Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
297/15.1T8PTM-C.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
NULIDADE DA SENTENÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1. A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação.

2. O eventual desrespeito pelo procedimento previsto no n.º4 do art.º 607, do CPC, não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.

3. A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
4. Para se modificar a decisão da 1.ª instância, em caso de erro de julgamento, de acordo com o prescrito no art.º 640.º/1 e 2 do CPC, é necessário que, sob pena de rejeição, para além da especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, que o recorrente fundamente a respetiva discordância, alegando as respetivas razões, concretizando em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, isto é, torna-se necessário que o recorrente delimite efetivamente o objeto do recurso e fundamente as razões da despectiva discordância, motivando a sua alegação.
5. No atual quadro legal nada impede que os progenitores, por acordo, e desde que satisfaça os superiores interesses do filho, estabeleçam a residência alternada no âmbito do exercício conjunto das responsabilidades parentais, regime que pressupõe, e não pode prescindir, da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projeto de vida e de educação comuns em relação ao filho, para além de residirem em área geográfica próxima, que não implique alteração constante do estabelecimento de ensino do filho, beneficiem ambos de adequadas condições habitabilidade e que a criança manifeste opinião concordante, tendo em conta a sua idade e maturidade, entre outros elementos relevantes. Daí que nas situações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do art.º 40.º, não seja aconselhável, por contrário ao superior interesse da criança, a aceitação de residência alternada.
6. Não é qualquer medida de coação aplicada no âmbito do processo-crime, por violência doméstica, como o TIR, que fundamenta a presunção a que alude o n.º 9 do art.º 40.º do RGPTC, mas medidas de coação que que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores, como se prevê no n.º4 do art.º 200.º do C. P. Penal e n.º4 do art.º 31.º da Lei n.º 112/2009, que se referem expressamente “ a medida ou medidas de coação que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores”, entendimento que fica reforçado com as medidas de coação previstas nas alíneas c) e d) do n.º1 do art.º 31.º deste diploma legal.
7. Tratando-se de uma criança de tenra idade, demonstrada a conflitualidade entre os progenitores, a dificuldade séria de comunicação e de estabelecer um diálogo, bem como a ausência de cooperação, beneficiando a progenitora do Estatuto de Vítima, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, não se justifica o estabelecimento de um regime de residência alternada com o exercício conjunto das responsabilidades parentais, quando a mãe manifestou a sua discordância.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório.
AA, progenitor de BB, menor, nascida a 22 de Dezembro de 2014, instaurou, por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a presente ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora desta, CC, alegando, em suma, dificuldades de conviver com a filha e de marcar as visitas e período de férias com a requerida, peticionando a alteração da guarda da filha no sentido de ser atribuída alternadamente, num regime bimensal, a cada um dos pais e sendo a guarda partilhada por ambos os progenitores e bem assim que cada um dos pais assuma as despesas com a filha durante o tempo em que a tiver a seu cargo.
Citada, a requerida deduziu oposição à pretendida alteração, alegando não salvaguardar o superior interesse da filha, negando, no essencial, as alegações do requerente, imputando-lhe sofrer de problemas psicológicos (álcool) e instabilidade, concluindo pela manutenção do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, salvo quanto às cláusulas 3.ª, 4.ª e 5.ª e 12.º, cuja alteração defende, nos termos que apresentou.
Teve lugar a conferência de pais, na qual não foi possível chegar a acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, ficando suspensa a conferência por dois meses, sendo as partes remetidas para audição técnica especializada.
Após a audição técnica especializada, foi designada continuação para a conferência de pais e, não tendo as partes chegado a acordo, foram notificadas nos termos do art. 39º, n.º 4 RGPTC.
Ambos alegaram e arrolaram testemunhas.
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que decidir alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança nos termos que se transcrevem:
1. Fixar a residência da menor em períodos de 15 (quinze) dias alternados com cada um dos progenitores, iniciando-se tal período às sextas-feiras, indo o progenitor, ou progenitora, buscar a menor à escola, no final das atividades escolares.
2. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da menor incumbe àquele com quem a menor estiver nesse período de 15 (quinze) dias.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor (v.g., intervenções cirúrgicas, mudança de ensino público para privado, ou vice-versa, mudança de residência, religião, licença de condução) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
4. No dia de aniversário da menor, no dia de aniversário do pai, no dia do pai e no dia da criança, a menor tomará uma refeição com o progenitor, sucedendo o mesmo para a mãe nos dias correspondentes.
5. A menor passará as épocas festivas (entenda-se, a véspera e dia de natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores.
6. Cada um dos progenitores suporta as despesas com os alimentos da menor durante o período em que esta reside consigo.
7. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares (estas, desde que sejam acordadas entre ambos) da menor, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.
8. Custas a suportar pela progenitora, que fixo em 3 (três) Uc´s”.

Inconformada com esta decisão veio a requerida CC interpor o presente recurso, terminando as suas extensas e complexas alegações, razão pela qual não se transcrevem, delas extraindo-se, de relevante, as seguintes:
1. Verifica-se a NULIDADE SENTENÇA por falta de declaração de «quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência», ex vi artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do NCPC e artigo 205.º, n.º 1, da CRP 1976.
2. Foram retiradas ilações, relativamente ao carácter (embriaguez), condições pessoais e habitacionais do progenitor, senão mesmo subjetivas conclusões, de factos instrumentais, sem pertinência ou desligados do alegado e provado pelos vários meios de prova mobilizados.
3. O Tribunal “a quo”, na sua sentença, não deu cabal conhecimento dos «demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção» «livre» (mas nunca arbitrária!), mormente para efeitos da conclusão pela inexistência de prodigalidade na bebida, por parte do progenitor, bem como não ter sido ele o autor das agressões, em contexto de violência doméstica, à Requerida, embora o mesmo tenha sido constituído arguido e sujeito à medida de coação “Termo de Identidade e Residência” (artigo 196.º, do CPP), quer para efeitos do disposto no artigo 40.º, n.º 9, do RGPTC
4. Se olharmos aos factos que se transcrevem, o seu contexto é propício à conclusão de que o Requerente tem problemas de alcoolismo, é agressivo, não tem habitação própria, encontra-se sujeito a uma medida de coação penal – Termo de Identidade e Residência –, está indiciado e a ser investigado por suspeita de crime de violência doméstica para com a sua ex-companheira.
Ora, tudo isto, num direito tutela e de jurisdição voluntária, é de molde a concluir negativamente pela alteração do atual modelo de gestão das responsabilidades face à menor.
5. Tendo-se comprovado que o Progenitor se encontra sujeito a uma medida de coação penal – TIR – não se vê como é que o Tribunal pudesse adotar ou evoluir, como o fez, de uma guarda exclusiva (da progenitora) para uma guarda partilhada, quando é o próprio artigo 40.º, n.º 9, RGPTC, e 1906.º-A, do Código Civil. E, com isso,
6. O Tribunal, face à prova testemunhal produzida, mormente relativamente ao FERNANDO …, amigo do casal, que, no essencial, sem reservas, afirmou que o progenitor, em convívio, «bebe demais» e é dado a extravasar os limites sociais, já que não se inibe de, pela madrugada a dentro, fora de si, ligar às pessoas, incomodando-as.
7. Face a isto e ao facto de o progenitor estar indiciado por um crime de violência doméstica, se o Tribunal não fizer uma atuação cautelar ou preventiva, corre o risco de as suas decisões serem, posterior e infelizmente, «manchadas de sangue». Além de que,
8. Ciente da sua impunidade, o agressor terá tendência a «esticar a corda», sendo, aliás, o presente requerimento, já um sintoma dessa tentativa de hegemonia masculina e de tentar impor um estatuto superior, face à menor, pelo pai e progenitor, que está, aqui, em casa.
9. Não tendo o progenitor um lugar habitacional seu, como pode o Tribunal, sem averiguar as condições sociais e psicoafectivas da companheira achar “natural e não perigoso”, para a menor, estar obrigada a conviver, durante 15 dias, com uma pessoa estranha. Aliás,
10. Não se percebe como os factos supra indicados se coaduna com os factos não provados, já que se diz que bebe muito e, depois, embora se saiba que beber muito cria habituação, não se conclui que o pai tem problemas com a bebida.
