Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)
I – Relatório
1. No âmbito do processo nº 940/18.0PBEVR da Comarca ...- Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., por sentença proferida 10/09/2020, transitada em julgado em 12/10/2020, o arguido AA, melhor identificado a fls. 86, foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeito a regime de prova com base em plano de reinserção, com a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, bem como na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 anos e 1 mês, e de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Foi ainda condenado pela prática de um crime de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 alíneas c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 450 dias de multa à taxa diária de € 5,50, num total de € 2.475,00.
2. Por despacho proferido nos autos com a Referência Citius ...67, e datado de 07/03/2023, foi determinada a revogação da suspensão da execução daquela pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, relativa ao crime de violência doméstica, e o seu cumprimento efetivo pelo arguido.
3. O arguido notificado deste despacho veio interpor o presente recurso pedindo que a douta sentença seja revogada, substituindo-se por outra que mantenha a suspensão da sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova realmente a efectivar pelos serviços competentes cumprindo-se o plano de reinserção social, para o que apresenta as seguintes conclusões que extrai da sua motivação: (transcrição)
a) O arguido e ora recorrente foi condenado a dois anos e mês de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de violência doméstica contra a pessoa da ofendida; tendo vindo a ser condenado por sentença transitada em julgado no âmbito de outro processo, foi determinada a revogação daquela suspensão. Não se conformando com tal decisão, desta vem recorrer. Assim,
b) A suspensão da execução da pena foi sujeita a regime de prova, o qual passava pela frequência de um programa de combate à violência doméstica, programa esse apresentado e homologado pelo tribunal, no entanto, o programa nunca chegou a ser aberto por causa do COVID-19, tendo sido adiado, tal como foi confirmado pela técnica de reinserção ouvida; foi esta a razão pela qual o arguido não frequentou o programa de combate à violência doméstica.
c) Existe apenas um relatório realizado por parte da DGRS, elaborado já no período em que o arguido se encontrava em prisão preventiva. Do relatório de perícia, resulta que o arguido revela competências para exercer responsavelmente as responsabilidades parentais, tal como, aliás, regulado no acordo homologado por sentença por parte do TFM ..., acordo esse que veio sempre a ser cumprido, desde a prática do crime até o arguido ter sido, passado cerca de um mês, colocado em prisão preventiva.
d) O arguido entende que a frequência do programa tal como estabelecido na sentença condenatória seria essencial para não voltar a delinquir: sem a frequência deste programa por razões exógenas à sua vontade, não se poderá concretamente avaliar e, por conseguinte, determinar-se que se encontram comprometidas as finalidades da suspensão da pena.
e) Neste quadro, e salvo o respeito por melhor opinião, a suspensão da pena de prisão sujeita a regime de prova, quando este não tem efectivação por parte dos serviços, não poderá ser considerada violada pelo arguido, quando não foi por culpa sua que esse regime de prova não foi cumprido.
f) «Estes instrumentos(…) são um meio de controlo da execução das penas não privativas de liberdade, (…)do (in)cumprimento das condições de suspensão e regime de prova (arts. 492.º/2, 494.º, 495.º/1)»
g) Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, o arguido não é reincidente, pois não foi anteriormente condenado a prisão efectiva.
h) Ao arguido não foi nunca dada a possibilidade de ressocialização, porque simplesmente foi privado de uma das mais importantes condições para a sua ressocialização e – sobretudo – como prevenção: não se poderá afirmar que a frequência do programa de combate à violência doméstica não é essencial à prevenção no cometimento de novos crimes, por tal corresponder a uma desvirtuação daquela necessária intervenção, esvaziando o seu conteúdo utilitário.
i) Não estaremos plenamente certos de que a anterior pena suspensa não tenha cumprido as suas finalidades, por estarmos perante uma plena que, na sua execução “foi incompleta”, por – insiste-se – não foi implementado o regime de prova a que a suspensão estava adstrita.
j) Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, a pena será suspensa na sua execução atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos e às circunstâncias deste. Dentro de um contexto actual, a suspensão ora revogada apenas iria comprometer o desenvolvimento pessoal do arguido, do seu agregado familiar e atrasar a sua ressocialização.
k) A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é de revogação automática; não basta que o arguido tenha voltado a ser condenado por um crime durante a suspensão da pena, devendo antes aferir-se se está irremediavelmente comprometida a finalidade da pena, conforme é afirmado pelo TRC (06-2-2019).
l) O entendimento de que, não tendo o arguido podido cumprir o regime de prova, ao cometer um novo crime ficam irreversivelmente comprometidas a finalidade da pena é negar ao arguido a possibilidade de ressocialização e de efectivo cumprimento da suspensão da execução;
m)O que vale como dizer que estaremos, assim, perante uma revogação automática da suspensão.
n) Não tendo sido dada a oportunidade ao arguido deste cumprir o regime de prova (em especial o plano de reinserção) por motivos alheios à sua vontade, e aquele vem, durante o período da suspensão, a praticar factos semelhantes, não se devem considerar irreversivelmente comprometido o juízo de prognose favorável, pois este estava sujeito à frequência de um plano de reinserção devidamente homologado, mas que não veio a ser implementado.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, e com o mui douto e sempre necessário suprimento de V. Digníssima Ex .a, deve a douta sentença ser revogada, substituindo-se por outra que mantenha a suspensão da sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova realmente a efectivar pelos serviços competentes cumprindo-se o plano de reinserção social, fazendo-se, assim, a costumada Justiça.
