 26/06, as razões determinantes da rejeição deste meio de prova assentavam no «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da acção e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno».
[47] As Malquistas declarações de parte – “Não acredito na parte porque é parte”, em Colóquio organizado no Supremo Tribunal de Justiça, estudo disponível na página web do STJ e ainda em www.trp.pt/.../as%20malquistas%20declaraes%20de%20parte_juizdireito%20luis%20f... A sobredita visão pessimista sobre a fiabilidade do meio de prova é rebatida por Luís Filipe Sousa que defende que «(ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas de hierarquizá-los diversamente».
[48] Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, pág. 56, estudo editado na internet em
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28630/.../Declaracoes%20de%20parte.pdf, nesta discórdia valorativa sobre a fiabilidade do meio de prova, diz que aquilo que é relevante é que o juiz análise «o discurso da mesma tendo sempre presente a máxima da experiência que dita a escassa fiabilidade do mesmo quanto às afirmações que a esta são favoráveis».
[49] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, in www.dgsi.pt. este inovador meio de prova, dirige-se primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorridas na presença das partes.
[50] Remédio Marques, «A aquisição e a Valoração Probatória dos Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte», Julgar, Jan-Abril, 2012, n.º 16, página 168.
[51] Ou, seguindo a formulação de Elisabeth Fernandez, Obra citada, pág. 37, o recurso a meio de prova é admissível quando se destina a apurar «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa»
[52] Remédio Marques, A aquisição e a valoração probatória de factos (des) favoráveis ao depoente ou a parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Caderno II – O novo Processo Civil – Contributos da Doutrina no decurso do processo legislativo designadamente à luz do Anteprojecto e da Proposta de Lei n.º 133/XII, Centro de Estudos Judiciários, página 92.
[53] Idêntico posicionamento prático é defendido pelos juízes de Direito Paula Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª edição, página 395.
[54] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014 e 20/11/2014, in www.dgsi.pt.
[55] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2017, in www.dgsi.pt, que sublinha que:
«I- No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da auto-suficiência das declarações de parte.
II – Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão.
III – A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
IV – Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente.
V – É infundada e incorrecta a postura que degrada – prematuramente – o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório.
VI – É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais características devem ser secundarizadas.
VII – Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interacções; reprodução de conversações; existência de correcções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reacção da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.
[56] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/6/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021 e 30/06/2021, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[57] Alexandre Pessoa Vaz, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1998, páginas 1-241.
[58] Gonçalves Salvador, Motivação, Boletim do Ministério da Justiça n.º 121, páginas 85-117.
[59] Oliveira Martins, Justiça Portuguesa, n.º 29, página. 49.
[60] Gonçalves Pereira, Poderes do juiz em matéria de facto, Justiça Portuguesa, n.º 32, página 81.
[61] Miguel Corte-Real, O dever da fundamentação da decisão judicial dada sobre a matéria de facto, Vida Judiciária, n.º 24, páginas 22-24.
[62] Michele Taruffo, Note sulla garanzia constituzionale della motivazione, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.º 55, páginas 29-38.
[63] Cláudia Sofia Alves Trindade, A prova de estados subjectivos no processo civil: presunções judiciais e regras de experiência, Almedina, Coimbra, 2006, páginas 317-225.
[64] Marta João Dias, A fundamentação do juízo probatório – Breves considerações, Julgar n.º 13, Janeiro de 2011.
[65] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, remetendo aqui para as demais referências bibliográficas ali contidas sobre este assunto.
[66] Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial):
1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.
[67] Artigo 552.º (Requisitos da petição inicial):
1 - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor:
a) Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;
b) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;
c) Indicar a forma do processo;
d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
e) Formular o pedido;
f) Declarar o valor da causa;
g) Designar o agente de execução incumbido de efetuar a citação ou o mandatário judicial responsável pela sua promoção.
2 - Para o efeito da identificação das partes que sejam pessoa coletiva nos termos da alínea a) do número anterior, o mandatário judicial constituído pelo autor que apresente a petição por via eletrónica indica o respetivo número de identificação de pessoa coletiva ou, relativamente às entidades não abrangidas pelo regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o seu número de identificação fiscal, ficando esta identificação sujeita a confirmação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, o qual devolve, para validação, os dados constantes das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, consoante os casos.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, e visando garantir a identificação unívoca da parte, o mandatário judicial pode efetuar, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, pesquisas nas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira.
4 - Sendo a identificação da parte efetuada nos termos dos nºs 2 e 3, a informação prevista na alínea a) do n.º 1 é transmitida ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais pelas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, podendo a mesma ser atualizada, de forma automática, durante o processo, sempre que ocorrer alteração nas referidas bases de dados.
