Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
264/13.0TTFAR.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O trabalhador sinistrado que tenha mais de 50 anos de idade deve beneficiar do fator de bonificação de 1,5, previsto na Instrução Geral nº 5-A da Tabela Nacional de Incapacidades, na determinação do grau de incapacidade que o afeta em consequência do acidente de trabalho que o vitimou.
2. O referido fator de bonificação não viola o princípio da igualdade acolhido no art.º 13º da Constituição.

(Sumário do relator)

Decisão Texto Integral: Proc. nº 264/13.0TTFAR.E1


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Faro correu termos processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada B…, nascida a 29/6/1957, e melhor identificada nos autos, alegadamente vítima de acidente ocorrido no dia 5/4/2012, quando mediante o salário médio anual de € 22.414,36 trabalhava como cozinheira para C…, Lda., cuja responsabilidade se encontrava a D…, S.P.A..
No âmbito da fase conciliatória do processo, foi a sinistrada submetida a perícia médica, que a considerou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,06, desde 20/6/2012. Mas na subsequente tentativa de conciliação não foi possível obter o acordo das partes, em virtude de a sinistrada haver discordado do referido grau de desvalorização, e de a seguradora ter por sua vez considerado que as lesões por aquela apresentadas serem decorrentes e patologia degenerativa.
Patrocinada por advogada constituída, a sinistrada veio então apresentar petição inicial, contra a referida D… e também contra a empregadora C…, assim dando início à fase contenciosa do processo. Nesse articulado, para além de requerer a realização de nova perícia, por junta médica, pediu a condenação das RR., embora a empregadora apenas em termos subsidiários em tudo o que não estiver coberto pelo contrato de seguro, no pagamento da pensão anual e vitalícia de acordo com a incapacidade que lhe viesse a ser atribuída, do subsídio de grande incapacidade previsto no art.º 67º, nº 3, da Lei nº 98/2009, de 4/9, da indemnização de € 10.000,00 por danos morais, da quantia de € 2.589,83 por despesas já efetuadas e causadas pelo sinistro, e ainda na prestação de todos os tratamentos médicos e medicamentosos que se mostrem necessários à reabilitação da demandante.
Devidamente citadas, ambas as RR. contestaram. A parte empregadora para em síntese alegar estar a sua responsabilidade integralmente transferida para a D…. Esta, para impugnar todos os pedidos formulados, reafirmando a posição que assumira na tentativa de conciliação de considerar que as lesões da A. não resultavam de qualquer episódio traumático qualificável como acidente de trabalho, antes sendo causadas por doença natural degenerativa, e pré-existente a Abril de 2012.
Foi depois proferido despacho saneador, em cujo âmbito ficaram consignados os factos assentes, e foi elaborada a base instrutória, sendo ainda ordenado o desdobramento do processo, para fixação da incapacidade para o trabalho.
Aberto assim o competente apenso, nela veio a sinistrada a ser submetida a novo exame pericial, por junta médica, findo o qual o Ex.º Juiz proferiu despacho, declarando ter a A. ficado afetada de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 6/4 a 20/6/2012, e desde esta data de incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,06, tendo em consideração o fator de bonificação de 1,5, dado a vítima ter mais de 50 anos de idade.
Os autos transitaram entretanto para a 1ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, vindo depois, no processo principal, a proceder-se a audiência de julgamento.
E foi finalmente proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, e cujo segmento dispositivo é do seguinte teor:
A) Condena-se a R. D…, S.P.A. a pagar à A. B… o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 941,40 devida desde o dia seguinte ao da alta (21 de Junho de 2012);
B) Condena-se a R. D…, S.P.A. a pagar à A. B… o montante de € 32,00 que a A. despendeu com deslocações obrigatórias a este Tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 29 de Outubro de 2013 e até efectivo e integral pagamento;
C) Condena-se a R. D…, S.P.A. a pagar à A. B… o montante de € 106,54 (cento e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) que a A. despendeu em medicamentos e o montante de € 1.856,65 € (mil oitocentos e cinquenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) que a A. despendeu em consultas, assistência médica, tratamentos médicos e cirúrgicos, acrescidos de juros desde a data do vencimento, 21.06.2012 e até efectivo e integral pagamento;
D) Condena-se a R. D…, S.P.A. a suportar todos os tratamentos médicos, medicamentosos, intervenções, internamentos, próteses e outros que venham a ser necessários à reabilitação da sinistrada Autora;
E) Absolve-se a R. D…, S.P.A. do restante peticionado.