4. O M.º Pº respondeu ao recurso, defendendo a manutenção do despacho recorrido, tendo invocado, em conclusões: (transcrição)
1.º- Conforme resulta do despacho recorrido, nos presentes autos “por sentença de 10/09/2020, transitada em julgado em 12/10/2020, foi o arguido AA condenado, no que ora releva, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeito a regime de prova com base em plano de reinserção, com a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, bem como na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 anos e 1 mês, e de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.”
2.º- O arguido AA apresentou recurso do Douto Despacho proferido no dia 07.03.2023 (referência ...67) pelo Juízo Local Criminal ... (Juiz ...) que o determinou decidiu a revogação da suspensão da pena de prisão e o cumprimento de dois anos e um mês de prisão, em regime de reclusão em estabelecimento prisional.
3.º- Para sustentar o seu recurso concluiu o arguido/recorrente, em síntese, que o arguido devia ter frequentado o programa de combate à violência doméstica e que não foi dada a possibilidade de ressocialização ao arguido, pugnando que não se mostram preenchidos os pressupostos para revogação da suspensão da pena de prisão.
4.º- Verifica-se que o Mmº Juiz a quo efetuou uma correta interpretação do artigo 56.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do Código Penal.
5.º- Com efeito, no “processo n.º 40/21...., foi proferida sentença transitada em julgado em 30/11/2022, pelo qual o arguido foi condenado pena prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) e c) e n.º 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, bem como de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo o montante total de €700,00.”
6.º- Os factos dados como provados naqueloutros autos foram praticados no período da suspensão da pena de prisão nestes autos, bem como foram praticados contra a mesma vítima.
7.º- No processo n.º 40/21.... foi realizado um juízo de prognose desfavorável ao arguido e aplicada pena de prisão efetiva por crime da mesma natureza.
8.º- O arguido frustrou o juízo de prognose que havia sido realizado, tendo demonstrado que a mera ameaça de reclusão não era suficiente para o afastar da prática de factos ilícitos, incluindo da mesma natureza e contra a mesma vítima. O arguido não trabalhou uma inserção social adequada, bem como não trabalhou uma mudança na sua vida de forma positiva.
9.º- Consideramos que estão preenchidos os pressupostos de que o legislador fez depender a revogação da suspensão a que se refere o disposto no artigo56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
10.º- Foi o comportamento do arguido que impediu a concretização do acompanhamento da DGRSP e a implementação do regime de prova, visto que houve necessidade de aplicação prisão preventiva por ter praticado factos da mesma natureza contra a mesma vítima.
11.º- Em suma, o Douto Despacho recorrido mostra-se devidamente fundamentado, não tendo violado qualquer das normas legais invocadas.
12.º- Pelo exposto, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo manter-se o Douto Despacho recorrido.
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, aderiu ao posicionamento assumido, em primeira instância, pelo Digno Mº Pº, opinando no sentido de que (…) ponderando os termos da decisão recorrida, a motivação do recurso interposto pelo arguido e a resposta do Ministério Público na primeira instância, com os termos da qual concordamos, como supra exposto, concluímos pelo parecer de que não deve o recurso obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida[1].
Não houve resposta ao Parecer.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1.Questões a decidir
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de apreciação, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Assim, a questão que importa apreciar e decidir prende-se com a legalidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.
2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido, com relevância para o dissídio, decidiu da seguinte forma: (transcrição)
Por sentença de 10/09/2020, transitada em julgado em 12/10/2020, foi o arguido AA condenado, no que ora releva, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeito a regime de prova com base em plano de reinserção, com a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, bem como na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 anos e 1 mês, e de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
O plano de reinserção social do arguido foi apresentado nos autos pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em 19/01/2021, tendo sido homologado por despacho de 20/01/2021, tendo sido identificadas como necessidades de intervenção a interiorização da pena a que foi condenado.
O período de suspensão da execução da pena de prisão decorreu entre 12/10/2020 e 12/11/2022.
Em 21/09/2021 foi apresentado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais relatório de acompanhamento do regime de prova, no qual se dá conta da manutenção do quotidiano do arguido, tendo o condenado comparecido nas entrevistas quando convocado (excepto no dia 15/09/2021, em razão de se encontrar a prestar declarações junto da polícia), havendo notícia da apresentação de nova queixa referente à alegada prática de factos que poderão consubstanciar a prática de dois crimes de violência doméstica, tendo iniciado a 1.ª fase da frequência do programa para agressores ainda que tenha sido alvo da medida de coacção de prisão preventiva em 17/09/2021 no âmbito do processo n.º 40/21...., circunstância de que determina a falta de condições para prosseguir o acompanhamento.
Realizada a audição do condenado em 15/10/2021, foi determinada a realização de um conjunto adicional de diligências, com o escopo de apurar a concreta natureza e alcance da factualidade referente ao processo n.º 40/21.....
Aguardado o desfecho do processo n.º 40/21...., foi proferida sentença transitada em julgado em 30/11/2022, pelo qual o arguido foi condenado pena prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) e c) e n.º 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, bem como de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo o montante total de €700,00.
Dado o estado dos autos, foi determinada a audição do condenado, na qual este compareceu, tendo-lhe sido tomadas declarações bem como à respectiva técnica de reinserção social. * O Ministério Público promoveu a revogação da pena suspensa na execução, arguindo para o efeito, em síntese, que a circunstância do arguido ter praticado dois crimes no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, um dos quais afecta o mesmo bem jurídico, tendo ainda em consideração as suas condições vivenciais, permite inferir que a pena em causa não cumpriu as suas finalidades.
