Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
141/18.8T8FAL-B.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO NOVO
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Só o documento que, por si só, possa inequivocamente fazer a prova de facto inconciliável com a sentença a rever, pode servir de fundamento ao recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, dado que só em casos extremos, por imperativos de justiça, é possível sacrificar a intangibilidade do caso julgado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 141/18.8T8FAL-B.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) veio, nos termos do disposto na alínea c) do art. 696º do C.P.C., interpor recurso de revisão contra (…), pedindo se modifique a sentença proferida no Apenso A, de embargos de executado deduzidos pelo próprio e a que estes estão apensos “tendo em atenção que o contrato que a sustentava estava revogado, pelo que ora se junta e corrigir a douta sentença em conformidade com o novo contrato e em relação ao qual a denúncia não é eficaz, mantendo-se quanto ao mais, (…).”
Alegou para o efeito que:
“A douta sentença, cuja revisão se pede, com base nos factos alegados e demonstrados nos autos decidiu:
a) Declarar que a denúncia do contrato de arrendamento rural dos autos, operada pelas notificação judicial avulsa de 22.05.2007 e a comunicação de 17.09.2015, emitidas pelo Embargado (…), produzirá os seus efeitos no termo da renovação do contrato em curso, a qual ocorrerá em 11.07.2018;
b) Declarar, em consequência, a inexistência, na presente data, de título executivo contra o executado (…);
c) Determinar a extinção da execução intentada contra o ora embargante (…);
d) Condenar o Embargado/Exequente (…) no pagamento das custas do processo – (art.º 446.º, nº 1 e 2, do Código do Processo Civil).”
Mais refere que tudo estaria certo caso a relação de arrendamento agrícola que se pretendia fazer valer com tal denúncia estivesse em curso, facto que foi aceite como certo mas que, na verdade, não se verificava, uma vez que, em 30 de Novembro de 2018, o aqui Recorrente questionou a sua mãe, viúva do falecido pai do aqui Recorrente, (…), para procurar em sua casa por documentos que demonstrassem a realização de benfeitorias no arrendado e respectivo valor e, nessa sequência, veio a viúva e sua mãe, em 2 de Dezembro de 2018, trazer ao aqui Recorrente, um amontoado de documentos que ali encontrou, no meio dos quais, o recorrente constatou a existência de um contrato de arrendamento rural celebrado entre … (Senhorio) e o … (arrendatário e falecido pai do aqui Recorrente).
Que o referido contrato de arrendamento, cujo conhecimento pelo Recorrente ocorreu em 2 de Dezembro de 2018, foi celebrado em 30 de Dezembro de 1992 e substituiu o primeiro, celebrado em 12/07/1991, sendo a substituição motivada pelo valor da renda fixada – no contrato de 1991 no valor de 640.855$00 e no celebrado em Dezembro de 1992, no valor de 481.927$50.
Defende que daqui decorre que o contrato com referência e com base no qual se proferiu a sentença de que ora recorre, já transitada em julgado, era um contrato de arrendamento rural que à data da prolação da referida sentença, há muito havia sido substituído por outro com data mais recente e que em lugar de ter o seu início em Julho de 1991, apenas se iniciou em 30 de Dezembro de 1992 pelo que, se o aqui Recorrente, à data dos autos tivesse conhecimento e pudesse usar o contrato celebrado em 30 de Dezembro de 1992 a decisão proferida e respeitante aos efeitos da interpelação seriam diferentes. Quanto muito, a interpelação apenas produzira efeitos para 30/12/2019 (DL n.ºs 524/99 e 294/2009).
Consequentemente entende que estaria o aqui Recorrente salvaguardado para o exercício da respectiva actividade agrícola, pois nunca estariam verificados os pressupostos para qualquer acção executiva pois o termo ou renovação do contrato apenas teria lugar em 30/12/2019, e não antes.
Isto assim porque o Recorrente alega não ter podido, em tempo útil, fazer uso do novo contrato porque à data nem sabia da sua existência. Existência que só por mero acaso e quando procurava documentos de despesas, encontrou o dito contrato.
Juntou quer cópia da Acta de audiência prévia de 02.10.2018 de onde consta o acordo a que chegou com o ali embargado (Apenso A), transitada em julgado, quer do contrato de arrendamento celebrado em 30.12.1992 entre as mesmas partes que celebraram o contrato de arrendamento de 12.07.1991, causa de pedir da sentença proferida.

