Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
253/07.3 JASTB.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: DEVASSA DA VIDA PRIVADA
GRAVAÇÃO E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
DIREITO À IMAGEM
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
1. Conquanto a lei adjectiva penal tenha eleito como requisito da sentença a indicação sumária das conclusões contidas na contestação (art.º 374.º, n.º 1 al.ª d)), a verdade é que a falta de cumprimento de tal requisito não constitui nulidade, consubstanciando tão só mera irregularidade (art.º 118.º, n.º 1 e 2 e 379.º a contrario senso), a qual deve ser arguida no acto de leitura da sentença, sob pena de se ter de considerar sanada, sem necessidade nem possibilidade de reparação ou correcção, uma vez que a mesma, obviamente, não afecta o valor do acto praticado (art.º 123.º e 380.º do Código de Processo Penal).

2. O direito à imagem configura um bem jurídico-penal autónomo, tutelado em si e de per si, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade, como resulta claro da circunstância de o texto adoptado pelo Código Penal de 1982 ser o de fotografar, filmar ou registar aspectos da vida particular de outrem, expressão que em 1995 seria substituída por fotografar ou filmar outra pessoa. Trata-se de um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.

3. E sendo o objecto da protecção legal a imagem física da pessoa, embora nesta imagem prevaleça, naturalmente, o rosto, ela abrange todo o corpo.

4. Para a verificação do crime, p. e p. pelo art. 199.º, n.º2, al. b) do Código Penal, não é preciso que a imagem retratada da pessoa a desfavoreça; consuma-se independentemente do resultado ou da impressão que cause nos outros: a imagem pode ser a de uma pessoa inesquecivelmente esplendorosa e o crime ocorrerá na mesma se a sua divulgação não tiver sido consentida.
Decisão Texto Integral:
I

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, em que MF, por si e em nome de sua filha menor FA, se constituiu assistente e deduziu pedido cível contra os arguidos LF e JP, a arguida JP foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pela prática, em autoria material, concurso real e na forma consumada, de:

- Um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelos art.º 199.°, n.º 2 al.ª b) e 3, e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão), na pena de 150 dias de multa;

- Um crime de devassa da vida privada na pessoa da assistente, p. e p. pelos art.º 192.°, n.º 1 al.ª d) e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão), na pena de 190 dias de multa;

- Um crime de devassa da vida privada na pessoa da menor FA, filha da assistente, p. e p. pelos art.º 192.°, n.º 1 al.ª d) e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão), na pena de 240 dias de multa;

Em cúmulo jurídico, foi a arguida JP condenada na pena única de 400 dias de multa, à taxa diária de 20 euros, no total de 8.000 €, a que correspondem, subsidiariamente, 266 dias de prisão.

Mais foram a arguida JP e o co-arguido LF condenados no pagamento solidário à assistente e demandante cível MF a quantia de 12.500 €, sendo 5.000 € para a demandante MF e 7500 € para a menor FA, a título de danos morais.
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Inconformado com o assim decidido, a arguida JP interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

I. Há contradições entre a fundamentação e a decisão proferida.

II. A decisão proferida é vaga, pouco concretizada e circunstanciada, recorrendo, apenas e só a considerações genéricas e abstractas, logo proibidas, e subjectivas e parciais.

III. A sentença ora recorrida não tece qualquer juízo sobre a credibilidade das testemunhas e não analisa criticamente os testemunhos recolhidos nos autos, procedendo a uma selecção – cuja razão de ser não explica – parcial e insuficiente dos mesmos para justificar a decisão proferida sobre matéria de facto.

IV. O julgador não pode abster-se de cumprir o dever de fundamentação que lhe assiste, muito menos tratando-se de uma decisão condenatória, sob o pretexto de que a prova produzida se encontra gravada ficando por Isso dispensado de cumprir escrupulosamente tal ónus porque desconhece se o Arguido quer – se pode ou tem disponibilidade financeira sequer – ou se vai, efectivamente, recorrer da decisão condenatória contra si proferida!

V. Deve a decisão proferida ser completa e rigorosa e, como tal, respeitar o disposto no artigo 374.º do Código de Processo Penal, o que não acontece in casu.

VI. A argumentação de que o tribunal a quo pode abster-se de cumprir o dever de fundamentação, dever legalmente exigível, uma vez que a prova produzida está gravada e pode ser apreciada em instância de recurso, viola a lei e é inaceitável, razão pela qual inquina de nulidade insanável a sentença proferida por violação do disposto no n.º 2, do artigo 374.º do Código de Processo Penal, o que desde já se invoca nos termos do disposto
VII. Acresce que a decisão ora recorrida não se pronuncia sobre as questões levantadas pelos Arguidos nas suas contestações.

VIII. Com efeito, verifica-se com surpresa a omissão de pronúncia na decisão proferida sobre a factualidade invocada pela defesa na sua contestação, nomeadamente o manifesto interesse público do teor da entrevista realizada, e a sua comprovada fundamentação, factualidade confirmada pela prova documental e testemunhal produzidas e que, segundo constatamos, não mereceu qualquer apontamento ou referência (minimamente aceitável) na decisão ora recorrida.

IX. A decisão omite ainda a "indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada", conforme era exigível de acordo com o disposto na alínea d), do n.° 1, do artigo 374.° do CPP.

X. Quanto à omissão de pronúncia, destaca-se, ainda, a titulo de exemplo e no que concerne ao crime de exibição proibida de fotografia ilícita, a circunstância de a Arguida ter invocado e demonstrado cabalmente em sede de julgamento que a exibição da fotografia, nos termos em que ocorreu no programa de televisão em questão, tratou-se de um indesejável mas também evidente lapso que não é da responsabilidade da arguida ora recorrente.

XI. Lapso com relevância penal e que a sentença recorrida não aprecia com rigor ou de modo minimamente aceitável, pois que não afasta ou confirma essa factualidade, tanto que não bastava a singela referência na decisão ora recorrida a um "erro" — vide fls. 30 da decisão ora recorrida:

XII. A questão sub judice nada tem que ver com o erro indicado, colocando-se antes ao nível do tipo subjectivo de ilícito exigível para punição do crime de exibição de fotografias ilícitas e que, manifestamente, não está minimamente preenchido no que à Arguida respeita.

XIII. Aliás os factos descritos relevam ainda para efeitos da determinação da consciência da ilicitude da Recorrente, pois se a Recorrente exigia e impunha que as fotografias a exibir tivessem necessariamente um tratamento, esta estava convencida - e bem - que tal modus operandi não preenchia o tipo de ilícito criminal por que foi indevidamente condenada.

XIV. Pelo que desde que tal procedimento fosse cumprido, nenhuma responsabilidade criminal daí lhe adviria.

XV. Do exposto, para além de que incumbia à acusação demonstrar que a Recorrente se conformou ou que quis mesmo praticar o crime de exibição de fotografia ilícita, o que não sucedeu nos autos, resultam duas conclusões essenciais.

Em primeiro lugar, se a fotografia não foi exibida com os cuidados regulamentados, usuais resultantes da prática costumeira na TVI, então a Recorrente não podia conformar-se - como não se conformou! - com a exibição da fotografia nos moldes em que veio a ocorrer, e bem assim com a intenção criminosa que se lhe imputa nos autos.

Em segundo lugar, se a Recorrente entendia que os cuidados regulamentados pela TVI para a exibição de fotografias eram adequados a afastar a imputação do crime de exibição de fotografia ilícita, revela-se assim incompatível a tese do dolo, muito menos directo, da Recorrente, como se sustenta na decisão ora recorrida.

XVI. A decisão recorrida não podia bastar-se com uma análise meramente superficial e parcial dos factos, nem sequer alicerçada nas regras de experiência e da lógica comum.

XVII. Porque até mesmo uma apreciação baseada nas regras da experiência e da lógica comum permitiria concluir, com peculiar certeza, que a Arguida, não conhecendo nem o Arguido nem a Assistente e sendo responsável por um programa de televisão como o descrito nos autos, nenhuma motivação teria para agir com dolo directo, como se afirma, recorrendo à sua actividade profissional e à posição de coordenadora do programa para prosseguir fins ilícitos, em particular para devassar a vida privada da Assistente, da menor e, há que não esquecer, também a do Arguido e, promover a exibição da fotografia ilícita nos termos em que lhe é imputado.

XVIII. Dizem-nos as regras de experiência e da lógica comum, que a coordenadora de um programa de televisão não prossegue o referido fim, a menos que algum relacionamento pessoal ou motivação concreta existissem para justificar tal actuação, o que não foi sequer indiciado nos presentes autos, pelo que não bastava concluir-se que a Recorrente agiu com dolo, era exigível a produção de prova no sentido da demonstração o dolo que se lhe imputou!

XIX. Da análise da prova produzida é possível concluir que, no exercício das suas funções e no que aos factos que lhe são imputados respeita, a Arguida jamais agiu com dolo eventual, muito menos directo.

XX. Mais, ficou sobejamente comprovado que a Arguida não se conformou com o resultado que se lhe imputa, ou seja, quer com a alegada prática do crime de devassa da vida privada, quer com a alegada prática do crime de exibição da fotografia ilícita, nos termos em que ocorreu, como expressamente afirmou e repetiu ao longo das suas declarações - Declarações registadas em acta de audiência datada de 24/02/2011, gravação iniciada pelas 15:45, com a referência Citius n.º 8818115

XXI. A Recorrente não admite nem aceita que a decisão ora recorrida tenha sido proferida com base em lugares comuns, preconceitos e ideias preconcebidas sobre a culpabilidade do Réu, nomeadamente, com base na ideia tão em voga de que existiu no caso dos autos a comummente apelidada "alienação parental" por parte do Arguido LF.

XXII. Evidenciou pois o tribunal a quo uma convicção prévia, que viciou a produção da prova e, naturalmente, a sua justa e correcta apreciação.

XXIII. E assim foi desde o primeiro momento, desde a tomada de declarações da Arguida, tendo esta sido instada pelo julgador nos termos já supra transcritos no artigo 44.º das presentes motivações (minutos 00:06:55 das declarações da Recorrente prestadas no dia 24/02/2011, gravação iniciada às 15:45 conforme acta de audiência de discussão e julgamento com referência citius n.º 8818115).

XXIV. Do Despacho de Arquivamento a que se alude consta a fls. 327 a 331 dos autos, e que, contrariamente ao que é sustentado pelo julgador, do mesmo não resulta minimamente que os factos imputados à Assistente eram ou são "mentira".

XXV. Estamos pois perante um arquivamento determinado nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 277.° do CPP e não nos termos do n.° 1, ou seja, os elementos probatórios constantes do processo não permitiram concluir que a Assistente tivesse sido a autora de abuso sexual da menor em questão, mas tal não significa, automaticamente, que a Assistente não os tenha praticado e que a imputação formulada pelo Arguido, ora Recorrente, fosse mentira, como o afirmou o tribunal a quo em instâncias à Arguida!

XXVI. O Despacho de Arquivamento não podia concluir pela inexistência de abusos sexuais perpetrados sobre a menor, já que os relatórios periciais constantes dos autos expressamente o consagraram como realidade que não podiam afastar após a observação da mesma.

XXVII. É isso que resulta do Relatório do Instituto de Medicina Legal, datado de 14/09/2007 (fls. 19 a 22 dos autos) elaborados pelos Médicos Peritos Dr.ª Anabela e o Dr. Saychuk, do relatório da Testemunha Dr.ª Isabel. (fls. 149 e 150 dos autos) e do relatório do Instituto de Medicina Legal, datado de 19/12/2007, elaborado pela Dr.ª Anabela (fls. 170 a 173 dos autos).

XXVIII. Daqui resulta que os elementos probatórios constantes dos autos (verdade processual) não permitem concluir que a mesma tenha sido autora desses factos e não que a Assistente, ora recorrida, não tenha praticado os actos que o Arguido lhe imputou.

XXIX. Olvidou, assim, o tribunal a quo, a distinção entre verdade material e a verdade processual, violando grosseiramente o disposto no n.º 2, do artigo 277° do CPP.

XXX. Pelo que a singela conclusão, a contrario, de que não tendo sido possível demonstrar processualmente que a assistente praticou os factos descritos, comprova que os factos imputados pelo Arguido à Assistente são falsos, é absolutamente inadmissível e inaceitável.

XXXI. Ademais, salienta-se, a tónica do despacho de arquivamento assenta essencialmente na indefinição da Autoria e não na inexistência do Crime de abusos sexuais sobre a menor.

XXXII. É que o despacho proferido não exclui - nem podia - a hipótese de terem sido efectivamente praticados os referidos factos.

XXXIII. Pelo que apesar de não poder afirmar-se categoricamente que tenha sido a assistente a praticá-los, por falta de indícios probatórios nos autos, existe ainda assim uma probabilidade séria, real e não ficcionada de a menor ter sido vítima de abusos sexuais, enquanto estava à guarda da assistente, conclusão que não foi afastada pelo despacho de arquivamento.

XXXIV. O despacho de arquivamento proferido nenhuma influência podia ou pode ter na discussão dos presentes autos, não podendo a conduta da Arguida ser apreciada à luz de um conhecimento contemporâneo que ela não tinha e que não podia ter, pois que o despacho de arquivamento só foi proferido muito posteriormente à realização do programa.

XXXV. Ora, ainda que o teor e o sentido do despacho de arquivamento relevassem para efeito de apreciação da conduta da Arguida, certo é que esta nunca foi notificada do mesmo, pelo que dele nunca teve conhecimento.

XXXVI. Pelo que ainda que o despacho de arquivamento fosse peremptório em afastar a responsabilidade da Assistente — que não foi — o teor deste nunca poderia relevar na apreciação da responsabilidade da Arguida pela emissão do programa de televisão em causa.

XXXVII. Assim, apenas releva para efeitos de decisão o conhecimento dos factos nos exactos termos narrados pelo Arguido à Editora PR, funcionária da TVI, o teor dos documentos então apresentados pelo Arguido e o juízo de fidedignidade que aquela editora fez da história que lhe foi por aquele contada.

XXXVIII. Pelo que o Tribunal a quo não podia apreciar para efeitos de decisão final o teor do despacho de arquivamento proferido, tão pouco instar a Arguida sobre o mesmo e, muito menos, nos termos persecutórios em que o fez.

XXXIX. O mesmo se dirá em relação à tomada de declarações do Arguido em que, mais uma vez, o tribunal evidenciou, em pleno julgamento, o preconceito e o pré-juízo que tinha em relação ao Arguido e a convicção que havia já (precocemente e sem elementos suficientes) formulado da sua (falta de) credibilidade.

XL. A parcialidade manifestada resultou antes de uma interpretação jurídica incorrecta e proibida por lei do teor do despacho de arquivamento supra invocado, e das suas consequências jurídicas, o que comprovadamente condicionou a posterior apreciação da prova produzida e o desprezo por alguns meios de prova.

XLI. Interpretação errónea que o julgador manifestou publicamente, no início do julgamento, expondo claramente a convicção da culpabilidade dos arguidos, antes de ouvidos e produzida qualquer prova.

XLII. O julgador não ofereceu garantias de imparcialidade e de isenção, manifestando, pela pré-interpretação que fez dos factos, um comprometimento com um pré-juízo acerca do thema decidendum".

XLIII. Pré-juízo que naturalmente faz inquinar a decisão final proferida de que ora se recorre sendo, pois, manifestas e muito graves a violação do Princípio da presunção da inocência dos Arguidos, princípio constitucionalmente consagrado no n.º 2, do artigo 32.º da CRP, e bem assim a violação do dever de imparcialidade que assistia ao julgador e que este claramente incumpriu, que têm de conduzir à Nulidade da Sentença proferida, devendo proferir-se nova decisão que absolva a Recorrente.

XLIV. A decisão proferida sobre a matéria de facto provada merece ser revogada, uma vez que a Recorrente entende produzida prova bastante nos autos da inocência da Arguida, o que reconduz necessariamente à sua absolvição.

XLV. Face a toda a prova produzida os factos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.14, 2.1.17 e 2.1.18, deveriam ter sido julgados não provados, o que ora se requer nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 412.° do CPP.

XLVI. Das declarações prestadas pela Recorrente resulta precisamente o contrário do aferido na decisão ora recorrida no que concerne aos factos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.14, e das conclusões constantes dos pontos 2.1.17 e 2.1.18.

XLVII. Quanto aos Factos 2.1.4 e 2.1.5 ficou sobejamente demonstrado nos autos que embora à Recorrente assistisse formalmente as funções de coordenação do programa "xxxx", na prática inexistia um controlo efectivo, directo e presencial das matérias objecto de exibição no programa e muito menos um conhecimento efectivo das histórias abordadas em concreto e das demais rubricas do mesmo, de que o caso dos autos é paradigmático.

XLVIII. Quem "geria" de facto, in loco, e tomava decisões sobre a orgânica do programa, nomeadamente, sobre os temas a tratar nos espaços de entrevista, as histórias concretas a analisar, quem realizava a pesquisa e controlo de fidedignidade das mesmas eram os editores do programa e, no caso vertente, a editora PR, testemunha nos presentes autos.

XLIX. Existiam regras jornalísticas de controlo e de cautela apertadas relativamente às histórias a tratar e ao modo de exibição de fotografias que teriam de ser rigorosa e forçosamente cumpridas, impostas pela TVI e prosseguidas e reiteradas pela Recorrente, independentemente de esta na prática (apesar de conhecer os conteúdos genéricos dos programas) não tomar qualquer decisão sobre a orgânica diária do programa de televisão nem sobre as histórias a tratar.

L. Tal resulta da fundamentação da própria decisão recorrida - ainda que de forma incompleta e por vezes até nitidamente parcial - a reconhecer a delegação de poderes invocada e a inexistência de conhecimento efectivo e concreto pela ora Recorrente do concreto teor das histórias a tratar e dos seus exactos contornos, e em particular da história do caso vertente, sendo manifesta a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

LI. Veja-se a título de exemplo a motivação da decisão de facto, em particular o primeiro parágrafo de fls. 11, respeitante às declarações da ora Recorrente e bem assim o resumo do depoimento constante da decisão recorrida respeitante à Editora PR, fls. 13 e 14 da decisão recorrida.

LII. O programa de televisão tem regras definidas a priori sob pena de a Recorrente e a TVI não se conformarem como resultado final.

LIII. Nem a TVI nem a Recorrente actuam voluntária e conscientemente de modo ilícito, tão pouco se conformam com resultados proibidos, como o que se imputa à Recorrente nos presentes autos.

LIV. Tendo em conta a prova gravada e os depoimentos identificados supra, a Recorrente não podia ser condenada pela prática dos crimes que lhe foram imputados, muito menos a título doloso (dolo directo, como?!) quando não teve conhecimento efectivo e concreto dos factos objecto de tratamento no programa e por mais que se diga que teve conhecimento do teor genérico do conteúdo do espaço da entrevista.

LV. O Facto 2.1.4 deveria ter sido julgado não provado e o Facto 2.1.5, deveria ter sido julgado provado mas com a devida ressalva de que a face da menor não seria visível ou reconhecível nas fotografias a exibir, ou seja salvaguardando-se a sua imagem.