Concedido o contraditório ao arguido, pronunciou-se o mesmo, arguindo, em síntese, que não se poderão considerar frustradas as finalidades da pena suspensa na execução porquanto o plano de reinserção em que assentava o regime de prova não foi efectivamente executado, suscitando a hipótese de não ter voltado a delinquir caso tivesse sido executado, arguindo ainda que se mostra pacificada a situação com a sua anterior companheira no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, arguindo que aquele apresenta uma personalidade e actuação (pessoal e comunitária) que tem procurado manter uma conduta conforme ao Direito, concluindo assim que não se mostra comprometido o juízo de prognose favorável que determinou a suspensão da pena de prisão.** Apreciando, estabelecem os artigos 57.º e 56.º do Código Penal o seguinte:
Artigo 57.º Extinção da pena
1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.
Artigo 56.º
Revogação da suspensão
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.* Compulsados os autos e os meios de prova neles constantes (mormente os elementos documentais prestados pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, as certidões das decisões proferidas no processo n.º 40/21...., a inquirição da senhora técnica de reinserção social BB e, ainda, as declarações prestadas pelo arguido em sede de audição de condenado), resultou demonstrado que o arguido, condenado nos presentes autos, pela prática de um crime de violência doméstica, numa pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova com base em plano de reinserção social (do qual constava, para além dos objectivos anteriormente elencados, a frequência de programa para agressores, a qual o arguido iniciou mas que acabou por ser interrompida em função da aplicação da medida de coacção da prisão preventiva ao abrigo do citado processo n.º 40/21....), por factos praticados entre 23/09/2018 e 25/10/2018 na pessoa de CC, tendo remetido mensagem escrita àquela pela qual declarava “pode ser que um dia destes os passe a ferro”, “vocês tão fodidos comigo”, apodando-a de “parva”, “burra” e dizendo-lhe “vai-te pró caralho” e tendo desferido diversas bofetadas na face daquela, na decorrência das quais desferiu um empurrão que a projectou para o chão, o que lhe causou de lesões físicas que determinaram 8 dias de doença com afectação da capacidade para o trabalho profissional, decisão esta transitada em julgado 12/10/2020.
Resultou ainda demonstrado que o arguido, no processo n.º 40/21.... do Juízo Local Criminal ... – J..., foi condenado por decisão proferida em 23/06/2022, transitada em julgado em 30/11/2022, pela prática de um crime de violência doméstica praticado na pessoa de CC, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva, e de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de DD, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo o montante total de €700,00, com base na circunstância do arguido, em dia não concretamente apurado, mas entre Outubro e Novembro de 2020, ter desferido diversas bofetadas na face e na cabeça de CC, que caiu sobre a cama, o que repetiu quando esta se encontrava deitada, por ter retirado das mãos de CC um telemóvel, arremessando-o ao chão, partindo-o, entre Janeiro e Agosto de 2021, no interior da residência comum, apodado CC, dizendo-lhe “És uma puta” e “não vales nada”, por ter remetido em 18/08/2021 um conjunto de mensagens escritas a CC, designadamente “és um. Zero que ai anda”, “só falas. Merda tu”, “interceira”, “mas é típico de mulheres com mães solteiras, acabam solteiras também porque tiveram uma bela. Merda de exemplo, e como são burras n sabem fazer a diferença ou fazer. Melhor” e “não prestas simplesmente”, por ter desferido em 21/08/2021 uma palmada na mão de DD, que não queria jantar com a ajuda daquele, tendo dito ainda “mãe merda”, arremessado numa das cadeiras da cozinha na direcção na mesa da cozinha onde se encontrava a criança a jantar, tendo ainda desferido uma pancada na panela onde se encontrava o jantar da família, a qual derrubou e salpicou, queimando as pernas de CC, tendo, de seguido, desferido um soco no ombro esquerdo e uma bofetada no lado esquerdo da face daquela.
Atenta a factualidade acima descrita, resulta demonstrado que o arguido, no decurso da suspensão da execução da pena de prisão (entre 12/10/2020 e 12/11/2022) logrou cometer dois ilícitos criminais, a saber, um crime de violência doméstica sobre a mesma vítima e, ainda, um crime de ofensa à integridade física simples sobre DD, sua filha.
Ora, ainda que se considere provado, com base nas declarações do arguido bem como da senhora técnica de reinserção, que o arguido se encontrava a cumprir o plano de reinserção, bem como a frequentar o programa específico de prevenção da violência doméstica até ter sido colocado em situação de reclusão em razão da medida de coacção aplicada no âmbito do processo n.º 40/21.... (sendo certo que não poderá o arguido ser prejudicado em função de tal circunstância, sendo alheio, por um lado, à impossibilidade de prosseguir a frequência do programa em meio prisional e, por outro, por ter sido interrompido o acompanhamento emergente do plano de reinserção) e, ainda, que se mostrava profissional e socialmente integrado, a verdade é que, vistos detalhadamente os autos, o arguido acabou por infirmar, de modo eloquente, a possibilidade de cumprir a pena de prisão através da mera ameaça de cárcere, ainda que coadjuvada pelo cumprimento de obrigações e/ou regras de conduta.
Vejamos a cronologia de eventos.
