Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
156/08.4TASLV.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VALORAÇÃO DA PROVA
DECLARAÇÕES DA VÍTIMA
Data do Acordão: 03/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
1. Nas situações de abuso sexual de crianças, por força das circunstâncias, a prova é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e, regra geral, só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Por vezes até a prova pericial é realizada tardiamente quando já não existem vestígios dos abusos.

2. Daí que assuma especial relevância o depoimento da vítima, desde que, como é evidente, o mesmo seja credível e esteja em sintonia com as regras da experiência comum, baseada nos conhecimentos que sobre a matéria vem sendo transmitida pelas investigações psicológicas, pois só nesse caso é susceptível de formar a convicção do julgador.

3. As crianças que foram vítimas de abuso sexual, à semelhança do que se passa com os adultos, têm muitas vezes grande relutância em relatar acontecimentos embaraçosos, traumáticos, ou que, por motivo de ameaças, tenham receio de revelar, embora se possam lembrar muito bem deles.

4. É normal a vítima revelar grandes inibições e dificuldades em relatar os factos, quer pelo esforço que, certamente, fez ao longo do tempo para arredar da memória os abusos de que foi vítima, quer pelas reacções emocionais que sua memória lhe provocava, quer pelo prejuízo que dos mesmos resulta para a sua auto-imagem. Por isso, não é de estranhar a circunstância dos menores apenas terem relatado os abusos do padrasto e pai quando já se encontravam sob acompanhamento de psicólogas, fora do ambiente familiar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, precedendo conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I
1. No processo comum acima referido, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, foi julgado, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido A, com os sinais dos autos, sendo-lhe imputada a prática em autoria material, em concurso efectivo e na forma consumada, de cinco crimes de abuso sexual de crianças e de um crime de ameaça, p. e p., respectivamente, pelos art. 171 n.º1 e 2 e 153.º, n.º1 do Código Penal, vindo, por acórdão de 13 de Julho de 2010, a ser absolvido da prática do crime de ameaça e condenado pela prática de cada um de quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do art. 172.º, n.º2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, e pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos art. 171.º, n.º1 e 2, e 177.º, n.º1, alín. a) do mesmo diploma legal, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova.

2. Inconformados, vieram interpor recurso do referido acórdão o Ministério Público, em benefício do arguido, e este, nos termos constantes de fls.426 a 436 e 439 a 448, ambos pugnando pela absolvição do condenado.

2.1 - Da motivação apresentada o Ministério Público extrai as seguintes conclusões:

1. A condenação do arguido pela prática de 5 crimes de abuso sexual de crianças (o seu filho e o seu enteado) na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, baseou-se no conjunto da prova produzida em audiência e constante nos autos, tendo o douto colectivo analisado tal prova, valorando-a e fundamentando de forma adequada os factos que entendeu como provados;

2. No entanto, sempre salvo o devido respeito, não deu suficiente importância a diversos elementos que, conjugados entre si e com as regras da experiência comum, deveriam ter levado a duvidar da veracidade dos factos constantes na acusação.

3. Tendo que se considerar, assim, ter o colectivo - muito embora tenha sempre agido esforçadamente na busca da verdade - violado o disposto no art° 127° do Cód. de Processo Penal.

4. Devendo ser o acórdão revogado e substituído por outro em que se entendam como não provados os factos constantes na acusação, absolvendo-se o arguido.

5. Pois que, e sempre tentando fugir a uma "vontade de não acreditar" que os casos de abuso sexual de menores levantam, existem elementos que lançam fundadas dúvidas quanto à efectiva prática dos factos pelo arguido:

- Os menores apenas em momento tardio, quando já acompanhados por psicólogas, terem referido os abusos pelo pai e padrasto;

- Nomeadamente o menor V, quando se falou de jogos sexuais que manteve com o irmão L e por isso foi castigado, não o referiu;

- Tão pouco o referindo o menor L nesse momento;

- Só o fazendo cerca de um mês depois;

- Daqui resultando a suspeita de ter existido um 'acordo' entre os menores no sentido de justificarem a actividade do V com actividade semelhante anteriormente levada a cabo pelo arguido;

- Nunca o arguido se tendo oposto a que os menores fossem a consultas com as psicólogas, o que - a ter abusado dos menores - normalmente tentaria;

- Antes chegando a, depois de saber ter processo pendente por abuso sexual de menores, de tal ter informado a sua entidade patronal, sujeitando-se a ser despedido, dada a natureza do seu trabalho (em parque de diversões);

- As declarações dos menores alteraram-se ao longo dos tempos, sem que o simples passar do tempo seja para tal justificação;

- Pois que alteraram circunstâncias determinantes em termos dos abusos que sofreram (e ameaças - matéria que acabou por ser dada como não provada);

- Sendo em perícia referida a alteração de versões;

- Não sendo de aceitar que o menor que diz ter sido repetidamente vítima de sexo anal refira que nada sente em termos físicos depois dos correspondentes actos;

- E que o outro menor refira, quase a despropósito (quando inquirido em sede de declarações para memória futura) que o irmão lhe fez o mesmo que o pai lhe havia feito;

- E que diga depois, quando a tal instado, ter-se 'esquecido' de parte dos abusos de que foi vítima;

- Dúvida levanta também o facto de a dado momento o menor V ter negado o que havia referido antes, regressando depois à versão dos abusos;

- E que, a terem sido vítimas de tais abusos, os menores não tenham passado a sentir aversão pelo arguido;

- Muito menos que o filho deste (o menor L) revele pena de o pai não regressar a casa;

- Não sendo de aceitar a ideia de que não interiorizou a gravidade da conduta que imputa ao pai, quando, relativamente aos jogos sexuais de que foi vítima por parte do irmão já sinta repulsa, tanto que os denunciou à mãe.

6. Todos estes elementos levantam dúvidas quanto à veracidade do dito pelos menores e que serviu de base à condenação do arguido.

7. O qual, ao contrário do que nestes casos habitualmente sucede, nem tenta imputar a terceiros (nomeadamente à mãe dos menores) o terem 'fabricado' o processo.

8. Dúvidas que, assim, têm, face ao princípio “in dúbio pró reo', a ter que se julgar improcedente a acusação, absolvendo-se o arguido (esperando-se – a bem dos menores - ser esta absolvição correspondente a uma verdadeira inocência do arguido).”

2.2 – Por sua vez, o arguido A extraiu as seguintes conclusões:

A) O Recorrente foi condenado a 5 (cinco) anos de prisão efectiva, suspensa por igual período;

B) O menor L, num primeiro momento acusa o irmão menor V, de ter abusado sexualmente deste;

C) Um mês depois, após ter começado as consultas com as psicólogas, o menor L, de 7 anos de idade, altera a sua versão e acusa o pai de ter abusado sexualmente dele;

D) O menor V, de 13 anos de idade, num primeiro momento, assume ter abusado do irmão menor L, posteriormente altera as versões, de como abusou do irmão e que terá sido abusado pelo Padrasto ora Recorrente;

E) A Assistente, mãe dos menores, quando confrontada com os abusos do seu filho L, pelo seu filho V, bate neste último;

F) Os menores com consentimento do Recorrente e por iniciativa da Assistente, mãe dos menores, começam a ser acompanhados por psicólogas, onde passado um mês de consultas/acompanhamento, acusam o Recorrente da prática dos factos;

G) Os menores, alteram por várias vezes os factos, pormenores, e concretização dos abusos ao longo do processo;

H) O menor V, segundo relatório pericial, de fIs. 63 a 71 dos autos, não revela quaisquer lesões no ânus;

I) O menor referiu que tinha algumas dores após a penetração e não referiu que não tinha mais nenhuma consequência em termos físicos;

J) O menor V não demonstra repulsa pelo Recorrente;

K) O menor L, sente ternura, afecto e carinho pelo Recorrente;

L) O menor L não foi em momento algum ameaçado pelo Recorrente;

M) O menor L, desconhece a razão da saída de casa por parte do pai, e gostava que voltassem a viver juntos.

N) O menor V, chegou a negar que o Padrasto, o tivesse abusado, referindo que tinha inventado os factos.

O) A Assistente, mãe dos menores, esteve sempre indecisa em qual das partes acreditar.

P) O Recorrente sempre negou a prática os factos e cooperou com a descoberta da verdade;

Q) As divergências entre as declarações não pode ser afastada pela idade dos menores e não deveriam ter sido afastadas na decisão final.