A M.ma Juiz “a quo”, por decisão de 8/1/2019, decidiu que: “Pelo exposto e por não se inserir em nenhuma das alíneas do art.º 696.º do CPC, mormente na invocada alínea c), o fundamento ora invocado para o recurso de revisão, indefere-se o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.699.º do C.P.C.”.

Inconformado com tal decisão, dela apelou o reclamante para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença cuja revisão se pedia, homologou acordo que foi celebrado na execução que correu termos nos autos à margem identificados.
2. Acordo homologado por sentença, o qual não teria sido celebrado se o contrato junto ao recurso de revisão fosse, à data do dito acordo, conhecido do Apelante.
3. Este novo contrato de arrendamento, que serviu de fundamento ao recurso de revisão, foi celebrado em 30/12/1992 e substitui o que serve de título na acção executiva na qual foi proferida a sentença revidenda.
4. Sendo fundamento da rejeição do recurso a falta dos requisitos de novidade e suficiência do documento, junto pelo aqui Apelante.
5. O requisito de novidade é afastado pela douta sentença com a imputação de negligência do aqui Apelante.
6. O julgador extraiu tal conclusão de negligência no pressuposto de que o Apelante conhecia e tinha obrigação de conhecer a existência de tal documento – o contrato então junto;
7. Porém, o Apelante, apenas ficou a saber que havia contrato de arrendamento na forma escrita quando o mesmo foi junto aos autos pelo senhorio, pois o arrendamento era do seu conhecimento apenas pelo convívio com o seu pai, enquanto vivo.
8. O Apelante conhecia a qualidade de arrendatário do seu falecido pai e na qual sucedeu, não sabendo, porém, que existia contrato escrito, o que muitas vezes acontecia neste tipo de contratos.
9. Apenas através da junção aos autos de contrato de arrendamento pelo Apelado o aqui Apelante passou a saber que existia um contrato escrito, datado de 17 Julho de 1992;
10. Se não conhecia a existência de contrato escrito, não faria sentido procurar tal documento.
11. Quando pediu, à sua mãe, documentos do seu falecido pai, pretendia documentos de benfeitorias feitas no arrendado, pois sabia que as mesmas haviam sido feitas porque assistiu à realização das mesmas, nomeadamente, poço, vedações e acessos;
12. O facto de nos documentos entregues por sua mãe surgir um outro contrato, este celebrado em 30 de Dezembro de 1992, não permite concluir pela negligência do aqui Apelante pois nada fazia presumir que existisse outro contrato posterior ao exibido pelo Apelado.
13. Não existe, assim, fundamento para afastar o requisito de novidade – novidade de natureza subjetiva pois que esta também se encontra plasmada na alínea c) do art.º 696.º do CPC;
14. Trata-se de uma conclusão presumida, desprovida de suporte factual, pois o Apelante apenas conheceu a existência do novo documento quando lhe foram entregues os documentos de despesa solicitados e guardados pelo seu falecido pai.
15. Consequentemente o documento (contrato de arrendamento celebrado em 30 de Dezembro de 1992) é subjectivamente novo.
16. No que concerne ao requisito de suficiência, também o mesmo se encontra verificado.
17. Assim, sendo o documento novo (subjectivamente) e substituindo o anterior contrato, o título executivo é nulo e nulo é o acordo homologado por a vontade do declaratário estar viciada por erro;
18. O novo documento, ao substituir o dado à execução, leva à conclusão de que não tem suporte a execução em cujos embargos tal acordo foi homologado por sentença, pelo que será nula por falta de suporte material válido e eficaz.
19. A douta decisão recorrida viola, nomeadamente, o disposto no artigo 696.º, alínea c), do CPC.
20. Devendo, por isso, ser a mesma revista no sentido de declarar a extinção da acção executiva em cujos embargos foi proferida por nulidade do respetivo título executivo.
21. Termos em que, e nos demais de Direito, e com o mui douto suprimento de V.Ex.cias, deve o presente recurso merecer provimento e proferir-se decisão de revisão da sentença proferida nos embargos de executado negando-se a homologação e declarando-se extinta a respetiva acção executiva por nulidade do título, com o que se fará Justiça.
Pelo reclamado foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugnou pela manutenção da decisão recorrida, pedindo também a condenação do reclamante como litigante de má-fé.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo reclamante, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão deve ser revogado, uma vez que os documentos juntos aos autos pela aqui recorrente são susceptíveis de, por si só, rever a decisão homologatória proferida no âmbito do processo de embargos a que estes autos se encontram apensos.