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Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a R. seguradora.
Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1) A alínea a) do n.º 5 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro (Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais), prevê uma bonificação de 1.5 dos coeficientes de incapacidade previstos, quando a vítima não seja reconvertível em relação ao seu posto de trabalho ou quando tenha 50 anos ou mais;
2) A referida bonificação opera, assim, de forma automática, pelo simples facto da vítima ter atingido os 50 anos de idade;
3) Considera a Recorrida que, ainda que a idade seja um factor que deve, naturalmente, ser tido em consideração na atribuição da incapacidade, não pode determinar a aplicação automática e arbitrária de uma bonificação, devendo antes ser analisado casuisticamente;
4) Com efeito, não entende a Recorrente por que motivo se tratará de forma igual uma vítima que não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e outra que, embora o seja, já atingiu determinada faixa etária, não sendo ambas as situações equiparáveis;
5) Bem como não entende por que se tratarão de forma diferenciada duas vítimas em situação idêntica, pelo simples facto de uma ter atingido certa idade;
6) Pelo que viola a supra citada norma o princípio da igualdade, ao tratar de forma igual o que é diferente e ao tratar de forma diferente o que é igual, sem qualquer justificação plausível;
7) A este propósito, entende o Professor Rui Manuel Moura Ramos, no douto parecer junto como doc. n.º 1 ao presente recurso, que o citado preceito legal se encontra desprovido de fundamento, e que essa falta de fundamento é tal que permite considerar arbitrária a solução, não se fundando, como não se funda, na realidade, em qualquer dado científico ou de experiência susceptível de a justificar”; (sublinhado nosso)
8) Questiona, designadamente, o douto parecer “porque é que uma tal bonificação seria justificada aos cinquenta anos, e não já aos quarenta ou quarenta e cinco, ou não apenas aos sessenta ou mesmo aos cinquenta e cinco? (…) porque é que tal bonificação há-de decorrer, pura e simplesmente do decurso do tempo, da simples circunstância de se atingir uma determinada idade?”;
9) A Recorrente admite que o elemento idade deve ser tido em conta, quando o envelhecimento produza uma diminuição da capacidade de ganho, isto é, quando as sequelas do acidente sejam, por esse motivo, agravadas;
10) Esse é aliás o caminho adoptado pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a qual prevê a ponderação da idade na atribuição da incapacidade, em vez de atribuir automaticamente, por esse motivo, uma bonificação, que nem sempre se justifica;
11) O legislador violou, assim, a proibição do arbítrio, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP;
12) O acórdão n.º 232/2003, de 3 de Maio, do Tribunal Constitucional Português, cita o Tribunal Constitucional Alemão ao invocar que a “máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar um motivo razoável, que surja da natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja compreensível em concreto, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada como arbitrária”. (sublinhado nosso)
13) No mesmo sentido, alega o acórdão n.º 39/88, do Tribunal Constitucional Português, que o princípio da igualdade não proíbe distinções, mas antes “proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes”. (sublinhado nosso)
14) Também a jurisprudência italiana tem considerado que o “princípio da igualdade é violado mesmo quando a lei, sem um motivo razoável, procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram em situação idêntica”. (sublinhado nosso)
15) Face ao exposto supra, é manifesto que a bonificação de 1.5 em função da idade não tem qualquer fundamento, violando a proibição do arbítrio e o princípio da igualdade, o qual “proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundada”, vide o parecer junto como doc. n.º 1;
16) A alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, no que se refere à atribuição da bonificação às vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional com idade igual ou superior a 50 anos é, assim, inconstitucional, por força do disposto no artigo 277º, n.º 1 da CRP, pois viola o princípio da igualdade;
17) Pelo que, devia o tribunal a quo ter recusado a sua aplicação, ao abrigo do preceituado no artigo 204º da CRP;
18) A IPP a atribuída à sinistrada deveria, conforme o exposto, ser de 4%, e não de 6%;
19) Pelo que a pensão a que teria direito, segundo a fórmula P = RA x 70% x 4%, seria no valor de €: 627,60 (seiscentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos);
20) Termos em que a douta sentença recorrida violou quanto dispõem os artigos 13º e 204º da CRP;
21) Devendo ser alterada nos moldes supra expostos, reduzindo-se a IPP da sinistrada para 4% e a pensão de €: 941,40 (novecentos e quarenta e um euros e quarenta cêntimos) para €: 627,60 (seiscentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos);
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Notificada da interposição do recurso, a A. não contra-alegou.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir.