R) O artigo 32°, n.°2 da CRP, estabelece o princípio geral de direito processual penal, da presunção de inocência do Arguido, que no caso em apreço deveria ter sido aplicado;

S) Deste diploma legal resulta claramente que a ideia de que em caso de dúvida deve o Arguido, ora Recorrente ser absolvido dos crimes de que vinha acusado.

T) Parece - nos, salvo o devido respeito, que a pena que foi aplicada no caso em apreço, não afastou na sua fundamentação a dúvida sobre a prática dos factos por parte do Recorrente e o tribunal a quo deveria ter equacionado a sua aplicação.

U) O acórdão recorrido não faz qualquer menção a este diploma, ainda que mais não fosse para justificar a sua não aplicação in casu;

Y) O acórdão recorrido ao não aplicar aquele diploma legal violou as normas contidas no mesmo.

Termina, pedindo que o tribunal o absolva dos crimes de que vinha acusado por aplicação do estatuído no art. 32.º, n.º2 da CRP e do princípio “in dubio pro reo”.

2.3 – A assistente J não usou do direito de resposta em relação aos recursos que foram interpostos.

2.4 - O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido nos termos que constam de fls.453, acompanhando-o em termos de concluir pela subsistência de dúvida relevante quanto a ter sido o arguido o autor dos factos por que acabou por ser condenado, reiterando a absolvição daquele.

3. Os recursos vieram a ser admitidos por despacho de 16 de Dezembro de 2010 (a fls.456).

4. Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, não tendo emitido qualquer parecer sobre o mérito dos recursos.

5. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir:

II - Fundamentação

1. É a seguinte a matéria de facto dada como PROVADA no acórdão recorrido:

1.1 O arguido viveu cerca de nove anos em união de facto com J. Desta relação nasceu em 10 de Janeiro de 2001 o menor L, sendo que J, à data já era mãe de V, nascido em 26 de Fevereiro de 1994, na constância do primeiro casamento, dissolvido por óbito do seu cônjuge, E.

1.2 No mês de Agosto de 2006, em data e hora não concretamente apuradas, o arguido aproveitando a ausência da progenitora do menor V, despiu-lhe as calças do pijama e os boxers e ordenou-lhe que se deitasse de costas no sofá da sala de estar levantando e abrindo as suas pernas.

1.3 Em seguida o arguido baixou as suas calças e os boxers até aos pés e introduziu-lhe o pénis erecto, sem o uso de preservativo, no ânus, mantendo o acto de coito anal, cerca de 2 a 3 minutos, até ejacular para fora do seu corpo;

1.4 Cerca de duas a três semanas depois, num domingo de manhã, em data e hora não concretamente apuradas, na mesma sala de estar, o arguido ordenou ao menor V que se levantasse e despisse.

1.5 Após o arguido despiu-se, agarrou-o por trás na zona das ancas e introduziu o seu pénis erecto, sem o uso de preservativo, no ânus do menor, mantendo o coito anal, cerca de 5 minutos até ejacular fora do seu corpo.

1.6 Volvidos cerca de um a dois meses depois deste segundo episódio, no mesmo local, em data e hora igualmente não apuradas, mas que terá sido logo após o almoço, o arguido agarrou no braço do menor V, levantou-o do sofá, baixou-lhe as calças do pijama e os boxers, até aos pés, e, em seguida, penetrou-o com o seu pénis erecto, sem o uso de preservativo, no ânus, mantendo o coito anal, cerca de 5 minutos, até ejacular para fora do seu corpo.

1.7 No Verão de 2007, novamente em data e hora não apuradas, o arguido dirigiu-se ao menor V, que se encontrava na sala de estar a ver desenhos animados, despiu-o até aos pés, agarrou-o por trás, obrigando-o a curvar-se para a frente, e penetrou-o com o seu pénis erecto, sem o uso de preservativo, no ânus, mantendo o coito anal, cerca de 3 a 4 minutos, até ejacular para fora do seu corpo;

1.8 No dia 2 de Janeiro de 2008, a hora não concretamente apurada, quando o menor L se encontrava na sala de estar a brincar, o arguido chamou-o, baixou-lhe as calças e roçou o seu pénis erecto no seu rabo.

1.9 Em seguida introduziu o pénis do menor na sua boca e “chupou-o como se fosse um chupa-chupa”;

1.10 Os factos supra descritos ocorreram sempre no interior da residência do arguido e dos menores, sita na Rua..., Silves, quando estes se encontravam sozinhos, à sua guarda e responsabilidade;

1.11 O arguido actuou de forma livre, deliberada e conscientemente.

1.12 Com perfeito conhecimento das idades dos dois menores, e com intenção de satisfazer os seus intuitos libidinosos, bem sabendo que estes em razão da sua idade, não tinham a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, e que aquele relacionamento sexual prejudicava o seu normal desenvolvimento. Mais sabia que a expressão por si proferida, nas circunstâncias supra descritas, era idónea a provocar receio no menor L.

1.13 O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.

1.14 O filho do arguido, L, trata sempre o pai ora arguido com muito afecto, carinho e ternura;

1.15 O arguido não tem antecedentes criminais;

1.16 O arguido tem 31 anos, provém de um contexto sócio familiar modesto e desestruturado pela separação do pais, quando tinha 6 anos tendo ficado a residir com a progenitora e tendo ficado marcado pela ausência do progenitor dada a actividade profissional da primeira de vendedora ambulante em mercados. Entre os 7 e os 10 anos de idade esteve entregue a um casal, até concluir o 4º ano de escolaridade. Posteriormente foi viver com a mãe para casa da avó materna, tendo concluído o 9º ano de escolaridade com cerca de Após os estudos o arguido passou a acompanhar a mãe, na venda ambulante até que aos 19/20 anos, passou a integrar o mercado de trabalho, tendo trabalhado sucessivamente como repositor numa grande superfície, ajudante de distribuição, depois numa empresa de construção civil e mais tarde num parque de diversões, desde 2006. Em 1999 relacionou-se maritalmente com J, cinco anos mais velha e com um filho de uma relação anterior, o V, relativamente ao qual assumiu funções parentais. Desta relação têm um filho, o L, com 9 anos de idade. À data dos factos objecto dos autos o agregado familiar integrava o arguido, os menores e a mãe, partilhando ambos as responsabilidades educativas e revezando-se junto no cuidado dos mesmos de acordo com os respectivos horários. Tinham problemas financeiros devido a encargos bancários com aquisição de casa própria e automóvel. Após o presente processo o arguido saiu de casa e passou a residir em casa do pai, em Portimão. Continua a trabalhar no parque de diversões, revelando estabilidade e gratificação nesta actividade e sendo bem referenciado em termos profissionais. Reflecte uma imagem social ajustada e um modo de vida simples. No tempo livre mantém convívio com a família, irmãos e um sobrinho, e colegas de trabalho. Frequenta o café na área da residência e ocupa-se com o computador e na internet. Visita o filho em casa de uma tia materna e em casa da progenitora. Revela empenhamento afectivo com o filho e capacidades para o cumprimento da regulação do poder paternal, que foi estipulada, sendo descrita como boa a sua relação com o filho. Quanto à ex-companheira apresenta-a como um relacionamento indefinido com períodos intercalados de aproximação e afastamento mútuos. Tem o apoio da família de origem principalmente do irmão, que se manifesta preocupado e diligente com a sua defesa. Face à acusação a que está sujeito revela capacidade crítica e noções normativas.

2. Factos Não Provados

Dos relevantes para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

2.1 Nas situações descritas em 1.4, 1.5, 1.6, e 1.7 dos factos provados, para além do coito anal, o arguido também introduziu o pénis do menor V na sua boca, mantendo com aquele o coito oral até ejacular para o seu exterior;

2.2 O arguido disse ao menor L para não contar o sucedido a ninguém, caso contrário lhe bateria;

2.3 No mês de Agosto de 2006 o arguido não se encontrava sozinho em casa com o menor V;

2.4 Cerca de duas a três semanas, num domingo de manhã, também o menor V não se encontrava sozinho com o arguido em casa.

2.5 Volvidos cerca de um a dois meses depois o menor V não estava sozinho em casa com o arguido logo após o almoço.

2.6 No dia 2 de Janeiro de 2008 o menor L não estava sozinho com o arguido.

2.7 O menor V continua a gostar da companhia do arguido;

3. Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados fundamentou-se nos seguintes elementos de prova:

quanto à questão da culpabilidade,

a convicção quanto aos factos provados e não provados fundou-se nas declarações do arguido, nas declarações da assistente, mãe dos menores, em representação deles, nas declarações dos menores, prestadas para memória futura perante o Sr. Juiz de instrução e reproduzidas em audiência, e nos depoimentos das testemunhas EG, e AP, psicólogas que acompanharam e acompanham os menores. Quanto às demais testemunhas, arroladas pelo arguido, nenhuma conhecia os factos e todas acabaram por depor sobre o carácter do arguido.

nos relatórios periciais de fls. 154 e 166.

