Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
97/09.8ZRFAR.E1
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - Para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

II - Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, não poderá deixar de decretar a execução da pena.

III – Não é de suspender a execução da pena de prisão a arguida que não confessou os factos nem assumiu uma atitude repesa e que averba no seu trajecto vital condenações pela prática de 19 crimes (designadamente de falsificação, de burla e de furto, tendo cometido os factos a que os autos se reporta na pendência de uma pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução e encontrando-se em cumprimento de uma pena de 9 anos de prisão), seja tendo em consideração que uma tal pena não responderia, com adequado vigor, ao sentimento da justiça da comunidade – que, para sua legítima tranquilidade, reclama, atenta a frequência de crimes como os cometidos, uma forte reacção punitiva, incompatível com a ideia de quase impunidade que a pretendida suspensão significaria.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I
1 – Nos autos em referência, acusados pelo Ministério Público, os arguidos B e A (precedendo separação de processos relativamente ao co-arguido C) foram submetidos a julgamento, em processo comum.

2 – A final, por sentença de 24 de Junho de 2013, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos:

«Nos termos e pelos fundamentos expostos, o tribunal julga a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, decide:

1) Condenar o arguido B, em autoria material, de um CRIME DE CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA, previsto e punido pelos artigos 186.º, nº1 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 ano (um ano) e 6 (seis) meses.

2) Tal pena de prisão fica suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (um ano) e 6 (seis) meses;

3) Condenar a arguida A, em autoria material, de um CRIME DE CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA, previsto e punido pelos artigos 186.º, nº1 da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 ano (um ano) e 10 (dez) meses.

4) Mais se condena cada um dos arguidos em 2 Ucs de taxa de justiça, (arts. 513º, 514º, nº 1, todos do C.P.P. e artº. 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais).»

3 – A arguida A interpôs recurso daquela sentença, defendendo a aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«1-Foi a arguida, ora recorrente condenada pela prática, em autoria material, de um crime de casamento de conveniência, p. e p. pelos artigos 186º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 (um) ano e 10 (dez) meses.

2-A aplicação à arguida de uma pena de 1 ano e 10 meses, efectiva na sua execução mostra-se excessiva, face às finalidades de prevenção geral e especial das normas violadas.

3-Nos termos do n.º 1 do art. 40º do Código Penal “ A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

4-A arguida tem o 12º ano de escolaridade, exercendo à data da sua detenção a profissão de empregada de escritório.

5-O processo de socialização da arguida decorreu num ambiente familiar estruturado, sem problemas do ponto de vista familiar, social ou económico.

6-A arguida/recorrente aposta na valorização pessoal, investindo no trabalho, mantendo os laços afectivos com a sua família.

7-Actualmente a arguida encontra-se detida no Estabelecimento Prisional de Tires, onde tem mantido um comportamento ajustado às normas prisionais e onde trabalha para uma empresa de componentes electrónicos.

8-Conforme relatório social junto aos autos a fls., a arguida detém capacidades cognitivas e pessoais que lhe permitam desenvolver capacidades para se integrar socialmente.

9-Entende-se existirem sérias razões para se suspender na sua execução, a pena a que a ora recorrente foi condenada, pois o regime especial será desvirtuado, não atingindo, neste caso concreto, o efeito especial para o qual foi criado.

10-A suspensão pode ser simples, “qua tale”, ou acompanhada de deveres impostos ao arguido ou mesmo de acompanhamento em sede de regime de prova.

11-Há que considerar que a arguida/recorrente conta com apoio familiar.

12-Pode-se dizer que a arguida/recorrente, após o período de reflexão a que se encontra presentemente sujeita, durante o período de prisão que se encontra a cumprir, está pronto a seguir o caminho da reintegração social, o que tem reflexos positivos no que respeita às exigências de prevenção especial.