Por outro lado, haverá ainda que apreciar a questão da eventual condenação do reclamante como litigante de má-fé, a qual foi suscitada pelo reclamado nas suas contra alegações de recurso.

Antes de apreciar a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade assente e que resulta dos autos, a saber:
- O requerimento executivo para entrega de coisa certa deu entrada em juízo em 16.07.2018.
- Os embargos de executado – correspondentes ao Apenso A) – deram entrada em juízo em 14.08.2018.
- No acordo, homologado judicialmente pelo Tribunal, na Acta de Audiência Prévia, realizada no Apenso A), de 02.10.2018, transitada em julgado em 02.11.2018 ficou convencionando o diferimento da entrega do prédio em causa para 31.12.2018, com sujeição a cláusula penal de € 150,00 por cada dia de atraso na referida entrega, comprometendo-se o embargado perante o ora recorrente a levantar a questão de conflito da parcela junto do IFAP (relativamente às terras objeto do contrato de arrendamento, discutido nos autos).
- A causa de pedir foi o contrato de arrendamento celebrado em 12.07.1991, entre … (senhorio) e … (arrendatário e falecido pai do aqui recorrente).
- Tal contrato foi junto aos autos n.º 100/16.5T8FAL pelo próprio recorrente, com a sua petição de embargos (cfr. fls. 4 verso e 5 do Apenso A) e deu origem à prolação de sentença em 18.10.2016, objecto da presente execução (a que estão apensos os embargos e este recurso de revisão).
- Quer o contrato de arrendamento de 1991, quer o contrato de arrendamento de 1992 (este último, fundamento do presente recurso de revisão), com excepção da cláusula relativa ao valor da renda, são idênticos e têm precisamente a mesma data de início e exactamente os mesmos prazos, pois, como decorre da cláusula 5ª de ambos os contratos, o início dos mesmos é precisamente igual: “Este contrato tem início na data de execução do despacho atributivo da área de reserva onde se situa a parcela explorada pelo segundo outorgante”.

Passando agora a apreciar a única questão suscitada pelo recorrente – saber se o despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão deve ser revogado, uma vez que os documentos juntos aos autos pela aqui recorrente são susceptíveis de, por si só, rever a decisão homologatória proferida no âmbito do processo de embargos a que estes autos se encontram apensos – haverá, antes de mais, que referir a tal propósito que o recurso de revisão enquadra-se nos vulgarmente designados recursos extraordinários, o qual, nos dizeres de Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto” – cfr. C.P.C., Anotado, Vol. 3º, 2003, pág. 195.
E, no ensinamento de Alberto dos Reis, o recurso de revisão constitui “uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso dos inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença” – cfr. C.P.C. Anotado, vol. VI 1981, págs. 335/336.
Ou seja, o recurso de revisão, como ferramenta processual extraordinária que é, apenas a ela se pode recorrer nos apertados e fixados limites previstos no artigo 696º do C.P.C.
E um de tais casos é o previsto na alínea c) deste preceito, segundo o qual o pode fundamentar a existência de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Deste modo, exige-se a existência de um documento novo, desconhecido da parte ou que dele não tenha podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão revidenda e que, por si só, possua virtualidades para modificar a decisão em sentido favorável ou mais favorável à parte vencida.
Colhendo, mais uma vez, os ensinamentos de Alberto dos Reis, a novidade do documento deve referir-se ao processo anterior, no sentido de aí não ter sido apresentado.
Complementarmente, exige-se que a parte dele não dispusesse nem dele tivesse conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, pelo que é “necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu. Se a parte tinha conhecimento da existência do documento e podia servir-se dele; se não o apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência” – cfr. ob. cit., página 353.
Acrescentando o referido Mestre que se “a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento (…) deve concluir-se que a parte não terá direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Ora na base do n.º 3 está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu”.
(…)
“O que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior” – cfr. ob. cit., pág. 354 e 355.
Por último, o apontado carácter decisivo do documento em causa para a decisão a rever, para o que o julgador deverá relacioná-lo com o mérito da causa, indagando qual teria sido o êxito da mesma se o documento tivesse sido apresentado – cfr. ob. cit., pág. 357.
Na verdade, como refere Amâncio Ferreira, o documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Terá de tratar-se de um documento decisivo. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão – cfr. Manual Dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., págs. 341/342.
Analisados os pressupostos/fundamentos de viabilidade do recurso extraordinário de revisão, importa considerar os documentos em que o requerente, ora apelante, funda a sua pretensão recursiva, a fim de verificar se os mesmos preenchem (ou não) os requisitos previstos na alínea c) do já citado artigo 696º.