O arguido foi condenado nos presentes autos por decisão de Setembro de 2020, transitada no mês seguinte, pela prática, no que ora releva, de um crime de violência doméstica na pessoa de CC.
Transitada em julgado a sentença condenatória, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais procedeu, com a colaboração do arguido (o qual foi entrevistado, sendo que o arguido reconheceu em sede de audição de condenado ter sido entrevistado uma ou duas vezes), à elaboração do plano de reinserção, no qual se lavrou como o objectivo da intervenção “reforçar o nível de consciencialização, trabalhando aspectos que se prendam com o entendimento da gravidade do crime cometido e da necessidade de afastamento de situações que conduzam à reincidência de condutas simulares, com aquisição de estratégias comportamentais que anulem o risco relativamente à vítima”, tendo esse plano sido elaborado em data anterior a 19/01/2021.
Contudo, após ter sido submetido a julgamento pela prática de factualidade idêntica, contra a mesma vítima, após ter sido formalmente censurado pela prática dos factos, censura corporizada pela aplicação de uma pena, e na sequência de ter participado na elaboração do plano de reinserção – o qual, como se sabe, se destina a adequar o acompanhamento do arguido em face do teor do ilícito, redireccionando-o para a vigência da norma após ter sido confrontado com a sua existência em julgamento -, verifica o Tribunal que o arguido praticou um conjunto de factos que integraram os tipos de ilícito pelos quais veio a ser condenado no âmbito do processo n.º 40/21...., a saber, entre Janeiro e Agosto de 2021 apodou CC de puta, dizendo-lhe que não valia nada, remeteu, em Agosto de 2021 um conjunto de mensagens escritas com teor apto a menosprezá-la, amesquinhando-a, bem como, em 21/08/2021, desferiu uma palmada em DD, arremessou uma cadeira na direcção da mesa da cozinha, derrubou com uma palmada a panela que continha o jantar, queimado CC e, por fim, desferiu-lhe um soco no ombro esquerdo e uma bofetada no lado esquerdo da face.
Tendo em consideração esse patamar existencial, o arguido praticou dois ilícitos criminais no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, um dos quais destinado, exactamente, à protecção do mesmo bem jurídico.
Ora, tendo presente o artigo 56.º, n.º1 do Código Penal, ainda que não se identifique um incumprimento grosseiro ou reiterado dos deveres ou regras de conduta impostas no plano de reinserção social, impõe-se ao Tribunal ponderar se os crimes cometidos no decurso da suspensão da execução da pena de prisão revelam que as finalidades que se encontravam na base da suspensão não puderam ser alcançadas.
Ainda que o crime de ofensa à integridade física simples se mostre, em concreto, absorvido pelo crime de violência doméstica praticado nos presentes autos (dada a manifestação física do ilícito, no caso), a verdade é que a ameaça do cárcere, através de pena de dimensão razoável, não logrou produzir o efeito de prevenção especial (positiva) que se pretendia, na medida em que não logrou dissuadir o arguido da prática de ilícitos da mesma natureza.
A circunstância do arguido, após ter sido condenado nos presentes autos, ter resolvido praticar, na mesma vítima, factualidade de natureza análoga demonstra avondo e à saciedade que o juízo de prognose formulado, de redireccionamento do arguido para o cumprimento das normas mediante a ameaça de cárcere não cumpriu a sua função, não tendo o arguido, após ter sido formalmente convocado para a necessidade de observar a norma, refreado o seu comportamento e assumido um comportamento socialmente adequado, de acordo com o Direito e em respeito da dignidade da pessoa humana, sendo certo que, em ambas as ocasiões, como se disse (tal como agora), o arguido se encontrava empregado e familiarmente integrado, beneficiando, assim, de suporte e de rendimentos.
Através dos actos praticados – ou seja, ao cometer um crime contra o mesmo bem jurídico no decurso da suspensão da execução da pena de prisão e, ainda, um crime de natureza análoga -, o arguido ilidiu a presunção de adequação da suspensão da pena de prisão para o direccionar para o conhecimento da norma e para impedir a prática de novos ilícitos, não tendo a pena aplicada (cuja duração não é despicienda) levado a que o arguido pensasse duas ou três vezes antes de agir.
É certo que o arguido, em sede de audição de condenado, verbalizou ser o principal culpado da situação uma vez que agiu sem pensar, conclusão a que chegou na sequência da reclusão que foi determinada e, ainda, que a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, através da senhora técnica BB, narrou que aquele aparenta ter interiorizado o crime e manifestado arrependimento sobre a situação.
Contudo, nessas mesmas declarações o arguido continuou a responsabilizar, de algum modo, o comportamento da vítima, descrevendo a relação como problemática devido ao acto de esbarrarem muito um com o outro, a qual se manteve uma vez que aquela se recusava a sair de casa e ameaçava matar-se.
Ora, tendo o arguido sido formalmente submetido à justiça, tendo sido formulado um juízo de prognose favorável relativamente ao seu redireccionamento para o cumprimento espontâneo da norma , mostra-se eloquente o falhanço do arguido no cumprimento espontâneo da norma, daquela concreta norma, mostrando-se absolutamente alheado das consequências dos seus actos para o seu estatuto jurídico-penal, manifestação expressiva do insucesso dos efeitos da pena em contexto comunitário, continuando o arguido a cometer crimes quando o contexto o propicia, sem que tenha efectivamente produzido um juízo crítico do seu percurso vivencial e alterado o seu comportamento.