13-Assim, ao contrário do Tribunal “ a quo”, deve o Tribunal “ad quem” acreditar que neste momento a censura do facto incita na presente decisão e a ameaça da pena de prisão e consequente prolongamento da pena de 9 anos de prisão que se encontra a cumprir serão suficientes para a recorrente se consciencializar e interiorizar definitivamente a antijuridicidade da sua conduta e a necessidade de se abster da prática de condutas do mesmo tipo para o futuro, assim realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

14-Impõe-se, por tudo o exposto, a aplicação de uma pena suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova e subordinada ao cumprimento a um plano de reinserção social que venha a ser definido em concreto pela Direcção-Geral de Reinserção Social, com o objectivo da ressocialização da arguida/recorrente e desenvolvimento do pensamento consequencial, prevenindo assim a reincidência de condutas contrárias ao Direito.

15-Desta formas ficarão acauteladas as necessidades de prevenção geral e especial das normas violadas.

16-Haverá que ser feito, nos termos da lei, um juízo de prognose favorável que leve o Tribunal “ad quem” a concluir que, a aplicação do regime de suspensão da pena, traz vantagens para a reinserção social da recorrente na sociedade.»

4 – O recurso foi admitido, por despacho de 12 de Setembro de 2013.

5 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público no Tribunal a quo respondeu ao recurso.

Destacam-se, da respectiva minuta, as seguintes conclusões:

a) A recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 412.º n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), pelo que deve ser convidada a aperfeiçoar o recurso sob pena de rejeição do mesmo;

b) «As necessidades de prevenção geral relativamente ao crime de casamento de conveniência são cada vez maiores atendendo à frequência com que este crime tem vindo a ser cometido»;

c)«Relativamente às necessidades de prevenção especial positiva, do longo registo criminal da arguida, constata-se que esta já foi condenada anteriormente pela prática de 19 crimes, todos contra o património»;

d) «A arguida já foi condenada numa pena suspensa na sua execução, no âmbito do processo ---/01.8JAFAR (…) e, ainda assim, no período de suspensão, cometeu o crime dos autos, desafiando a justiça»;

e) «(…) não vemos que a atitude da arguida em audiência, que negou os factos, não beneficiou da confissão nem do arrependimento, não convenceu o julgador de que iria arrepiar caminho e conduzir a sua vida afastada da delinquência»;

f) «Não tendo sido as condenações anteriores suficientes para que a arguida deixasse de delinquir, bem andou o Tribunal a quo ao decidir aplicar uma pena de prisão efectiva»;

g) «Ainda a ter em conta que a condenada cumpre, actualmente, pena de 9 anos de prisão, à ordem do processo ---/04.6TAFAR»;

h) «Havendo razões sérias para duvidar da capacidade da agente de não repetir crimes, se for deixada em liberdade, a suspensão da pena deve ser negada».

6 – Nesta instância, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, louvada na resposta, é de parecer que o recurso não merece provimento.

7 – Atento o teor das conclusões da motivação do recurso e não havendo nulidade ou vício de que cumpre conhecer de ofício, cumpre fazer exame da única questão suscitada pela arguida recorrente, de saber se a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, no ponto em que deixou de aplicar a pretextada pena de suspensão da execução da pena de prisão.

II

8 – Importa, antes de mais, fazer presente a decisão recorrida (nos segmentos que importam à decisão do recurso).

Tal seja:
«A – Factos Provados
Com relevância resultaram provados os seguintes factos:

1. O arguido B, de nacionalidade Paquistanesa, entrou ilegalmente em Portugal no ano de 2007, aqui permanecendo em situação irregular até ao dia 3 de Julho de 2008, data em que foi notificado para, em 10 dias, abandonar voluntariamente o território nacional (no âmbito do Processo Administrativo de Averiguações n.º ---/08, organizado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contra o mesmo arguido);

2. A arguida A. aceitou contrair matrimónio com B, para resolver a sua situação de permanência irregular em território nacional, mediante o recebimento da quantia monetária de € 2 500,00;

3. Assim, pelas 14 horas e 30 minutos do dia 13 de Setembro de 2008, na Conservatória do Registo Civil de Faro, os arguidos B e A celebraram o seu casamento, sem convenção antenupcial, tendo o mesmo ficado registado no Assento de Casamento n.º -- do ano de 2008;