Ora, como se constata do teor dos documentos juntos aos presentes autos trata-se de cópia da acta de audiência prévia realizada em 02.10.2018, da qual consta o acordo a que o requerente chegou com o ali embargado (Apenso A), já homologado e transitado em julgado, e ainda do contrato de arrendamento celebrado em 30.12.1992 (entre as mesmas partes que haviam celebrado o contrato de arrendamento de 12.07.1991, os quais apenas divergem no que respeita ao valor da renda).
Todavia, como já se salientou na factualidade tida por assente nestes autos, os dois contratos de arrendamento em causa são exactamente iguais, com excepção da cláusula relativa ao valor da renda.
Com efeito, como decorre da cláusula 5 de ambos os contratos, o início dos mesmos é precisamente igual:
- “Este contrato tem início na data de execução do despacho atributivo da área de reserva onde se situa a parcela explorada pelo segundo outorgante”.
Por outro lado, não podemos olvidar que o reclamante, com o mínimo de diligência da sua parte, há muito que poderia ter tido acesso e junto o contrato agora apresentado em juízo, pois, como o próprio afirmou, bastou-lhe falar com sua mãe em 30.11.2018, a propósito de despesas realizadas com benfeitorias no imóvel arrendado (mas numa altura em que já tinha chegado a acordo com o embargado em 2.10.2018 – o qual havia sido homologado judicialmente) para que a progenitora, dois dias depois, em 2.12.2018, lhe entregasse vários documentos entre os quais o dito contrato de arrendamento celebrado em 30.12.1992 (mas cujo início – não será demais aqui repetir – ocorreu na mesma data que o contrato de 12.07.1991).
Deste modo, forçoso é concluir que inexistiu qualquer impossibilidade do reclamante em utilizar o documento junto agora nos autos, sendo apenas por mera incúria ou negligência sua que tal documento (o contrato celebrado em 30.12.1992) não foi conhecido ou junto tempestivamente aos diversos processos judiciais que correram termos entre as mesmas partes.
Por isso, estamos com a Julgadora “a quo” quando esta, na decisão recorrida, afirmou, a dado passo, o seguinte:
- (…) No caso em apreço, o recorrente confessa que em 30.11.2018 questionou a sua mãe sobre documentos comprovativos de benfeitorias, tendo a mesma surgido em 02.12.2018, com o contrato de arrendamento posterior (30.12.1992), sendo que até essa data o recorrente desconhecia a sua existência.
Ora, a execução para entrega de coisa certa que deu origem aos presentes autos deu entrada em juízo em 16.07.2018; no âmbito dos embargos ali deduzidos pelo ora recorrente (Apenso A) não foi sequer questionada a data de produção dos efeitos da denúncia declarada por sentença proferida nos autos n.º 100/16.5T8FAL, em 18.10.2016 que a estabeleceu em 11.07.2018, com fundamento no contrato de arrendamento celebrado em 12.07.1991 e junto àqueles autos pelo próprio recorrente que agora alega ser ineficaz; o recorrente em sede de audiência prévia, chegou a acordo com o embargado, homologado pelo Tribunal, diferindo-se a desocupação do prédio para o final do mês de Dezembro de 2018 e agora pretende, com base no novo contrato de arrendamento (30.12.1992) a modificação das decisões proferidas e transitadas em julgado, por forma a que o prazo da denúncia se conte com base no contrato ora junto.
Pretende, com o presente recurso de revisão, alterar as decisões a seu favor, alterando para tanto e desta forma, a causa de pedir das decisões proferidas.
Ora, com o devido respeito, sempre se dirá, para além do mais, que o recorrente não teve notícia da existência do contrato de arrendamento que ora junta por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas e necessárias para descobrir o documento. Atente-se que quando alega ter pedido à mãe os documentos que justificassem as benfeitorias em 30.11.2018, já o acordo homologatório de 02.10.2018, alcançado nestes autos de processo n.º 141/18.88FAL, de execução para entrega de coisa certa, tinha transitado em julgado em 02.11.2018, não existindo qualquer hipótese de ver ressarcidas quaisquer benfeitorias que ali não foram contempladas, atento o acordo que celebrou.
Da conjugação do histórico de ambos os processos (100/16.58FAL e 141/18.88FAL) com os fundamentos invocados para a requerida revisão se alcança com relativa facilidade a negligência do ora recorrente na condução da sua defesa.