Exame crítico:

Do conjunto da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum, foram particularmente relevantes as declarações dos menores e os depoimentos das testemunhas Psicólogas, que os acompanharam e os acompanham ainda.

Na verdade, pese embora o arguido tenha negado a prática dos factos, escudou-se na impossibilidade de se encontrar em casa sozinho com os menores nas ocasiões descritas na acusação, em suma, por estar a trabalhar quando eles estavam em casa, argumento que não merece credibilidade, posto que, residindo todos juntos, fossem quais fossem os horários de trabalho do arguido ou os horários dos menores, sempre será de admitir como possível que o arguido e o menor V em algum momento se tivessem encontrado sozinhos em casa, em 2006, por três vezes, entre Agosto e Outubro ou Novembro, em 2007, uma vez no Verão, e em Janeiro de 2008, que o arguido pudesse ter estado sozinho em casa, pelo menos, uma vez, com o filho L.

Porém, a negação do arguido poderia encontrar eco no facto do menor V em determinada altura do processo, durante dois ou três dias ter dito à mãe que afinal era tudo mentira e ter pedido desculpa ao arguido na frente dela, e, no facto do menor L não mostrar qualquer ressentimento pelo pai, antes, pelo contrário. Todavia, ouvidas as declarações dos menores reproduzidas em audiência foram convincentes da verdade dos factos que relataram, afigurando-se plausível que o menor V em determinada altura tenha negado os factos como modo de aliviar a mãe do desgosto que a situação desencadeou, com o desmembramento da família, acabando por voltar pouco depois à versão inicial, certamente mais duradoura por ser a verdadeira. Questionada a psicóloga que acompanhou e acompanha o V em sessões regulares sobre a possibilidade deste ter inventado os abusos, disse ser sua convicção que o V sempre falou verdade quando referiu e refere os abusos, e que quando disse o contrário o fez para sossegar a mãe. Também quanto ao menor L, que apesar dos factos revela afecto pelo pai, se questionou nesse particular a psicóloga que o acompanha que explicou que este menor sempre falou do assunto com muita facilidade por, no seu entender, ao tempo ainda não ter interiorizado o juízo moral e social de censura associada a estes actos.

Por outro lado, considerada a idade dos menores ao tempo em que começou o inquérito - 13 e 7 anos – a pressão a que estiveram sujeitos em sucessivas inquirições e relatos, e o tempo decorrido, desde o início do inquérito, em Março de 2008, até serem ouvidos pelo juiz de instrução, em Dezembro de 2009, importa atentar em que mantiveram sempre a versão das ofensas, independentemente dos pormenores, e que são dois menores que falam de experiências pessoais diferentes, com discursos distintos, sem pontos de contacto entre si, pelo que, “a tese da invenção” teria que abranger os dois menores, o que, não se vislumbrou que tenha acontecido, nem num caso nem noutro.

Também os relatórios pedo-psiquiátricos concluem que os menores não apresentam tendência para a fabulação e sabem distinguir a realidade da fantasia.

Quanto às declarações da assistente adoptou uma postura de indecisão, dividida entre os relatos feitos pelos filhos e a exigência moral da sua protecção e o desejo de acreditar na inocência do companheiro.

Quanto às demais testemunhas todas deram boas referências do arguido no que dele conhecem socialmente, como pessoa e no seu desempenho como “padrasto” do V e pai do L, o que, todavia, não corresponde senão a um aspecto parcelar da sua personalidade e, nada adiantou quanto ao afastamento dos factos em questão.

Por último, quanto aos factos não provados sob os nºs 2.1, 2.2 e 2.7 resultaram das declarações dos menores.

Quanto à situação pessoal do arguido

a convicção resultou do CRC e do relatório social.”

4. Em sede de enquadramento jurídico, consta do acórdão o seguinte:

“O arguido vem acusado da prática de cinco crimes, quatro dos quais cometidos na pessoa do então menor V filho da sua companheira, e um na pessoa do menor L, seu filho.

Os factos respeitantes ao, então menor, V foram praticados antes da vigência da Lei 59/2007 de 4/9, e os respeitantes ao menor L, posteriormente.

Dispunha então, o C. Penal de 1995, na redacção da Lei 99/2001 de 25/8,
Artigo 172º

Abuso sexual de crianças

1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - Se o agente tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 anos é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Por sua vez, dispõe agora o C. Penal na versão da Lei 59/2007 de 4/9,

Artigo 171.º

Abuso sexual de crianças

1 — Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 — Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

E, no
Artigo 177.º

Agravação

1 — As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:

a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente;

O bem jurídico tutelado é o da liberdade de autodeterminação sexual, que a criança menor de 14 anos a lei presume “ juris et de jure “ não possuir.

Visa-se proteger “a autodeterminação sexual (…) face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, presumindo a lei que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento”, tratando-se de “um crime de perigo abstracto, na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada” – vd. Comentário Conimbricense, págs. 541 e 542.

No caso dos presentes autos,

Em face da factualidade apurada mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivos dos tipos penais em apreço, pelo que, a final será o arguido condenado pela prática de 5 crimes de abuso sexual de crianças, dos quais quatro na pessoa do V, no âmbito do C. Penal anterior à Lei 59/2007, e um, agravado, praticado na pessoa do seu filho L, no domínio do C. Penal vigente.

Por outro lado, sendo igual a moldura abstracta das redacções aplicáveis, não há sucessão de regimes penais a considerar.

Quanto ao crime de ameaça por que também vinha o arguido acusado tendo resultado não provada a matéria de facto que lhe respeitava será absolvido. “

5. Sem embargo dos vícios de conhecimento oficioso, como são as nulidades da sentença (art. 379 n.º3 do CPP) e os previstos no art. 410 n.º2 do CPP, o objecto do recurso é demarcado pelo teor das conclusões que os recorrentes extraem da correspondente motivação, conforme o disposto no artigo 412.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP.

E das conclusões acima transcritas, ressalta que tanto o Ministério Público, como o arguido visam, no essencial, a impugnação da matéria de facto que o tribunal de 1.ª instância deu como assente, ainda que o segundo comece por dizer que não se conforma com a medida da pena em que foi condenado, para mais à frente afirmar a razão do seu inconformismo – o dever ter sido absolvido por aplicação do princípio “in dubio pro reo”.

Mas terão os recorrentes impugnado a matéria de facto em termos deste Tribunal dela poder conhecer?

Emerge do disposto no art. 428.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art. 431.º do mesmo diploma legal, que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova.”

Por sua vez e de acordo com o precedente art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas”.

Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

E no n.º6 do mesmo artigo dispõe-se que:No caso previsto no nº 4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

Nesta conformidade e para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.

O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, uma vez que, como por diversas vezes tem afirmado o Prof. Germano Marques da Silva, o recurso é um remédio para os erros, não é novo julgamento; o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância: “o tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida” (cf. Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra 2001) (no mesmo sentido o Prof. Damião da Cunha, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8.º, fasc. 2, Abril/Junho 1998, págs. 259-260). O que se compreende: por um lado, atendendo às funções do tribunal de recurso; por outro, tendo presente que este não goza nem da oralidade nem da imediação; por outro ainda, porque, como é sabido, a expressão não-verbal, da qual não usufrui o tribunal “ad quem”, é, na grande maioria das vezes, decisiva para formar a convicção de quem julga na 1.ª instância.

Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente. Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação.

Por isso o cuidado da lei ao fixar o formalismo a que deve obedecer a impugnação, para que o objectivo vingue, qual seja a sindicância da prova produzida e a respectiva confrontação com a matéria provada.

Na especificação dos factos que impugne o recorrente terá que indicar o facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera incorrectamente julgado. Quanto às provas demonstrativas dos erros apontados, a lei é suficientemente impressiva na formulação. Ela não se limita a dizer que o recorrente deve especificar as provas … Diz, sim, que ele deve especificar «as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida».

Daí que seja uniformemente entendido que em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto o recorrente terá que individualizar as provas em que a alegação se apoia e terá ainda, no âmbito de cada uma das provas apontadas, que especificar o excerto do documento, do depoimento, etc., que demonstra o erro da decisão, precisamente por impor decisão diversa da que foi tomada.