5 - Caso a parte a identificar seja pessoa coletiva cuja informação não conste das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou caso por motivos técnicos não seja possível a identificação nos termos dos números anteriores, a identificação é efetuada através do preenchimento do formulário disponibilizado no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, nos termos a definir na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, a qual regulamenta, igualmente, o disposto nos números anteriores.
6 - No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
9 - Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.
10 - No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.
11 - Para o efeito da alínea g) do n.º 1, o autor designa agente de execução inscrito ou registado na comarca ou em comarca limítrofe ou, na sua falta, em outra comarca pertencente à mesma área de competência do respetivo tribunal da Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do artigo 231.º.
12 - A designação do agente de execução fica sem efeito se ele declarar que não a aceita, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
13 - O disposto nos nºs 2 a 5 é aplicável, com as necessárias adaptações, quando haja que proceder à identificação de qualquer outra parte processual que seja pessoa coletiva em qualquer peça a apresentar por mandatário judicial por via eletrónica.
14 - A alteração do domicílio profissional do mandatário judicial pode ser comunicada ao processo, automaticamente, pelas bases de dados das respetivas associações públicas profissionais.
[68] Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 1992, página 388.
[69] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, página 180.
[70] Ronnie Preuss Duarte, Garantias de Acesso à Justiça – Os direitos processuais fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, página 330.
[71] A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2000, página 46.
[72] Capelo de Sousa, O direito geral de personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, página 105.
[73] Capelo de Sousa, O direito geral de personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, página 106.
[74] Capelo de Sousa, ob. cit., página 516.
[75] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, vol. I, página 447.
[76] Artigo 70.º (Tutela geral da personalidade):
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
[77] Artigo 80.º (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada):
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
[78] Artigo 483.º (Princípio geral):
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
[79] Artigo 1901.º (Responsabilidades parentais na constância do matrimónio):
1 - Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais.
2 - Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação.
3 - Se a conciliação referida no número anterior não for possível, o tribunal ouvirá o filho, antes de decidir, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.
[80] Atenção que a questão não se confunde aqui com a situação já transitada em julgado do apuramento do beneficiário dos alimentos. Uma coisa é dinheiro da pensão pertencer de facto ao menor, outra é a perpetuação consciente por parte da mãe do recebimento indevido.
[81] Artigo 335º (Colisão de direitos):
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
[82] Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada (reimpressão), com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, páginas 300-301.
[83] Direito Civil – Teoria Geral, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, páginas 293-294.
[84] Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, páginas 615-620.
[85] Tratado de Direito Civil, Tomo V, Parte Geral. Exercício Jurídico, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2018, páginas 423-444.
[86] Da Colisão de Direitos, O Direito, ano 137.º, 2005, vol. I, páginas 37-55.
[87] Teoria Geral do Direito Civil – Teoria Geral, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, páginas 254-255.
[88] Dos Pressupostos da Colisão de Direitos no Direito Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2004.
[89] Da distinção entre os Limites Extrínsecos do Direitos e Limites Extrínsecos ao seu Exercício, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, Vol. I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, páginas 441-463.
[90] Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, páginas 789-793.
[91] Espaços Marítimos, Delimitação e Colisão de Direitos, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra editora, Coimbra, 2004, páginas 617-647.
[92] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 502.
[93] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, páginas 374 e seguintes.
[94] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, n.º 1, Coimbra, 1992, páginas 17 e seguintes.
[95] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça n.º 83, página 69.
[96] Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, página 376.
[97] Por lapso manifesto na peça de recurso a recorrente referia o artigo 394.º do Código Civil.
[98] Artigo 494.º (Limitação da indemnização no caso de mera culpa)
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
[99] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VIII, Almedina, Coimbra, 2017, página 472.
[100] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada (reimpressão), com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, página 497.
[101] Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil – Direitos das Obrigações. Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, página 339.
[102] Vaz Serra, Obrigação de indemnização (Colocação. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Extensão do dever de indemnizar. Espécies de indemnização). Direito de abstenção e de remoção», Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, 1959, páginas 236-237.
[103] Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, páginas 723-726.
[104] Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, páginas 489-492.
[105] Artigo 609.º (Limites da condenação):
1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3 - Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
[106] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/1961, BMJ n.º 108, pág. 332, de 19/02/2014, de 09/09/2015, de 26/11/2015 e de 13/10/2016, estes disponíveis em www.dgsi.pt.
[107] Nos termos do acórdão de uniformização do Supremo Tribunal de Justiça registado sob o n.º 4/2002, publicado no Diário da República I-série A, de 27/06/2002 «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação».