Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
463-B/2001.E1
Relator: EDUARDO TENAZINHA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE DA PENSÃO
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 06/05/2014
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recorrido: COMARCA DE ABRANTES
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Sumário:
1 - A prestação social a cargo do FGADM deverá atender ao montante fixado na prestação alimentícia anterior cujo pagamento não foi efectuado pelo progenitor obrigado, e ainda às necessidades específicas do menor, está sujeita a um tecto máximo e deverá ser fixada após nova avaliação do agregado familiar e da sua capacidade económica.
2 - O F.G.A.D.M. não se substitui aos devedores originais, pois apenas se limita a intervir subsidiariamente no sentido de pagar a “nova prestação” quando estes não o façam, com o que ficam sujeitos a reembolsar o que aquele pagar.
3 - Apesar de se tratar de uma “nova prestação”, na fixação do seu montante deverá necessariamente começar por se tomar por referência a prestação a que o devedor incumpridor está obrigado e o seu montante, e só justifica ir para além deste quando houver as necessidades que o exijam.
4 - Apesar da possibilidade de essa nova prestação poder ser superior à que se encontra em falta por incumprimento do devedor, apenas com base nesse incumprimento não se justifica que seja fixada em montante superior.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
A) No processo especial de divórcio por mútuo consentimento nº 463/2001-Comarca de Abrantes – de M…, residente na Rua…º, Abrantes, e L…, residente na Pr…., naquela cidade, na 2ª conferência (21.3.2002) foi homologado o acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal do menor M…, nascido no dia 16.3.2000, em conformidade com o qual este menor ficou à guarda e cuidados da requerente e o requerido obrigado a contribuir com a prestação alimentícia mensal de 10.000$00 actualizável anualmente, a que acresceria o abono de família.
B) No processo de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal nº 463-B/2001.E1, na conferência (5.2.2013) para que fora convocado o requerido, este reconheceu estar em dívida quanto ao cumprimento da obrigação alimentícia e o Mmo. condenou-o pagar a quantia total de € 1.200,00 correspondente a prestações alimentícias em dívida respeitantes aos anos de 2011 e 2012.

Foi elaborado relatório social, segundo o qual o agregado familiar da requerente é composto por si e aquele filho menor e tem o rendimento mensal de € 429,15 [€ 254,00 (rendimento do trabalho) + € 132,92 (prestação de R.S.I.) + € 42,23 (comparticipação familiar)] e as suas despesas mensais são de € 213,00 [€ 150,00 (renda de casa) + € 63,00 (água, gás e electricidade)].
Incumprindo o requerido, foi requerida a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (F.G.A.D.M.).
O Mmo Juiz considerou provados os seguintes factos:
1) M.. nasceu no dia 16.3.2000, na Freguesia de Abrantes (S. Vicente), no Concelho de Abrantes;
2) E encontra-se registado como sendo filho de L… e de M…;
3) Por sentença, datada de 21.3.2002, já transitada em julgado, foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais relativas a M…, através do qual, além do mais, L… ficou obrigado a entregar a M…, a título de alimentos devidos àquele, a quantia de 10.000$00 mensais, acrescida do abono de família, a depositar na conta da mãe até ao dia 8 de cada mês, sendo tal valor actualizado anualmente, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo I.N.E.;
4) Por sentença, datada de 5.2.2013, já transitada em julgado, foi declarado o incumprimento das responsabilidades parentais pelo requerido L… no que concerne à obrigação de prestar alimentos ao seu filho M… e, em consequência, foi o mesmo condenado, além do mais, a pagar a M… as prestações de alimentos devidas no valor de € 1.200,00;
5) O agregado familiar de M… é composto por si próprio e pela sua mãe M…, residentes no Concelho de Abrantes;
6) M… encontra-se empregada, auferindo mensalmente cerca de € 254,00;
7) E aufere o rendimento social de inserção com o valor mensal de € 132,92;
8) Em prestações sociais a favor de M…, M… aufere cerca de € 42,23;
9) Não é conhecido que o requerido auferira qualquer rendimento, quer a título de trabalho, quer a outro título.

Considerou que se verificam todos os requisitos para que o F.G.A.D.M. suporte uma prestação pecuniária em benefício do menor – baixa situação económica da mãe deste, atendendo aos seus rendimentos no total de € 429,15 [€ 254,00 (salário mensal) + € 132,92 (rendimento social de inserção) + € 42,23 (prestações sociais ao menor)] – e fixou-a em € 125,00 mensais, quantia que condenou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (I.G.F.S.S.), na qualidade de gestor daquele, a pagar desde o mês seguinte ao da notificação da decisão.

Recorreu de agravo o I.G.F.S.S., alegou e formulou as seguintes conclusões:
a) O F.G.A.D.M. do I.G.F.S.S. foi condenado a pagar uma prestação mensal no valor de € 125,00 em substituição do progenitor, ora devedor;
b) Ao progenitor foi fixada uma prestação no valor de € 50,00 que, determinado que foi o incumprimento e a impossibilidade de cobrança coerciva, irá ser suportada pelo F.G.A.D.M. em regime de sub-rogação nessa mesma medida;
c) A obrigação de prestação de alimentos pelo F.G.A.D.M. é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação;
d) A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente;
e) Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e, ainda para mais, sem que o credor tenha de restituir como “indevida”;
f) Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do F.G.A.D.M. superior à fixada ao progenitor, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o F.G.A.D.M. e é uma obrigação nova;
g) A manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável aos progenitores obrigados, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do F.G.A.D.M.;
h) Existiu violação do disposto no nº1 do art.5º Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, uma vez que o F.G.A.D.M. não é obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação na medida da sub-rogação.

Contra-alegou o Digno Agente do M.P. e formulou as seguintes conclusões:
a) Nos presentes autos o Tribunal “a quo”, condenou o I.G.F.S.S., na qualidade de gestor do F.G.A.D.M., a pagar mensalmente, a título de prestação alimentícia devido a menor M… – a quantia € 125,00 – iniciando aquele pagamento das prestações no mês seguinte ao da notificação da presente decisão presente decisão;
b) A questão que sustenta o recurso da recorrente assenta, na circunstância de o Mmo. Tribunal “a quo” ter fixado uma prestação alimentícia a seu cargo, superior à fixada ao progenitor – que se cifrou em cerca de € 50,00 – por não ter suporte legal;
c) Posição com a qual não se concorda, porquanto, na decisão de fixação do montante, o Tribunal atendeu ao valor máximo de 4 UC, por devedor, e dentro desse limite, ponderou, atenta a capacidade económica do agregado familiar, por um lado e, por outro, as necessidades específicas do menor (cfr. nº4 do art.3° Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 70/2010), concluindo, face aos factos provados, que o menor carecia de alimentos, em montante superior ao anteriormente fixado ao progenitor, a fim de conseguir ter um nível de vida aceitável e a que tem direito;
d) Efectivamente, o regime específico contido no nº4 do art.3° Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, estipula que, na determinação do valor das prestações a pagar pelo F.G.A.D.M. não se pode ter conta apenas o montante da prestação de alimentos fixada pelo Tribunal, sendo necessário atender a outras factores, como a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas do menor;
e) De facto, a prestação a cargo do F.G.A.D.M. assume a natureza de uma prestação de natureza social que em termos gerais tem de ser equitativamente repartida por um potencial e cada vez maior número de beneficiários;
f) Assim, é lícito ao Tribunal realizar uma reponderação da situação de facto do menor à realidade, constituindo a pensão anteriormente fixada como ponto de referência ou índice, tarefa esta que o Tribunal “a quo” executou;
g) “In casu”, o Tribunal atendendo aos factos que deu como provados, e que nunca foram colocados em crise pelo recorrente, entendeu que estavam verificados, por um lado, os pressupostos de que depende a intervenção do F.G.A.D.M. e, por outro, que o valor referência, constituído pelo valor que o progenitor se encontrava obrigado 10.000$00 (cerca de € 50,00) era manifestamente insuficiente, ponderando a situação económica vivida pelo agregado familiar do menor, constituído apenas por si e pela sua mãe – que apenas aufere o valor mensal de € 254,00 acrescido de um rendimento de reinserção social de € 132,92 e ainda da prestação social a favor do menor no valor de € 42,23 – e as necessidades básicas (alimentação, vestuário e escolar) que o menor carece;
h) Entende-se, consequentemente, que o decidido não merece qualquer reparo, por não terem sido violadas nenhumas das disposições legais invocadas pelos recorrentes.

Recebido o recurso o processo foi aos vistos.

O objecto dos recursos é apreciação das questões suscitadas nas conclusões das respectivas alegações (v. art.640º nº1 Cód. Proc. Civil aprovado pela Lei nº 41/2013).
A única questão suscitada neste recurso de agravo é a de saber se a prestação que o F.G.A.D.M. deve suportar em razão do incumprimento do respectivo devedor originário de alimentos pode, ou não, ser de montante superior ao que este estava obrigado (v. conclusões das alegações sob as alíneas d) e segs.).
A prestação de alimentos a cargo do F.G.A.D.M. assenta na Lei nº 75/98, 19 Nov. e que corresponde à concretização do Estado social vocacionado para dar satisfação às necessidades dos mais desfavorecidos. E no preâmbulo do Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, o legislador veio expressamente dizer que o Estado assegura as prestações previstas no diploma, cabendo-lhe em última análise efectuar “… as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais… ao desenvolvimento e a uma vida digna às crianças”.
Nesse preâmbulo o legislador disse que se consagrava a garantia de alimentos devidos a menores, e que, dando cumprimento àquele objectivo social, se cria aquilo a que diz ser uma “uma nova prestação social”. Ou seja, o próprio legislador veio dizer que a prestação de alimentos a cargo do F.G.A.D.M. era uma “nova prestação”.
Esta prestação social deverá atender ao montante fixado na prestação alimentícia anterior cujo pagamento não foi efectuado pelo progenitor obrigado, e ainda às necessidades específicas do menor (v. art.2º nº2 cit. Lei), está sujeita a um tecto máximo (v. art.3º nº2 Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio) e deverá ser fixada após nova avaliação do agregado familiar e da sua capacidade económica (v. apelação nº 259/11.8TBPSR.E1).
Em conformidade com o ac. uniformizador de jurisprudência nº 12/2009 do S.T.J. publicado no D.R.-I Série-nº 150 de 5.8.2009, a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo F.G.A.D.M., em substituição do devedor, nos termos previstos nos arts. 1º Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º nº 5 Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal e não abrangia quaisquer prestações anteriores, mas o Trib. Constitucional, por ac. nº 54/2011 publicado no D.R. nº 38-II Série-D, de 23.2.2011, julgou inconstitucional o art.4º nº5 Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, quando interpretado no sentido de que a obrigação do F.G.A.D.M. só se constitui por decisão judicial, ou seja, que só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário.
Posteriormente o Supremo Tribunal de Justiça considerou que “a norma constante do nº1 do art.2º Lei nº 75/98 impõe, de forma clara, um limite legal à responsabilidade subsidiária do Estado pelas prestações alimentares em dívida, a cargo do F.G.A.D.M., revelando, de forma explícita, que o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento – no exercício da sua livre discricionariedade político-legislativa em sede de opções sobre a afectação de recursos financeiros a políticas sociais – de um tecto a tal responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/credores de alimentos, mas a cada progenitor/devedor incumpridor” (v. ac. S.T.J., 7.4.2011 – proc. nº 9420-06TBCSC.L1 – www.dgsi.pt).
O F.G.A.D.M. não se substitui aos devedores originais, pois apenas se limita a intervir subsidiariamente no sentido de pagar a “nova prestação” quando estes não o façam, com o que ficam sujeitos a reembolsar o que aquele pagar.
Estando em causa o incumprimento do progenitor deverá ser tomando em atenção o montante da prestação a que estava vinculado e que não cumpriu, que a nova prestação deve ser fixada. Assim se compreende que o Estado se substitua ao devedor incumpridor, através do F.G.A.D.M., e que venha suprir a omissão pagando uma nova prestação ao menor que, por circunstâncias as que é alheio, não a recebe do progenitor obrigado. Com efeito, como bem explicado pelo legislador no preâmbulo do Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, “De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais. Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos. Ao regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores”. E, logo a seguir remata então: “Institui-se o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quem cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor”.
Por conseguinte, apesar de se tratar de uma “nova prestação”, na fixação do seu montante deverá necessariamente começar por se tomar por referência a prestação a que o devedor incumpridor está obrigado e o seu montante, e só justifica ir para além deste quando houver as necessidades que o exijam, não sendo contudo o caso do simples incumprimento como o que se agita neste processo de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal.
Assim é que o art.3º nº2 Dec. Lei nº 164/99, 13 Maio, para o efeito de atribuição da nova prestação, veio estabelecer a presunção de necessidade do menor sempre que não beneficie de rendimentos – da pessoa a cuja guarda se encontre – superiores ao salário mínimo nacional e a capitação de rendimentos desse agregado não exceda esse salário mínimo.
Isto não significa que a bondade do legislador chegue ao ponto de pretender que o agregado do menor não deva ter um rendimento inferior ao salário mínimo nacional, porque se assim fosse era justo que fosse movido pelo mesmo propósito para com os reformados com pensões bastante inferiores a esse salário mínimo.
Com efeito, necessidades básicas têm todos os humanos, sejam novos, sejam velhos, e uns e outros merecem atenção para que não se considere que o Estado é justo para uns e injusto para outros, quando se sabe que, muito louvavelmente, se obrigou a “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo” (v. art.9º alínea d) da Constituição).
Em 2013 o salário mínimo nacional era de € 485,00 (Dec. Lei nº 143/2010, 31 Dez.), e o agregado familiar do menor tinha um rendimento (€ 429,15) inferior a esse salário mínimo, o que justifica que o F.G.A.D.M. deva suportar uma nova prestação por forma a que seja garantida a subsistência do menor.
Apesar da possibilidade de essa nova prestação poder ser superior à que se encontra em falta por incumprimento do devedor, apenas com base nesse incumprimento não se justifica que seja fixada em montante superior.
Por conseguinte deverá a prestação a cargo do F.G.A.D.M. ser fixada em quantitativo idêntico ao da prestação alimentícia em falta, ou seja, em € 50,00.
O recurso procede.

Pelo exposto acordam em julgar procedente o recurso de agravo e fixar a prestação social a pagar pelo F.G.A.D.M. ao menor em € 50,00 e, consequentemente, revogar a douta sentença recorrida na parte em que fixou essa prestação em montante superior.
Não são devidas custas.
Évora, 5.06.2014
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso (com declaração de voto. Votei no sentido da procedência do recurso. Entendo, todavia, que a prestação a cargo do FGADM não pode ser superior à judicialmente fixada a cargo do progenitor incumpridor)
Acácio Luís Jesus Neves