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De acordo com as conclusões da alegação da apelante, que como se sabe delimitam o objeto do recurso (cfr. arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil – C.P.C.), coloca-se no caso dos autos, tão só, a questão de saber se a sinistrada, ora recorrida, deve ou não beneficiar do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5-A das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007, de 23/10, em virtude de ter mais de 50 anos de idade à data do acidente que a vitimou.
Em abono da sua tese, sustenta a seguradora recorrente que a norma em causa padece de inconstitucionalidade, por violar o princípio da igualdade acolhido no art.º 13º da Constituição.
Mas vejamos antes de mais a matéria de facto em que assentou a sentença recorrida, que foi a seguinte:
A) A Autora B… nasceu no dia 29 de Junho de 1957;
B) A Autora B… celebrou com a Ré C…, Ldª. acordo denominado “contrato de trabalho” mediante o qual se obrigou a prestar para a Ré as ordens, direcção e fiscalização, as funções atinentes à categoria profissional de cozinheira de 1ª auferindo a retribuição mensal base de 1.580,00 € (mil quinhentos e oitenta euros), acrescida do subsistido de alimentação no montante mensal de 26,76 € (vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos);
C) Em 05 de Abril de 2012 a Ré C…, Ldª. tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré D…, S. P. A, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 001210025501 000, o qual abrangia a Autora encontrando-se transferida a retribuição de 1.580,00 € (mil quinhentos e oitenta euros) acrescida de 26,76 € (vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos);
D) Foi elaborado o escrito de fls. 4 a 5 dos autos denominado “Participação de Sinistros”, no essencial com o seguinte teor: “…Identificação do cliente/entidade empregadora: Empresa C…, Lda (…) Apólice… (…) Identificação do Sinistrado. Nome do sinistrado: B… (…) Profissão: cozinheira primeira (…) Caracterização do Acidente: Data e hora do acidente: 05-04-2012 09h00m. Data e hora em que deixou de trabalhar em consequência do acidente: 05-04-2012 09h05m (…) Quem prestou os primeiros socorros: Centro Clinico Arcadas de São João- Albufeira (…) Tipo e Ambiente de Trabalho: Que tipo de trabalho estava a fazer o sinistrado no momento do acidente? A retirar caixa congelador. Onde estava o sinistrado no momento do acidente? Dentro do frigorífico. Circunstâncias do Acidente: Descreve pormenorizadamente o acidente, mencionando, designadamente os acontecimentos que deram origem à lesão, mencionando as substâncias, equipamentos e ferramentas que usava. Ao retirar uma caixa fez uma distensão muscular (…) Data do preenchimento: 05-04-2012”;
E) Na tentativa de conciliação realizada no dia 29 de Outubro de 2013, a Ré D… S.P.A. – Sucursal em Portugal não reconheceu a existência e caracterização do acidente como de trabalho e não aceitou pagar à sinistrada qualquer quantia a título de pensões indemnizações, despesas de transporte ou quaisquer outras relacionadas por entender que as lesões apresentadas pela sinistrada são decorrentes de patologia degenerativa e também por a sinistrada ter abandonado o acompanhamento clinico que lhe vinha prestando, recorrendo à assistência de entidade externas, tendo sofrido acidente pessoal situação não enquadrável no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho;
F) A Autora foi submetida a exame médico directo realizado pelo Senhor Perito médico nomeado pelo Tribunal em 05 de Agosto de 2013, o qual concluiu que a Autora/sinistrada esteve afectada de Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho (ITA) por um período de 54 dias, entre 06 de Abril de 2012 e 29 de Maio de 2012 e esteve afectada de Incapacidade Temporária Parcial para o Trabalho (ITP) de 20% por um período de 22 dias entre 30 de Maio de 2012 e 20 de Junho de 2012, e desde então está afectada de Incapacidade Permanente Parcial para o Trabalho (IPP) de 6,00%;
G) No dia 05 de Abril de 2012 cerca das 9,00 horas a Autora B… exercia a profissão de cozinheira de 1ª sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré «C…, Lda» no Hotel … em Albufeira;
H) Foi emitido o escrito de fls. 95 dos autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
I) Foi elaborado o escrito de fls. 99 dos autos, no essencial com o seguinte teor (…).