Portanto, a lei não se basta com a referência genérica ao documento X ou ao depoimento Y, antes exige que o recorrente escalpelize aquela concreta prova e apresente, concretize, o/s ponto/s exacto/s dessa prova que comprova a tese do erro.

Em caso de prova que foi objecto de gravação, o recorrente terá, então, que individualizar as concretas passagens de cada um dos depoimentos apontados relativas ao ponto impugnado e que impõem a tal decisão diferente da que foi tomada na decisão recorrida. Ou seja, terá o recorrente que indicar o conteúdo específico do excerto do depoimento que seja relevante para demonstrar a sua tese e terá, ainda, que proceder à sua localização no suporte respectivo.

A indicação dos erros cometidos tem que ser rigorosa, assim como rigorosa, precisa, concreta, tem que ser a indicação das provas que demonstram a sua existência, uma vez que o tribunal de recurso procede ao controlo desta prova por via da audição ou visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que se funda a impugnação (artigo 412.º, nº 4), isto sem prejuízo de o tribunal proceder à audição de outras passagens para além das indicadas, quando o considere relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa (nº 6 do art. 412.º do C.P.P.).

Esta é a interpretação que respeita a letra da lei e é a única forma que permite o exercício efectivo do princípio do contraditório e da imparcialidade do juiz.

Voltando ao caso em apreço, é manifesto que nem o Exmo. Magistrado do Ministério Público, nem o arguido impugnam a matéria de facto nos termos prevenidos no n.º3 e 4 do art. 412.º do CPP. Desde logo não indicam os concretos pontos de facto, com referência àqueles que o tribunal recorrido houve como provados e não provados, que, no entender de cada um dos recorrentes, foram mal julgados, nem indicam as provas que, em relação a cada um desses itens de facto impõem decisão diversa. [1]

Na verdade, o que os recorrentes fazem é criticar em bloco a convicção firmada pelo tribunal colectivo, que têm por violadora do princípio da livre apreciação da prova e do princípio “in dubio pro reo”.

Com efeito, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, baseando-se em circunstâncias que elenca na conclusão n.º5, defende que devem ser dados como não provados os factos constantes da acusação, pois tais circunstâncias, em seu entender, levantam fundadas dúvidas quanto à efectiva prática dos factos pelo arguido. O mesmo se passa com o recurso interposto pelo arguido, ancorando-se em aspectos do comportamento dos menores, da assistente e em relatório pericial de fls.63 a 71.

Na verdade os recorrentes e através da respectiva impugnação da matéria de facto, mais não pretendem, senão solicitar a este tribunal que efectue um segundo julgamento quanto à matéria de facto, quando o Tribunal ad quem não pode efectuar um novo julgamento da matéria de facto, sem limites à sua actuação.

De resto, e em boa verdade, os Recorrentes não impugnam a matéria de facto, mas antes a convicção do tribunal que, na sua tese, deveria deixar-se convencer pela versão que eles próprios entendem ser a verdadeira, e não por aquela que, na realidade, o convenceu. E não custa aceitar que os mesmos elementos de prova, exibidos em audiência, mereçam apreciações diversas por banda dos julgadores, por um lado, e do arguido (ou do Ministério Público ou do assistente) por outro.

Porém, nos termos gerais, o incumprimento de um ónus leva ao não reconhecimento da pretensão exposta. Do mesmo modo, o incumprimento do ónus imposto no art. 412.º do C.P.P., quando tal vício radique logo na motivação, como é o caso, determina a impossibilidade de o tribunal de recurso conhecer amplamente da matéria de facto.

E também não procede o ataque desferido ao processo de formação da convicção do tribunal recorrido, como se tentará demonstrar.

Como é consabido, muito embora, segundo o disposto no art. 127.º do CPP, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Tais restrições existem no valor probatório da prova pericial (art. 163.º), no valor dos documentos autênticos e autenticados (169.º) e na confissão integral sem reservas (344.º).

Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 CRP; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência [32.º, n.º 2, da CRP).

Como toda a discricionariedade jurídica, também a livre apreciação da prova tem limites que não podem ser ultrapassados. Esta liberdade de apreciação é uma liberdade pré-determinada ao dever de perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios de objectivos e, portanto, susceptível de motivação e de controlo. Não se trata de mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), envolvendo a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis (daí o papel essencial que assume a imediação).

Para além disso intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, aspecto que já não depende substancialmente da imediação, mas deve basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos.

Portanto, a livre apreciação da prova pressupõe a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção.

No processo de sindicância da decisão recorrida o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma, fundada na sua própria interpretação da prova. Ao invés, o recurso destina-se a verificar se os factos em apreciação estão devidamente suportados pela análise crítica feita às provas.

Assim sendo, é ilegítimo pretender sobrepor à apreciação das provas feita pelo tribunal a apreciação feita por um qualquer interveniente, a menos que o ataque à formação da convicção assente na violação de qualquer um dos passos para a formação de tal convicção, designadamente na existência dos dados objectivos referidos na motivação, na violação dos princípios de prova quanto à aquisição de determinados elementos ou por resultar que não houve liberdade de formação da convicção. Entender as coisas de outra forma seria inverter a posição das personagens do processo, substituindo a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão [2]

Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”.

Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.

Os depoimentos das testemunhas, sejam ou não os ofendidos dos factos em apreço, são valorados pelo tribunal livremente, e de acordo com as regras da experiência, a credibilidade da testemunha, o modo como depõe e o conhecimento que revela dos factos. Tratando-se do ofendido, é claro que possui conhecimento directo dos mesmos.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto e o meticuloso exame crítico das provas, é aquela manifestamente insusceptível de reparo e inexoravelmente infundada a discordância dos recorrentes, pois as provas de que o tribunal a quo se serviu, valorando-as livremente e de acordo com as regras da experiência comum, são bastantes para que, de forma perfeitamente lógica e coerente, se deva concluir que os factos ocorreram pela forma expressa na sentença, pelo que necessariamente improcede a deduzida impugnação.

Isto é, o que acontece é que o recorrente pretende inquinar a impugnada factualidade, apenas e tão só, através da apreciação da aludida prova pelo tribunal, que reputa obtida em violação dos princípios da sua livre apreciação e convicção e da presunção de inocência, substituindo-se, ele próprio, ao tribunal e em manifesto desprezo da sua indissociável oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância, nela buscando a deduzida impugnação.

Não obstante, dir-se-á, refutando as objecções aduzidas, o seguinte: [3]

Nas situações de abuso sexual de crianças, por força das circunstâncias, a prova é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e regra geral só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Por vezes até a prova pericial é realizada tardiamente quando já não existem vestígios dos abusos.

Daí que assuma especial relevância o depoimento da vítima, desde que, como é evidente, o mesmo seja credível e esteja em sintonia com as regras da experiência comum, baseada nos conhecimentos que sobre a matéria vem sendo transmitida pelas investigações psicológicas, pois só nesse caso é susceptível de formar a convicção do julgador.

Por sistema, quer-se sempre atacar o depoimento da própria vítima, e, por isso, anda-se em busca de discrepâncias, de pouco rigor, de inverdades…

É da experiência comum que quanto mais vezes uma testemunha fala sobre o mesmo facto, mais dele se afasta (na sua realidade objectiva), pela reelaboração mental do mesmo que, consciente ou inconscientemente, vai fazendo.

É normal que uma criança ou adolescente que fala em tribunal quando tem 15 anos, ou menos idade, pode deixar de ser exacta ao nível dos seus relatos quando recorda factos passados. As crianças que foram vítimas de abuso sexual, à semelhança do que se passa com os adultos, têm muitas vezes grande relutância em relatar acontecimentos embaraçosos, traumáticos, ou que, por motivo de ameaças, tenham receio de revelar, embora se possam lembrar muito bem deles.

É normal a vítima revelar grandes inibições e dificuldades em relatar os factos, quer pelo esforço que, certamente, fez ao longo do tempo para arredar da memória os abusos de que foi vítima, quer pelas reacções emocionais que sua memória lhe provocava, quer pelo prejuízo que dos mesmos resulta para a sua auto-imagem.

Por isso, não é de estranhar a circunstância dos menores apenas terem relatado os abusos do padrasto e pai quando já se encontravam sob acompanhamento de psicólogas, fora do ambiente familiar.