4. O arguido C. interveio no mesmo casamento na qualidade de intérprete do nubente;

5. Todavia, tal casamento não correspondia à realidade, sendo um acto totalmente simulado pelos dois nubentes, tanto mais que os mesmos nunca fizeram vida em comum ou residiram juntos (seja na residência indicada no seu Assento de Casamento, sita na Praça..., em Faro ou em qualquer outra), nem nunca os dois se relacionaram intimamente como se fossem marido e mulher;

6. Em datas posteriores o arguido B pagou à arguida A. várias quantias em dinheiro a troco da disponibilidade manifestada pela mesma para celebrar o matrimónio consigo;

7. Agiu o arguido B. de uma forma deliberada, livre e consciente, tendo contraído casamento com o único intuito de obter uma autorização de residência em território nacional;

8. Agiu a arguida A. de uma forma deliberada, livre e consciente, tendo contraído casamento com o único intuito de proporcionar ao arguido B. uma autorização de residência em território nacional;

9. Sabiam os arguidos que as respectivas condutas eram proibidas por lei;

Mais se provou que:
10. A arguida A. exerceu a profissão de empregada de escritório, como trabalhadora independente, e auferia a quantia mensal de € 150,00 a € 400,00 por mês;

11. O processo de socialização da arguida decorreu num ambiente familiar estruturado, sem problemas do ponto de vista familiar, social ou económico;

12. Do ponto de vista pessoal, o percurso da arguida foi eivado de grande instabilidade, tendo estabelecido a primeira relação afectiva com um colega de trabalho, do qual engravidou, tendo-se separado, devido a maus-tratos por parte do mesmo. Com cerca de 24 anos de idade encetou novo relacionamento, também ele caracterizado por violência e instabilidade, ocorrendo o nascimento de mais três filhos. Face às disfunções do agregado familiar, os filhos acabaram por ficar separados e entregues aos cuidados de pessoas de família, que assumiram as funções parentais, embora mantivessem contacto regular com a mãe, com quem chegaram a viver durante alguns períodos da sua vida;

13. Os quatro filhos da arguida são, actualmente, todos maiores de idade;

14. A arguida encontra-se detida no Estabelecimento Prisional de Tires, trabalha numa empresa de componentes electrónicos e tem mantido um comportamento ajustado às normas prisionais, embora revele uma atitude algo funcional, parecendo demonstrar uma certa superficialidade do ponto de vista emocional;

15. Não tem bens registados em seu nome, nem tem encargos;

16. A arguida tem como habilitações académicas o 12º ano de escolaridade;

17. A arguida possui os seguintes antecedentes criminais:

a. Por acórdão datado de 13.01.2006, proferido no Proc. nº ---/01.8JAFAR do 2º Juízo Criminal desta Comarca, pela prática de um falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelos arts. 217º, 256º, 205º, nºs 1, 2 e 3, todos do CP, a arguida foi condenada a uma pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob a condição de proceder ao depósito da quantia de € 4.796,28 à ordem dos referidos autos, a fim de ser entregue aos lesados;

b. Por acórdão datado de 28.01.2010, proferido no Proc. nº ---/04.6TAFAR do 2º Juízo Criminal desta Comarca, pela prática de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, sete crimes de burla qualificada, três crimes de furto simples, dois crimes de burla simples, três crimes de falsificação de boletins, actas ou documentos, um crime de falsificação ou contrafacção de documento agravada e um crime de emissão de cheque sem provisão, a arguida foi condenada a uma pena de nove anos de prisão; […]

IV. DA ESCOLHA E DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

Estabelecida a responsabilidade criminal dos arguidos, há que cuidar da resposta punitiva adequada.
Dispõe o art. 40º, nº 1 e 2 do CP que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa – a culpa é pois o pressuposto e limite da pena, mas não a sua medida.