J) Por indicação da Ré D…, S. p. A.- Sucursal em Portugal, no dia 03 de Maio de 2012 a Autora esteve presente na Clinica de Todos os Santos em Lisboa onde foi feita uma radiografia e uma infiltração ao joelho direito com indicação para fazer 15 sessões de fisioterapia até 23 Maio;
K) O Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social, I. P. emitiu o escrito de fls. 115 dos autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
L) Foi elaborado o escrito de fls. 266 dos autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
M) No dia 05 de Abril de 2012 cerca das 9,00 horas no seu local de trabalho Hotel… em Albufeira a Autora quando estava a retirar um contentor com carne do frigorífico ficou com o pé preso;
N) E ao fazer a rotação sentiu dores no joelho direito;
O) Como consequência directa e necessária a Autora sofreu traumatismo do joelho direito com lesão meniscal interna;
P) Como consequência directa e necessária do descrito a Autora ficou afectada de Incapacidade Permanente Parcial para o trabalho (IPP) de 6,00%, desde o dia seguinte ao da alta que lhe foi dada em 20 de Junho de 2012;
Q) A Autora despendeu com deslocações obrigatórias a este Tribunal o montante de 32,00 € (trinta e dois euros);
R) Por ordem da Ré «C…, Lda» na pessoa de…, sub-chefe de cozinha, a A. foi transportada na viatura da empresa para o Centro Clinico das Arcadas de S. João onde foi assistida;
S) A Autora teve cirurgia marcada ao joelho direito para o dia 03 de Maio de 2012 no Hospital… em Faro;
T) Na sequência do que a Autora se deslocou diariamente de táxi para a Clinica… em Loulé para fazer fisioterapia;
U) A Autora ficou com dores que a impossibilitavam de colocar o pé no chão e de se deslocar;
V) E porque as dores se agravaram a partir do mês de Maio de 2012 a Autora teve necessidade de tratamento médico urgente, deslocando-se para o efeito ao Centro de Saúde de Quarteira sendo reencaminhada para o serviço de urgência do Hospital Distrital de Faro;
X) A Autora no dia 01 de Junho de 2012 compareceu no seu local de trabalho, mas impossibilitada de se manter de pé a Ré C… ordenou que fosse para casa, tendo ficado de baixa médica até 20 de Junho de 2012;
Y) A Autora despendeu em medicamentos o montante de 106,54 € (cento e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos);
W) A Autora despendeu em consultas, assistência médica, tratamentos médicos e cirúrgicos o montante de 1.856,65 € (mil oitocentos e cinquenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos);
Z) No dia 05 de Julho de 2012 quando a Autora se apresentou ao trabalho a Ré C… Ldª. marcou uma consulta para a mesma através da Multicare;
AA) A Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica para aplicação de uma prótese no joelho direito em 15 de Maio de 2013 com internamento no dia 14 de Maio de 2013;
BB) A Autora ainda hoje sente dores as quais se agravam quando está algum tempo sentada ou em pé, quando caminha e com as mudanças de tempo;
CC) A Autora está incapacitada para suportar pesos, correr, saltar, conduzir, tem dificuldade de subir e descer escadas;
DD) A Autora sente grande ansiedade e tristeza e chora facilmente devido às dificuldades de locomoção.
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Sendo ponto assente que ao acidente dos autos é aplicável a disciplina da mencionada Lei nº 98/2009, de 4/9, (LAT), a impugnação da sentença aqui proferida prende-se unicamente com a questão da aplicabilidade ao caso do já referido fator de bonificação de 1,5, com a consequente majoração do grau de incapacidade a atribuir à sinistrada recorrida. O recurso insere-se pois na previsão do art.º 140º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.): pretende impugnar-se a decisão que no apenso fixou a incapacidade, mas a lei processual apenas admite que essa impugnação venha a ter lugar no recurso a interpor da sentença final.
Tal decisão secundou a opinião maioritária dos Exs.º peritos que compuseram a junta médica que observou a sinistrada, e que enquadrou as lesões por ela apresentadas no Cap. I nº 12.1.4 a), da TNI, que prevê um coeficiente de desvalorização variável entre 0,03 e 0,06; sendo arbitrado à vítima um coeficiente inicial de 0,04, a aplicação do aludido fator de bonificação determinou pois que fosse de 0,06 o grau de desvalorização que à mesma veio a final a ser atribuído.
Recordemos qual é o teor da referida Instrução Geral nº 5-A, da TNI, onde se prescreve que ‘os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.’