Como se afirma no estudo que constitui a tese de Mestrado em Ciências Forenses da Dr.ª Lígia Alexandra da Silva Carvalho, [A valoração do testemunho da criança vítima de abuso sexual intra-familiar no contexto da avaliação forense] “o abuso sexual das crianças encerra complexas dinâmicas que remetem ao silêncio as crianças que dele são vítimas. A não revelação do abuso traduz-se, não raras vezes, em situações abusivas repetidas e mais alargadas no tempo, sendo que, paralelamente, protela a intervenção (Goodman-Brown, Edekstein, Goodman, Jones e Gordon, 2003). Assim, importa perceber quais são as dinâmicas inerentes ao abuso sexual, para compreender as razões que silenciam as crianças.

“O silêncio da criança vítima de abuso sexual resulta, segundo Furniss (1993), de um conjunto de dinâmicas inerentes ao abuso, que este autor designa de sindroma do segredo. Este sindroma envolve aspectos relacionados com a interacção da criança consigo mesma, com o abusador e com o meio em que se encontra inserida. Nesta dinâmica, que enclausura as crianças no silêncio, estão implicados factores internos e factores externos à própria situação abusiva (Furniss, 1993; Manita 2003; Machado 2003; Alberto 2004).

Relativamente aos factores externos, salienta-se a) a falta de evidências médicas que fundamentem o abuso, b) o insucesso de tentativas anteriores de revelação, c) as ameaças, estratégias de manipulação e violência utilizadas pelo abusador e, d) o medo que as crianças sentem em relação às consequências que podem resultar da revelação, para si próprias, para as suas famílias e para o abusador (sobretudo quando se trata de abuso intra-familiar) – Manita, 2003; Machado 2003; Alberto, 2004.

Para além destes factores, fazem parte da situação abusiva dinâmicas internas, sobretudo em situações de abuso continuado e intra-familiar. A este respeito destacam-se três dinâmicas que reforçam o segredo (…): a) a ocorrência de abusos em contextos com poucos estímulos sensoriais (e.g. a ausência de terceiros, ambientes com pouca luz e sem se verificar contacto ocular); b) a “transformação do abusador noutra pessoa”, resultante da modificação do seu comportamento actual aquando da situação abusiva, quer no que diz respeito ao tom de voz e aos padrões de linguagem, quer no que concerne à linguagem não-verbal (gestos e expressão facial); e c) a introdução de “rituais de entrada e de saída” da situação abusiva (frases, ordens, comportamentos e atitudes estereotipadas), que ao delimitar espacial e temporalmente o abuso alimentam nas crianças a sensação de que o que vivem naquele contexto é distinto da sua experiência comum de vida e, por isso, potencialmente irreal.

Estas dinâmicas levam, muitas vezes, as crianças a experimentar estados alterados de consciência e/ou processos dissociativos, psicológicos e corporais, como as únicas formas de lidar com o sofrimento intenso provocado por uma situação de abuso que não compreendem e não são capazes de integrar (Manita, 2003; Machado 2003).

Vários autores defendem que, durante e logo depois do acontecimento traumático, algumas crianças vivenciam estados dissociativos temporários que se traduzem na formação de memórias isoladas e não integradas que tornam o acontecimento menos acessível para ser recordado. Os estudos sugerem, ainda, que as crianças mais novas tendem a utilizar mais este mecanismo do que as crianças mais velhas (tese citada a fls.89).

Diz ainda a referida autora que “o silêncio que caracteriza a situação abusiva decorre, igualmente, do que Summit (1983) designa de sindroma de acomodação ao abuso. Este sindroma explica as razões que conduzem as crianças a manter-se na situação abusiva, não revelando o abuso que as vitima. De acordo com Summit, a situação de impotência em que a criança se encontra contribui de forma decisiva para o seu silêncio. Importa não esquecer que a criança vivencia uma situação que não compreende e que é imposta por alguém que, de alguma forma, pelo estatuto ou pelo papel que desempenha na sua vida ou pela coacção que utiliza, exerce poder sobre ela. Às crianças vítimas de abuso sexual, resta apenas, perante a impotência que sentem para por fim à experiência abusiva, o desenvolvimento de um esforço de adaptação e acomodação ao abuso. Esta necessidade de acomodação é reforçada face a processos de revelação que, para além de serem, logo à partida, complicados e difíceis para a criança, são, frequentemente, mal sucedidos.

A falta de sucesso da revelação acontece quer porque as palavras (ou os sinais) da criança não são valorizadas ou consideradas verdadeiras, quer porque perante as consequências da revelação para a estrutura familiar, para si própria ou para o abusador, a criança sente que não tem outra alternativa a não ser desmentir o que tinha afirmado. Depois de uma revelação que falha, a criança fica ainda mais aprisionada na sua vitimação, sentindo-se ainda incapaz de lhe por um fim (Summit, ibidem).

Summit salienta que, não raras vezes, a acomodação ao abuso leva a criança a representar o abusador, não só como alguém que é mau, aquele que lhe faz mal, mas também, ao mesmo tempo, como a pessoa que lhe dá atenção, numa tentativa de sobreviver psicologicamente ao abuso.

O sindroma da acomodação constitui, assim, um esforço adaptativo que a criança faz, de forma a garantir a sua sobrevivência ao abuso sexual. Todavia, salienta-se que este processo de acomodação acentua o sentimento de culpabilidade da criança e torna mais difícil o caminho para a saída da situação abusiva (Machado, 2003).

Tendo em conta que, na maioria dos casos, as evidências físicas são inexistentes ou inconclusivas (…….), a tomada de conhecimento da situação abusiva só acontece quando a criança a revela (…). Todavia, as crianças vítimas de abuso sexual vivenciam, frequentemente, sentimentos exacerbados de culpabilidade, medo e vergonha que as levam a silenciar a sua experiência (…).

A investigação diz-nos que as crianças tendem a não revelar o abuso de que são vítimas e, por vezes, a negar que o abuso aconteceu….No entanto, apesar de negarem a sua ocorrência naquele momento, muitas crianças afirmam mais tarde que, efectivamente, tinham sido vítimas de abuso sexual (…).

Myers (1992, cit. In Bradley e Wood, 1996) defende que a negação, a retractação e a posterior reafirmação, que ocorrem com frequência, contribuem para a descredibilização do testemunho da criança e, consequentemente, podem condicionar a resposta do sistema judicial.

Assim, e na medida em que é reconhecido o papel fundamental dos relatos das crianças na avaliação dos factos abusivos, vários investigadores têm vindo a tentar compreender os contornos complexos dessa revelação.

Segundo a autora que vimos seguindo, e de acordo com Summit “a revelação é um processo dinâmico e que incluirá cinco fases: negação inicial, tentativa de revelação ou relutância em discutir o abuso; revelação activa ou um relato completo sobre o abuso; retractação das alegações iniciais e reafirmação das mesmas.”

Segundo outros estudos, no que diz respeito à retractação, sendo certo que algumas crianças desmentem os seus relatos iniciais, na realidade, apenas uma minoria o faz.

Isso explica que não pode considerar-se anormal o facto do menor V ter negado, quando o processo já decorria, os abusos sobre ele perpetrados pelo padrasto. Fê-lo dando uma explicação razoável para o efeito “Eu disse, porque via sempre a minha mãe chorar, e eu pensei que se dissesse que não, que ficava tudo…tudo bem. Que ela…pronto…que ficava melhor.”- Declarações para memória futura, fls.242/3 dos autos.

Sobre a revelação do abuso no decurso da investigação criminal, diz a referida autora que “os resultados de vários estudos demonstram que um número significativo de crianças (com percentagens que variam entre os 74% e os 93%), que já tinha revelado o abuso (e.g. a um professou ou a um familiar), volta a fazê-lo no decorrer da entrevista de investigação. (…). Alguns autores encontram dados que sugerem que esta tendência se verifica mais frequentemente com as crianças mais velhas.

Resulta ainda do referido estudo que existem muitos casos em que as crianças não revelam a sua vitimização, como se verifica também a existência de um número significativo de situações em que as crianças só o revelam muito tempo depois do abuso acontecer. Estudos há que demonstram que 75% de crianças vítimas de abuso sexual não o revelou no primeiro ano e que 18% esperou 5 anos para o fazer.

A literatura sugere que existem factores que influenciam o processo de revelação e que explicam a variabilidade encontrada no tempo em que as crianças demoram a revelar o abuso. De entre estes factores destacam-se a idade, o género, o tipo de abuso (intra-familiar ou extra-familiar), o medo de consequências negativas e a percepção de responsabilidade. [4]

Quanto à idade, há dados de investigação que sugerem que as crianças mais novas, devido ao pouco conhecimento que possuem sobre temáticas sexuais, não compreendem que o abuso é errado e inapropriado e, portanto, tendem a não revelar a sua experiência ou a demorar mais tempo a fazê-lo.