Sendo claros, a comunidade, através do Tribunal, concluiu em 10/09/2020, a partir da personalidade do arguido, das condições da sua vida e da sua conduta anterior e posterior ao crime, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam, de forma adequada e suficiente as necessidades da pena, ou seja, tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada, e procurar assegurar, na medida do possível, a reinserção social do arguido, ou seja, as exigências de prevenção e de repressão geral da criminalidade, por um lado, e, por outro, as exigências específicas de socialização e de prevenção da prática de novos crimes.
Neste ponto e contrariamente ao alegado pelo arguido em sede de pronúncia, não está em causa verificar, nesta sede, se o arguido, com a sua conduta, eliminou os pressupostos dos quais dependeu a decisão a suspensão da execução da pena de prisão (plasmados no artigo 50.º do Código Penal e que, se sintetizam na aplicação de uma pena de prisão de medida inferior a 5 anos e da conclusão da eficácia da censura do facto e da ameaça de prisão como meio suficiente e adequado de cumprir os fins das penas, atenta a personalidade do arguido e o contexto da prática do ilícito); impõe-se, na verdade, apurar se, manifestando-se um pressuposto objectivo (o cometimento de um crime no decurso da suspensão), é passível de ser extraída a conclusão de acordo com a qual as finalidades da suspensão (no fundo, a finalidade da pena) não se puderam alcançar através daquela – artigo 56.º, n.º1, al. b) do Código Penal.
No caso vertente, o arguido, com a sua conduta, logrou evidenciar a ineficácia do modo não privativo da liberdade da execução da pena aplicada uma vez que se apresenta como comunitariamente insustentável, para a confiança da norma naquele concreto contexto de actuação, a mera declaração do Direito, não intimidando qualquer membro da comunidade para a necessidade de observar a norma e, por outro lado, evidenciou o arguido a ineficácia da mera censura do facto e a ameaça de cumprimento de pena de prisão efectiva como método de intervenção nas suas particulares necessidades, uma vez que não ressocializá-lo para a necessidade de observar a norma, a qual voltou a violar.
Assim, nos termos e fundamentos expostos, tendo em consideração que o arguido, através do cometimento daqueles crimes (um dos quais contra a mesma vítima) no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, demonstrou que as finalidades que estiveram na base da suspensão (de prevenção geral e especial) não puderam ser alcançadas, na medida em que o arguido manteve a sua conduta ajurídica, considerando os bens jurídicos tutelados pelas normas relativamente aos quais tinha sido confrontado, o Tribunal decide, ao abrigo do artigo 56.º, n.º1, al. b) do Código Penal, revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido AA e, consequentemente, determinar o cumprimento da pena de dois anos e um mês de prisão aplicada nos presentes autos.* Decidida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA, impõe-se ao Tribunal – uma vez que na sentença condenatória só foi ponderado esse modo de execução da pena - aferir se a pena em causa poderá ser cumprida através de outro modo de execução da pena de prisão que não em meio prisional.
Atendendo à pena aplicada ao arguido, impõe-se ponderar, nos termos do art. 43.º, 45.º, 46.º e 50.º a 58.º do Código Penal, se tal pena deverá ser substituída por outra que cumpra de modo mais adequado as suas finalidades, obstando assim ao cumprimento da prisão efectiva, honrando de modo mais adequado as finalidades das penas e actuando de modo mais eficaz no arguido.
No que respeita à pena de proibição de exercício de profissão, função e actividade, ainda que o quantitativo da pena de prisão admita a sua ponderação, considera o Tribunal que, atento o desvalor do facto e a situação em concreto, a sua aplicação ao arguido, por agora, se afiguraria contrária às finalidades de prevenção especial positiva ou de reintegração (vedando a prática de actividade profissional) pelo que, conjugadas as mencionadas razões com o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa), a substituição não se afigura como adequada.
Relativamente à execução da pena de prisão mediante substituição pela pena de multa – art. 45.º, n.º1 do Código Penal e trabalho a favor da comunidade – art. 58.º do Código Penal -, mostra-se ultrapassado o quantitativo da pena que admitiria tal substituição.
A suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º1 do Código Penal, mostra-se afastada pelas razões anteditas, em face da sua prévia aplicação e subsequente revogação.
Por fim, resta ponderar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o qual se mostra, no caso, inaplicável dado que a pena em causa apresenta um quantitativo superior ao legalmente admitido nos termos do artigo 43.º, n.º1 do Código Penal, de dois anos.
Por conseguinte, inexiste qualquer alternativa que não a execução da pena
2.2. Decidindo
Desponta insofismável, crê-se, que a suspensão da execução da pena constitui uma verdadeira pena autónoma[2], sendo que este mecanismo punitivo se apresenta como a mais importante das penas de substituição, não se assumindo como um mero incidente ou uma simples modificação da execução da pena[3].
Por outra banda, com a revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março e, bem assim a resultante da Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, reforçou-se o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou-se o papel da multa como pena principal e veio alargar-se o tipo e o âmbito de aplicação das penas de substituição.
Dentre as penas de substituição exorbitam ainda as qualificativas de penas de substituição em sentido próprio – todas aquelas não privativas da liberdade, onde se insere a que ora se examina – e as penas de substituição em sentido impróprio – todas as que assumem caráter detentivo / de privação da liberdade.
Neste quadro concetual e, desde logo, em termos de suspensão da execução da pena de prisão, há pressupostos a observar que decorrem da lei, os quais, são de natureza formal e de natureza substantiva / material.