LVI. Quanto ao facto 2.1.14 damos ora novamente por reproduzida a argumentação expedida sobre os factos 2.1.4 e 2.1.5 indevidamente dados como provados, acrescentando que o Arguido não deu autorização à Editora PR para exibir as fotografias que lhe entregou numa "pen" – conforme Facto provado 2.1.8 – sem o devido tratamento de imagem, ou seja, sem que lhes fosse aposto um blur, ou seja uma mancha desfocada sobre a sua face, para que a mesma não pudesse ser reconhecida.

LVII. Foi essa, aliás, a condição sine qua non da exibição das referidas fotografias, conforme resulta até da própria decisão recorrida: depoimento do Arguido LF - 7.º Parágrafo de fls. 11 da decisão recorrida; depoimento da testemunha PR - 6.º Parágrafo de fls. 13 da decisão recorrida.

LVIII. Julga-se, pois, que o Facto 2.1.14 deveria ter sido julgado não provado.

LIX. Quanto ao Facto 2.1.17 dir-se-á que a decisão sobre o facto a que ora nos reportamos gera contradição insanável na descrição e apreciação da conduta da Recorrente, nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

LX. A Recorrente não pode ser punida por "ter a intenção de não se opor à sua divulgação" e simultaneamente agir com dolo directo no sentido de determinar a exibição da mesma, como resulta da decisão recorrida ao sustentar-se que conseguiu com a sua conduta o propósito proibido de devassar a vida da Assistente e de exibir a fotografia da menor, nos termos em que veio a acontecer.

LXI. Não pode a Recorrente ser punida simultaneamente por omissão e por acção, pois que o primeiro implica uma conduta passiva que permite a produção do efeito, ou seja que permite a prática do crime e aceita os respectivos efeitos, e a segunda implica uma conduta activa dirigida e adequada à produção de um resultado específico, proibido.

LXII. Não se encontra minimamente demonstrado nos autos que a Arguida tenha querido ou sequer permitido qualquer resultado proibido por lei, muito menos que se tenha conformado coma prática de qualquer crime.

LXIII. Foi demonstrado que a Recorrente indagou junto da Editora PR se a história a tratar na entrevista em causa, estava devidamente fundamentada e se estava em condições de poder ser objecto de entrevista em directo, ou seja, se respeitava todas as regras internas indispensáveis ao seu tratamento e análise em directo, no referido espaço de entrevista no programa "xxx"- resumo de depoimento da Recorrente JP - 1.º Parágrafo de fls. 11 da decisão recorrida.

LXIV. A Arguida não permitiu, como era regra imposta, assente e conhecida pelos Editores do Programa, que fossem tratados assuntos sem a devida e necessária pesquisa da história ou que fossem exibidas fotografias sem a devida salvaguarda da identidade dos intervenientes, sobretudo nos casos em que as mesmas respeitassem a crianças.

LXV. Pelo que a exibição da fotografia nos moldes em que veio a ocorrer tratou-se, inequivocamente, de uma erro, de um lapso, que a decisão recorrida não logrou afastar e que a Recorrente demonstrou ter ocorrido sem culpa sua e através da profusa prova que produziu nesse sentido, conforme resulta expressamente, até, dos resumos dos depoimentos constantes da decisão recorrida.

LXVI. Julga-se, pois, que o Facto 2.1.17 deveria ter sido julgado não provado.

LXVII. Quanto ao Facto 2.1.18, dir-se-á que ficou sobejamente demonstrado que a Recorrente em momento devassou ou pretendeu devassar fosse quem fosse.

LXVIII. A Recorrente enquanto coordenadora do programa de televisão em questão não tem, nem nunca teve, o intuito de, neste ou em qualquer outra emissão deste programa prosseguir ou permitir que quem quer que fosse se servisse do mesmo para praticar crimes.

LXIX. O programa de televisão objecto de apreciação dos presentes autos não foi excepção, não resultando minimamente demonstrado nos presentes autos que a Recorrente os tenha querido praticar ou que se tenha conformado com a sua prática, ónus de prova que incumbia à acusação, e que não foi cumprido.

LXX. A Recorrente trabalha exclusivamente para canais de televisão sendo a sua imagem, a sua ética profissional e a sua actividade bens que a mesma preza e que não pode manchar, tão pouco pode dar-se ao luxo de perder.

LXXI. Razão pela qual a Recorrente impunha o cumprimento estrito e rigoroso de regras específicas pelos editores do programa para que o mesmo não suscitasse o mínimo de dúvidas quanto aos conteúdos, quanto à pesquisa das histórias e controlo da sua fidedignidade e quanto à salvaguarda da identidade das pessoas envolvidas.

LXXII. Os autos comprovam-no à saciedade, bem como as regras da experiência e da lógica comum, contrariamente ao que se afere na decisão recorrida.

LXXIII. As regras de experiência e a lógica comum permitem concluir que a Recorrente jamais actuaria de molde a pôr em risco a sua carreira profissional a menos que um móbil muitíssimo forte o determinasse, que a Acusação não demonstrou em sede de julgamento e que não pode reconduzir, como reconduziu erradamente sem mais, à punição da Recorrente pela prática dos referidos a título doloso.

LXXIV. O referido programa seguia regras fundamentais – veja-se o resumo de depoimento da Recorrente JP – a partir do 3.º Parágrafo de fls. 11 da decisão recorrida; resumo de depoimento da testemunha ML – a partir do 8.º Parágrafo de fls. 15 da decisão recorrida;

LXXV. Pelo que a apreciação da matéria de facto provada deveria reconduzir a uma decisão que julgasse o Facto 2.1.18 não provado.

LXXVI. O espaço televisivo em questão, como o respectivo visionamento o comprova, consistiu numa entrevista realizada ao co-arguido que, ao longo da mesma, demonstrou primordialmente e, acima de tudo, uma profunda preocupação pelo bem estar da sua filha.

LXXVII. Preocupação que se reputou genuína e verdadeira, porque o discurso do co-arguido sempre se apresentou fluido e bastante credível, sendo notória e perfeitamente convincente a dor que exprimia.

LXXVIII. O co-arguido apresentou, ainda, diversos documentos à produção da TVI, em particular à editora do Programa PR, que comprovam a sua versão dos factos, nomeadamente o relatório da Sr.ª Dr.ª Isabel – testemunha nos presentes autos – datado de 05/02/2007, no qual se evidencia a negligência da Assistente e o relato espontâneo da menor dos abusos sexuais perpetrados pela sua mãe, ora Assistente – vide documentos constantes de fls. 149 e 150 dos autos.

LXXIX. A Editora PR solicitou ao Arguido diversos elementos documentais, para que esta pudesse apurar a fiabilidade da história que lhe estava a ser transmitida, sem os quais – e sem uma análise prévia das mesmos pela referida editora – não seria possível realizar a entrevista e abordar o tema no mencionado programa.

LXXX. O Arguido agiu em conformidade, enviando os elementos que tinha em seu poder ao cuidado da referida Editora e não à Recorrente, que nunca os viu, nem analisou o seu teor.

LXXXI. A Recorrente confiou que os Editores do Programa agissem em respeito escrupuloso pelas regras internas e de tratamento dos temas, pois se assim não fosse não se conformaria com o resultado.

LXXXII. Cabia à editora PR a depuração e corroboração das histórias transmitida pelos entrevistados através do confronto com os elementos fornecidos pelos mesmos, ou seja, servindo necessariamente de crivo e controlo prévios à emissão das mesmas, tendo esta, no caso vertente, ficado convencida de que o relato tinha fundamento, e que os alegados maus tratos de um progenitor, sempre justificavam e justificam a sua discussão num programa de televisão, dado o seu manifesto interesse público.

LXXXIII. O Arguido já havia estado anteriormente noutro canal de televisão, mais concretamente no Jornal da Noite, da SIC, em 21/11/2006, aí relatando e descrevendo os maus tratos de que menor era vítima por parte da Assistente, conforme decorre do depoimento.

LXXXIV. Tal emissão encontra-se disponível online e pode ser livremente visionada por qualquer cidadão que tenha acesso à Internet, em http://videos.sapo.pt/151OWkriw7cMBcMdOW4z.

LXXXV. Pelo que para além da TVI, também a SIC, alguns meses antes havia entendido credível o Arguido e o seu depoimento, o que constituía uma segurança acrescida para a Editora em questão.

LXXXVI. Nessa entrevista (concedida à SIC) era omissa a versão da Assistente o que, no entanto, não impediu a sua a emissão, sem quaisquer objecções por parte daquela tanto quanto se sabe.

LXXXVII. Regressando à entrevista concedida pelo Arguido à TVI, pretendeu-se desde logo, a partir daquele relato, informar os telespectadores sobre o modo como poderiam detectar situações de abuso sexual de menores, como sinalizar, como reagir, quem alertar, como proteger, como cuidar.

LXXXVIII. Foi justamente esse o tratamento que foi dado ao relato apresentado pelo co-arguido, tendo sido desse modo, ou seja em abstracto, abordado pelos apresentadores e pela técnica especializada convidada expressamente para o efeito.

LXXXIX. De facto, foi essa a abordagem da então convidada, a Dr. MS, Presidente do Instituto Português de Mediação Familiar, que procurou de forma pertinente e eticamente irrepreensível, facultar algumas dessas respostas.

XC. Contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, a Recorrente não usou tal rubrica para imputar de forma gratuita, injustificada fosse o que fosse à mãe da menor em causa, ora assistente, ou sequer à menor, cujos nomes nunca são mencionados.

XCI. Sempre se assumiu, ao longo de toda a entrevista realizada, que os factos descritos pelo co-arguido constituíam apenas uma versão, a do pai da menor, faltando ouvir a da mãe.

XCII. Tal foi, aliás, clara e expressamente mencionado quer pela convidada, logo no momento da sua primeira intervenção – a 59:04 minutos do CD contendo a gravação - quer pelos apresentadores – a 59:52 minutos do mesmo - de molde a que os telespectadores não tivessem dúvidas do cariz parcial do relato que lhes era apresentado.

XCIII. Tudo para que o espectador não formulasse um juízo injusto e precipitado na decorrência da entrevista.

XCIV. O telespectador, por muito que isso custe a admitir, pensa autonomamente e é capaz de pensar pela sua cabeça e de emitir uma opinião racional e ponderada, devendo ser bem informado e devidamente esclarecido, o que aconteceu in casu.

XCV. De facto, foi claramente desse modo que declarações do co-arguido foram recebidas não só por quem o interpelou mas também por quem o viu e ouviu, ou seja, pelos telespectadores.

XCVI. Aliás, é curioso referir que nenhuma das testemunhas arroladas pela Assistente, acreditou no relato feito entendendo mesmo que o tratamento dado às declarações do Arguido, quando acompanhada pela indicação de que se as mesmas correspondiam a uma versão da história, ainda que profusamente documentada, seria bastante para convencer o telespectador a não formular juízos acusatórios contra a Assistente.

XCVII. Resulta, pois, de todo o exposto, que foi constante e bem evidente ao longo de toda a entrevista a referência à parcialidade do relato, tendo o mesmo sido sobejamente referido – reitera-se - pela convidada a Sr.ª MS.

XCVIII. Razão pela qual os comentários, ou as considerações pessoais tecidas pelos apresentadores sobre os factos que lhes estavam a ser narrados, se fizeram sempre acompanhar da menção expressa de que os mesmos correspondiam apenas a uma versão da "história".

XCIX. Ora só por si e face a tal cautela indesmentível da Produção, diga-se dos editores, apresentadores e convidada, cai por terra a imputação ora formulada pela assistente de que a Recorrente, através da orientação que deu ao referido programa - ou que deixou de dar, na tese sustentada na acusação - pretendeu devassar a vida da Assistente e da Menor!

C. A Recorrente não o fez, não o faria, nem nunca o admitiria no exercício das suas funções, até porque não conhece as pessoas nem a move qualquer interesse neste caso, senão o interesse público.

CI. Nem tão pouco colhe o argumento de que o conhecimento prévio do teor da entrevista a levar a cabo pelos apresentadores constitui demonstração cabal do animus difamandi da Arguida ao permitir que a mesma fosse exibida ou prosseguisse no ar, nos termos em que o foi.

CII. Como vimos, a preparação prévia das entrevistas visa justamente impedir que os relatos se transformem em julgamentos públicos eivados de convicções pessoais em vez de factos ou certezas.

CIII. Ainda assim, sempre se dirá, que o programa em questão foi emitido em directo, pelo que a arguida não podia ser responsabilizada pelo teor de afirmações proferidas inesperadamente pelo seu entrevistado - e muitas foram de facto inesperadas até para os próprios entrevistadores! - a menos que tivesse tido previamente conhecimento do seu teor difamatório ou injurioso, o que não foi manifestamente o caso.

CIV. É que é muito diferente afirmar-se que a Recorrente tinha tido "conhecimento prévio do teor das declarações a prestar pelo Arguido" - que nem sequer teve, quando muito conhecimento em abstracto do tema a tratar – do facto da Recorrente ter tido alguma vez conhecimento prévio das respostas que foram dadas, espontaneamente, em directo, às perguntas formuladas pelos apresentadores daquele programa.

CV. Na verdade as entrevistas são previamente preparadas para salvaguarda do rigor da informação a transmitir ao telespectador e bem assim para prevenir eventuais situações de desrespeito pelos direitos fundamentais dos intervenientes ou sujeitos referenciados na Entrevista.

CVI. Ora in casu, como aliás acontece em todos as emissões deste programa, antes do início do mesmo a editora PR transmitiu ao Arguido as regras inerentes à emissão de um programa em directo.

CVII. Tendo ficado bem delineadas as fronteiras do que podia e não podia ser dito, do que devia e não devia ser exibido.

CVIII. A fotografia que veio a ser exibida na emissão em causa - composta por uma imagem do co-arguido com a sua filha abraçados – encontrava-se entre diversos documentos entregues numa "pendrive" à mencionada editora pelo co-arguido LF, no dia da emissão do programa televisivo sub judice, ou seja, no próprio dia 25/05/2007!

CIX. Tal fotografia foi entregue pelo Arguido a PR, tendo este autorizado a reprodução da referida fotografia, sob condição inultrapassável de a imagem de sua filha aparecer desfocada.

CX. Foi esse o procedimento combinado e reciprocamente aceite na sequência da entrega pelo co-arguido à Produção das fotografias constantes na referida Pendrive, conforme resulta à saciedade dos depoimentos prestados - constantes da decisão recorrida e dos depoimentos prestados:

CXI. O referido lote de fotografias havia sido visionado pela Sr.ª PR em conjunto com o co-arguido, que as foi comentando interpoladamente, momentos antes do início da emissão do programa.

CXII. Sucede, porém, que já durante a entrevista do Arguido, no momento em que a fotografia "seguiu para o ar", por lapso que se assume expressamente - mas a que a ora arguida é completamente alheia - esta foi exibida sem qualquer tratamento, ou seja, sem que a imagem da filha do co­arguido e da assistente, aparecesse devidamente desfocada.

CXIII. Tal facto foi constatado ao fim de poucos segundos pelos técnicos do Programa e pela Produção, o que levou a que a fotografia fosse, de imediato, retirada do ar, não tendo sido exibida mais nenhuma vez durante a entrevista.

CXIV. Isto porque não se previu, nem tão pouco se quis, a exibição da fotografia nos termos em que o foi efectivamente, pois se fosse esse o intuito nada teria impedido - na tese sustentada pela decisão recorrida - a TVI de continuar a exibir até à exaustão as fotografias em causa.

CXV. Verdade é que tal não constituiu o acordado com o co-arguido, não sendo sequer esse o procedimento regulamentado, nem tão pouco a postura prosseguida quer pela Recorrente, quer pela sua entidade patronal.

CXVI. Em rubricas similares naquele programa de televisão, quer emitidas antes, quer depois daquela emissão, foram exibidas dezenas de fotografias, mas sempre com as imagens desfocadas.

CXVII. Nem a Recorrente aceitaria de outro modo, já que os seus programas não visam explorar a imagem, nem violar direitos dos cidadãos, mas antes chamar à atenção para a realidade social dos nossos dias.

CXVIII. Assim, a exibição breve da fotografia em causa, constitui, na verdade, um lamentável lapso que não mais, durante a entrevista, se cometeu e que só aconteceu, contra as regras estabelecidas.

CXIX. Um imprevisto que a Recorrente não determinou, que não pôde obviar, mas que assume, como responsável última do programa, embora tenha dado expressamente ordens para que tal não acontecesse, não se conformando com esse resultado.

CXX. Parece assim evidente que inexistiu qualquer dolo, nem meramente eventual, por parte da Recorrente, quando da exibição da referida fotografia, pelo que, inexistindo qualquer conduta dolosa da Recorrente passível de violar os bens jurídicos invocados, nomeadamente, o direito à imagem da filha do co-arguida e da assistente, não podia esta ter sido punida por esse mesmo facto.

CXXI. Não obstante, sempre se dirá que os factos descritos não preenchem a tipicidade dos crimes que ora se imputam à arguida.

CXXII. De facto, é bem evidente que a Recorrente jamais devassou a vida privada da assistente, não se preenchendo os requisitos da tipicidade objectiva e, muito menos, subjectiva, que compõem a incriminação da tal conduta.

CXXIII. Por outro lado, atenta a redacção e alcance do crime de gravações e fotografias ilícitas, também não se julgam preenchidos os requisitos materiais, nem tão pouco a tipicidade objectiva e subjectiva ínsita, devendo a Recorrente ser absolvida dos crimes porque vem injustamente acusada nos presentes autos.

CXXIV. É ainda devida uma palavra final respeitante ao manifesto interesse público da presente entrevista e à análise (errada e contrária ao elementos constantes dos autos) que o tribunal a quo fez da fidedignidade do relato feito pelo Arguido na entrevista sob apreciação.

CXXV. Os elementos probatórios constantes dos autos, merecem uma rigorosa e integral análise terá de ser realizada por por V.Exas, já que o respectivo teor confirma a tese do Arguido, credibilizando-a ainda mais e, por outro lado, comprova que a exposição feita pelo mesmo no programa "xxxx", reproduziu o entendimento dos especialistas que acompanharam o caso, nomeadamente o parecer da Dr.ª Isabel — fls. 149 e 150 dos autos.

CXXVI. É que a Investigação realizada nos presentes autos permitiu descortinar factos muitíssimo relevantes que vêm precisamente comprovar a versão dos factos invocados pelo Arguido, contrariamente ao que sustenta a decisão recorrida e ao que defendia o julgador quando das instâncias à Recorrente e ao Co-arguido.

CXXVII. Tal entendimento resulta cristalino da análise dos seguintes documentos: Relatório do Instituto de Medicina Legal, datado de 13/09/2007 – fls. 19 a 22 dos autos; Informação/Parecer da Dr.ª Isabel, datado de 05/02/2007 – fls. 149 e 150 dos autos; Relatório Pericial Psicológico, da autoria da Dr.ª Manuela datado de 12/10/2007 – fls. 154 a 156 dos autos; Relatório do Instituto de Medicina Legal, datado de 19/12/2007 – fls. 170 a 173 dos autos; Comunicações do Arguido dirigidas à Comissão Nacional de Protecção Crianças e Jovens, datadas de 18/03/2007 e 3/07/2007 – fls. 284 a 296 e 300 dos autos; Exposição escrita do Arguido dirigida ao Juiz de Direito do Processo n.° 451/04.1TMST8-D, datada de 15/10/2008 – fls. 302 a 312 dos autos;

CXXVIII. Conclui-se que, na entrevista realizada no programa "xxxx", o Arguido mais não fez do que dar por reproduzidos os elementos existentes à data.