Em contrapartida, há autores que postulam que esse desconhecimento e a falta de noção das consequências negativas podem conduzir mais facilmente à revelação por ausência de vergonha ou receio face às consequências da revelação. Pode ter sido o caso do menor L ao revelar à mãe os abusos cometidos pelo irmão, por não recear dele qualquer mal.

Relativamente ao género, a investigação sugere que os rapazes revelam menos frequentemente que as raparigas e que, por outro lado, demoram mais tempo a fazê-lo. E apontam como principais razões para a relutância dos rapazes em revelar o abuso de que foram vítimas, o receio de serem rotulados como homossexuais ou estigmatizados como vítimas.

Vários estudos sugerem que as crianças vítimas de abuso intra-familiar, comparativamente com as vítimas de abuso extra-familiar, revelam menos e, nos casos em que o fazem, o tempo que decorre entre o abuso e a revelação é superior, o que terá como explicação no facto das crianças terem uma relação afectiva próxima com o abusador, vivenciarem uma maior preocupação com a reacção da restante família, com uma eventual desestruturação familiar e com eventuais punições que podem decorrer da revelação.

Sobre as alegadas alterações das declarações dos menores ao longo do tempo, impõe-se conhecer alguns aspectos da memória autobiográfica das crianças, ou seja, à memória relativa aos acontecimentos pessoais experienciados ao longo da vida.

Embora haja diferenças importantes nas capacidades das crianças em função da idade (v.g., as crianças de nível pré-escolar são menos exactas ou rigorosas do que as crianças mais velhas ou do que os adultos), as crianças não são, em geral, tão sugestionáveis como inicialmente se pensava. Isto é, as crianças não tendem a relatar coisas que não aconteceram quando confrontadas com a sugestão dos adultos de que isso se teria realmente passado. Essa resistência à sugestão verifica-se, de modo particular, quando elas são interrogadas acerca de eventos relevantes sob condições de optimização do relato. [5]

De uma maneira geral, as investigações demonstram que mesmo crianças em idade pré-escolar são capazes de recordar as suas experiências depois de ter decorrido um longo período de tempo. Crianças com 4 anos de idade são capazes de fornecer um relato exacto de várias experiências que ocorreram 12 a 18 meses antes da entrevista em contexto judicial. Contudo, na maioria das investigações, as crianças mais velhas parecem recordar mais e de forma mais exacta que as crianças mais novas, acontecimentos que tiveram lugar no passado.

Sendo consensual que as crianças têm capacidade para recordar acontecimentos remotos, o que a criança relata e a exactidão do seu relato parecem variar em função da forma como a informação é solicitada. De uma maneira geral, em narrativa livre e perante questões abertas, os relatos da criança tendem a conter pouca informação. No entanto, a informação obtida tende a ser exacta. Por outro lado, em resposta a questões mais específicas, a criança parece fornecer informação mais completa, porém, tendencialmente menos exacta.

O decréscimo de informação e/ou exactidão que, por vezes, se verifica nos relatos de acontecimentos remotos, pode ser explicado por uma alteração na acessibilidade à informação da memória.

Para entender as dimensões da memória que exercem influência sobre a exactidão do seu relato é fundamental perceber a forma como a informação relativa ao acontecimento é codificada, armazenada e recuperada. Ormstein e tal. (1991, cit. In Gordon, Schoeder, Ornstein e Baker – Ward, 1995) fazem referência a um conjunto de factores que influenciam a memória da criança nestes três momentos: A) nem tudo o que integra a experiência é codificado [6]; b) O que é codificado pode variar relativamente à força do traço mnésico; c) o estatuto da informação armazenada pode variar no tempo e; d) o processo de recuperação não é perfeito.

De acordo com estudos realizados e citados na referida tese de Mestrado, a repetição de um acontecimento parece trazer, ao mesmo tempo, benefícios e desvantagens para o processo de recordação. Quando a criança vivencia múltiplas ocorrências, os detalhes que se mantiveram constantes ganham força na memória, podendo ser recordados com mais exactidão. Por outro lado, a criança manifesta pouca capacidade para recordar um detalhe específico relativo a uma ocorrência particular. Quanto maior é o grau de similitude entre as ocorrências (no contexto e no conteúdo), maior é a dificuldade que a criança revela em discriminar o que aconteceu em cada uma delas. Do mesmo modo, verificando-se um grande número de ocorrências e a introdução recorrente de novos elementos, torna-se mais difícil para a criança a tarefa de identificar em que ocorrência teve lugar determinado detalhe.

Assim, as crianças que vivenciaram acontecimentos repetidos tendem a não conseguir situar os detalhes no tempo, manifestando, não raras vezes, dificuldade em recordar o número de ocorrências.

A literatura demonstra, igualmente, que a experiência repetida de um acontecimento, ao aumentar a capacidade para recordar detalhes comuns a todas as ocorrências, se traduz numa maior resistência das crianças à influência de informação sugestiva ou sugestionante relativamente a esses detalhes.

É pertinente sublinhar que os erros que as crianças cometem quando lhes é pedido que recordem uma de várias situações ocorridas repetidamente são erros de intrusão de detalhes de outras ocorrências. Estes erros são referidos como intrusões internas.

No abuso sexual real, as contradições no relato existem porque a vítima se sente cansada de ser obrigada a repetir os mesmos factos a pessoas diferentes, quer esquecer o ocorrido. No abuso sexual real, a vítima gostaria de esquecer o ocorrido, mas é obrigada a lembrar todas as vezes que se encontra em contexto de acusação ( para o psicólogo, a assistente social, a polícia, o Ministério Público, a família, o juiz, etc.).

O relato de detalhes que nunca ocorreram de todo (referidos como intrusões externas) é invulgar e muito menos frequente quando a criança vivenciou acontecimentos repetidos do que quando experienciou um acontecimento singular.

Assim, os erros de intrusão não devem ser interpretados como uma evidência de contaminação do relato, mas sim como uma consequência normal da experiência de acontecimentos repetidos. Salienta-se ainda – no estudo já citado – que os erros de intrusão interna surgem em função da idade e do tempo de retenção e parecem ser mais frequentes nas crianças mais novas, verificando-se uma maior probabilidade do relato da criança conter erros de intrusão interna à medida que decorre mais tempo entre o acontecimento e o momento da recordação.

É de salientar que, não raras vezes, quando as crianças são entrevistadas acerca de acontecimentos remotos, muita informação recordada parece ser informação nova, que não tinha sido recordada em entrevistas anteriores. Este fenómeno é designado por reminiscência. Mas também pode acontecer que a informação é apenas nova porque numa entrevista anterior determinada questão não lhe foi colocada e, apesar da criança a recordar, não considerou pertinente referi-la.

As crianças que foram vítimas de abuso sexual, à semelhança do que se passa com os adultos, têm muitas vezes grande relutância em relatar acontecimentos embaraçosos, traumáticos, ou que, por motivo de ameaças, tenham receio de revelar, embora se possam lembrar muito bem deles.

Todas estas condicionantes contribuem de forma decisiva para que as declarações que prestaram para memória futura possam conter algumas alterações, em relação a outras que proferiram anteriormente e noutros contextos, de tal forma que estranho seria que não padecessem dessas características e fossem demasiado certinhas, o que poderia indiciar combinação prévia.

Só por isso não se pode dizer que os menores aqui em causa mentiram no relato que fizeram dos abusos sexuais perpetrados contra eles.

Como se escreve no acórdão citado em nota de rodapé, é complicado lidar com crianças violentadas na sua própria inocência e ainda mais, acrescentamos nós, quando o violador é pessoa que tinha a obrigação de as proteger.

«Nessas situações, quão difícil também se torna perceber o que realmente se passou no silêncio dos quartos.

Quão delicado é falar com estes menores que nos aparecem assustados e titubeantes e a quem é penoso pedir explicações sobre actos tão vilipendiantes. O interrogatório de um menor deve, assim, revestir, uma extrema delicadeza, havendo que tentar perceber os silêncios, os esgares, os sorrisos nervosos, as hesitações, os olhares, as entrelinhas no discurso de um menor nesta situação.