O primeiro prende-se com a pena aplicada – prisão aplicada em medida não superior a 5 anos. O segundo reclama que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza no seguinte axioma: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considere-se, também, que o regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50º a 57º do CPenal, despontando que perante falhas / inobservâncias de aspetos atinentes ao regime fixado para a vivência do tempo de suspensão, exultam os normativos que constituem os artigos 55º e 56º do CPenal.
Assim, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde / observa / respeita o plano de reinserção, como decorre do previsto no artigo 55.º do CPenal, pode o tribunal optar pela aplicação de uma das seguintes medidas: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão.
Por sua vez, se na vigência da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta ser alcançadas, a suspensão é revogada, cumprindo o condenado a pena de prisão estabelecida na sentença -cf. artigo 56º, n.º 1, do CPenal.
São, deste modo, três os fundamentos da revogação da suspensão: - infração grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; - infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; - cometimento de crime durante o período de suspensão[4].
No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não o distingue, ele pode ser doloso, como pode ser negligente[5].
Aflora, no imediato, que o cometimento de crime não desencadeia, de forma automática / imediata, a revogação da suspensão, nos termos da alínea b), do nº 1, do aludido artigo 56º.
Este motivo / suporte / alicerce só implica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão se esse facto abalar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que orientaram / determinaram / desencadearam a suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas[6].
Com efeito, “O acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (…) durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição” [7].
Olhando a todos os expendidos considerandos, importará então no caso vertente, verificar pela existência ou não das condições necessárias para a revogação da suspensão da execução da pena, como foi entendido pelo tribunal a quo, o que vem questionado pelo arguido recorrente.
No caso em apreço, parece óbvio que o cerne da questão que aqui se desenha para ponderação, se prende com a efetiva verificação da situação enunciada na alínea b) do nº 1 do artigo 56º, ou seja, assenta a decisão recorrida, essencialmente, todo o seu percurso, na circunstância do arguido recorrente ter cometido ilícitos criminais no decurso do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, ora em causa.
Na realidade, percorrendo e revisitando todo o decidido, emerge que o tribunal recorrido sustenta (…) a verdade é que a ameaça do cárcere, através de pena de dimensão razoável, não logrou produzir o efeito de prevenção especial (positiva) que se pretendia, na medida em que não logrou dissuadir o arguido da prática de ilícitos da mesma natureza (…) após ter sido condenado nos presentes autos, ter resolvido praticar, na mesma vítima, factualidade de natureza análoga demonstra avondo e à saciedade que o juízo de prognose formulado, de redireccionamento do arguido para o cumprimento das normas mediante a ameaça de cárcere não cumpriu a sua função, não tendo o arguido, após ter sido formalmente convocado para a necessidade de observar a norma, refreado o seu comportamento e assumido um comportamento socialmente adequado, de acordo com o Direito e em respeito da dignidade da pessoa humana, sendo certo que, em ambas as ocasiões, como se disse (tal como agora), o arguido se encontrava empregado e familiarmente integrado, beneficiando, assim, de suporte e de rendimentos (…) o arguido ilidiu a presunção de adequação da suspensão da pena de prisão para o direccionar para o conhecimento da norma e para impedir a prática de novos ilícitos, não tendo a pena aplicada (cuja duração não é despicienda) levado a que o arguido pensasse duas ou três vezes antes de agir (…) o arguido continuou a responsabilizar, de algum modo, o comportamento da vítima, descrevendo a relação como problemática devido ao acto de esbarrarem muito um com o outro, a qual se manteve uma vez que aquela se recusava a sair de casa e ameaçava matar-se (…) mostra-se eloquente o falhanço do arguido no cumprimento espontâneo da norma, daquela concreta norma, mostrando-se absolutamente alheado das consequências dos seus actos para o seu estatuto jurídico-penal, manifestação expressiva do insucesso dos efeitos da pena em contexto comunitário, continuando o arguido a cometer crimes quando o contexto o propicia, sem que tenha efectivamente produzido um juízo crítico do seu percurso vivencial e alterado o seu comportamento (…) não está em causa verificar, nesta sede, se o arguido, com a sua conduta, eliminou os pressupostos dos quais dependeu a decisão a suspensão da execução da pena de prisão (plasmados no artigo 50.º do Código Penal e que, se sintetizam na aplicação de uma pena de prisão de medida inferior a 5 anos e da conclusão da eficácia da censura do facto e da ameaça de prisão como meio suficiente e adequado de cumprir os fins das penas, atenta a personalidade do arguido e o contexto da prática do ilícito); impõe-se, na verdade, apurar se, manifestando-se um pressuposto objectivo (o cometimento de um crime no decurso da suspensão), é passível de ser extraída a conclusão de acordo com a qual as finalidades da suspensão (no fundo, a finalidade da pena) não se puderam alcançar através daquela – artigo 56.º, n.º1, al. b) do Código Penal (…) o arguido, com a sua conduta, logrou evidenciar a ineficácia do modo não privativo da liberdade da execução da pena aplicada uma vez que se apresenta como comunitariamente insustentável, para a confiança da norma naquele concreto contexto de actuação, a mera declaração do Direito, não intimidando qualquer membro da comunidade para a necessidade de observar a norma e, por outro lado, evidenciou o arguido a ineficácia da mera censura do facto e a ameaça de cumprimento de pena de prisão efectiva como método de intervenção nas suas particulares necessidades, uma vez que não ressocializá-lo para a necessidade de observar a norma, a qual voltou a violar.