CXXIX. O Arguido jamais manipulou a menor porquanto resultou demonstrado nos presentes autos, que a menor relatou de forma espontânea aos técnicos que a observaram, como aliás referiu em sede de Julgamento a Dr.ª Isabel – vide depoimento prestado em audiência datada de 25/03/2011, a que corresponde a acta com referência citius n.º 8936881, iniciado às 16:01, em particular as passagens correspondentes aos minutos 00:03:00 e 00:03:10, 00:07:06 e 00:07:20, 00:25:10 e 00:26:40, 00:32:23 e 00:37:24, do referido depoimento.

CXXX. Aliás, na sequência da pergunta do Ministério Público "A Dr.ª na sua informação de 2007 e a ida ao programa dizer-se da manipulação sexual coincide com a sua observação?" a testemunha respondeu objectivamente reconhecendo a importância da sua informação para a formação da convicção do pai da menor, aqui arguido, convicção que expressou no programa de televisão sob apreciação, no seguinte sentido: "foi despoletado por mim, entre aspas!" — vide passagem do depoimento desta testemunha registado na acta de entre os minutos 00:21:40 e 00:22:37 da gravação realizada no dia 25/03/2001 pelas 16:01.

CXXXI. A mencionada testemunha entendeu espontâneo e credível, não apenas o relato da menor, mas também o Arguido, afastando qualquer tipo de manipulação por parte deste, pelo que nenhum juízo de reprovação pode fazer-se à Recorrente, porque não conhecia o Arguido, nem a sua concreta história.

CXXXII. Não foram minimamente demonstrados os Danos invocados pela Assistente/Demandante, pelo que não tendo sido produzida prova credível da sua verificação os Pedidos Cíveis formulados deveriam ter sido julgados improcedentes!

CXXXIII. Não se demonstrou que os factos invocados tenham resultado directa, ou sequer indirectamente, da exibição do programa "xxx" sob apreciação. Já que foi referido pelas testemunhas arroladas pela Assistente/Demandante, o Arguido havia já estado na SIC, em especial no "jornal da noite", relatando já então os maus tratos que a Assistente alegadamente dava à menor, não tendo conseguido as testemunhas arroladas, nomeadamente MM, SP, AG, garantir com certeza que tenham sido os factos sob apreciação nos presentes autos a provocar os danos invocados pela Assistente.

CXXXIV. Veja-se, por exemplo o depoimento de: EM – depoimento prestado em 24/02/2011, iniciado pelas 16:20:39, registado na acta de audiência de discussão e julgamento com a referência citius n" 8818115, em especial nas passagens correspondentes aos minutos 00:14:10 a 00:15:05, 00:15:17 a 00:17:10 do seu depoimento; SP - depoimento prestado em 24/02/2011, registado na acta de audiência de discussão e julgamento com a referência citius n.2 8818115, em especial nas passagens correspondentes aos minutos 00:14:10 a 00:15:05, 00:15:17 a 00:17:10 do seu depoimento; e AG - depoimento prestado em 24/02/2011, iniciado pelas 17:03:36, registado na acta de audiência de discussão e julgamento com a referência citius n.2 8818115, em especial nas passagens correspondentes aos minutos 00: 00:18:54 até final (00:20:56) do seu depoimento.

CXXXV. Havendo similitude quanto a uma grande parcela dos factos invocado pelo Arguido nas suas duas intervenções na televisão, uma no jornal da noite da Sic, em 21/11/2006, e outra na TVI, no "xxx", na emissão do dia 25/05/2007, difícil se torna ao julgador discernir sobre qual a verdadeira causa dos danos que a Assistente invoca.

CXXXVI. A decisão ora recorrida não estabelece nexo causal entre a produção dos danos e os factos concretos que os produziram.

CXXXVII. São antes descritos genericamente os factos alegadamente originadores de danos: "2.1.19 Devido aos factos supra referidos a Assistente ficou transtornada do ponto de vista emocional, sentindo vergonha, angústia, tristeza e ansiedade, ficando com medo que lhe fosse retirada a guarda da menor, sentimentos que ainda hoje sente."

CXXXVIII. Pelo que não tendo sido demonstrados os factos que consubstanciam os danos invocados pelas demandantes os pedidos cíveis formulados deveriam ter sido julgados improcedentes o que se promove e requer.

CXXXIX. Não cometeu a arguida qualquer crime e a decisão recorrida viola os artigos

Junta: comprovativo de pagamento de taxa de justiça e de pagamento de multa.

Termos em que

Requer a V.Exas se dignem julgar nula a decisão recorrida porquanto, conforme se demonstrou supra, a mesma:

- incumpre o dever de fundamentação, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 374.º do Código de Processo Penal;

- viola o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 374.º do CPP;

- Viola o princípio da presunção da inocência dos Arguidos, princípio constitucionalmente consagrado no n.º 2, do artigo 32.º da CRP, e bem assim o dever de distância, de isenção e de imparcialidade;

Em alternativa,

Atenta a prova produzida em audiência, supra identificada com remissão para acta que registou o momento da sua produção, e as concretas passagens que se entende de relevar na apreciação da mesma, deverá alterar-se a decisão da matéria de facto, em relação aos os factos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.14, 2.1.17 e 2.1.18, devendo os mesmo julgar-se não provados, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 412.º do CPP.

Em consequência, deverá, pois, revogar-se a decisão proferida, porquanto a mesma viola o disposto nos artigos 199º, n.º 2, al. b), e 3, e 197º, al. b), do CP, nos artigos 192º, n° 1, al. d), e 197º, al. b), do CP na redacção que a este Código era dada antes da entrada em vigor da Lei n° 59/2007, de 04.09 (artigo 22, n.º 1, do CP), e nos artigos 71º, n° 3, e 35º, n.º 1, da Lei n° 27/2007, de 30.07., substituindo-a por outra que absolva a Recorrente dos crimes que lhe foram imputados e porque foi condenada, absolvendo-a consequentemente dos pedidos cíveis contra si formulados que deverão ser julgados improcedentes, por não provados.

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A Ex.ma Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1 – A arguida, e ora recorrente, JP mostra-se condenada pela prática dos crimes - um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. nos artigos 199.º, nºs 2, alínea b), e 3, e 197.º, alínea b) do Código Penal, e nos artigos 71.º, n.º 3, e 35.º, n.º 1 da Lei nº 27/2007, de 30.07 (Lei da Televisão),- um crime de devassa da vida privada na pessoa da assistente MF, p. e p. nos artigos 192.º, n.º 1, alínea d), e 197.º, alínea b) do Código Penal, e nos artigos 71.º, n.º 3, e 35.º, n.º 1 da Lei nº 27/2007, de 30.07 (Lei da Televisão), e, um crime de devassa da vida privada na pessoa da menor FA, p. e p. nos artigos 192.º, n.º 1, alínea d), e 197.º, alínea b) do Código Penal, e nos artigos 71.º, n.º 3, e 35.º, n.º 1 da Lei nº 27/2007, de 30.07 (Lei da Televisão), na pena única de quatrocentos (400) dias de multa, à taxa diária de vinte (20) euros, no total de € 8.000 (oito mil euros), a que corresponde subsidiariamente de 266 dias de prisão.

2 – Vem, a arguida arguir a nulidade da sentença a quo”, por violação do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 374.º do Código de Processo Penal., e ainda por violação do princípio da presunção da inocência “dos arguidos”, do dever de distância, de isenção e de imparcialidade. Mais alega, que a sentença se mostra inquinada pelo vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto na alínea b), do n.º2, do artigo 410.ºdo CPP, impugnando ainda, a matéria de facto dada como provada pela julgadora e, a propósito do crime de devassa da vida privada previsto e punido pelo art. 192.º do Código Penal pela existência da causa de exclusão da ilicitude, a que se alude no nº2 desta disposição “ Do interesse público da entrevista.

3 – Não se pode concluir pela existência da invocada nulidade, já que a matéria alegada pela arguida na contestação foi devidamente apreciada pela M.mª juiz, (exceptuando como é evidente as “inúmeras” considerações genéricas e/ou conclusivas tecidas na referida peça), e, conforme resulta dos pontos 2.1.4 a 2.1.10 dos factos provados e, da matéria de facto não provada, e, bem assim da motivação probatória (cfr. fls 22 da sentença)

4- É que só os factos essenciais para a decisão da causa têm de constar da enumeração imposta no artigo 374º. do Código de Processo Penal.

5- Na sentença “ a quo” resulta claro que a julgadora explicitou o processo de formação que seguiu para formar a sua convicção, indicando as provas, de âmbito testemunhal e documental, que serviram para a formar, procedendo ao exame crítico das mesmas, demonstrando que este procedimento foi lógico e racional e, compatível com as regras da experiência da vida e das coisas e, desta forma que a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária e,

6- assim “justificando”a decisão para ter dado como provados os factos referidos nos pontos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3, 2.1.6, 2.1.9, 2.1.10, 2.1.11 , 2.1.12 e,

7- o que fez também quanto à “intenção” da arguida praticar as condutas pelas quais foi condenada dando como provados os factos 2.1.17 e 2.1.18 2.1.17 e 2.1.18 e, .

8- bem assim quanto ao alegado erro na exibição da fotografia na entrevista em causa.

9- Parece-nos ainda claro e, sem grande esforço interpretativo que a julgadora ponderou a prova produzida retirando da prova documental e testemunhal, designadamente dos depoimentos de PR e ML, elementos para ter dado como provados os factos 2.1.4 e bem assim os aludidos pontos , 2.1.17 e 2.1.18.

10- Quanto à violação dos deveres de distância, de isenção e de imparcialidade recorrente, a recorrente durante o julgamento teve oportunidade de deixar expressa a sua posição quanto à postura que entendeu como existente pela julgadora de parcialidade e de falta de isenção, o que não fez, nos termos do art. 43.º, n.º1 do CPP

11- A justificação de tal omissão, no sentido de não se aplicar o regime desta disposição legal, não colhe e, já que as causas susceptíveis de constituir recusa, não se mostram taxativamente fixadas na lei, estando, por isso, o juízo sobre a imparcialidade do juiz dependente das circunstâncias concretas do caso.

12- Quanto à violação do princípio da presunção da inocência “dos arguidos”, e, com palavras singelas se dirá que com este princípio, até haver decisão condenatória, com trânsito em julgado, todo o arguido se presume inocente, não cabendo a este o ónus de provar que não é responsável pela prática de facto ilícito típico que porventura lhe seja imputado, cabendo à acusação fazer prova de que o cometeu e por isso merece ser censurado.

13- Sucede que a recorrente tece considerações subjectivas e genéricas sobre tal matéria referindo e, como supra se reproduziu que a julgadora emitiu um pré-juízo, fazendo apelo ao despacho de arquivamento proferido, em fase de inquérito, a fls 327 a 332.

14- Contudo, e admitindo até que a M.mª juiz confrontou a recorrente com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, não se vislumbra em que medida foi violado o princípio da presunção da inocência da arguida JP, e, já que não resulta da sentença “ a quo” da qual a arguida recorre qualquer alusão ao mencionado despacho de arquivamento, pelo que,

15- não se poderá considerar que o mesmo teve qualquer influência na formação da convicção da julgadora

16- Não se mostra a sentença ferida do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º2, do artigo 410.ºdo CPP”.

17- Este vício verifica-se quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados ou não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”.

18- A matéria de facto provada na sentença “ a quo” é bastante para a decisão de direito, inexistindo contradições insuperáveis entre a fundamentação e a decisão, sendo que não resulta o mesmo da leitura do texto da decisão recorrida mesmo conjugada com as regras da experiência comum.

19- A recorrente põe, ainda em causa a análise que a julgadora fez da prova produzida, ao apurar os factos pelos quais veio a ser condenada, o que consubstancia um eventual erro de julgamento

20- Este recurso sobre a matéria de facto configura uma garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assumindo-se como uma forte garantia de defesa e não consubstancia, em momento algum um novo julgamento.

21- É, no aludido art.º 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal que se mostra consagrado o erro de julgamento, o qual ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado como não provado, ou quando dá como provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

22- Assim, a matéria de facto só pode ser modificada pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso, desde que conforme decorre do disposto no artigo 431.º do Código de Processo Penal, tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º3, alíneas a), b) e c) do mesmo diploma legal: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa.

23- Cotejando a motivação de recurso “a quo” a recorrente “tenta” dar cumprimento às regras legais da impugnação da matéria de facto, e, assim individualiza os factos que a recorrente tem por indevidamente julgados. Todavia,

24- faz uma apreciação sua das declarações da recorrente e das testemunhas, como supra se referiu, nunca fazendo alusão concreta a qualquer dos depoimentos em que funda tal apreciação e, apelando a argumentos que nunca foram mencionados pelos referidos intervenientes e, que se mostram patentes designadamente nos pontos 118 a 122 da motivação.

25- Por outro lado, limita-se a mencionar as sessões de julgamento onde foram prestados os referidos depoimentos com indicação das actas (constante do Citius) e, omitindo a referência concreta às “gravações”, como seja no caso da recorrente, 201102241 418 482370 65173 (e já que 20110224145747 482370 65173 respeita à resposta dada quanto à sua identificação, de 00.01.58 a 00.08.40), de PR 201103031511702 482370 65173, de ML 20110415162041 482370 65173, sendo que,

26- no que se refere aos depoimentos das testemunhas SR e SP, continua a não fazer tais referências e também não enuncia concretamente as passagens em que funda a impugnação, referindo os seus depoimentos, “in totum”, ou seja ao início e ao fim destes depoimentos.

27- No geral a recorrente não explicita porque razão essa concreta prova testemunhal impõe decisão diversa daquela que a M.mª considerou, não se baseando nos depoimentos da arguida e testemunhas.

28- Assim, não se mostra cumprido o disposto no art. n.º4 do art. 412.º do C.P.P., tendo por efeito a rejeição liminar do recurso, e, assim o Tribunal superior não poderá conhecer do recurso quanto à impugnação da matéria de facto. Também e, em consequência, e, nesta parte, deverão improceder as conclusões da motivação do recurso.

29 - Apreciando toda a prova produzida da forma como se encontra patente na gravação em suporte digital, e atenta a motivação da matéria de facto dada como provada, estamos cientes que os meios de prova disponíveis foram apreciados e valorados segundo as regras da experiência comum e da lógica, em completa observância ao disposto no art.127.º do CPP, não padecendo a decisão de qualquer violação das normas de apreciação da prova.

30 - Na verdade, para além do mais, fez a M.mª juiz uma correcta apreciação da prova indirecta ou indiciária, prova esta especialmente apta para preencher os elementos do tipo subjectivo dos crimes, que a não ser assim, só seriam alcançáveis pela confissão e, que tem plena aplicação à matéria controversa nos autos.

31 – É nesta avaliação e ponderação (da prova indiciária,) mais do que em qualquer outra, que a inteligência e lógica do julgador tem que intervir – sendo que da mesma forma, ou até mais relevante a intervenção do contacto directo e a imediação do julgador com a sua produção, para aquilatar a sua credibilidade, assim como é tanto mais consistente quanto menor seja a intervenção de factores externos que possam perturbar a verificação do facto probando.

32 - De uma forma simples e objectiva se dirá que, de resto, factos há - sejam por exemplo os factos internos ou “ de alma”- a que só por revelação do próprio ou por dedução com recurso às presunções naturais e de acordo com as regras da experiência comum se pode alcançar.

33-Caso assim, não seja entendido, sempre se dirá que e, no que respeita ao factos 2.1.4 e 2.1.5, o primeiro referente às funções da arguida e, no qual foi dado como provado que : “No âmbito das suas funções a arguida dirigia o trabalho dos três editores do programa, bem como dos apresentadores do mesmo, dando-lhes ordens e instruções no que toca à execução deste”, e o segundo, que deu como provado “No exercício das mesmas tomou conhecimento através do planeamento semanal que o tema que iria ser abordado no programa a 25.05.2007 referia-se a abuso sexual por parte da mãe, o qual seria exposto pelo progenitor e mostrado fotografias”, ter a arguida JP referido, tal como resulta do seu depoimento prestado na audiência de julgamento de 24 de Fevereiro de 2011, gravado no sistema Citius 201102241418 482370 65173 e que o recorrente faz menção a 00:05:48, e referindo-se à edição em concreto que “foi fundamental para a divulgação da história documentos do tribunal e da polícia” “(…) não sei o que os documentos dizem” e 00:12:25 “enquanto coordenadora do programa, tinha a função de planificar com os editores de 15 a 8 dias as histórias que iam ser abordados no programa(…) perguntei a história está fundamentada, estão os factos todos, sim então vamos avançar” a 00:14:28 a 14:57, “não sei se confirmaram(…)” (referindo-se à história em apreço)e a 00:14:57”trabalhamos com documentos” e 00:15:02 “(…) trabalhamos com documentos, tínhamos documentos do tribunal e do hospital que à partida fundamenta (referindo-se a história) e contactamos a senhora que não quis prestar declarações (…)não tenho a certeza se contactaram é a prática, é uma pergunta que não faço aos editores é a prática”. a 00:21:41, e referindo-se à situação em apreço: “não vi os documentos, não vejo os documentos como coordenadora, confio sempre nos editores e já que existe uma avalanche de informações que passa pelas mãos humanas” e, continua “na linha da hierarquia de comandos coordena conteúdos, faz alinhamento de programa, a investigação é executada pelos editores (…) confio, porque não posso fazer de outra maneira, confio em absoluto nas pessoas, não posso fazer verificação directa tinha a garantia que estavam bem feitas” e, esclarecendo a 00:23:54 “na nossa prática, confio e executam (referindo-se aos editores)”. E, a 00:25:08, “coordenação tem a ver com responsabilidade, na prática a quantidade de trabalho volumosa, levantam questões e confio absolutamente” e mais à frente, 00:31:12, reafirma “era a responsável, a coordenadora” ..

Tais declarações foram confirmadas pelo depoimento da testemunha ML prestado na audiência de julgamento de 15 de Abril de 2011 gravado no sistema Citius 20110415162041 482370 65173 a 00:29:56, e, quanto aos poderes que a arguida tinha “a arguida tinha poderes, quer que diga que sim (…) se ela quisesse impedir o programa concerteza que poderia” e mais à frente 00:31:45 e, à pergunta se a recorrente era a única pessoa que podia impedir respondeu:”Sim”. E, bem assim o depoimento da testemunha PR prestado na audiência de julgamento de 03 de Março de 2011 gravado no sistema Citius 201103031517002 482370 65173, a 00:09:34, que respondeu quanto a quem respondia pela emissão da entrevista em causa ”responde à coordenadora” e quem era a responsável respondeu a 00:43:37 “responsável era a J” .

34 – Todo o conjunto de provas só puderam despoletar no raciocínio da julgadora na convicção firme sobre o facto dado como provado e fundamentou o juízo crítico sobre a prova em que suportou tal convicção de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, e,

35 - que permitiu dar como provada a intenção da recorrente, mostrando-se, de tal forma improvável que estes apontassem noutro sentido que, não aquele tomado pela julgadora.