Tendo a sinistrada nascido a 29/6/1957, tinha ela portanto mais de 50 anos de idade quando ocorreu o acidente aqui em causa, estando por isso em condições de beneficiar da majoração proporcionada por essa norma. Assim o entenderam a junta médica que a examinou, à semelhança aliás do que sucedera na perícia singular realizada na fase conciliatória do processo, e o Ex.º Juiz a quo, no despacho que decidiu a incapacidade, que não deixou de expressamente aludir também a esse fator de bonificação.
Certo é que, ao invés do que vem defendido pela recorrente, não vemos como possa tal regra de algum modo beliscar o princípio da igualdade acolhido no art.º 13º da Constituição.
Recordemos que é também a Constituição, no seu art.º 59º, nº 1, al. f), que confere a todos os trabalhadores o direito ‘a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional’. Corporizando tal princípio, no que em particular respeita à avaliação e graduação da incapacidade a atribuir, o art.º 21º, nº 1, da LAT veio precisamente estatuir que tal determinação será feita ‘em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho’ (sublinhado nosso).
Prosseguindo idêntico raciocínio, o preâmbulo do Dec.-Lei nº 352/2007, de 23/10, que aprovou a TNI, é muito claro ao sublinhar que ‘a pesquisa e o estudo que conduziram à actual revisão jamais perderam de vista os valores da justiça, igualdade, proporcionalidade e boa fé, nem descuraram também o pressuposto da humanização de um processo de avaliação das incapacidades que sempre deve ter em conta que o dano laboral sofrido atinge a pessoa, para além da sua capacidade de ganho’.
E parece-nos óbvio que um trabalhador que seja vítima de um acidente de trabalho terá necessariamente uma mais difícil e penosa reabilitação funcional quanto mais velho for, justificando por isso que a lei lhe confira uma acrescida proteção na reparação dos danos que lhe advieram do sinistro que o atingiu. Não o fazer, e ignorar que são necessariamente diferentes as capacidades físicas de um trabalhador, por exemplo, com 20 anos de idade, e de um outro com 60, que desempenhasse idênticas funções profissionais, é que seria atentar contra a regra da justa reparação dos danos, acolhida no citado art.º 59º, nº 1, al. f).
É certo que o limite dos 50 anos decorre de uma opção de política legislativa, que poderia ter enveredado por uma diferente referência etária, para mais ou para menos. Todavia, a solução em causa afigura-se perfeitamente razoável, na medida em que sinalizou uma idade que também nos parece adequada para marcar uma cada vez mais difícil possibilidade de reabilitação e reconversão profissional.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 3/3/2016[2], ‘o princípio constitucional da igualdade ínsito no art. 13º da CRP, impõe o tratamento de forma igual às situações iguais e de forma diferenciada às situações desiguais e consiste, no essencial, na proibição de discriminação, na proibição do arbítrio, na proibição da privação de qualquer direito ou isenção de qualquer dever e na efetiva obrigação de diferenciação tendo como finalidade a igualdade real). “A proibição do arbítrio constitui, um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos deflagrante e intolerável desigualdade”. Mas para além desta dimensão negativa, o princípio da igualdade comporta também uma dimensão positiva no sentido do estabelecimento de “diferenças favoráveis a certos grupos de pessoas”, como é o caso dos trabalhadores em situação idêntica à da sinistrada.’
E no Ac. da Relação do Porto de 1/2/2016[3]:
‘ … a diferenciação resulta de “razões que se prendem com a progressiva e lenta degradação das capacidades físicas e intelectuais experimentada pelas pessoas que ultrapassam o referido marco etário, bem assim como pelas crescentes dificuldades de adaptação das mesmas a um mercado laboral em constante e vertiginosa mudança, acrescida ainda da reduzida, para não dizer nula, apetência desse mercado para as reintroduzir ou manter no seu seio.”
Efectivamente, será naturalmente mais penosa a exigência da prestação de trabalho, em face das lesões sofridas, quanto mais avançada for a idade do lesado.
Pode questionar-se a opção legislativa, como se faz no aludido parecer, nomeadamente, no que respeita à idade fixada como fronteira, mas essa está subtraída ao controlo judicial.
Na esteira da jurisprudência que se referiu, entendemos também que o fator de bonificação em causa não padece pois de qualquer inconstitucionalidade, e deve por isso ser mantido na determinação da incapacidade que afeta a sinistrada ora recorrida.
Improcedem assim, e em suma, todas as conclusões da alegação da apelante.
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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela seguradora apelante.

Évora, 14-04-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator
Joaquim António Chambel Mourisco (adjunto)
José António Santos Feteira (adjunto)
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[1] (...)
[2] Disponível in www.dgsi.pt
[3] In www.dgsi.pt