O menor violentado na sua sexualidade deixa de poder ser sujeito do seu próprio destino, da sua própria história sonhada, projectada ou construída. A história que lhe vão impor ultrapassa-o em velocidade e substância, deixa de ser "sua" para passar a ser aquela que não lhe ensinaram, para a qual não pediram sequer um assentimento seu que fosse. De si, apenas um murmúrio surdo, um grito abafado na calada do quarto dos fundos, no canto recôndito da garagem mal iluminada, um "não" ouvido nas paredes da sua alma que não tinha voz suficiente para soar. De si, apenas uma imagem de um corpo usado como vazadouro de néctares infelizes, numa toada de lamento e dor, tantas vezes silenciada em nome de um amor maior...» (Paulo Guerra, in «O Abuso Sexual de Menores – Uma Conversa sobre Justiça entre o Direito e a Psicologia», Almedina, 2ª Ed., 2006, Rui do Carmo/Isabel Alberto/Paulo Guerra, respectivamente, p. 61 e 62 e 43).

Como aí se menciona, “restam apenas, em muitas situações os depoimentos das vítimas, face à inconcludência dos exames científicos feitos.”

«E aí restam os depoimentos sofridos, contidos, às vezes infantil e naturalmente contraditórios e incoerentes, das vítimas dos abusos e as demais provas testemunhais circunstanciais – há que dizer, neste jaez, que à Justiça de Menores basta a denúncia séria e minimamente fundamentada para que se despoletem os mecanismos necessários à imediata protecção da vítima, ficando para a Justiça Penal o apuramento de todo um conjunto de pormenores relevantes à descoberta da verdade material. É por demais evidente a prudência que se deve ter na condução do interrogatório de uma vítima de abuso sexual, assente que para ela é doloroso denunciar quem lhe é querido ou uma situação que ainda não compreendeu muito bem, imbuída por sentimentos de preconceituosas moralidades, herdadas de uma sociedade que ainda não aprendeu a lidar de forma saudável como corpo e com o sexo. Para essa vítima, é sempre um segredo que tem de ser revelado(Paulo Guerra, in «O Abuso Sexual de Menores – Uma Conversa sobre Justiça entre o Direito e a Psicologia», Almedina, 2ª Ed., 2006, Rui do Carmo/Isabel Alberto/Paulo Guerra, p. 79 e 80).

Por isso, é que se tem de ter muito cuidado na inquirição feita a uma criança nesta sede.

«Importa equacionar a necessidade de existirem regras específicas para a inquirição dos menores vítimas, para o registo e validade dos seus depoimentos, bem como para o modo de os poder contraditar, num adequado balanceamento entre a exigência do apuramento da verdade, os direitos da criança e os direitos do arguido; investir na formação dirigida a magistrados e membros dos órgãos de polícia criminal; assegurar uma adequada assessoria técnica. … Tenho para mim que esta (a valoração da prova) tem de ser encarada como uma questão maior da nossa prática judiciária, importando que seja promovido o conhecimento actualizado sobre as técnicas de entrevista e inquirição das crianças sobre o estado das investigações quanto a alguns frequentes pré juízos, como sejam: que as crianças não são tão boas como os adultos na observação e relato dos acontecimentos que lhes respeitam; que têm propensão para fantasiar acerca das questões sexuais; que são altamente sugestionáveis; que têm dificuldade em distinguir a realidade da fantasia; que têm propensão para confabular» (Rui do Carmo, in «O Abuso Sexual de Menores – Uma Conversa sobre Justiça entre o Direito e a Psicologia», Almedina, 2ª Ed., 2006, Rui do Carmo/Isabel Alberto/Paulo Guerra, p. 74 e 96, nota 39). [7]

E continua Isabel Alberto.

«Perante estas considerações, o contexto físico e pessoal da inquirição deve ser cuidadosamente trabalhado. Deve ser um espaço aconchegante e confortável, longe da agitação e da conotação policial, que não favoreça o encontro e o cruzamento com o agressor, podendo o menor estar acompanhado de um adulto da sua confiança, por ele escolhida para a audição, embora esta pessoa tenha de ser neutra (Carmo, 2000; Hamom, 1988; Somers & Vandermeersch, 1998).

A entrevista não pode assumir um aspecto inquisitório, que retrai a vítima, e deve conter desde logo a referência a todos os elementos informativos essenciais: "o primeiro exame convém que seja minucioso, o que igualmente permitirá a recolha de vestígios susceptíveis de desaparecerem ou se atenuarem com o decurso do tempo" (CEJ, 1991, p.12).

O recurso ao registo em vídeo das inquirições (Carmo, 2000), com aviso do registo e aceitação da vítima, e uma entrevista bem conduzida evitam a sucessão e a repetição de inquirições, servindo um único registo para todas as fases do processo.”. (Isabel Alberto, na mesma obra a p. 81 e 82). [8]

Acrescenta o Exmo. Desembargador Paulo Guerra:

Daí que haja a necessidade das entidades que procedem aos interrogatórios destas vítimas estarem munidas de cautelas e de conhecimentos bastantes sobre a arte de interrogar uma criança, de forma a que consigam interpretar esgares, silêncios, hesitações, monossílabos, um simples "sim" ou um simples "não", a construção frásica, a clareza do discurso, as pausas, as interrupções, as emoções e sentimentos que a criança evidencia (vergonha, culpa, tristeza, alegria, alívio, ansiedade), a labilidade e o distanciamento emocionais, o olhar, a postura, o sorriso, a colocação das mãos, o grau de sugestionabilidade, os seus desenhos, o seu comportamento com os brinquedos, o seu comportamento sexualizado, o tipo de pressão ou coerção a que pode estar sujeito, o contexto da sua revelação inicial...

Tais interrogatórios não se devem repetir para que a criança não tenha de injustificadamente reviver as cenas de um passado que quer definitivamente esquecer, sem prejuízo da tomada complementar de declarações sempre que o seu interesse superior o demandar, embora se considere, tal como o faz Razon (Laure Razon, in “Famille incestueuse et confrontation à la justice; de l’acte à la parole. Dialogue – Recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille”, 1999, p.10) que "o primeiro depoimento é a maior parte das vezes o mais desenvolvido, argumentado, logo credível» (Paulo Guerra, na mesma obra a p. 83 e 84). [9]

Os exames de clínica médico-legal efectuados aos menores com vista à detecção de dano corporal proveniente dos abusos relatados pelos menores tiveram resultado inconclusivo, não tendo sido detectadas quaisquer lesões traumáticas, o que não exclui por si só a existência de abusos, atendendo ao decurso do tempo desde a prática dos factos até à data da realização dos exames. No caso do menor V os abusos terão terminado em Agosto de 2007 e o exame só foi efectuado em 22 de Abril de 2008 (v.fls.80) e, no caso do menor L, os factos reportam-se ao dia 2 de Janeiro de 2008 e o exame apenas foi realizado no dia 3 de Junho do mesmo ano.

O menor V não referiu que nada tivesse sentido em termos físicos. Ele foi claro nas declarações para memória futura ao referir que sentiu algumas dores aquando das penetrações e que se sentia revoltado por dentro.

Só a pergunta se não sentia mais nada em termos físicos depois dos abusos sexuais terminarem é que ele respondeu negativamente.

O facto do arguido não se ter oposto a que os menores fossem a consultas com as psicólogas vale o que vale. Em primeiro lugar, ainda não tinha surgido a denúncia dos seus abusos com os menores, o que só veio a acontecer no decurso dessas consultas. Segundo, porque em relação ao menor V não tinha sequer que manifestar a sua vontade, pois não é seu filho.

Quanto aos impactos dos abusos no relacionamento dos menores com o arguido, não é de todo anormal que, pelo menos o seu próprio filho, não tenha passado a sentir aversão por este e continue a tratar o pai com muito afecto, carinho e ternura, como se deu por provado na sentença É o que se chama ambivalência de sentimentos.

A relação entre abusado e abusador, além de ser poderosa, pode estar mais presente e ser mais afectuosa do que qualquer outra pessoa na vida da criança. A criança pode capacitar-se de que se contar o segredo, o seu relacionamento com o abusador e a única pessoa que a ama pode ser ameaçado. Muitas vezes, a criança não consegue captar a “maldade” no familiar abusador e defende-se psicologicamente procurando incorporar a “maldade” e assimila-a como parte de si mesma. Isto permite-lhe ver o familiar abusador como “bom” e a confissão do segredo pode ferir uma parte de si própria (Teresa Magalhães (2003). Maus tratos em crianças e jovens. Guia prático para profissionais. 4ª ed. Lisboa: Quarteto).

No abuso sexual real, a ambivalência ocorre porque a criança (vítima) ama o pai agressor, mas passa a odiá-lo pelo seu acto. Ela sente-se fragilizada e o contexto de acusação contra um pai a quem ama (e de quem supunha ser amada) traz-lhe sentimentos contraditórios: a criança ama o pai, mas odeia-o pelo abuso.