36 - Bem andou a M.mª juiz ao analisar a prova indiciária que não é susceptível de ter outra interpretação que não seja aquela que se mostra expressa na douta sentença (designadamente a fls 21 da mesma).

37-Com a factualidade desta forma apurada, a qual não se baseia em provas proibidas e, não se vislumbrando que enferme de qualquer violação legal, temos por certo que o douto Tribunal da Relação deverá ter por definitiva e assente toda a matéria de facto dada como provada e, por isso,

38- mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivo dos crimes pelos quais veio a ser condenada

39- No que respeita aos crimes de devassa da vida privada não temos por existente a causa de exclusão da ilicitude, prevista no n.º2 do art.192.º do CP e, já que a entrevista em apreço se mostra contida num programa de entretenimento, e sempre poderiam os temas dos maus tratos e abuso sexual serem divulgados de outro modo e sem que interferisse na esfera da privacidade da menor e da assistente.

40- Na verdade, ao serem tratados da forma como foram, temos por violado designadamente a exigência da proporcionalidade, e uma vez que ao ser entrevistado o arguido LS, seria de imediato, reconhecida para além da menor, também a assistente, a qual em face dos temas de “ maus tratos e abuso sexual da filha” ficou profundamente abalada e,

41- Também, se mostra violada a exigência da necessidade, uma vez que apesar dos temas serem interessantes sempre poderiam ter sido apresentados sem a divulgação e exposição da privacidade da assistente e da menor.

42- Pelo exposto, não violou a douta sentença “ a quo” o disposto nos nos artigos 199.º, nºs 2, alínea b), e 3, e 197.º, alínea b) do Código Penal, 192.º, n.º 1, alínea d), e 197.º, alínea b) do Código Penal, na redacção que a este Código era dada antes da entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 04.09, e nos artigos 71.º, n.º 3, e 35.º, n.º 1 da Lei nº 27/2007, de 30.07, nem quaisquer outras disposições legais, pelo que ,

bem andou a M.mª juiz ao condenar a arguida, pela prática dos crimes

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Também a assistente respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Resulta da conjugação do disposto no número 2 do artigo 343°, número 2 do artigo 118° e 123°, todos do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a irregularidade decorrente da violação do Princípio da Presunção de Inocência e deveres de distância, isenção e imparcialidade deve ser arguida no acto, se o arguido estiver presente;

2. Este entendimento foi sufragado sem reservas por este Tribunal da Relação de Évora, em acórdão datado de 09/11/2010, proferido no processo 61/08.4GCSTB.E1 DA 1a Secção Criminal.

3. A falta de indicação sumária das conclusões contidas na contestação não é causa de nulidade da sentença atento o disposto nos artigos 379° e 118°, número 1 e 2, ambos do CPP, pelo que, não tendo sido invocada a irregularidade no acto de publicação da mesma, fica sanada.

4. A nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 379°, por referência ao número 2 do artigo 374°, ambos do CPP, deverá conduzir à baixa dos autos à primeira instância para que seja elaborada nova sentença completada com as menções em falta, não tendo aqui aplicação o disposto no número 6 do artigo 328°, conforme pacificamente vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.

5. A recorrente apenas aparentemente cumpre o ónus da alínea b) do número 3 e número 4 do artigo 412° do CPP;

6. Por um lado individualiza os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, por outro indica as concretas provas que em seu entender impõem decisão diversa da recorrida, com referência ao suporte técnico e a localização temporal das passagens;

7. Simplesmente, não faz corresponder os segundos aos primeiros;

8. Impossibilitando a determinação dos excertos de depoimentos identificados no ponto 126 da motivação que imporiam decisão diferente quanto a ponto concreto da matéria de facto dado como provada;

9. Conforme tem sido unanimemente decidido, o cumprimento das exigências estabelecidas nos números 3 e 4 do artigo 412° do CPP não se prefigura como um ónus de natureza puramente secundária ou formal, sendo inclusivamente insusceptível de convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido (neste sentido, entre outros, o Acórdão datado de 22 de Outubro de 2008, proferido no processo 1121/03.3TACBR.C1 da Relação de Coimbra, in www.dgsi.pt).

10. A sindicância da matéria de facto dada como provada em primeira instância não constitui um novo julgamento, cingindo-se à restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pela recorrente, procedendo o tribunal superior, caso os detecte, à sua correcção;

11. Só lhe sendo possível alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida.

12. Os factos dados como provados e que fundamentam o pedido de indemnização civil não foram impugnados pela recorrente.

Termos em que, deve manter-se a decisão recorrida em tudo o que não for afectado por nulidade a declarar e que determine a descida dos autos à primeira instância para que seja elaborada nova sentença completada com as menções em falta.

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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:

2.1.1. A ofendida FS nasceu a 20.09.2002, sendo filha da assistente MF e do arguido;

2.1.2. Por sentença proferida em 02.05.2006 nos autos de regulação do exercício do poder paternal com o n° ---/04.1TMSTB, do 1° Juízo, do Tribunal de Família e Menores de Setúbal, transitada em julgado em 05.11.2007, a qual produziu imediatamente efeitos, foi decidido que a ofendida FS ficava entregue à guarda e cuidados da assistente, a qual passava a exercer, em exclusivo, o poder paternal sobre a mesma;

2.1.3. Em 25.05.2007 a arguida JP exercia ao serviço da TVI — Televisão Independente, S. A, as funções de responsável pela orientação e supervisão do programa designado por "xxx", o qual era emitido no Canal TVI da supra referida televisão, diariamente, em directo, entre as 10.00 e as 12.59 horas;

2.1.4. No âmbito das suas funções a arguida dirigia o trabalho dos três editores do programa, bem como dos dois apresentadores do mesmo, dando-lhes ordens e instruções no que toca à execução deste;

2.1.5. No exercício das mesmas tomou conhecimento através do planeamento semanal que o tema que iria ser abordado no programa emitido a 25.05.2007 referia-se a abuso sexual de menor por parte da mãe, o qual seria exposto pelo progenitor e mostradas fotografias.

2.1.6. Na data referida em 2.1.3., entre as 10.00 e as 12.59 horas, o arguido foi entrevistado no âmbito do supra referido programa;

2.1.7. Em data não concretamente apurada, mas antes de 25.05.2007, o arguido enviou para a produção do supra referido programa cópia da decisão judicial referida em 2.1.2. e relatórios médicos periciais relativos à ofendida FS.

2.1.8. No dia 25.05.2007, o arguido entregou à editora daquele programa, PR, uma pen que continha fotografias da menor;

2.1.9. Na data e hora referidas em 2.1.3. esteve presente no supra referido programa, na qualidade de convidada, uma psicóloga, com a função de comentar as declarações prestadas pelo arguido;

2.1.10. Na data e hora referidas em 2.1.3. dois apresentadores de televisão, de seu nome ML e CF, dirigiram a emissão do "xxx, fazendo perguntas ao arguido e à supra referida convidada e comentando as declarações de um e de outro;

2.1.11. Durante os, pelo menos, 15 minutos de duração desta entrevista foi, repetidamente, passando em rodapé, a seguinte legenda: «LS acusa a ex-mulher de maus-tratos e abuso sexual da filha";

2.1.12. No decurso da supra referida entrevista o arguido, referindo-se à ofendida FS, declarou, designadamente, que a assistente "(..) fugiu com a menina, andou fugida durante 66 dias", que a menina estava num estado deplorável", olheirenta, emagrecida, o plano de vacinação não estava em dia, cheia de picadas de insectos e com bastantes nódoas negras", que a ofendida FS lhe havia referido que "(...) a mãe é má, dá tau tau à bebé', que a assistente "(...) nunca ligou à menina», que esta "(..) dava entrada no hospital do Barreiro sempre que vinha dos fins-de-semana com a mãe", sendo certo que "(...) da última vez veio com bastantes nódoas negras", que a assistente "(..) nunca aceitou a filha, sempre quis um menino", que foi "(...) proibido pela mãe de ver a menina", que "(...) a menina queixa-se de que a mãe a molesta sexualmente», que a assistente durante seis meses esteve proibida pelo tribunal de ver a ofendida FS devido aos maus-tratos e à negligência que lhe eram infligidos pela assistente, bem como que esta última apenas dava mama à ofendida FS, mas que não queria saber dela e que era o próprio quem desde o nascimento desta última cuidava da sua higiene e do seu bem-estar;

2.1.13. No âmbito de tal entrevista foi exibida, durante, pelo menos, 7 segundos, uma fotografia da ofendida FS, a qual permitiu visualizar o seu corpo da cintura para cima, incluindo a face;

2.1.14. O arguido LS actuou com a intenção de permitir a visualização pelo público em geral da supra referida fotografia, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e contra a vontade da ofendida FS, o que conseguiu;

2.1.15. O arguido LS actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, sem consentimento da assistente e da ofendida FS, com intenção de devassar a vida familiar de ambas, o que conseguiu;

2.1.16. O arguido LS actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, com a intenção de ofender perante o público em geral a honra e a consideração devidas à assistente, o que conseguiu;

2.1.17. A arguida JP actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto tendo conhecimento prévio da intenção do arguido de permitir a visualização pelo público em geral da supra referida fotografia, bem como de que a mesma ia contra a vontade da ofendida FS, teve a intenção de se não opor à sua divulgação no supra referido programa, o que conseguiu;

2.1.18. A arguida JP actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto tendo tido conhecimento prévio do teor do tema a abordar pelo arguido já descrito em 2.1.5. no supra referido programa, da intenção do mesmo de devassar a vida familiar da assistente e da ofendida FS, bem como da falta de consentimento das mesmas na divulgação do referido assunto, teve a intenção de se não opor à realização da supra referida entrevista, o que conseguiu.

2.1.19. Devido aos factos supra referidos a assistente ficou transtornada do ponto de vista emocional, sentindo vergonha, angústia, tristeza e ansiedade, ficando com medo que lhe fosse retirada a guarda da menor, sentimentos que ainda hoje sente.

2.1.20. Aquando da transmissão do programa e após o mesmo, varias pessoas lhe perguntaram se tais afirmações correspondiam á verdade.

2.1.21. Devido aos factos supra referidos a assistente ficou com medo de tocar na filha quando lhe dava banho.
2.1.22. A arguida é casada e tem 3 filhos a seu cargo.

2.1.23. É apresentadora de televisão auferindo cerca de €10.000 por mês e o seu marido é jornalista auferindo €9.000 mensais.

2.1.24. Mora em casa arrendada pagando €3.000 de renda.

2.1.25. Não tem carro próprio andando com carro da empresa.

2.1.26. Tem uma pós-graduação em ciências da comunicação.

2.1.27. Não tem processos pendentes.

2.1.28. Não tem antecedentes criminais.

2.1.29. O arguido é divorciado, tem duas filhas, uma delas menor de idade.

2.1.30. O arguido mora sozinho em casa da filha mais velha, não pagando qualquer renda.

2.1.31. Trabalha por conta própria explorando um estabelecimento comercial onde obtém a quantia de €600 mensais de lucro.

2.1.32. Tem um veículo automóvel de marca "Renault Clio" do ano de 1994.

2.1.33. Tem o antigo 7° ano do liceu.

2.1.34. Tem processos pendentes.

2.1.35. O arguido tem antecedentes criminais conforme resulta do CRC junto aos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.

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-- Factos não provados:

Não resultou provado que o arguido tivesse enviado os documentos e a fotografia da menor pelo menos 10 dias antes da emissão do mesmo.
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Fundamentação da convicção:

Nos termos do disposto pelo art. 124.° do C.P.P. constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.

O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127°, n.°1 do C.P.P. segundo o qual: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente».

Instituiu assim a lei o princípio da livre apreciação da prova [por oposição ao princípio da prova legal] que, no dizer de José Lebre de Freitas, [in Código de Processo Civil Anotado, 2.° Vol., p. 635): «Se situa na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis».

Ou seja, este princípio significa a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova.

No entanto, como salienta o Prof. Jorge de Figueiredo Dias, [in Direito Processual Penal, 1.° Vol., p. 202): «Não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».

A livre apreciação da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação meramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão – [cf. sobre esta matéria, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Vol. 11, pp. 107 e ss.; MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal II, pp. 257 e ss. ; e JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pp. 566 e ss.].

Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação — [cf. Ac. do S.T.J., do 07 de Junho de 2005, disponível em www.dgsi.pt/jstj, e, bem assim, Ac. do S.T.J., de 02 de Julho de 1998, consultável no mesmo sitio da Internet].

Normalmente o que sucede é que, face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento de outras, nada obstando que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.

Naturalmente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, enquanto decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art.205.°, n.°1 da C.R.P., segundo o qual: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei», de modo a aferir-se que a mesma está fundada na lei. No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.°, n.°1 da C.R.P.

No caso de uma sentença em processo penal, a mesma, como é sabido, deve obedecer aos requisitos formais fixados no art. 374.° do C.P.P.

Ou seja e em suma: a prova, mais do que uma demonstração racional, traduz-se num esforço de razoabilidade, por meio do qual o juiz se lança à procura do «realmente acontecido», conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca – derivados das finalidades do processo [cf. CRISTINA LIBANO MONTEIRO, in Perigosidade e inimputáveis e «in dubio pro reo, p. 13].

No mesmo sentido, o Prof. Antunes Varela [in Manual de Processo Civil, pp. 435 e 436], afirma que: «A prova visa apenas, de acordo com os critério de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (...). É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto».

Sendo que, e como é referido pela jurisprudência, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar-se de dar a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador — [vd., por todos, o acórdão da Relação do Porto, de 21-05.1997, disponível em www.dgsi.pt].

Na verdade, a convicção do julgador é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações, depoimentos e testemunhos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, « olhares de súplica » para alguns dos presentes, «linguagem silenciosa e do comportamento», coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras, mas outrossim através do tom de voz, o olhar e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, pelo que as palavras devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não verbal, rico, imprescindível e incidível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Por isso, o juiz deve ter uma atitude crítica de «avaliação» da credibilidade do «depoimento» não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso «saber».

Em jurisprudência constante do Acórdão da Relação do Porto, de 16-12-1998, [disponível em www.dgsi.pt], escreveu-se que a apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto: «Há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal».

Como ensina Enrico Altavilla [in Psicologia Judiciária, vol. II, p.12]: «O interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras».

Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo, como salienta Carrington da Costa, advertindo para que «todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade», devendo antes ter-se sempre bem presente as palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se» - [vd. Psicologia do Testemunho, in Scientia luridica, p.337].

Finalmente, como bem enfatiza Jorge De Figueiredo Dias [ìn Direito Processual Penal, pp. 233 e 234]: «Só os princípios da oralidade e imediação (…) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais».

Mas, se é verdade que no nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre convicção do julgador, existem, no entanto, algumas restrições legais ao regime da livre apreciação da prova, como sucede com o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados [art. 169.º], o efeito de caso julgado nos pedidos de indemnização civil [art. 84.º], a prova pericial [art. 163.º], e a confissão integral e sem reservas [art. 344.º].

Para além destas, surgem ainda outras condicionantes estruturais à livre apreciação da prova, sendo uma delas, o princípio da legalidade da prova [art. 32.°, n.°8 da C.R.P.; art. 125.° e 126.°, ambos do C.P.P.] e outra o principio do «in dubio pro reo», enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência art. n.°2 da C.R,P.; art. 11 °, n.°1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948; e art. 6.°, n.°2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.°66/78, de 13 de Outubro).

Tudo isto vale por dizer que o principio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras de experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e « in dubio pro reo» - [Ao. do Tribunal da Relação do Porto, de 19 do Abril de 2006, disponível em www.dgsi.pt/jtrp].

Por fim, frisa-se que toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se encontra gravada por sistema de CD, permitindo uma ulterior reprodução da mesma. Desde modo, possibilita-se um rigoroso controlo dos meios de prova que estiveram na base da convicção formada por este Tribunal, no que concerne à matéria de facto, o que legitima uma motivação da matéria de facto mais concisa.

Feita esta breve análise sobre os principies que norteiam a apreciação e valoração da prova, importa, pois, expor das razões quanto à concreta decisão critica sobre a matéria de facto.

Assim, deve dizer-se que a convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, bem como do teor dos documentos constantes dos autos, sobre os quais todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da livre convicção do julgador - [art. 127.° do CPP].

Nomeadamente:
- As declarações da arguida, JP, que descreveu as suas condições económicas e sociais.

Em relação aos factos a arguida explicou as funções que exercia na TVI nesta data, esclarecendo e elucidando o Tribunal o conteúdo das mesmas, afirmando claramente que caso algo corresse mal, como no caso dos autos, seria ela a responsável judicialmente.

Assim a arguida referiu que coordenava o programa supra referido, com a ajuda de três editores (PR, MB e RM) os quais estavam sob as suas ordens e direcções. Descreveu ainda o conteúdo do mesmo e o seu modo de funcionamento.

Em concreto afirmou que semanalmente tomava conhecimento do planeamento dos programas a realizar na semana seguinte, ou seja, que tinha conhecimento dos vários temas que iriam ser abordados na semana seguinte, não sabendo no entanto quais seriam as histórias em concreto e quais os intervenientes das mesmas, sendo que neste aspecto os editores tinham liberdade de escolha, uma vez que a mesma tinha confiança nos mesmos.

Pelo que também teve conhecimento do tema que iria ser abordado no programa supra referido (abuso sexual de menor por parte da mãe), afirmando ter perguntado se existiam documentos a confirmar a história, tendo-lhe sido dito que sim.

Afirmou ainda que era política do programa contactarem a parte contrária para que esta exercesse o contraditório, no entanto, não sabe se tal foi feito neste caso.

No que concerne à fotografia mostrada no programa refere que se tratou de um lapso, uma vez que existem regras para que as crianças não sejam expostas, motivo porque as fotografias são encriptadas. No entanto, naquele programa tal não aconteceu, não sabendo a arguida explicar o motivo porque tal aconteceu. Esclareceu ainda que tomou conhecimento desta situação na altura.

- Nas declarações do arguido, LS, o qual descreveu as suas condições económicas e sociais.

Quanto aos factos referiu que entrou em contacto com a TVI através do envio de um e­mail para aquele programa, tendo depois sido contactado telefonicamente pela editora PR, tendo esta confirmado com ele a história bem como a existência de documentos médicos e relatórios psicológicos.

No entanto referiu que apenas entregou as fotografias da filha no dia do programa, cerca de 2 horas antes do seu início, tendo no entanto dado indicações para que a cara da filha não fosse legível, tendo ficado revoltado quando soube que tal não tinha acontecido, mas nessa altura já nada podia fazer. Disse ainda que não estranhou que lhe fossem solicitadas fotografias da filha para mostrar no programa, entendendo que tal era normal.

Quanto às expressões por si referidas no decorrer do programa afirmou que se limitou a repetir o que estava nos relatórios, dizendo que apenas foi àquele programa para pressionar o andamento do processo que corria os seus termos no Tribunal de Família e Menores de Setúbal.

Por fim disse que a editora PR lhe tinha dito que tinham contactado a assistente, mas que esta se tinha recusado falar, existindo no entanto uma linha telefónica aberta no decorrer do programa caso esta quisesse participar.

- Nas declarações da assistente, MF, que, apesar de naturalmente envolvida nos factos, relatou de modo coerente, claro, lógico e objectivo, o modo como tomou conhecimento dos mesmos, bem como o estado psíquico em que ficou em consequência das mesmas. O seu depoimento foi de tal forma convicto e seguro que mereceu total credibilidade.

