Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/16.6YREVR
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: INVENTÁRIO
NOTARIADO
RECURSO
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No processo de inventário, é da competência do tribunal de 1.ª instância o recurso das decisões do Notário.
Decisão Texto Integral: Vistos os autos, somos confrontados com a seguinte situação:

O interessado AA vem interpor recurso do douto despacho proferido a 02 de Novembro de 2015 (ora a fls. 35 a 36), e que acabou por não lhe aceitar a produção de provas (no caso, a inquirição da testemunha e cabeça-de-casal, por si arrolada, BB neste inventário instaurado no Cartório Notarial pelo interessado CC – por morte da inventariada DD, residente que foi com o ora cabeça-de-casal, e falecida em 06 de Janeiro de 2014– intentando agora a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que discorda da decisão tomada, porquanto “o cartório notarial, em despacho datado de 16 de Outubro de 2015, entende que a testemunha faltou à diligência”, porém, “a testemunha em causa, Sr. CC, nunca foi notificado pelo cartório notarial, em violação do disposto no art.º 247.º, nº 2, do CPC”, pois que a notificação datada de 14 de Setembro de 2015 não foi efectuada em cumprimento da legislação em vigor. E “a falta de notificação à testemunha CC e a tardia notificação ao mandatário, no próprio dia da inquirição, levaram a que o cartório notarial, por despacho, decidisse questões fulcrais neste inventário”, “devendo, assim, todos actos praticados, inclusive e posteriores ao despacho datado de 22 de Setembro de 2015, serem declarados nulos e de nenhum efeito jurídico”, aduz. São, pois, termos em que se deverá vir a dar provimento ao recurso e revogar-se a decisão.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Ora, tendo em conta que o Recorrente dirigiu o recurso “para o tribunal da comarca, competente, em razão da matéria, nos termos do artº 644º, nº 2, do CPC” – a fls. 38 dos autos –, que, posteriormente, na sequência de convite nesse sentido através do douto despacho de fls. 52, veio dirigi-lo “ao tribunal da comarca, da instância local da secção de competência genérica” – a fls. 54 dos autos –, que a Sra. Notária entendeu que, “face às normas dos artigos 76º, nº 2, 1ª parte, da Lei nº 23/2013, de 05 de Março e 644º, nº 2, als. d) e h), 68º e 96º, al. a), do CPC e, considerando ainda que os actos impugnados devem ser considerados materialmente jurisdicionais, é ao Tribunal da Relação de Évora que compete apreciar o recurso” – a fls. 57 dos autos – e que, finalmente, vieram, até de comum acordo, os interessados BB e AA “requerer que o presente recurso seja remetido ao tribunal de competência genérica, secção cível, da unidade local”, parecendo-lhes “indiscutível que o tribunal da relação de Évora é incompetente para julgar o presente recurso” – a fls. 59 dos autos – importará, natural e previamente, começar por resolver tal problemática.
E como todos já se pronunciaram sobre o tema está feito o contraditório.

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Aceitamos que a questão não se apresente de resposta fácil, pela simples razão da lei não a ter resolvido expressamente – o que nem deixa de ser normal no modo como, tantas vezes, se legisla, e não é por isso que os tribunais deixam de resolver os problemas com que se confrontam, daí decorrentes.
No entanto, se bem lemos todo o diploma em causa – a Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, que aprova o Regime Jurídico do Processo de Inventário –, nas suas diferentes normas que tratam do tema dos recursos e da articulação dos srs. Notários com os Tribunais em geral (v. g. os seus artigos 3º, nº 7, 13º, nº 2, 16º, nos 4 e 5, 57º, nº 4, 66º, nos 1 e 3, 69º, 70º e 76º) nada nos permite concluir que se tenha instituído um regime legal de recursos directos das decisões do Notário para o tribunal da Relação e não, primeiro, para o tribunal da 1ª instância e, daí, depois, para a Relação, dentro das regras normais do Código de Processo Civil.
Claro que o legislador poderia ter introduzido esse sistema do recurso per saltum, optando então por libertar, quase por completo, os tribunais de comarca dos processos de inventário (passando o encargo para os tribunais da Relação).
Mas se fosse essa a sua intenção, deveria tê-lo formulado expressamente.
Ao invés, nem de forma implícita (e, muito menos, de maneira expressa) se extrai daquele citado diploma qualquer revolução nos recursos dos senhores Conservadores e Notários – que são interpostos, como é sabido, usualmente, em primeira linha, para os tribunais de comarca, conforme aos respectivos Códigos de Registo. Consequentemente, temos que concluir que os recursos, neste tipo de processo especial (o inventário), continuam a ser interpostos para o tribunal de comarca e não para o tribunal da Relação.

Menos ainda, salva melhor opinião, se poderá concluir pela competência ab initio do tribunal da Relação, do artigo 76º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, como fez a Sra. Notária. Com efeito, tal normativo reporta-se, de forma expressa, a recursos para a Relação, mas das decisões proferidas pelo juiz da comarca, quer a que homologa a partilha, quer outras, subindo com aquele os recursos das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo (no limite, mesmo que se admitisse que as decisões interlocutórias seriam recorríveis logo para a Relação, sem passar primeiro pelo juiz da 1ª instância, o que aqui, como vimos, não defendemos, então só poderiam subir à Relação com o recurso que se interpusesse da decisão homologatória da partilha e não já, como ocorreu).

Já assim era, de resto, no âmbito do anterior Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 29/2009, de 29 de Junho (vide os seus arts. 4º, 8º, nº 2, 60º, nº 3, 64º, nº 1, 72º e 73º).

É para notar, em abono desta conclusão que, noutros casos em que a lei passou competências dos tribunais para o Ministério Público e para os Notários e Conservadores, manteve sempre a possibilidade de reapreciação pelos juízes dos tribunais judiciais da 1ª instância e, daí, para a Relação, nos termos gerais.
Tal ocorreu, por exemplo, com a Lei nº 82/2001, de 03 de Agosto, que “autoriza o Governo a atribuir e transferir competências relativamente a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público, as conservatórias de registo civil, predial, comercial e automóvel e os cartórios notariais”: “sem prejuízo de reapreciação pelo tribunal” (artigo 3º, 1)); “remessa do processo ao tribunal judicial competente” (artigo 3º, 3), v), 6), iv)); “recurso da decisão do conservador para o tribunal” (artigo 3º, 3), vii), 8), 9), 10), e 11)).
Ou com o Decreto-lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, que operacionaliza a autorização da Lei anterior: seus artigos 3º, nº 6, 4º, nº 6, 8º e 10º, nº 1 (“das decisões do conservador cabe recurso para o tribunal judicial da 1ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória” – sublinhado nosso).
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Assim, face ao exposto, declaro o tribunal da Relação incompetente para apreciar o recurso e ordeno a remessa do processo à comarca de Abrantes.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.
Évora, 5 de Abril de 2016
Mário Canelas Brás