No que respeita à escolha da pena rege o art. 70º do CP, que confere prevalência às penas não privativas da liberdade quando, em alternativa com penas privativas, se aquelas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (essencialmente, a prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos).

A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e de exigências de prevenção (art. 71º nº 1 CP), funcionando a culpa como limite máximo da pena, nos termos do disposto no art. 40º, nº 2 do C.P. – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis do respeito pela dignidade da pessoa humana (conforme arts. 1º e 25º da CRP) - e as exigências de prevenção geral como limite mínimo, sendo dentro desta “moldura da culpa” determinada a pena concreta em função das exigências de prevenção especial.

A pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (conforme art. 40/1 in fine do C.P.).

O crime de casamento por conveniência em causa nos presentes autos é punível com pena de prisão de um a cinco anos. Todavia, à luz da redacção do art. 186º da Lei nº 23/2007, à data dos factos, era punido com pena de prisão de um a quatro anos.

Ora, de acordo com o nº 1 do art. 2º do Código Penal, “as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”. Só assim não será, caso as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores e o seu regime for mais gravoso. Ou seja, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente (conforme nº 4 do mesmo preceito legal).

Nestes termos, o tribunal terá em consideração a moldura penal que resulta da redacção da lei à data da prática dos factos, uma vez que é aquela que se mostra concretamente mais favorável aos arguidos.

A moldura penal em causa não prevê, em alternativa, pena detentiva e não detentiva de liberdade, pelo que não se aplica, ao caso dos autos, o disposto no art. 70.º C.P.

Assim, estabelecida que se mostra a moldura penal abstracta aplicável ao caso vertente, cabe agora determinar a medida concreta da pena. […]

No que respeita à arguida A. milita a favor dela:

- o seu comportamento no estabelecimento prisional, de acordo com as normas estabelecidas;

- o facto de se encontrar a trabalhar dentro do estabelecimento prisional.

Contra esta depõe:

- o grau elevado da ilicitude do facto;

- o dolo directo com que cometeu esta factualidade;

- os antecedentes criminais que são por crimes muito diversos e ao longo de um período de tempo considerável;

- a sua atitude no decurso deste julgamento, de total negação dos factos e sem demonstrar qualquer arrependimento;

Tudo ponderado, entende o tribunal como justo e adequado condenar a arguida na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.

Suspensão da Execução da Pena:

Dispõe o art. 50.º, n.º 1 C.P. que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Desta forma, importa fazer um juízo de prognose sobre o comportamento futuro dos arguidos, no sentido de se suspender a pena de prisão, caso esse juízo seja favorável, de que os mesmos, no futuro, não voltarão a praticar crimes e de que fica assegurada a protecção dos valores – ou bens jurídicos – que a norma incriminadora violada incrimina. […]

No que respeita à arguida, esta regista uma longa lista de antecedentes criminais, encontrando-se detida no Estabelecimento Prisional de Tires em cumprimento de uma pena de nove anos de prisão, revelando já uma personalidade desconforme ao Direito, sem assumir as suas responsabilidades.

No que concerne a tais condenações, há que considerar que já foi condenada numa pena de prisão suspensa (e em pena de prisão efectiva), tendo voltado a delinquir.

Pelo exposto, terá de se concluir que a personalidade da arguida A., patente na sua conduta, quer anterior e posterior ao crime pelo qual é agora condenada, não nos permite fazer um juízo de prognose favorável à suspensão da execução.

Efectivamente, mostram-se muito elevadas as exigências de prevenção especial desta arguida, não nos sendo possível concluir, face aos dados fácticos de que dispomos, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão, sejam suficientes e adequadas a realizar as finalidades da punição, antes se mostrando necessário, para assegurar as finalidades da punição, a aplicação à arguida A., de uma pena de prisão efectiva.

Nestes termos, a pena de prisão a que a arguida vai condenada, não será suspensa na sua execução.»

9 – A Ex.ma respondente suscita a questão do incumprimento, pela arguida recorrente, do disposto no artigo 412.º n.º 2, do CPP, ressaltando a omissão da indicação das normas que se entendem violadas ou erradamente interpretadas, propugnando pela determinação de aperfeiçoamento da minuta recursiva.