Assim, a assistente referiu de forma expressa nunca ter sido contactada pela TVI quanto ao teor dos factos alegados pelo arguido, só tendo tido conhecimento desta situação quando a irmã do arguido lhe telefonou a dizer para ela ligar a televisão no programa da TVI, sendo que quando o fez vê uma nota de rodapé onde consta que "ex-marido acusa ex-mulher de molestar a filha", motivo porque pediu para gravar o programa.

Esclareceu ainda que foi contactada por várias pessoas, não só durante o programa através do telefone, mas mesmo depois deste ter terminado para saber se tal era, ou não, verdade.

Por fim, referiu que devido a estes factos, os quais em nada correspondem à verdade, e por medo de perder a guarda da filha, deixou de fazer certas coisas e de prestar determinados cuidados à filha, os quais eram assegurados pela sua outra filha ou pela sua irmã.

- No depoimento da testemunha EM, a qual referiu que quando o programa passou na televisão a arguida estava a trabalhar em casa dela, tendo-lhe pedido para gravar o mesmo, tendo ambas visto juntas e em directo. Afirmou recordar-se de ter ouvido o arguido dizer que a assistente molestava sexualmente a filha bem como tratava mal esta.

Referiu que quando viu este programa a assistente ficou muito transtornada, desesperada e magoada, sendo que ainda hoje vive angustiada e ansiosa com esta situação com medo que a mesma se repita e que fique sem a guarda da filha.

Por fim afirmou não ter acreditado na versão do arguido porque conhecia a assistente.

- No depoimento da testemunha SP, irmã do arguido, e que não obstante não se dar com este, prestou um depoimento isento e credível.

Assim esta testemunha referiu que recebeu um telefonema do ex-marido antes das 10H, a dizer-lhe que o arguido ia para a televisão acusar a assistente, motivo porque ela foi ao café ver a televisão.

Viu então a imagem do irmão e as notas de rodapé, telefonando de imediato para a assistente, a qual não tinha qualquer conhecimento da situação.

Esclareceu que viu a entrevista onde foi mostrada uma fotografia da sobrinha.

Afirmou, no entanto, não ter acreditado no que o irmão contou. No entanto, ficou transtornada com aquela situação porque quem não os conhecesse poderia acreditar.

Referiu ainda que depois do programa ter terminado telefonou para a TVI. Contudo, tal afirmação não foi confirmada, motivo porque o Tribunal não pode levar a mesma em consideração.

Por fim disse que falou com a assistente que estava arrasada, estado em que ainda hoje se encontra.

- No depoimento da testemunha AG, a qual referiu que estava a trabalhar, e foi informada pela assistente do que se estava a passar, motivo porque ligou a televisão e viu o programa, onde se disse que a assistente molestava sexualmente a filha, tendo sido inclusive mostrada uma fotografia da menor.

Afirmou que a assistente ficou desesperada e com vergonha desta situação, sendo que ainda hoje tem medo de que isto volte a acontecer.

Por fim referiu que como conhece a assistente não acreditou no que foi dito no programa.

- No depoimento da testemunha PR, editora do programa "xxx", e que referiu ter sido ela quem tratou deste tema, ou seja quem averiguou e investigou a história.

Explicou que o arguido entrou em contacto com o programa, pois queria lá ir porque estava impedido de ver a filha a qual era maltratada e negligenciada pela assistente que tinha a guarda da criança. Depois falaram cerca de 2 ou 3 vezes por telefone, para além de que ele lhe enviou uns documentos por e-mail, de modo a que ela pudesse saber se a história tinha fundamento e se era consistente, tendo ela achado que sim, pelo que informou o arguido qual o dia do programa.

Referiu que nesse dia esteve com o arguido cerca de duas horas antes do programa começar explicando-lhe os pormenores do mesmo, tendo aquele lhe entregue uma pen com fotografias da filha que mostrassem a relação de afectividade entre ambos, mas ressalvando que não queria que a cara da criança fosse exibida.

Esclareceu que depois de receber a pen com as fotografias foi à régie de modo a poder tratar daquelas para que não se conseguisse identificar a menor.

Refere quanto ao facto de a fotografia ter sido exibida sem qualquer "blur" ter-se-á tratado de um erro na numeração das fotografias, ninguém conseguindo explicar como é que tal aconteceu, no entanto e quando se aperceberam tomaram a decisão de não mostrar as restantes fotografias.

Quanto a esta matéria disse que caso a fotografia tivesse sido exibida com o referido "blur" seria difícil chegar à identidade da criança.

Em relação à necessidade de exibir a fotografia afirmou ser política editorial mostrar fotografias que mostrem a relação de afectividade entre os pais com os filhos.

Disse não se recordar se tentou, ou não, contactar com a assistente, através do n.° de telefone fornecido pelo arguido. No entanto, mesmo quando não conseguem falar com a parte contrária, a decisão editorial é a de passar a história na mesma fazendo-se, nesse caso a ressalva de que se trata apenas uma das versões, sendo que neste caso convidaram a Dra. MS.

Afirmou também que existe uma decisão editorial no sentido de passar as promoções (notas de rodapé) ao longo do programa.

Quanto ao programa e às funções que lhe estavam atribuídas referiu que quando o programa começou foram logo definidas as regras de funcionamento do mesmo, sendo que a arguida teria sempre que aprovar todos os conteúdos deste. No entanto, ela enquanto editora tinha autonomia para decidir quais as histórias diárias do programa, não tendo que se justificar perante aquela. Não obstante esta observação referiu que a responsável era a coordenadora do programa, ou seja, a arguida JP.

-No depoimento da testemunha Isabel, médica pediatra, que assistiu a menor nas urgências, referindo que nessa consulta o arguido referiu que a mãe da menor mexia nos genitais desta ao adormecer. No entanto, e não existindo sinais, não valorou tal observação, não tendo a certeza de que tal seria verdade ou se a criança estava a ser instrumentalizada, sendo que esta lhe pareceu espontânea.

Esclareceu que não foi a primeira vez que viu a menor em consultas, sendo que das outras vezes também lá foi com o arguido, o qual se apresentava sempre ansioso e a tremer das mãos.

Já quanto ao teor do documento de fls.149 e 150, confirma que foi ela quem o elaborou, mas diz que o fez voluntariamente e porque o arguido falava muito no Dr. JV, o qual tinha conhecimento da situação. Para além disso esclareceu que se, efectivamente tivesse valorado e dado credibilidade à afirmação do arguido na consulta de urgência teria feito uma comunicação para a Comissão de Menores e para o Tribunal, o que não aconteceu, tendo-se limitado a dar conhecimento informal ao Procurador.

- No depoimento da testemunha SF, filha da assistente, a qual referiu que a mãe lhe telefonou a dizer que o arguido a estava a acusar de molestar a irmã. Esclareceu que a mãe estava bastante abalada e com medo de que lhe pudessem tirar a menor, sentimento que ainda hoje se mantém, e que a impede de fazer certas coisas à F.

Afirmou que devido ao programa várias pessoas lhe perguntam se aquilo é verdade, havendo ainda hoje pessoas que olham para a mãe de lado por causa da suspeita que aquela entrevista lançou.

- No depoimento da testemunha SR, assistente de produção do programa "xxx", que explicou qual é a sua função.

Assim referiu que a sua função consiste em tornar os conteúdos exequíveis, fazendo a ligação entre o programa e o grafismo, ou seja, quem trata da história diz-lhe se é, ou não necessário por um "blur" (tira preta nos olhos e no nariz) cabendo-lhe a ela controlar se tal é feito ou não, sendo certo que neste programa não é usual fazerem isso.

Afirmou que neste caso quem tratou da história foi a PR a qual lhe entregou uma pen com fotografias que necessitavam de "blur".

Esclareceu que depois da fotografia ser digitalizada é feito o tratamento de imagem e é colocado o "blur", sendo que depois deste trabalho é dado um número à fotografia, número esse que ela entrega à régia

Quanto ao facto de a fotografia exibida no programa o ter sido sem qualquer "blur" disse pensar tratar-se de um erro técnico da máquina, o qual não consegue explicar pois depois do programa ter terminado foi à régio e viu a fotografia com o "blur".

- No depoimento da testemunha SD, anotadora da TVI, que esclareceu detalhadamente em que consistia a sua função, a qual neste caso teria consistido em digitar o numero da fotografia da menor na máquina, pondo a mesma em pré-visão e dando a informação ao realizador.

Quanto ao facto de a fotografia da menor ter sido mostrada sem o referido "blur" pensa que tal aconteceu porque aquela fotografia tinha o mesmo número que a fotografia já tratada, sendo que cada uma delas estava guardada num servidor diferente, tendo ido para o ar aquela que não tinha o "blur".

Referiu no entanto que o erro foi logo detectado e retirada a imagem do ar, não tendo sido mostrada mais nenhuma fotografia da criança.

- No depoimento da testemunha ML, apresentador do referido programa, o qual referiu que, como é habitual, só teve conhecimento do teor daquele programa no dia anterior às 13H, altura em que lhe foi fornecido pela PR um dossier com todos os elementos fornecidos pelo arguido.

Referiu não saber se foi, ou não, contactada a parte contrária.

No entanto referiu que esteve presente a Dra. MS, uma vez que se tratava de uma questão que envolvia mediação familiar, para além de que ele no decurso da entrevista referiu que ali apenas estavam a ouvir uma parte da história.

Afirmou que não falou com o arguido antes do programa começar, só o tendo feito quando este entrou no estúdio, baseando-se a conversa nos elementos que lhe foram fornecidos no referido dossier.

Esclareceu também que normalmente, nestas situações, quando são mostradas fotografias de crianças, estas têm a cara tapada.

Por fim referiu ainda que a arguida nunca lhe deu ordens acerca da maneira como ele devia conduzir o referido programa, no entanto admitiu que a mesma, se quisesse, tinha poder para os impedir de fazer o mesmo, designadamente aquela entrevista.

- No suporte digital (DVD) do programa televisivo supra referido;

No teor de fls. 19 e Seg. 53 e seg., 122 e seg., 155 e seg., (exames periciais efectuados à supra referida menor), 25 e seg. (certidão de assento de nascimento da supra referida menor), 224 e seg. (certidão de decisão judicial da 1ª e 2ª instâncias relativa à regulação do exercício do poder paternal da supra referida menor), 87 e seg. (decisão judicial de alteração da regulação do exercício do poder paternal da supra referida menor), documento de fls. 71, ficha clínica de fls. 158 e documentos de fls. 279 e seg. e 443 e seg. (decisão judicial de alteração da regulação do exercício do poder paternal da supra referida menor) no documento de fls.149 e 150, nas informações de fls.71 e 853 e 854 (informações prestadas pela TVI sobre quem era a responsável pelo programa e em que é que consistiam as funções da arguida na referida estação).

Nos Certificados de Registo Criminal no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos.

- Ora, face à prova produzida o Tribunal, em conjugação com as regras de experiência o Tribunal entendeu que os arguidos praticaram os factos que lhes eram imputados.

Assim e antes de mais os factos 2.1.1., 2.1.2., 2.1.3., 2.1.6., 2.1.9., 2.1.10., 2.1.11. e 2.1.12. resultaram provados através dos documentos constantes do processo, bem como através do visionamento do DVD junto aos autos.

Em relação ao facto 2.1.4. o mesmo resulta provado através dos documentos de fls. 71 e 853 e 854 em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum, isto porque desempenhando a arguida as funções de coordenação de todo o processo de criação e exibição de tal programa, o que implicava um acompanhamento mensal ou semanal da forma como decorreram os programas emitidos e o planeamento e a definição das emissões subsequentes" (fls. 853), não podia esta deixar de dar ordens e instruções a tais pessoas, designadamente àquelas que o preparam e as que no final de tal processo apresentam o mesmo. Aliás foi também dito pelas testemunhas PR e ML que, não obstante os mesmos terem autonomia, era a arguida a responsável sendo que, caso esta assim o entendesse podia vetar os temas que os mesmos se propunham abordar no supra referido programa.

- Por sua vez o facto referido em 2.1.5. foi considerado provado com base nas declarações da arguida a qual de modo espontâneo e sincero referiu ter tido conhecimento de qual o tema que iria ser abordado naquele programa, tendo também sido dito pela testemunha PR que era politica editorial exibir fotografias nestas situações, pelo que também disso a arguida tinha conhecimento.

- Já os factos referidos em 2.1.7. e 2.1.8. (e também o facto não provado 2.2.1.) resultaram provados através das declarações do arguido e do depoimento da testemunha PR, sendo que ambos referiram que o arguido enviou os documentos uns dias antes da emissão do programa, não conseguindo no entanto precisar os mesmos, tendo também ambos referido que o arguido apenas entregou uma pen com fotografias no próprio dia, duas horas antes do programa começar. Aliás, o mesmo resulta das regras da lógica e da experiência comum, pois qualquer programa de televisão, designadamente um programa emitido em directo, é preparado com antecedência em todos os seus pormenores.

- Quanto aos factos relativos ao pedido cível os mesmos resultaram demonstrados com base nas declarações da demandante e das testemunhas EM, SP, AG e SF, as quais prestaram o seu depoimento de forma clara e objectiva, merecendo por isso estes depoimentos credibilidade por parte do Tribunal.

Logo, daqui e sem mais resultam logo provados os elementos objectivos dos tipos de crimes que são imputados aos arguidos, pelo que têm os mesmos que resultar provados.

Quanto ao elemento subjectivo o Tribunal também entende que os arguidos agiram de forma livre e consciente, e isto não obstante os mesmos não terem confessado os factos.

Isto porque, como é sabido, os factos que interessam ao julgamento da causa são de ordinário ocorrências concretas do mundo exterior ou situações do foro psíquico que pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais. A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função social de instrumento de paz social de realização de justiça.

A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador (judici fit probatio) um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto (cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág 434].

"A verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. Quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros. Importa constatar, em primeiro lugar, uma pluralidade de elementos; em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes; em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios (sobre a prova indiciaria em processo penal veja-se com interesse, La Mínima Actividad Probatória en el Processo Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estampes, páginas 231 a 249).

Dificilmente o julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados.

Mas isto não obsta a que o tribunal se convença da realidade dos mesmos, posto que consiga atingir o umbral da certeza relativa. A certeza relativa é afinal um estado psicológico (a tal convicção de que se costuma falar) que, conquanto necessariamente se tenha de basear em razões objectivas e possa ser fundamentável, não demanda que estas sejam inequivocamente conclusivas.

Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.

Estes elementos têm o valor de indícios, isto é, de circunstâncias a partir das quais se pode, em determinadas condições, fundar a consistência de um facto desconhecido. Esta prova indiciária conjuga a prova directa (sobe os factos indiciários) e as presunções na reconstrução do facto histórico em discussão e constrói-se a partir de dois elementos:

O indício, facto instrumental provado, o qual deve ter a capacidade de revelar outro facto com o qual está relacionado; tem que estar demonstrado a partir da prova directa e exige-se uma pluralidade de indícios (independentes), para diminuir a possibilidade do acaso; devem também ser concordantes, convergindo para a mesma conclusão, e esta deve ser imediata (sem deduções intermédias);

- A presunção (ou silogismo), uma inferência efectuada a partir do indício, apoiada na experiência ou em regras da ciência, permitindo suportar um facto distinto. Importa ainda que esta inferência ou conclusão seja manifesta ou segura, excluindo a possibilidade de os factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam os indícios probatórios colhidos. Neste sentido, os indícios devem ser ainda inequívocos pois só assim suportam com segurança a presunção (Sobre esta prova indiciária, v. J. Gaspar, Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido, especialmente in RMP 88, Out./Dez. 2001, especialmente págs. 102 e ss., M. Miranda Estrampes, La Mínima Actividade Probatoria En El Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, págs. 231 a 249, ou A. Martinez Arrieta, La Prueba Indiciaria, in La Prueba En El Proceso Penal, Centro de Estudos Judiciales, vol. 12, Madrid 1993, pág. 53 e ss).

A prova directa distingue-se da prova indirecta e a sua vinculação com o raciocínio indutivo.

Logicamente que o pronunciamento sobre a valoração do indício e do raciocínio indutivo é uma mistura de controle sobre a valoração da prova (o indício) e de controle sobre o raciocínio contido na decisão (indução) pois aquilo que se trata é de se determinar se o indicio é suficientemente forte e também se o mesmo permite concluir, por indução, pela existência de um facto. Aqui não está em causa a aplicação da imediação mas uma mistura da aplicação de critérios de verosimilhança e critérios lógicos.

É, assim, clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar (Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, 3.ª ed., vol. II, pág. 99). - Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indirecta, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser expressa objectivamente e motivada, por forma a permitir o controlo interno e externo de tal racionalidade, como acontece no caso de que aqui nos ocupamos.

Entende o Dr. Euclides Dâmaso Simões (Vide Prova Indiciária, Revista Julgar, n. 2, 2007, pág. 205) que o uso de prova indirecta implica dois momentos de análise: um primeiro requisito de ordem material exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência; posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência).
- Seguindo alguma jurisprudência nacional dos nossos tribunais (entre outros os Acs. do Suprema Tribunal de Justiça de 24.03.2004, 1209.2007, 19.12.2007 e 12.03.2009, da Relação de Coimbra de 28.04.2009 e da Relação do Porto de 07.1 1.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt) podemos afirmar que a utilização deste tipo de provas exige:

- (i) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários;

- (ii) em segundo lugar, que tais elementos sejam concordantes; e,

- (iii) em terceiro lugar, que tais indícios sejam inequívocos, ou seja, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, que tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.

Ora, os elementos probatórios aludidos, autónoma e directamente comprovados, constituem justamente indícios plurais, todos concorrendo articuladamente para uma solução única, a qual se mostra suportada pelas regras de normalidade e surge como a única que os factos-indicios, de forma segura, autorizam (inequívoca, portanto). Solução que corresponde aos factos descritos.

A partir daqueles indícios e através da mediação lógica das regras de experiência, resulta infalivelmente confirmada a intenção dos arguidos. Qualquer outra explicação para os factos indícios padecia, face a estes elementos, de um duplo problema: seria necessariamente inverosímil ou improvável e não encontrava, apoio em qualquer elemento objectivo, directamente discernível.

- Assim, e não obstante não ter sido produzida nenhuma prova directa quanto à intenção dos arguidos, e sendo essa factualidade insusceptível de apreensão directa, se não for admitida pelo próprio (através da confissão) por pertencer à vida interior do agente, mesmo assim, é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, donde o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, avaliados e apreciados, segundo o princípio da normalidade, fundando-se a convicção do julgador em presunções naturais ligadas ao princípio da normalidade e a regras de experiência comum.

Tudo isto conjugado e examinado globalmente segundo as regras normais da experiência e da lógica, é de concluir, com a certeza relativa a que atrás aludimos, pela intenção dos arguidos em praticar os factos.

Se não vejamos.

Em relação ao arguido, o mesmo referiu que apenas agiu da forma supra referida para pressionar o andamento do processo do Tribunal de Família tendo-se limitado a referir o que estava nos relatórios, tendo dito à produção que não queria que se visse a cara da filha na fotografia que iria ser mostrada no decorrer do programa.