Há, porém, muitas crianças que têm uma grande resiliência, de tal modo que o abuso não deixa marcas para o resto das suas vidas. Mas, para muitas outras crianças, os abusos sexuais podem ter consequências devastadoras, designadamente défices cognitivos e neurológicos, problemas psicológicos e emocionais, bem como uma susceptibilidade muito elevada para a re-vitimização, abuso de droga e delinquência. Na ausência de uma política de prevenção, tratamento ou outras formas de intervenção, os maus tratos tendem a continuar e algumas das crianças maltratadas tornar-se-ão, com a idade, adultos perturbados, causando à sociedade problemas que podem prolongar-se nas gerações seguintes.

A perplexidade da mãe dos menores nada de relevante traz. Se ela diz que acredita nos filhos, mas também acredita no arguido A, o que concluir daqui, para além de uma indecisão. Só pode significar que ela não engendrou qualquer esquema, como muitas vezes acontece em casos de divórcios e regulações de poder paternal, para afastar o companheiro dos filhos.

De facto, as objecções apontadas pelos recorrentes para descredibilizar a prova produzida parecem ter falhado o alvo.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto, os exames periciais e o exame crítico das provas, designadamente pelo indispensável apelo às regras da experiência, nomeadamente aquela que resulta dos estudos que felizmente vem sendo feitos neste campo, é manifestamente coerente, lógica e fundada a motivação decisória e infundada a discordância dos recorrentes, acorrentados a uma visão subjectiva, parcelar e esparsa, baseada em certas circunstâncias a que pretendem atribuir um incomensurável valor na construção de dúvidas que, na realidade, não têm.

Não vislumbramos, pois, qualquer afronta ao princípio da livre apreciação da prova, nem ao princípio “in dubio pro reo” ou da presunção de inocência.

Trata-se de um princípio vigente no que diz respeito à decisão da questão de facto.

Quer se entenda que constitui «um princípio natural de prova imposto pela lógica e pelo senso moral, pela probidade processual» (Cavaleiro Ferreira, Direito de Processo Penal. II, 310) quer como princípio fundamental do processo penal em qualquer Estado de Direito (F. Dias, Direito Processual, cit. p. 214), trata-se de um princípio indiscutível no que concerne à apreciação da prova na decisão da “questão de facto”. Tanto no que diz respeito à prova dos elementos constitutivos do crime, como à prova dos factos extintivos ou causas de exclusão da responsabilidade criminal – cf. Cavaleiro Ferreira, ob., cit., II, 312 e Figueiredo Dias, ob. cit., 215.

Tal princípio significa que “em caso de dúvida razoável” após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido – formulação de F. Dias, ob. cit. p. 215, citando a doutrina nacional e estrangeira no mesmo sentido.

Não é assim uma qualquer dúvida que obriga à aplicação do princípio, mas apenas a dúvida “razoável”, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum, nos termos acima referenciados.

Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio.

Impõe-se ainda dizer que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica -cf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

A certeza judicial não se exime do vício da humana imperfeição, que sempre pode ser entendido o contrário do que admitimos como verdadeiro. Sempre, enfim, a imaginação fecunda do céptico, lançando-se nos caminhos do possível, inventará cem motivos de dúvida. Com efeito em qualquer caso pode imaginar-se tal combinação extraordinária de circunstâncias que venha a destruir a certeza adquirida. Mas apesar desta combinação possível, não deixará de ficar satisfeito o entendimento quando motivos suficientes estabelecem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tenham desaparecido e sido rechaçadas depois de um maduro exame. Pretender mais seria querer o impossível, porque não pode obter-se a verdade absoluta naqueles factos que saem do domínio da verdade histórica. Se a legislação recusasse sistematicamente admitir a certeza sempre que pudesse imaginar-se uma hipótese contrária, ficariam impunes os maiores culpados e, por conseguinte, a anarquia introduzir-se-ia fatalmente na sociedade – Mitermayer, citado por Climent Durán, La Prueba, cit., p. 615.

No caso em apreço, após a produção de prova, tal “dúvida razoável” não se instalou no espírito dos julgadores – e trata-se de um tribunal colectivo, que confere as mais amplas garantias dadas pelo sistema em termos de apreciação da matéria de facto, tendo em atenção a sua componente colectiva, com a democraticidade daí resultante. Com efeito, da análise crítica das provas produzidas e que julgou relevantes, o julgador não ficou em situação de dúvida insanável, antes se convenceu – através de processo lógico fundamentado e objectivado – da versão dada como provada, não obstante o arguido ter negado a sua prática, pelo que a presunção de inocência do arguido têm-se por elidida.

E nada aponta no sentido de que essa convicção deva ser substituída pela referida dúvida razoável.

Por outro lado, o acórdão recorrido não evidencia a existência dos vícios prevenidos no n.º2 do art. 410.º do CPP, pelo que é de manter inalterada a matéria de facto fixada no tribunal recorrido.

6. Mantendo-se intocada a matéria de facto, a reclamada absolvição não pode deixar de soçobrar, porquanto, como se demonstra no acórdão recorrido, estão verificados os pressupostos da prática pelo arguido-recorrente dos crimes por que foi condenado, que este, aliás, não questionou, uma vez que fez dirigiu o seu ataque à decisão recorrida pondo em causa a credibilidade da prova em que assentou a sua condenação.

Uma vez que a medida da pena não foi posta directamente em causa e para efeitos de recurso, é autónoma a questão da culpabilidade relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção (cf. al. d) do n.º2 do art.403.º do CPP), não pode deixar de confirmar-se o acórdão recorrido.

Improcedem, por conseguinte, ambos os recursos.

O Ministério Público está isento de custas (art. 522.º, n.º1 do CPP).

O arguido é responsável por custas, nos termos dos art. 513.º e 514.º do CPP (na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º34/2008, de 26 de Fevereiro) e 82.º e 87.º n.º1, al. b) e 3 do CCJ.

III – Decisão

Nesta conformidade, acordam os juízes que compõem esta 2.ª Secção Criminal em julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido A, mantendo-se, em consequência, o douto acórdão recorrido.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

(Processado por computador e revisto pelo relator).

Évora, 2011-03-15

Fernando Ribeiro Cardoso (relator)

João Martinho de Sousa Cardoso (adjunto)

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[1] - É certo que o Ministério Público na motivação do recurso faz uma ou outra referência a depoimentos e declarações prestados em audiência, localizando nos suportes informáticos uma ou outra expressão, como se vê de fls.427 e 433.

[2] - Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24-3-2004.

[3] - Para tanto servimo-nos de um estudo intitulado “a criança perante o sistema legal: dados de investigação psicológica”, de que são autores Tisha R.A.Wiley, Bette L.Bottoms, Margaret Stevenson e Barbara Oudekerk, inserto no livro Psicologia Forense, editado por António Castro Fonseca, Mário R. Simões e outros, Almedina, 2006, a pág.313 e ss, bem como do acórdão da Relação de Coimbra de 15-09-2010, de que foi relator o Exmo. Juiz-Desembargador Paulo Guerra, acessível in www.dgsi.pt.

[4] - No caso do menor Vítor, o arguido ter-lhe-á dito para não contar nada à mãe (declarações para memória futura transcritas nos autos).

[5] - cf. Ceci e Bruck (1995); Eisen, Quas, Goodman, Emery e Haugaard (1998); Poole e Lamb (1998); Perona, Bottoms e Sorenson (2006); Quas, Goodman, Ghetti e Redlich (2000), citados no referido estudo.

[6] - Nos casos de abuso sexual, a codificação da informação é acidental, uma vez que a criança no momento do abuso não sabe que determinados detalhes da sua experiência têm de ser memorizados. Este facto parece aumentar as idiossincrasias inerentes ao processo de codificação.

[7] - No caso, os exames médico-legais realizados revelaram que os menores não apresentavam tendência para a fabulação, revelando capacidade para distinguir a realidade da fantasia (cf. fls.154 a 163).

[8] - Vide ainda o estudo de Isabel Marques Alberto, “Abuso sexual de crianças: o psicólogo na encruzilhada da ciência com a justiça”, in Psicologia Forense, a fls.438 a 470.

[9] - As declarações dos menores para memória futura foram prestadas na presença de uma psicóloga, a Dr.ª AP (cf. fls.251), que tem acompanhado o menor V, a qual também foi ouvida em julgamento.