Afigura-se, ressalvado o muito e devido respeito, que, mesmo imperfeita e implicitamente, o teor da motivação e das conclusões do recurso não deixam equívoco na consideração de que, ao pretender que devia ter-lhe sido aplicada a invocada pena de substituição, a recorrente estará a invocar um erro de interpretação, mesmo a violação, do disposto, maxime, nos artigos 40.º n.os 1 e 2, 50.º a 54.º e 71.º, do CP.

Por isso que, não se figurando opacidade na exposição da dissidência manifestada pela recorrente relativamente ao julgado, se entendeu não ser de fazer uso do disposto no artigo 417.º n.º 3, do CPP.

10 – Não questionando o quantum da pena em que foi condenada, a arguida recorrente defende, em síntese, que devia ter-lhe sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Pondera, em abono e em concreto, para tanto, (i) que «a arguida conta com apoio familiar», (ii) que, «após o período de reflexão a que se encontra presentemente sujeita, durante o período de prisão que se encontra a cumprir, está pronta a seguir o caminho da reintegração social, o que tem reflexos positivos no que respeita às exigências de prevenção especial»; (iii) que «deve o Tribunal ad quem acreditar que neste momento a censura do facto ínsita na presente decisão e a ameaça da pena de prisão e consequente prolongamento da pena de 9 anos de prisão que se encontra a cumprir, serão suficientes para a recorrente se consciencializar e interiorizar definitivamente a anti juridicidade da sua conduta e a necessidade de se abster de condutas do mesmo tipo para o futuro, assim realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

11 – Afigura-se, sem desdouro para o esforço argumentativo da recorrente, que a pretensão manifestada pela via recursiva não pode lograr provimento.

12 – O decretamento da pena de substituição consistente na suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º, do CP) decorre da seguinte ordem de considerações.

13 – Para a aplicação da suspensão da execução da pena, a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

14 – Veja-se, a respeito, com particular impressividade, Anabela Miranda Rodrigues, «A posição jurídica do recluso», p. 78 e segs. e «O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade», in «Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin», Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, p. 177-208.

15 – Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.

16 – Estão em causa, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.

17 – Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Prof. Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».

18 – Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobreexpostos, importa pois determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.

19 – Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.

20 – Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.

21 – Isto posto, e retomando o caso, pode dizer-se que a arguida não confessou os factos – com o significado de que, não assumindo o comportamento delitivo, também se não dessolidarizou dele – como não assumiu uma atitude repesa, acrescendo a ingente necessidade de prevenir crimes da natureza dos perpetrados, o interesse público de contenção de instintos primários, encorajando as mentes mais rebeldes à observância de regras de sã convivência comunitária, o que impõe rigor punitivo.

22 – Por outro lado, a aplicação, in casu, de uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no art. 50.º do CP, face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é claramente de afastar, desde logo por razões de prevenção especial, visto que, de todo em todo, se não demonstra que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para afastar a arguida da criminalidade, com o que se figura inconsistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital da arguida (antes condenada pela prática de 19 crimes, designadamente de falsificação, de burla e de furto, tendo cometido os factos a que os autos se reporta na pendência de uma pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução e encontrando-se em cumprimento de uma pena de 9 anos de prisão), seja tendo em consideração que uma tal pena não responderia, com adequado vigor, ao sentimento da justiça da comunidade – que, para sua legítima tranquilidade, reclama, atenta a frequência de crimes como os cometidos, uma forte reacção punitiva, incompatível com a ideia de quase impunidade que a pretendida suspensão significaria.

23 – Do exposto se conclui que o recurso interposto pela arguida não pode lograr provimento.

24 – Em vista do decaimento total no recurso, e nos termos do disposto nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e do disposto no artigo 8.º n. 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação da recorrentee nas custas do processo.

III

25 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pela arguida, A; (b) condenar a arguida recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Évora, 11 de Março de 2014


António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)