Ora, em primeiro lugar caberá aqui dizer que não é por as pessoas irem à televisão que o Tribunal decide mais depressa. Pelo que daqui só se pode concluir que o que o arguido queria é que fosse proferida uma decisão que lhe fosse favorável, não tendo olhado a meios para o conseguir.

Quanto ao facto de o mesmo se ter limitado a dizer o que constava nos relatórios, a verdade é que estes se basearam em declarações do arguido, sendo que do processo constam outros relatórios e outras informações diversas daqueles, aos quais o arguido não fez qualquer referência.

Mas, mesmo que tudo aquilo que o arguido disse fosse verdade (o que não resultou provado), nunca poderia o arguido ir àquele programa proferir tais afirmações. Isto porque se trata de um programa de entretenimento e conteúdo lúdico, não sendo por isso o local indicado para tratar estes assuntos, os quais se resolvem no tribunal.

Para além disso, resultou provado que a assistente não deu o seu consentimento para que a entrevista fosse dada e para que fosse mostrada a fotografia da filha, sendo que era a esta que estava atribuído o exercício do poder paternal da menor.

Logo, daqui só pode o Tribunal concluir que o arguido sabia a gravidade das afirmações que estava a proferir e que o fez consciente e deliberadamente, bem sabendo que não tinha autorização da assistente para tal.

É também de referir, no que concerne à fotografia que o Tribunal entende que também aqui o arguido agiu de forma deliberada e consciente, não tendo qualquer relevância ter existido, ou não, um erro na transmissão da fotografia uma vez que a mesma não apareceu com o referido "blur".

Isto porque, entende o Tribunal que a existência, ou não, do referido "blur" em nada altera a situação, uma vez que quem conhece o arguido sabe quem é a filha deste e quem é a assistente, pelo que o facto de este não referir nomes e de a fotografia ter a cara da menor tapada em nada altera a situação. Por outro lado, para quem não os conhece também não faz qualquer diferença que se veja a cara da criança na dita fotografia.

Ou seja, face a estas evidências o Tribunal só pode concluir que o arguido agiu de forma livre deliberada e consciente com intenção de mostrar a dita fotografia bem como de expor a vida privada da menor e da assistente e ainda de lesar a honra desta, mesmo sabendo que tais condutas consubstanciavam a prática de crimes.

Mas também em relação à arguida o Tribunal entendeu que a mesma agiu de forma deliberada livre e consciente, uma vez que foi dito por esta (e ao contrário do referido na informação de fls.853) que teve conhecimento do planeamento semanal do programa, sabendo qual era o tema que ia ser abordado, sendo que, e não obstante ter poder para tal, não se opôs a que o mesmo fosse realizado com aquele conteúdo, quando podia e devia tê-lo feito.

Sendo que resulta das regras de experiência que qualquer pessoa, e muito mais a arguida que está habilitada com formação superior e desempenha as suas funções profissionais no meio televisivo, sabe que aquele tema iria por em causa a vida privada da outra parte, neste caso a menor e a assistente, as quais não deram o seu consentimento para que tal acontecesse. Aliás e quanto a este facto, e tendo em conta a gravidade do assunto, nunca poderia a arguida presumir que aquelas tinham dado o seu consentimento.

E não se diga que foi tentado o contacto com a assistente, pois tal não resultou provado, uma vez que foi dito não só pela arguida, mas também pela testemunha PR que a decisão editorial era que, mesmo quando não era exercido o contraditório, a história passava no programa.

O mesmo se passa com a fotografia exibida. Isto é, era decisão editorial que nestes casos fosse mostrada uma fotografia para mostrar a relação de afectividade existente. Pelo que a intenção do programa coordenado pela arguida era mostrar a fotografia, e conforme já foi supra referido não pode o Tribunal valorar a existência de um erro na exibição da mesma uma vez que não foi mostrado o "blur”, uma vez que o mesmo não impedia que a menor fosse identificada através do pai pelas pessoas que os conheciam.

- Isto é, as politicas editoriais do programa eram as de passar a historia, mesmo sem ouvir a parte contrária, e a de mostrar a fotografia, sendo que era a arguida enquanto coordenadora que definia essas mesmas politicas.

- Ou seja, face a estas evidências o Tribunal só pode concluir que a arguida tendo conhecimento prévio de tal tema e sendo detentora de um poder de veto quanto à exibição daquele assunto não exerceu o mesmo, deliberadamente, no sentido de permitir a exibição do programa.

- E não se diga que a arguida nunca pode ser responsabilizada pela conduta do arguido uma vez que se trata de um programa em directo e que, como tal, a arguida não poderia saber, com antecedência o que é que aquele iria dizer, porque tal não corresponde inteiramente à verdade.

- Isto porque, sabendo a arguida qual era o tema que iria ser abordado - abuso sexual de menor por parte da mãe - saberia sempre qual seria o rumo que a entrevista iria levar, pelo que se a arguida se tivesse oposto à sua emissão nunca o arguido teria sido convidado para o programa e nunca teria dado aquela entrevista e nunca teria feito tais observações e imputações em relação á assistente e à menor.

III

De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que a sentença recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª b);
2.ª – Que a sentença recorrida padece da nulidade insanável referida no art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por na fundamentação da convicção não ter feito um exame crítico da prova;

3.ª – Que a sentença recorrida viola o disposto no art.º 374.º, n.º 1 al.ª d), do Código de Processo Penal, ao não fazer a indicação sumária das conclusões contidas na contestação;

4.ª –Que o tribunal "a quo" demonstrou ao longo do julgamento e em relação aos arguidos um pré-juízo da culpabilidade destes, violando assim o princípio da presunção da sua inocência e o dever de imparcialidade, «que têm de conduzir à Nulidade da Sentença proferida, devendo proferir-se nova decisão que absolva a Recorrente»[1];

5.ª – Que a exibição da fotografia da menor sem um blur no rosto se deveu a um lapso, a um erro da régie pelo qual a arguida JP não pode ser responsabilizada, pelo que devia a mesma ter sido absolvida da prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelos art.º 199.°, n.º 2 al.ª b) e 3, e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão);

6.ª – Que a arguida JP não cometeu os crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelos art.º 192.°, n.º 1 al.ª d) e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão);

7.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.14, 2.1.17 e 2.1.18;

8.ª – Que não se provou que os danos que a recorrente foi condenada a indemnizar tenham sido causados pelo programa televisivo dirigido pela arguida JP;

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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões postas, a de que a sentença recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª b):

O disposto neste art.º 410.º, n.º 2, refere-se aos vícios da matéria de facto fixada na sentença, o que não se deve confundir com os vícios do processo de formação da convicção do tribunal no apuramento e fixação da matéria de facto fixada na sentença.

É por isso que esses vícios têm de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos à sentença, ainda que constem do processo.

Existe vício de contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico baseado no texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,1999, III-184.

Uma primeira alegada contradição prende-se com a circunstância de na fundamentação da convicção o tribunal "a quo" ter considerado que quem "geria" de facto e tomava decisões sobre a orgânica do programa, nomeadamente sobre os temas a tratar nos espaços de entrevista, as histórias concretas a analisar e quem realizava a pesquisa e controlo de fidedignidade das mesmas eram os editores do programa, no caso vertente, a editora PR – e, não obstante, ter dado como provado nos pontos 2.1.4 e 2.1.5 que:

2.1.4. No âmbito das suas funções a arguida dirigia o trabalho dos três editores do programa, bem como dos dois apresentadores do mesmo, dando-lhes ordens e instruções no que toca à execução deste;

2.1.5. No exercício das mesmas tomou conhecimento através do planeamento semanal que o tema que iria ser abordado no programa emitido a 25.05.2007 referia-se a abuso sexual de menor por parte da mãe, o qual seria exposto pelo progenitor e mostradas fotografias.

Acontece que a fundamentação da convicção no tocante a estes pontos não se restringe ao teor das declarações prestadas pela arguida e pela testemunha PR.

Nessa fundamentação também entraram outros elementos, tais como os documentos de fls. 71 e 853-854 (informações prestadas pela TVI sobre quem era a responsável pelo programa e em que é que consistiam as funções da arguida na referida estação), cujo teor permitia e permitiu ao tribunal "a quo" ter dado como provados aqueles factos.

Inexiste pois a apontada contradição.

Uma segunda alegada contradição insanável das previstas no mencionado art.º 410.º, n.º 2 al.ª b), estaria no texto do ponto 2.1.17 dos factos provados.

Este ponto 2.1.17 tem o seguinte teor:

A arguida JP actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto tendo conhecimento prévio da intenção do arguido de permitir a visualização pelo público em geral da supra referida fotografia, bem como de que a mesma ia contra a vontade da ofendida FS, teve a intenção de se não opor à sua divulgação no supra referido programa, o que conseguiu;

Agora a arguida alega que (o negrito é nosso):

LX. A Recorrente não pode ser punida por "ter a intenção de não se opor à sua divulgação" e simultaneamente agir com dolo directo no sentido de determinar a exibição da mesma, como resulta da decisão recorrida ao sustentar-se que conseguiu com a sua conduta o propósito proibido de devassar a vida da Assistente e de exibir a fotografia da menor, nos termos em que veio a acontecer.

LXI. Não pode a Recorrente ser punida simultaneamente por omissão e por acção, pois que o primeiro implica uma conduta passiva que permite a produção do efeito, ou seja que permite a prática do crime e aceita os respectivos efeitos, e a segunda implica uma conduta activa dirigida e adequada à produção de um resultado específico, proibido.

Com o devido respeito, esta alegação é uma charada de palavras, propiciada pelo emprego do verbo determinar, que não aparece no ponto

2.1.17 e é a palavra-chave, a palavra-toque que propicia a distorção do raciocínio da recorrente.

Sem querermos prolongar a adivinha, o teve a intenção de se não opor deste ponto 2.1.17 e no seu contexto, também só à primeira vista poderá ser tomado por um comportamento passivo.

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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a sentença recorrida padece da nulidade insanável referida no art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por na fundamentação da convicção não ter feito um exame crítico da prova:

Resulta das disposições conjugadas dos art.º 379.°, n.º 1 al.ª a) e 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sentença é nula se não contiver a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O exame crítico das provas a que alude este último preceito legal, passou a ser exigido com a alteração introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-8, e tem como escopo impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra" (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-3-00, Boletim do Ministério da Justiça n.º 495-290).

Com esta ponderação crítica da prova pretende-se que se demonstre que se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, pois, uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou violadora das regras de experiência comum na apreciação da prova (cfr. art.º 127.° do Código de Processo Penal).

A fundamentação da sentença há-de tornar possível perceber como é que, de acordo com a experiência comum e a lógica, se formou a convicção do tribunal num sentido e não noutro e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro: acórdão da Relação do Porto de 13-3-02, publicado sob o n.º RP200203130111447, acessível em www.dgsi.pt.

Apesar do texto da lei não definir como se deve operar e descrever o exame crítico das provas, deixando ao julgador uma larga margem de critério, deve considerar-se cumprida essa exigência, nos casos em que ainda que de forma simplificada, conste da sentença de forma suficientemente explícita a explicação de porque se aceitou como revelador da verdade histórica determinado elemento probatório e/ou se rejeitou outro, dando-o como afastado dessa verdade.

A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 7-2-01, proferido no proc. n.º 3998/00-3.ª Secção, disse o seguinte: «I. – A fundamentação da sentença, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de "assentada" em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo colectivo de juízes. II. – Não dizendo a lei em que consiste o exame critico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Basta a fundamentação e motivação necessárias à decisão».

Em idêntico sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 4-4-01, proferido no proc. n.º 691/01-3.ª Secção, onde se afirma: «II- O art.º 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, tem de ser interpretado dentro de uma visão sistémica legal do processo penal, em conjugação com os demais preceitos adjectivos que garantem aos sujeitos processuais um reexame da matéria de facto, o que serve não só o princípio do direito de defesa, incluído o recurso, como também o desenvolvimento do princípio do contraditório, na fase processual do julgamento e dos recursos. III.- Não define o texto legal (art.º 374.°, n.º 2, do CPP), de modo estrito, como se deve operar e descrever o exame crítico das provas, deixando ao julgador uma larga margem de critério. Todavia, não se pode deixar de entender, até numa visão teleológica da exigência legal, que devem presidir a este exame crítico critérios de normalidade e razoabilidade, segundo o padrão do homem médio. IV- A descrição do processo lógico que conduziu à convicção do julgador, sem prejuízo da livre convicção probatória deste, princípio basilar do processo penal, terá de ser minimamente expressivo para dar a conhecer a razão que formou o decidido de facto, não exigindo o texto legal que seja exaustiva ou, até, que se deva proceder a extracto de cada depoimento ou declaração. V- De qualquer forma, terá sempre a descrição crítica de explicar porque se aceitou, como revelador da verdade histórica, determinado elemento probatório e se rejeitou outro, porque afastado desta verdade».

Na verdade, a motivação da decisão de facto (n.º 2 do art.º 374.° do Código de Processo Penal) não pode constituir um substituto do princípio da oralidade e da imediação, no que tange à actividade da produção de prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem tão-pouco se destina a reflectir exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intenções, etc., que fundamentam a convicção ou o resultado probatório.

«A lei não exige que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir e também não reclama que, em relação a cada fonte de prova, se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível, devendo também não ser esquecido que o convencimento é o de cada um dos juízes (artigo 365.°, n.º 3, do Código de Processo Penal)» – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-6-99, Boletim do Ministério da Justiça 488-272.

Citando Marques Ferreira, "Jornadas de Direito Criminal", pág. 229 e 230 «...o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle no espírito de um determinado sistema processual (...) em consequência com os princípios informadores da Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art.º 32°, n° 1 e no art.º 205° da CRP, exige-se não só a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão».

E, continua, «estes motivos de facto que fundamentaram a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência».

É que, como refere o mesmo autor, a fundamentação ou motivação de facto das decisões cumpre dois desígnios. Um intraprocessual e outro extraprocessual.

Com o primeiro, visa-se permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe inequivocamente o art.º 410, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Com o segundo, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo seu conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.

Assim, e não obstante no nosso sistema vigorar o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o disposto no art.º 127.° do Código de Processo Penal, esta liberdade do juiz, neste particular, mais não é do que a liberdade para a objectividade, aquela que se concebe e se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, a verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros.

Citando por fim o Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", vol. II, pág. 126 e 127, a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros.

O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora as inferências já não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio e nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.

De acordo ainda com o mesmo autor «a livre apreciação da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão»
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Diga-se ainda que ao fim e ao cabo a fundamentação da convicção se traduz na concretização dos elementos que em razão das regras da experiência e de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduz a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

Ora, examinando a parte da decisão recorrida que se reporta à convicção probatória, constata-se que a mesma está alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade e que nela se procedeu à indicação da prova e a uma análise crítica da mesma, feitas de forma suficientemente cuidada e criteriosa, resultando dela o processo lógico e racional que levou o julgador a dar como provados e como não provados os factos assim considerados na sentença, não configurando essa decisão uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum.

Com efeito, dela não só consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal no que respeita aos factos provados e não provados, bem como se apresenta suficientemente abonada com a apreciação crítica das provas que foram produzidas e examinadas na audiência.

Assim, a sentença recorrida mostra-se elaborado em conformidade com o que dispõe o n.º 2 do art.º 374.° do Código de Processo Penal, pelo que não padece de insuficiência ou falta de fundamentação e, por conseguinte não é nula.
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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que a sentença recorrida viola o disposto no art.º 374.º, n.º 1 al.ª d), do Código de Processo Penal, ao não fazer a indicação sumária das conclusões contidas na contestação:

Estabelece este art.º 374.º, n.º 1 al.ª d) que a sentença começa por um relatório, que contém, além do mais, a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

O que, realmente, não consta da sentença recorrida.

A contestação tem o seguinte teor:

CONTESTACÃO

o que faz nos termos do artigo 78.° e 315.º do Código de Processo Penal e com os fundamentos seguintes:

I - DA NOVA ACUSAÇÃO
1. Finda a fase instrutória foi proferida decisão de pronúncia dos Arguidos já não pelos crimes imputados na acusação pública, mas por novos crimes que implicam e implicaram a alteração da qualificação jurídica dos factos e, curiosamente, a agravação das penas aplicáveis, em abstracto.

2. Mantendo-se, porém, o tom da acusação particular e do pedido cível formulados, que continuam a ser bem reveladores do verdadeiro intuito prosseguido pela Assistente e Demandante com os presentes autos.

3. Mas eis-nos chegados à fase nobre do processo crime, a fase de julgamento, que terá com certeza a virtude de aclarar a factualidade que aqui chegou confusa e, sobretudo, deturpada, muito deturpada.

4. Até porque, sem pretender sindicar uma decisão judicial que se cristalizou com o início da presente fase de julgamento, verdade é que a prova produzida em sede de instrução, quer por via das declarações prestadas pela Arguida, quer por via do depoimento da testemunha arrolada, contrariava já então

5. E contraria — ainda mais agora -, frontalmente, os factos que ora se encontram repristinados nas peças acusatórias a que se deduz defesa.

6. O que nos permitiria concluir, em circunstâncias normais, que sobre a prova produzida pela Defesa na fase de instrução recaíra um véu de repúdio e de rejeição que conduziu à ficção de ausência de credibilidade de quem testemunhou e prestou declarações.

7. Mas nada disso.

8. Ao invés o juízo de credibilidade realizado assentou num critério objectivo e não subjectivo, ou seja, sendo aferido em função do objecto pontual dos testemunhos prestados, em detrimento de uma avaliação global, acompanhada da caracterização da fonte: mais ou menos fidedigna, sincera ou verdadeira.

9. O que conduz a conclusões bizarras como a plena credibilidade da testemunha e da Arguida no que à demonstração dos pontos 2), 3) e 6) da matéria de facto provada respeita - constantes de fls. 11 da decisão instrutória — e à total ausência de credibilidade no que concerne à demonstração dos pontos 7) a 11).

10. Verdade é que, a propósito dos pontos 7) a 11) da matéria de facto provada na decisão instrutória, são as próprias declarações do arguido (as únicas até ao momento por si prestadas a fls. 276 e 277 dos autos) a infirmar expressamente o seu teor.

11. Corroborando, curiosamente, o depoimento prestado pela testemunha PR naquela fase.

12. A este respeito, bem se conhecem as restrições à valoração da prova decorrentes do disposto no artigo 355.º do CPP, mas espera-se que a realização do presente julgamento permita, ainda que in loco e contemporaneamente, destrinçar a verdade da mentira, a interpretação deturpada dos factos daquilo que são evidências incontornáveis.

13. É que não se pode querer convencer o Tribunal de Julgamento de que a Arguida JP- que nunca viu o Arguido nem a Assistente/Demandante, com quem, aliás, nunca falou - possa ter desejado ou querido, ou mesmo ter-se conformado com, a intenção de devassar a vida familiar desta.

14. E, muito menos e simultaneamente, devassar a vida familiar da filha do próprio entrevistado — aqui também arguido - naquele programa de televisão!

15. Tal contraria todas as regras da lógica e da experiência comum, para não dizer o simples bom senso ou, nas palavras do legislador, as regras da experiência comum.

16. É que não se vislumbra que motivação poderia ter a Arguida JP para a alegada prática dos factos típicos de ilícitos criminais que lhe são imputados.