Em presença desta toda enunciação, e com vista a ponderar o caminho encetado em sede recursória importa, desde logo, ter em conta os retratos crime pelos quais o arguido recorrente foi condenado no decurso do prazo de suspensão da execução da pena: processo n.º 40/21.... do Juízo Local Criminal ... – J..., foi condenado por decisão proferida em 23/06/2022, transitada em julgado em 30/11/2022, pela prática de um crime de violência doméstica praticado na pessoa de CC, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva, e de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de DD, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €5,00.
Resulta que a descrita condenação teve por base factos ocorridos entre outubro e novembro de 2020 e entre Janeiro e Agosto de 2021, figurando como vítimas precisamente a mesma a que estes autos respeita e, bem assim, a filha do arguido, sendo esta, para além de vítima imediata do crime de ofensa à integridade física, a chamada vítima indireta / criança exposta, relativamente ao crime de violência doméstica perpetrado na sua mãe.
Nesta senda, é de notar que se vem tendo por maioritário o entendimento que defende que só a condenação em pena de prisão efetiva pode ilustrar que as finalidades que nortearam uma prévia decisão de suspensão não puderam ser alcançadas, já que uma condenação em pena de multa e / ou em pena substitutiva ainda fazem supor um juízo de prognose favorável ao agente[8].
Mostrando-se entendível, pensa-se, a ideia base de tal linha de pensamento – se em momento posterior há um tribunal que conhecendo o passado criminal do agente e mesmo assim continua a acreditar e a fazer um juízo de prognose favorável de molde a, de novo, aplicar uma pena de substituição -, não é menos certo, como se vem defendendo, que tal não se pode assumir como verdade absoluta, podendo existir quadros que, pelos seus contornos e especificidades, demonstram com segurança que condenação posterior, ainda que em pena substitutiva, fazem concluir pelo total comprometimento dos fundamentos que nortearam, ab initio, a suspensão da execução da pena de prisão.
Versando ao caso concreto em análise, parece límpido que se apresenta despiciendo discorrer sobre estas linhas de entendimento que possam ser conflituantes pois, como transparece de todo o constante dos autos, o arguido recorrente, em período de suspensão da execução da pena de prisão incorreu em outras práticas criminosas que determinaram a sua condenação em pena efetiva de prisão.
Com efeito, emerge inconcusso que estando em período de suspensão da execução da pena, a decorrer no espaço temporal entre 12/10/2020 e 12/11/2022, o arguido reiterou no mesmo tipo de prática criminosa mediante atos operados - (…) entre Outubro e Novembro de 2020, ter desferido diversas bofetadas na face e na cabeça de CC, que caiu sobre a cama, o que repetiu quando esta se encontrava deitada, por ter retirado das mãos de CC um telemóvel, arremessando-o ao chão, partindo-o, entre Janeiro e Agosto de 2021, no interior da residência comum, apodado CC, dizendo-lhe “És uma puta” e “não vales nada”, por ter remetido em 18/08/2021 um conjunto de mensagens escritas a CC, designadamente “és um. Zero que ai anda”, “só falas. Merda tu”, “interceira”, “mas é típico de mulheres com mães solteiras, acabam solteiras também porque tiveram uma bela. Merda de exemplo, e como são burras n sabem fazer a diferença ou fazer. Melhor” e “não prestas simplesmente”, por ter desferido em 21/08/2021, uma palmada em DD, arremessou uma cadeira na direcção da mesa da cozinha, derrubou com uma palmada a panela que continha o jantar, queimado CC e, por fim, desferiu-lhe um soco no ombro esquerdo e uma bofetada no lado esquerdo da face –, em momento muito próximo ao início do tempo de suspensão, o que fez, como já se salientou, sobre a mesma vítima destes autos, logo sem o menor pudor / senso crítico.
Por outa banda, acresce que os crimes em causa no novo processo - processo n.º 40/21.... do Juízo Local Criminal ... – J... - assumem-se, um deles, como da mesma natureza do que determinou a sua condenação nos autos em exame recursivo, o que, contrariamente ao propugnado pelo arguido recorrente, é revelador de um comportamento de completo desinteresse / desrespeito pela solenidade da condenação que lhe foi imposta.
Ou seja, o arguido recorrente, sabendo que havia determinados valores que teria que observar, máxime o de não cometer novos crimes, violou o que se exibe, talvez como a mais intensa e exigente condição da suspensão de execução da prisão – e subjacente à chamada suspensão simples – a de o condenado não cometer qualquer crime durante o respetivo período[9], não curando de se preocupar com o tipo de atos em que se envolveu.
Deste modo, em espaço que deveria mostrar-se de reflexão / ponderação / avaliação do seu estar, imprimindo um comportamento afastado da prática criminosa, assume-se, contrariamente, como período de completo desrespeito das regras do bem viver, entregando-se na missiva criminosa, sem a mais pequena preocupação, reiterando-a[10].
Na verdade, parece defensável, o que se perfilha, que o cometimento de dois crimes, em pleno período de suspensão, é manifestamente revelador de que os índices de confiança depositados no arguido pelo tribunal da condenação pretérita numa pena de prisão que ficou suspensa na sua execução, ficam seriamente beliscados e abalados[11].