Conduta processual esta que a lei expressamente sanciona. Quando isso suceda, deve concluir-se que a parte não tem direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Na base deste dispositivo está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu, sendo certo que o contrato de arrendamento em causa sempre esteve na sua esfera de disponibilidade, mal se compreendendo que à procura de documentos que justificassem as benfeitorias efectuadas no prédio em causa e cujo ressarcimento já não podia invocar, (transitado que se encontrava o acordo a que o próprio recorrente chegou com o embargado), encontrasse um contrato de arrendamento que fazia tábua rasa de dois processos judiciais.
Por outro lado, o recurso extraordinário de revisão previsto no art.º 696.º do CPC admite, nas situações aí taxativamente indicadas, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material.
No caso sub judice, não ocorreu qualquer divergência na apreciação e valoração da prova nem, salvo o devido respeito, se constata um erro de julgamento, uma vez que as partes até efectuaram transacção nos autos.

Deste modo, resulta claro que os documentos juntos neste recurso extraordinário de revisão não fazem prova de qualquer facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por eles se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito.
Assim sendo, não se mostra preenchido - de todo - o fundamento do recurso de revisão previsto no art. 696º, alínea c), do C.P.C., pelo que se conclui pela inexistência de fundamento para a requerida revisão da sentença.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, irrelevam, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelo reclamante, aqui apelante, sendo de julgar improcedente o recurso.

Finalmente, e no que tange à questão do reclamante ter litigado de má-fé – suscitada pelo reclamado nas suas contra alegações de recurso – apenas se dirá que o artigo 542º do C.P.C. define a referida litigância de má-fé nos seguintes termos:
1 – Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 – Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Daqui resulta que as partes, recorrendo a Juízo para defesa dos seus interesses, estão sujeitas ao dever de cooperação, probidade e boa-fé processual, visando a obtenção de decisões conformes à Verdade e ao Direito, sob pena de a protecção jurídica que reclamam poder não corresponder à realidade, no que em muito podem sair desacreditadas a Justiça e os Tribunais.
Por isso, a litigância de má-fé só releva se a parte viola os deveres de probidade em aspectos cruciais do pleito, em relação aos quais não pode razoavelmente invocar desconhecimento, nomeadamente quando fizer um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a intenção de, sem fundamento sério protelar, o trânsito em julgado da decisão.
Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 3ª Edição, 2000, págs.221/222:
“A má-fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.
A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má-fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A.
Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé.
A doutrina tem classificado a má-fé de que trata o preceito em duas variantes: a má-fé material e a má-fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº 2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”.
Por sua vez, a propósito da litigância de má-fé, é afirmado o seguinte no Ac. do STJ, de 11/12/2003, disponível in www.dgsi.pt:
- “O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações demasiado apertadas do artigo 456º do C.P.C., nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b), do nº 2. Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má-fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas. Com efeito, a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.
Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má-fé processual”.
Concorda-se inteiramente com a abordagem do referido instituto expressa no citado aresto, a qual se mostra reiterada igualmente, entre outros, nos acórdãos do STJ de 28/5/2009, de 21/5/2009 e de 26/2/2009, todos também disponíveis in www.dgsi.pt.
Ora, “in casu”, apenas se apurou que o reclamante, no presente recurso de revisão, apresentou documentos que, no seu entendimento, se enquadravam no requisito a que alude a alínea c) do artigo 696º do C.P.C., não tendo resultado provado, sem mais, que aquele, com esta conduta, tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o intuito de impedir a descoberta da verdade, ou seja, que a sua actuação haja sido manifestamente dolosa ou gravemente negligente.
Deste modo, entendemos que a conduta do aqui reclamante não se enquadra em nenhuma das alíneas do nº 2 do citado artigo 542º, nomeadamente nas alíneas a) e d) de tal preceito legal, não tendo o apelante, por via disso, litigado de má-fé.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Só o documento que, por si só, possa inequivocamente fazer a prova de facto inconciliável com a sentença a rever, pode servir de fundamento ao recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, dado que só em casos extremos, por imperativos de justiça, é possível sacrificar a intangibilidade do caso julgado.
- Nos termos do art. 542º do C.P., a litigância de má-fé só releva se a parte viola os deveres de probidade em aspectos cruciais do pleito, em relação aos quais não pode razoavelmente invocar desconhecimento, nomeadamente quando fizer um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a intenção de, sem fundamento sério, protelar o trânsito em julgado da decisão.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se inteiramente a decisão recorrida.
Custas pelo reclamante, aqui apelante.
Évora, 14 de Fevereiro de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).