17. Nenhum sentido tem imputar-se-lhe a autoria dos factos descritos e, tão pouco, um dolo (qual dolo?) que manifestamente não teve, porquanto não parece lógico, razoável e sequer compreensível que a Arguida, tenha prosseguido tais intentos por intermédio de um programa de televisão cuja coordenação lhe assistia e assiste.

18. Recorda-se que a Arguida é jornalista e tem a seu cargo a coordenação do programa de televisão em causa, que tem emissão diária, em directo, pelo que agir como se descreve na acusação seria assistir, no mínimo, a um "suicídio profissional".

19. Pelo que não basta pois afirmar, gratuitamente, como se faz na acusação pública deduzida, que a Arguida JP praticou tais factos por não se ter oposto à emissão do referido programa, podendo fazê-lo, quando nem sequer este último aspecto se demonstra.

20. Relembra-se que muito embora o tema da entrevista estivesse alinhavado, de acordo com uma reunião realizada no início daquela semana, era impossível prever ou controlar as concretas palavras proferidas numa entrevista como a realizada, ou seja, em directo.

21. Nem tão pouco fiscalizar as palavras proferidas, no imediato, pelos seus intervenientes.
22. Impossibilidade que a própria lei reconhece e protege.

23. Por outro lado, é excessivo exigir-se, como parece querer fazer-se, que a Arguida tivesse de assistir a todas as emissões do programa "xxx", por forma a, em tempo real, controlar (como?) as palavras então proferidas pelos convidados em directo.

24. Sobretudo quando a Arguida é - e já era à data dos factos - simultaneamente, apresentadora do programa "xxx", Programa emitido em directo das 14 às 17 horas, ou seja, logo após o "Jornal da Uma", que sucede ao programa "xxx".

25. Assim, inexistindo nos autos qualquer tipo de prova ou sequer indício relativamente à motivação criminosa da Arguida, ou quaisquer outros factos que permitiam concluir pelo preenchimento dos requisitos dos tipos de ilícito que são ora imputados deverá decidir-se pela sua necessária absolvição.

26. Assim porque a verdade é una, resta à Arguida retomar as considerações expendidas em sede de instrução, acrescentando porém algumas (necessárias) precisões.

II - DA DEFESA DA ARGUIDA

27. As imputações formuladas contra Arguida alicerçam-se, exclusivamente e em concreto, na exibição do programa de televisão "xxx", emitido em directo, no dia 27 de Maio de 2007, cuja cópia em formato Cd foi oportunamente junta aos autos.

28. Pelo que para aferir-se da responsabilidade criminal da Arguida, Jp, importa, em primeiro lugar, compreender a natureza do programa de televisão em questão, as funções por si exercidas à data, as competências dos editores do programa e respectivas atribuições e, finalmente a finalidade da rubrica em que foi difundida a entrevista realizada, em directo, ao Arguido.

29. Ora, o referido programa televisivo visa, fundamentalmente, tratar de temas de considerável interesse social e público.

30. Ora, é precisamente o debate das questões de índole social e familiar, muitas vezes silenciadas pelas vítimas, ou melhor, pelos poderes fáctico e pela insensibilidade social que as oprimem, que a arguida prossegue nos programas que orienta e tem a seu cargo.

31. Isto porque é esse debate que propicia meios de alerta e de reacção aos cidadãos, serviço que a TVI, entidade patronal da arguida, goste-se ou não, assume diariamente e tem muita honra em prosseguir.

32. Por isso, há que (re)afirmá-lo, as acusações formuladas partem de um equívoco, talvez propositado: que a arguida assume, autoriza e é complacente com o julgamento público injusto e precipitado de pessoas, neste caso a assistente, que nem sequer conhece.

33. Esquecem-se, porém, os autores de tais imputações que o espectador ou o cidadão, tem direito aos factos, aos relatos, a uma opinião e a ser confrontado com as situações factuais e a palavra dos visados.

34. E tem direito a formá-la ciente de que toda a medalha tem um reverso e toda a moeda tem, para além de cara, também uma coroa — menção que foi reiteradamente realizada em toda a entrevista, quer pelos entrevistadores quer pela convidada, Dr.ª MS

35. É esse o serviço que a arguida presta, em prol da verdade, do interesse público e da formação de uma nova consciência consciente.

36. Pelo que são manifestamente falsas as afirmações proferidas pela Assistente, essas sim difamatória da Arguida, que visam a desconsideração e estigmatização dos conteúdos dos programas de Televisão emitidos pela TVI, S.A, através de alusões depreciativas como "...(a arguida) colocou ao dispor do primeiro arguido todos os meios necessários à obtenção desse desiderato" (artigo 21.º da acusação particular), "Todos os dias espera que uma qualquer estação de televisão pegue numa "história" bem contada, capaz de atrair audiências, entre um concurso e uma actuação de uma banda qualquer" (artigo 43.º da AP), "...(a assistente) ficará sempre para alguns como aquela de quem se chegou a falar umas coisas há uns anos no Programa do x" (artigo 44.º da AP).

37. Bem como são falsos os factos constantes dos artigos 15.º e 16.º da Acusação pública.

38. Por outro lado, não podemos deixar de realçar a (constante) vitimização da assistente ao longo do seu libelo acusatório, através da alegação de factualidade que em nada se assemelha à verdade material.

39. Postura que, curiosamente, se ajusta, embora em míngua, à tentativa de demonstração de danos não patrimoniais alegadamente provocados com a entrevista sub judice, consubstanciados em, imagine-se, 250.000,00€.

Mas a seu tempo lá chegaremos, uma vez mais.

III — DOS FACTOS

40. A rubrica televisiva em questão, cujo visionamento se recomenda por assaz esclarecedor, consistiu numa entrevista realizada ao co-arguido que, ao longo da mesma, demonstrou primordialmente e, acima de tudo, uma profunda preocupação pelo bem estar da sua filha.

41. Preocupação que se reputou genuína e verdadeira, não só em virtude do discurso do co-arguido, mas também em face dos elementos documentais por si apresentados à produção da TVI, a pedido da editora PR.

42. De facto, ao Arguido foram solicitados diversos elementos comprovativos dos factos por si invocados, para que esta pudesse apurar a fiabilidade da história transmitida pelo Arguido, sem os quais — e sem uma análise prévia dos mesmos pela referida editora - não seria possível realizar a entrevista e abordar o tema no mencionado programa.

43. O Arguido agiu em conformidade, enviando os elementos que tinha em seu poder ao cuidado da referida Editora e não à Arguida, que nunca os viu, nem analisou o seu teor.

44. Tal modus operundi era e ainda é necessário para evitar o tratamento de temas sem qualquer base fáctica ou fundamento e, acima de tudo, a imputação gratuita e infundada de factos a quem quer que seja, transformando um programa de discussão de temas particularmente sensíveis e melindrosos, numa veículo de acusações, o que não pode admitir-se.

45. Pelo que constituiu e constitui tarefa da referida editora PR a depuração e corroboração das histórias transmitida pelos entrevistados através do confronto com os elementos fornecidos pelos mesmos, ou seja, servindo necessariamente de crivo e controlo prévios à emissão das mesmas.

46. Feita a análise dos elementos fornecidos pelo Arguido, ficou a editora convencida de que o relato tinha fundamento, pelo que os alegados maus tratos de um progenitor, sempre justificavam e justificam a sua discussão num programa de televisão, dado o seu manifesto interesse público.

47. Assim pretendeu-se desde logo, a partir daquele relato, informar os telespectadores sobre o modo como poderiam detectar tais situações, como sinalizar, como reagir, quem alertar, como proteger, como cuidar.

48. Foi justamente esse o tratamento que foi dado ao relato apresentado pelo co­arguido, tendo sido desse modo, ou seja em abstracto, abordado pelos apresentadores.

49. Foi também essa a abordagem da então convidada, a Dr.ª MS, Presidente do Instituto Português de Mediação Familiar, que procurou de forma pertinente e eticamente irrepreensível, facultar algumas dessas respostas.

50. Constata-se, pois, que contrariamente ao que se afirma na acusação, não foram a arguida e a TVI de modo algum instrumentalizadas no sentido de proporcionar "tempo de antena" ao co-arguido.

51. Nem tão pouco se usou tal rubrica para imputar de forma gratuita, injustificada ou abusiva fosse o que fosse à mãe da menor em causa, ora assistente, cujo nome nunca é efectivamente mencionado.

52. Muito pelo contrário - há que dizê-lo - sempre se assumiu, ao longo de toda a entrevista realizada, que os factos descritos pelo co-arguido constituíam apenas uma versão, a do pai da menor, faltando ouvir a da mãe.

53. Tal foi, aliás, clara e expressamente mencionado quer pela convidada, logo no momento da sua primeira intervenção — a 59:04 minutos do CD contendo a gravação - quer pelos apresentadores — a 59:52 minutos do mesmo - de molde a que os telespectadores não tivessem dúvidas do cariz parcial do relato que lhes era apresentado.

54. Tudo para que o espectador não formulasse um juízo injusto e precipitado na decorrência da entrevista.

55. É que o telespectador, por muito que isso custe a admitir, pensa autonomamente e é capaz de pensar pela sua cabeça e de emitir uma opinião racional e ponderada.

56. Mas para isso suceda necessita de ser bem informado e devidamente esclarecido, o que aconteceu in casu.

57. De facto, foi claramente desse modo que declarações do co-arguido foram recebidas não só por quem o interpelou mas também por quem o viu e ouviu, ou seja, pelos telespectadores.

58. Resulta, pois, de todo a exposto, que foi constante e bem evidente ao longo de toda a rubrica a referência à parcialidade do relato, tendo o mesmo sido sobejamente referido — reitera-se - pela convidada a Sra. MS.

59. Razão pela qual os comentários, ou as considerações pessoais tecidas pelos apresentadores sobre os factos que lhes estavam a ser narrados, se fizeram sempre acompanhar da menção expressa de que os mesmos correspondiam apenas a uma versão da "história".

60. Ora só por si e face a tal cautela indesmentível da Produção, diga-se dos editores, apresentadores e convidada, cai por terra a imputação ora formulada pela assistente de que a arguida, através da orientação que deu ao referido programa - ou que deixou de dar, na tese sustentada na acusação - pretendeu difamar a assistente.

61. A arguida não o fez, não o faria, nem nunca o admitiria no exercício das suas funções, até porque não conhece as pessoas nem a move qualquer interesse neste caso, senão o interesse público e a finalidade de informar.

62. Nem tão pouco colhe o argumento de que o conhecimento prévio do teor da entrevista a levar a cabo pelos apresentadores constitui demonstração cabal do animus difamandi da Arguida ao permitir que a mesma fosse exibida ou prosseguisse no ar, nos termos em que o foi.

63. Como vimos, a preparação prévia das entrevistas visa justamente impedir que os relatos se transformem em julgamentos públicos eivados de convicções pessoais em vez de factos ou certezas.

64. Ainda assim, sempre se dirá, que o programa em questão foi emitido em directo, pelo que a arguida não pode ser responsabilizada pelo teor de afirmações proferidas inesperadamente pelo seu entrevistado - e muitas foram de facto inesperadas até para os próprios entrevistadores! - a menos que tivesse tido previamente conhecimento do seu teor difamatório ou injurioso, o que não foi manifestamente o caso.

65. É que é muito diferente afirmar-se que a Arguida tinha tido "conhecimento prévio do teor das declarações a prestar pelo Arguido" - que nem sequer teve, quando muito conhecimento em abstracto do tema a tratar — do facto da Arguida ter tido alguma vez conhecimento prévio das respostas que foram dadas, espontaneamente, em directo, às perguntas formuladas pelos apresentadores daquele programa.

66. Na verdade as entrevistas são previamente preparadas para salvaguarda do rigor da informação a transmitir ao telespectador e bem assim para prevenir eventuais situações de desrespeito pelos direitos fundamentais dos intervenientes ou sujeitos referenciados na Entrevista.

67. Ora in casu, como aliás acontece em todos as emissões deste programa, antes do início do mesmo a editora PR transmitiu ao Arguido as regras inerentes à emissão de um programa em directo.

68. Tendo ficado bem delineadas as fronteiras do que podia e não podia ser dito, do que devia e não devia ser exibido.

69. O que nos leva, inexoravelmente, à exibição, em directo, da fotografia do co­arguido com a sua filha, também objecto de reprovação quer pela Assistente quer pelo Ministério Público.

IV—DA REPRODUÇÃO TELEVISIVA DA FOTOGRAFIA DO ARGUIDO COM A SUA FILHA

70. No início da referida entrevista foi exibida uma fotografia na qual constam o co­-arguido e a sua filha.

71. Ora, tal fotografia fazia parte dos documentos entregues à produção pelo co­-arguido LS, encontrando-se a mesma numa "pendrive" que foi entregue à Editora PR no próprio dia da emissão do programa.

72. Significa isto que, contrariamente ao que é erradamente invocado no artigo 16.° da Acusação, o Arguido jamais enviou aquela ou qualquer outra fotografia sua ou da sua filha à editora PR, por correio ou por email e muito menos dez dias antes da emissão em que foi entrevistado.

73. São aliás diversos os elementos probatórios existentes nos autos que contrariam justamente tal afirmação.

74. De facto, reitera-se uma vez mais, a concreta fotografia que veio a ser exibida na emissão em causa - composta por uma imagem do co-arguido coma sua filha abraçados — encontrava-se entre diversos documentos entregues numa "pendrive" à mencionada editora pelo co-arguido LS, no dia da emissão do programa televisivo sub judice, ou seja, no próprio dia 25/05/2007!

75. Tal fotografia foi entregue pelo Arguido a PR, tendo este autorizado a reprodução da referida fotografia, sob condição inultrapassável de a imagem de sua filha aparecer desfocada.

76. Foi esse o procedimento combinado e reciprocamente aceite na sequência da entrega pelo co-arguido à Produção das fotografias constantes na referida Pendrive.

77. Aliás, salienta-se, que o referido lote de fotografias havia sido visionado pela Sr.ª PR em conjunto com o co-arguido, que as foi comentando interpoladamente, momentos antes do início da emissão do programa.

78. Sucede, porém, que já durante a entrevista do Arguido, no momento em que a fotografia "seguiu para o ar", por lapso que se assume expressamente - mas a que a ora arguida é completamente alheia - esta foi exibida sem qualquer tratamento, ou seja, sem que a imagem da filha do co-arguido e da assistente, aparecesse devidamente desfocada.

79. Tal facto foi constatado ao fim de poucos segundos pelos técnicos do Programa e pela Produção, o que levou a que a fotografia fosse, de imediato, retirada do ar.

80. Não tendo sido exibida mais nenhuma vez durante a entrevista.

81. Isto porque não se previu, nem tão pouco se quis, a exibição da fotografia nos termos em que o foi efectivamente.

82. Nem tal constituiu o acordado com o co-arguido, facto que se assume e se lamenta.

83. Ademais não é esse o procedimento regulamentado, nem tão pouco a postura prosseguida quer pela arguida, quer pela sua entidade patronal, tão pouco tendo autorizado os editores do programa a actuar de modo distinto.

84. Ademais, sempre se dirá que em rubricas similares naquele programa de televisão, quer emitidas antes, quer depois daquela emissão, foram exibidas dezenas de fotografias, mas sempre com as imagens desfocadas.

85. Nem a arguida aceitaria de outro modo, já que os seus programas não visam explorar a imagem, nem violar direitos dos cidadãos, mas antes chamar à atenção para a realidade social dos nossos dias.

86. Assim, o que o MP e a assistente consideram uma exibição breve e abrupta, dolosa e premeditada da fotografia em causa, constitui, na verdade, um lamentável lapso que não mais, durante a entrevista, se cometeu e que só aconteceu, por lapso de outrem, contra as regras estabelecidas, lapso que é alheio à ora arguida.

87. Ou seja, um imprevisto que a arguida não determinou, que não pôde obviar, mas que assume, como responsável última do programa, embora tenha dado expressamente ordens para que tal não acontecesse.

88. Parece assim evidente que inexistiu qualquer dolo, nem meramente eventual, por parte da arguida, quando da exibição da referida fotografia, pelo que, inexistindo qualquer conduta dolosa da arguida passível de violar os bens jurídicos invocados, nomeadamente, o direito à imagem da filha do co-arguido e da assistente, não poderá esta vir a ser punida por esse mesmo facto.

89. Não obstante, sempre se dirá que os factos descritos não preenchem a tipicidade dos crimes que ora se imputam à arguida.

90. De facto, é bem evidente que a arguida jamais devassou a vida privada da assistente, não se preenchendo os requisitos da tipicidade objectiva e, muito menos, subjectiva, que compõem a incriminação da tal conduta.

91. Por outro lado, atenta a redacção e alcance do crime de gravações e fotografias ilícitas, também não se julgam preenchidos os requisitos materiais, nem tão pouco a tipicidade objectiva e subjectiva ínsita, devendo a arguida ser absolvida dos crimes porque vem injustamente acusada nos presentes autos.

V — DA CONTESTAÇÃO AO PEDIDO CÍVEL FORMULADO

92. Constata-se, por último, que o pedido cível formulado nos autos para além de manifestamente desrazoável, carece em absoluto de fundamento, já que os factos invocados, para além de contraditórios, transparecem — esses sim — uma "história", e apenas isso.

93. Com efeito, se por um lado se afirma que o programa televisivo em causa tinha vasta audiência e a alegada difamação ter ocorrido em larga escala, por outro assume-se que em virtude de nunca ter sido referido o nome da Assistente, ao longo de todo o programa, apenas os vizinhos e os amigos mais próximos podiam questionar a conduta da assistente.

94. Pelo que a existir alegado dano este sempre seria restrito e circunscrito, sendo injustificável o valor peticionado nos autos a esse título, o que bem demonstra, para o que ora interessa, que o interesse aqui em causa é outro que não o da Justiça...

95. Por outro lado, são ainda evidentes outras inconsistências; senão vejamos, porque razão tem a assistente de modificar a sua conduta, nomeadamente no que ao banho da sua filha respeita, conforme afirma no 35.º da Acusação Particular, se são falsas as imputações de prática de abuso sexual da referida menor?

96. Se, supostamente, a menor mentiu sugestionada pelo pai - como se afirmou a dada altura em sede de inquérito - porque razão haveria a assistente de mudar a actuação com a sua filha?

97. Parece-nos que se a menor sabe que tais factos são falsos, nada impede a Assistente de continuar a dar-lhe banho, ou a agir como até então.

98. Ou não será o banho da menor um momento em que apenas as duas intervêm? Inibir-se porquê e perante quem?

99. No mais, também não se entende como pode esta imputar ex futurum toda a ansiedade, a manutenção de um alegado estado depressivo, o receio de a criança ser-lhe retirada pelo Tribunal, o aguardar de nova acusação quanto à sua idoneidade e capacidades parentais.

100. Por outro lado, acha-se estranho que a assistente, na sua acusação, não tenha reagido a outras expressões, potencialmente difamatórias proferidas pelo Co-arguido, nomeadamente, que a assistente, a dada altura, terá fugido com a criança, ou que não lhe prestava os cuidados de higiene devidos.

101. Muito se estranha, igualmente, que o estado emocional da assistente, grave como é apresentado, não tenha tido quaisquer repercussões na sua vida profissional conforme a própria assume nos artigos 40.2 e 41.2, nem tão pouco tenha sido objecto de prova documental conforme se impunha.