E não se tente aventar, como se pretende, que o arguido recorrente foi cumprindo o Plano de Reinserção Social, revela competências para exercer responsavelmente as responsabilidades parentais (…) sempre se mostrou disponível para cumprir o plano que foi homologado, mas nunca o pôde fazer por razões alheias à sua vontade. (…) que não frequentou um plano de prevenção da violência doméstica (…) considerado essencial no trabalho de interiorização por parte do arguido da gravidade da sua conduta (…) porque o mesmo não se realizou, encontrando-se ainda à espera de ser chamado para um curso a ser ministrado mas que ainda não tem data marcada.
Refira-se, desde já que a decisão de revogação ora em sindicância não assenta, por nenhum modo, na frequência ou não da dita ação.
Por seu turno, como amplamente transparece, e se mostra cristalinamente notado no despacho revidendo, o arguido recorrente iniciou a 1ª fase da frequência do programa para agressores, não o tendo prosseguido porque foi alvo da aplicação da medida de coação de prisão preventiva em 17/09/2021 no âmbito do processo nº 40/21...., causa esta que foi a que determinou a falta de condições para prosseguir o acompanhamento, ou seja, porque por sua livre vontade incorreu na prática de atos conscientemente cometidos que impediram a prossecução e conclusão de tal projeto.
Assim sendo, ao que se pensa, não pode vir agora o arguido recorrente invocar que a circunstância de não ter realizado uma determinada formação, o que aconteceu por comportamentos que tomou e sabia que não poderia tomar, foi o detonador de ter cometido novos factos criminosos e, por isso, estes não podem ser pesados / considerados para efeitos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Exulta como temerário este raciocínio. O arguido conhece as obrigações que lhe estão acometidas, desrespeita, nessa sequência há a imposição de determinada consequência, e depois vem insurgir-se contra essa consequência, alegando que o desrespeito surge porque não lhe foi dada oportunidade de se pautar de acordo com as regras. O arguido recorrente bem sabe que ele próprio é que descartou a oportunidade concedida; ele próprio é que incumpriu e repetiu a prática criminosa. A formação completa não teve lugar porque o arguido cometeu novos crimes que levaram à sua sujeição à medida de prisão preventiva.
Reforce-se, como detalhe revelador de falha de capacidade de autocensura quando o arguido recorrente afirma recursivamente que tudo se deve a não lhe ter sido dada a oportunidade (…) deste cumprir o regime de prova (em especial o plano de reinserção) por motivos alheios à sua vontade, e aquele vem, durante o período da suspensão, a praticar factos semelhantes. Não são motivos alheios à sua vontade; são crimes praticados pelo arguido recorrente, sabendo que não o poderia fazer.
Ora, não escamoteando a existência de traços respeitantes ao arguido recorrente que se podem apelidar de positivos, como os relacionados com a assunção das suas responsabilidades parentais e de hábitos de trabalho, o certo é que todo esse suposto acervo de retrato de cumprimento, não o impediu nem o afastou de práticas delituosas, o que revela que perante uma aparência de integração / respeito / enquadramento, o arguido recorrente praticou novos ilícitos, sempre que para tal teve oportunidade, em total confronto e afronto com o que lhe fora fixado.
Em presença de todo o expendido, e do que se entende ser a sólida e exaustivamente fundamentada decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, prolatada pelo tribunal ad quo, mostra-se votado ao insucesso, o presente recurso, por verificada a condição expressa na alínea b) do nº1 do artigo 56º do CPenal que, no caso em apreço, denota que ficou definitivamente abalado o juízo favorável de prognose que inicialmente norteou a aplicação da medida de substituição em referência.
Ante tal, falece todo o propugnado pelo arguido recorrente.
III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a Taxa de Justiça e 3 (três) UC (artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 CPP e 8º, nº 5 e Tab. III RCP)..
Évora, 12 de setembro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal)
(Carlos de Campos Lobo – Relator )
(Fernando Pina- 1.º Adjunto)
(Ana Bacelar – 2.ª Adjunta)
__________________________________________
[1] Cfr. Referência Citius ...29.
[2] A propósito dos elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Processo n.º 912/07-1, disponível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido foi entendido pelo Prof. Eduardo Correia, autor do Projeto do Código Penal (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.) e bem assim pelo Prof. Figueiredo Dias.
Neste desiderato, refere este insigne Professor «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
No mesmo sentido foi entendido pelo Prof. Eduardo Correia, autor do Projeto do Código Penal (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.) e bem assim pelo Prof. Figueiredo Dias.
[3] Neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Ibidem, p. 339.
[4] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, p. 343.
[5] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, ibidem, p. 344.
[6] ALBUQUERQUE, Ibidem e ainda neste sentido os acórdãos de Tribunal da Relação de Coimbra de 28.03.2012 e 11.05.2011 e Tribunal da Relação do Porto de 02.12.2009.
[7] OLIVEIRA, Odete - Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II - CEJ, 1998, p.105.
[8] Neste sentido ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, ibidem, p. 345. Igualmente, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA Rio, J.M., Código Penal, Parte geral e especial, Com notas e Comentários, 2015, 2ª Edição, p. 347.
[9] Neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 355 – Entre as condições da suspensão de execução da prisão avulta, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão: se a finalidade precípua desta pena de substituição é (…)a de afastar o delinquente da criminalidade (…) o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe.
[10] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15/12/2022, proferido no Processo nº 13/18.6GTEVR.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2010, proferido no Processo nº 470/08.9GEVNG.P1, disponível em www.dgsi. pt. |