102. Verifica-se, pois, que o pedido formulado constitui não mais do que uma prosa, sem fundamento, apenas com uma finalidade.

103. É, aliás, notória a mudança de estilo no elencar dos alegados, e apenas isso, fundamentos para o pedido de indemnização formulado, carecendo de credibilidade e de, mais grave ainda, demonstração prática.

104. Não basta pois, pedir, sem mais, a condenação dos arguidos no pagamento da quantia de € 250.000,00, impunha-se, ao menos, a alegação e demonstração de tais danos, o que não sucedeu.

105. Mas mais grave do que isso é a confusão instalada entre os (pelo menos dois) pedidos de indemnização cível ora deduzidos tendo por base os mesmos factos: o primeiro enxertado na Acusação particular nos artigos 23.º a 45.º da mesma (fls. 353 a 356 dos autos); o segundo, autónomo, constante de fls. 386 a 391. dos autos.

106. Sendo que no primeiro é peticionado o pagamento de uma indemnização à assistente, no valor de € 250.000,00, por danos que lhe terão sido alegadamente infligidos pelos Arguidos — vide artigos 23.º, 32.º e 39.º da Acusação Particular.

107. E no segundo, a assistente/demandante peticiona a título de danos que lhe foram alegadamente provocados pelos arguidos o valor de € 10.000,00 — os mesmos danos descritos no artigo anterior, contabilizando porém em € 275.000,00 (€ 250.000,00 + € 25.000,00) os danos que a sua filha menor FS terá alegadamente sofrido na sequência dos factos (incorrectamente) descritos nos artigos 8.º, 13.º, 22.º do pedido cível formulado a fls. 386 a 391 dos autos.

Importaria, pois, esclarecer qual a razão de ser para num primeiro momento a assistente peticionar um valor e, num segundo momento, um valor completamente distinto, pela alegada verificação dos mesmos factos.

109. É, no mínimo, patente a manifesta má fé da demandante.

110. Face a todo o exposto, deverá(ão) improceder necessariamente o(s) pedido(s) de indemnização civil formulado(s), absolvendo-se os arguidos do mesmo, sob pena de violação dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º l al. b) e n.º 2, 192.º, n.° 1 al. d), 199.º, n.º2, al. b) e 197.º, al. b) todos do Código Penal

Ora bem.

Conquanto a lei adjectiva penal tenha eleito como requisito da sentença a indicação sumária das conclusões contidas na contestação (art.º 374.º, n.º 1 al.ª d)), a verdade é que a falta de cumprimento de tal requisito não constitui nulidade, consubstanciando tão só mera irregularidade (art.º 118.º, n.º 1 e 2 e 379.º a contrario senso).

Com efeito, inexistindo preceito legal a cominar a nulidade da sentença por falta de indicação sumária das conclusões contidas na contestação, certo é que a correspondente omissão constitui simples irregularidade, a qual deve ser arguida no acto de leitura da sentença, sob pena de se ter de considerar sanada, sem necessidade nem possibilidade de reparação ou correcção, uma vez que a mesma, obviamente, não afecta o valor do acto praticado (art.º 123.º e 380.º do Código de Processo Penal).

(Acórdão da Relação de Coimbra de 16-10-97, CJ, 1997, V-45; e acórdão do STJ de 13-3-1989, proferido no processo n.º 39893).

Não obstante, os factos alegado na contestação que sejam relevantes para a decisão da causa (art.º 363.º, n.º 2) devem ser dados como provados ou não provados, constituindo a omissão de tal dever causa de nulidade da sentença (art.º 379.º, n.º 1 al.ª c)).

Ora da contestação, acima reproduzida na íntegra, o único «facto» que a recorrente mencionou como relevante foi… o tribunal "a quo" não se ter pronunciado «sobre a factualidade invocada pela defesa na sua contestação, nomeadamente o manifesto interesse público do teor da entrevista realizada»[2].

Não obstante, a omissão de pronúncia como nulidade só se verifica quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não quando deixa de apreciar os argumentos invocados a favor da versão por elas sustentada (que é o caso daquele argumento): acórdão da Relação de Lisboa de 12-7-2007, processo 4047/2007-4, www.dgsi.pt.

A sentença só padece da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º se a omissão se referir a uma questão em sentido técnico, não enfermando desse vício se ela apenas não tiver tomado em consideração um fundamento para decidir essa questão num ou noutro sentido: acórdão da Relação de Lisboa de 24-9-2008, processo 7290/2008-3, www.dgsi.pt.

Ora resulta evidente da leitura da matéria de facto assente como provada e não provada, da fundamentação da convicção e da apreciação jurídica das questões constantes da sentença recorrida que todas as matérias mencionadas na contestação (excepto as referentes à instrução) foram amplamente debatidas em julgamento e apreciadas na sentença.

Além do mais, podendo o «manifesto interesse público do teor da entrevista realizada» funcionar como causa de exclusão da ilicitude da recorrente JP relativamente ao crime de devassa da vida privada por que foi condenada (art.º 192.º, n.º 2, do Código Penal), tal causa tornar-se-á, porém, irrelevante em face da solução jurídica que ao deante se dará àquele crime.

Pelo que (também por isso) improcede a apontada objecção.

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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que o tribunal "a quo" demonstrou ao longo do julgamento e em relação aos arguidos um pré-juízo da culpabilidade destes, violando assim o princípio da presunção da sua inocência e o dever de imparcialidade, «que têm de conduzir à Nulidade da Sentença proferida, devendo proferir-se nova decisão que absolva a Recorrente»[3]:

Se a Senhora Juiz mostrou durante o julgamento pré-juízos de culpabilidade dos arguidos, estes na altura que tivessem suscitado a sua recusa, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, e 44.º-2.ª parte.

Na verdade, estabelece este último preceito legal que o requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate – o que é o caso de se, depois de iniciada a audiência o juiz se mostrar tendencioso, o que constitui «motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade» (art.º 43.º, n.º 4), podendo, pois, nessa altura ser levantado o incidente da recusa do juiz .

Não o tendo feito, é agora irrelevante a exibição desse labéu como argumento de marketing jurídico para impressionar o tribunal "ad quem".

De resto, se tiver realmente havido qualquer espécie de má vontade ou imparcialidade da Senhora Juiz, como a arguida impugnou a matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 e 4, a situação reconduzir-se-á à apreciação de se matéria de facto assente como provada e/ou não provada foi correctamente fixada em face da prova produzida em julgamento e indicada pela recorrente.

É por isso que é descabida a invocação, no presente contexto, da violação do princípio da presunção da inocência do arguido.

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No tocante à 5.ª das questões postas, a de que a exibição da fotografia da menor sem um blur no rosto se deveu a um lapso, a um erro da régie pelo qual a arguida JP não pode ser responsabilizada, pelo que devia a mesma ter sido absolvida da prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelos art.º 199.°, n.º 2 al.ª b) e 3, e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão):

O direito à imagem configura um bem jurídico-penal autónomo, tutelado em si e de per si, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade, como resulta claro da circunstância de o texto adoptado pelo Código Penal de 1982 ser o de fotografar, filmar ou registar aspectos da vida particular de outrem, expressão que em 1995 seria substituída por fotografar ou filmar outra pessoa.

Trata-se de um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem. É, com efeito, à pessoa que assiste o poder soberano de decidir quem pode gravar, registar, utilizar ou divulgar a sua imagem. Isto em consonância com o disposto no art.º 79.º, n.º 1, do Código Civil (direito à imagem):

o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela. Os casos de desnecessidade de consentimento estão no n.º 2 do art.º 79.º do Código Civil e não se aplicam ao caso: não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

O direito à imagem goza também de reconhecimento e tutela da Constituição: art.º 26.º, n.º 1.

E sendo o objecto da protecção legal a imagem física da pessoa, embora nesta imagem prevaleça, naturalmente, o rosto, ela abrange todo o corpo[4].

No tocante à fotografia a que se refere o presente processo, em que a menor aparece com o pai, ao colo deste e com uma das mãos estendida na direcção da máquina que a fotografa, basta pensar no caso de, não obstante poder ter um blur no rosto, exibir, por hipótese, uma roupa modesta que faça as pessoas terem pena dela ou as unhas da mão estendida compridas e sujas e uma delas encravada e com aspecto de estar infectada, ou deixar entrever um corpo mal nutrido, caso em que o blur não teria conseguido evitar aqueles danos na imagem da pessoa fotografada – exemplo que, apesar de não se verificar no caso concreto da menor, serve apenas como hipótese para ilustrar que o direito à imagem não se limita ao rosto. De resto, para a verificação do crime em apreço, nem é preciso que a imagem retratada da pessoa a desfavoreça; consuma-se independentemente do resultado ou da impressão que cause nos outros: a imagem pode ser a de uma pessoa inesquecivelmente esplendorosa e o crime ocorrerá à mesma se a sua divulgação não tiver sido consentida.

O blur no rosto, ou a encriptação dessa parte da imagem, ou qualquer outra técnica ou meio de não revelar o rosto, serve apenas para acautelar o anonimato da pessoa, do individuo que vai à televisão falar sobre o crime que cometeu, a identidade dos polícias que aparecem numa reportagem ou numa fotografia a metê-lo num carro na altura da detenção, a identidade das testemunhas que falam sobre o caso com o rosto sem aparecer e a voz desfigurada, com medo de serem depois afrontadas pelo delinquente, não serve para salvaguardar o direito à imagem de cada um deles. Por exemplo, os polícias podem aparecer com o rosto encriptado numa filmagem, que se forem violentos com o preso passarão … uma imagem de violência policial.

O blur no rosto ou qualquer outra técnica de dissimulação do rosto da pessoa fotografada ou filmada poderá, além de assegurar o seu anonimato, perseverar por isso mesmo a sua privacidade futura, evitando que ela seja reconhecida e incomodada como o seria se lhe tivesse sido exibido o rosto.

Acontece que, actualmente, o bem jurídico tutelado pelo art.º 199.º do Código Penal não é a privacidade/intimidade da pessoa, mas, na expressão do escritor Milan Kundera, no seu romance “Imortalidade” uma certa angústia ante a ideia de que um segundo da sua vida, em vez de se converter em nada como todos os outros segundos, fosse arrancado ao decurso do tempo para, se um acaso (…) um dia o exigisse, ressuscitar como um morto mal enterrado.

Vem isto a propósito de que, mesmo que a fotografia da menor tivesse sido exibida com um blur no rosto, tal não afastava o cometimento pela arguida do crime de utilização ilícita de fotografia, p. e p. pelo art.º 199.º.°, n.º 2 al.ª b) e 3, e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão).

De modo que se torna irrelevante a discussão levantada no recurso de se a exibição da fotografia da menor com blur ou sem blur se deveu ou não a um lapso, a um erro da régie pelo qual a arguida JP não pode ser responsabilizada, pois não vem pela mesma questionado que era prática do programa por si dirigido mostrarem fotografias que exemplificassem as relações ou os momentos ou os estados de alma que fossem tratados nas entrevistas a efectuar no programa.

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No tocante à 6.ª das questões postas, a de que a arguida JP não cometeu os crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelos art.º 192.°, n.º 1 al.ª d) e 197.° al.ª b), do Código Penal, e 71.°, n.º 3 e 35.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30-7 (Lei da Televisão):

Os factos ocorreram em 25-5-2007, portanto no âmbito da anterior Lei da Televisão (Lei n.º 32/2003, de 22-8), cujo art.º 65.º (na altura o equivalente ao art.º 71.º da actual Lei da Televisão) estabelecia que:

Crimes cometidos por meio de televisão
1 - Os actos ou comportamentos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados através da televisão são punidos nos termos gerais, com as adaptações constantes dos números seguintes.

2 - Sempre que a lei não estabelecer agravação mais intensa em razão do meio de perpetração, os crimes cometidos através da televisão são punidos com as penas estabelecidas nas respectivas
normas incriminadoras, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

3 - Os directores referidos no artigo 31.º apenas respondem criminalmente quando não se oponham, podendo fazê-lo, à comissão dos crimes referidos no n.º 1, através das acções adequadas a evitá-los, caso em que são aplicáveis as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.

4 - No caso de emissões não consentidas, responde quem tiver determinado a respectiva transmissão.


5 - Os técnicos ao serviço dos operadores de televisão não são responsáveis pelas emissões a que derem o seu contributo profissional, se não lhes for exigível a consciência do carácter criminoso do seu acto.
Actualmente rege a Lei n.º 27/2007, de 30-7, cujo art.º 71.º prescreve:
Crimes cometidos por meio de serviços de programas televisivos e de serviços audiovisuais a pedido
1 - Os actos ou comportamentos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido são punidos nos termos gerais, com as adaptações constantes dos números seguintes.

2 - Sempre que a lei não estabelecer agravação em razão do meio de perpetração, os crimes cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido que não estejam previstos na presente lei são punidos com as penas estabelecidas nas respectivas normas incriminadoras, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.


3 - O director referido no artigo 35.º apenas responde criminalmente quando não se oponha, podendo fazê-lo, à prática dos crimes referidos no n.º 1, através das acções adequadas a evitá-los, caso em que são aplicáveis as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.


4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas ou de intervenções de opinião, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, salvo quando o seu teor constitua incitamento ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual, ou à prática de um crime, e a sua transmissão não possa ser justificada por critérios jornalísticos.

5 - No caso de emissões não consentidas, responde quem tiver determinado a respectiva transmissão.

6 - Os técnicos ao serviço dos operadores de televisão ou dos operadores de serviços audiovisuais a pedido não são responsáveis pelas emissões a que derem o seu contributo profissional se não lhes for exigível a consciência do carácter criminoso do seu acto.

De acordo com o n.º 4 desta última disposição legal (aplicável por força do estatuído no art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal), e como a imputação deste crime à recorrente JP se consubstanciava em declarações do co-arguido LF correctamente reproduzidas e prestadas por pessoa devidamente identificada, só esta – ou seja, só o co-arguido LF – pode ser responsabilizado (e uma vez que o seu teor não constitua incitamento ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual, ou à prática de um crime, e a sua transmissão não possa ser justificada por critérios jornalísticos).

Daí que se imponha a absolvição da recorrente da prática deste crime.

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No tocante à 7.ª das questões postas, a de que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.14, 2.1.17 e 2.1.18:

Estes pontos têm o seguinte teor:

2.1.4. No âmbito das suas funções a arguida dirigia o trabalho dos três editores do programa, bem como dos dois apresentadores do mesmo, dando-lhes ordens e instruções no que toca à execução deste;

2.1.5. No exercício das mesmas tomou conhecimento através do planeamento semanal que o tema que iria ser abordado no programa emitido a 25.05.2007 referia-se a abuso sexual de menor por parte da mãe, o qual seria exposto pelo progenitor e mostradas fotografias.

2.1.14. O arguido LS actuou com a intenção de permitir a visualização pelo público em geral da supra referida fotografia, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e contra a vontade da ofendida FS, o que conseguiu;

2.1.17. A arguida JP actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto tendo conhecimento prévio da intenção do arguido de permitir a visualização pelo público em geral da supra referida fotografia, bem como de que a mesma ia contra a vontade da ofendida FS, teve a intenção de se não opor à sua divulgação no supra referido programa, o que conseguiu;

2.1.18. A arguida JP actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto tendo tido conhecimento prévio do teor do tema a abordar pelo arguido já descrito em 2.1.5. no supra referido programa, da intenção do mesmo de devassar a vida familiar da assistente e da ofendida FS, bem como da falta de consentimento das mesmas na divulgação do referido assunto, teve a intenção de se não opor à realização da supra referida entrevista, o que conseguiu.

O que a recorrente pretendia pôr em causa com esta impugnação da matéria de facto era:

-- Que tivesse cometido os crimes de devassa da vida privada na pessoa da assistente e na da menor FS, filha da assistente.

-- Que tivesse cometido o crime de exibição ilícito de fotografia, a da menor, porque a falta de um blur no rosto desta se deveu a um lapso, a um erro da régie pelo qual a arguida JP não pode ser responsabilizada.

Acontece que, como se acabou de ver, a recorrente não cometeu aqueles crimes de devassa da vida privada e, quanto ao de exibição ilícita de fotografia, é irrelevante que a fotografia tenha sido exibida com ou sem blur no rosto e que isso se deva ou não a lapso da régie e que a arguida JP possa ou não ser responsabilizada por esse lapso.

Resultado: a impugnação da matéria de facto tornou-se irrelevante para o destino do recurso, pelo que não será conhecida.

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No tocante à 8.ª das questões postas, a de que não se provou que os danos que a recorrente foi condenada a indemnizar tenham sido causados pelo programa televisivo dirigido pela arguida JP;

A questão estaria em que, tendo já anteriormente sido no jornal da noite da SIC, em 21-11-2006, transmitida uma entrevista com o arguido LS com idêntico teor, se desconhece se a totalidade ou que parte dos danos invocados se deveria à entrevista da SIC em vez de se dever à da TVI.

A entrevista da SIC ocorreu em 21-11-2006. A da TVI em 25-5-2007. Quer a lesada, quer as testemunhas que sobre o assunto depuseram, não fizeram qualquer confusão entre as consequências de uma e outra para as lesadas. A invocação feita agora pela recorrente da existência dessa confusão é um fait divers sem qualquer expressão ou sustentação nos testemunhos produzidos em julgamento.

E que efectivamente «a Assistente ficou transtornada do ponto de vista emocional, sentindo vergonha, angústia, tristeza e ansiedade, ficando com medo que lhe fosse retirada a guarda da menor, sentimentos que ainda hoje sente», dados como provados no ponto 2.1.19 é uma constante desses depoimentos.

Improcede, pois, esta objecção.

Questão diferente, que passou a carecer de solução com a absolvição da recorrente dos crimes de devassa da vida privada, é a da requantificação do montante da sua comunhão na solidariedade com o co-arguido LS na indemnização por danos não patrimoniais arbitrada pela 1.ª Instância – e que foi de 12 500 € (sendo 5 000 € para a demandante e 7 500 € para a menor)

Atendendo aos considerandos em que o tribunal "a quo" se baseou para fixar tal montante (e que não foram questionados no recurso), e a que de três passou para um o número de crimes que originaram para a recorrente JP a obrigação de indemnizar e o disposto nos art.º 496.º e 494.º do Código Civil, temos por justo e adequado restringir a solidariedade da recorrente ao montante de 4 000 (quatro mil) euros.

IV

Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, se decide:

1.º
Absolver a recorrente JP dos dois crimes de devassa da vida privada por que fora condenada na 1.ª Instância.

2.º
Restringir a 4 000 (quatro mil) euros a solidariedade da recorrente no montante de 12 500 € que, juntamente com o co-arguido LS, foi condenada a pagar por danos morais às lesadas.

3.º
Manter no mais a decisão recorrida.

4.º
Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1-2.ª parte, do Código de Processo Penal).


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Évora, 29 de Maio de 2012

(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)

João Martinho de Sousa Cardoso (relator)

Ana Barata Brito (adjunta)
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[1] Conclusão XLIII.
[2] Conclusão VIII.
[3] Conclusão XLIII.
[4] "Comentário Conimbricense do Código Penal", 1999, tomo I, pág. 829