11. Afastou-se ou desvalorizou todo um tipo de prova licitamente apresentada e que deveria levar a concluir negativamente pela guarda partilhada, mormente tendo em conta o problema habitacional do progenitor (sem casa própria); o facto de viver com uma companheira de que o Tribunal desconhece, em absoluto, o seu carácter ou personalidade; o facto de, dentro e fora de convívios sociais, o progenitor ser dado à bebida e fazer telefonemas inapropriados; o facto de o progenitor estar indiciado por crime de violência doméstica e, consequentemente, sujeito a TIR.
12. Porque alguns factos provados deveriam ter sido considerados não provados e alguns considerados não provados o deveriam ter sido ao contrário. Nesse sentido, a título de exemplo, o Tribunal podia e devia ter concluído pela instabilidade emocional do progenitor e pela existência de problemas com o álcool, quer face às agressões padecidas pela progenitora, quer face ao depoimento da testemunha FERNANDO ….
13. Verifica-se que o Tribunal, embora tenha dado como provados os factos 5.º (B), 6.º (B[1]), 7.º, 8.º, 9.º, 17.º, 18.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º e 30.º, o certo é que os mesmos contrastam com as conclusões, ao nível dos factos não provados, de que o progenitor não tem instabilidade emocional, não tem problemas de alcoolismo, não ter sido o mesmo o autor das agressões da progenitora, embora haja depoimentos testemunhais a indicar o contrário (que bebe e bem nos convívios e fora deles), que é conflituoso (intervenção da PSP/GNR e CPCJ em 28-03-2017) e que não tem habitação própria, certa e dele. Aliás,
14. Basta recordar o teor da mensagem de 06 de Abril de 2016 para verificar que o progenitor tem problemas psicológicos e sociais muito graves: «Desculpa pelo meu comportamento ontem… eu tenho andado a beber fortemente. Estou mesmo infeliz com a minha vida neste momento. Não devia estar a descontar em ti». E, por isso,
15. À luz do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, alínea c), do NCPC + artigos 2.º e 9.º, alínea b), e 205.º, n.º 1, da CRP 1976, não pode deixar de afirmar-se e verificar-se que os fundamentos da decisão judicial se encontram em oposição com a decisão.
16. Face aos factos 5, 6, 7, 8, 9, 17, 18, 24, 26, 27, 29 e 30, parece-nos existir uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão judicial “sob recurso” por efeito da “decisão surpresa” de decretamento da guarda partilhada, contra o fixado nos apontados factos, assim incorrendo o libelo absolutório na violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do NCPC + artigos 2.º e 9.º, alínea b), da CRP 1976.
17. O Tribunal não apurou, como devia e podia, a existência de um obstáculo legal, derivado da aplicação da medida de coação TIR ao progenitor, no Processo n.º 944/16.8TPTM, à viabilização da «guarda partilhada», bem como ao exercício em comum das responsabilidades parentais, tal qual é imposto pelos artigos 40.º, n.º 9, do RGPTC, e artigo 1906.º-A, do Código Civil (aditado pela Lei n.º 24/2017, de 24-05).
18. A douta sentença violou, ao nível do Código Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, as regras ligadas às matérias da interpretação jurídica, responsabilidades parentais conjuntas ou exclusiva, guarda conjunta ou exclusiva, influência da aplicação de medida de coação penal no decorrer das responsabilidades parentais, entre outras, constante dos artigos 9.º, 1906.º, 1906.º-A, do Código Civil, e artigo 40.º, n.º 9, do RGPTC. Na verdade,
19. Tendo o progenitor sido sujeito à medida de coação TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA, no Processo criminal em curso, nunca poderia ter sido ponderada a “guarda partilhada” e, muito menos ainda, lhe devia ter sido permitido tomar decisões em contexto de guarda conjunta das responsabilidades, tal qual o impõem os artigos 1906.º-A, alínea a), do Código Civil, e artigo 40.º, n.º 9, do RGPTC, e artigo 196.º, do CPP.
20. A sentença afigura-se-nos, de modo inequívoco, materialmente inconstitucional, já que, face aos factos, provados ou que corretamente deveriam ter sido fixados como tal, segundo a requerida, haveria que atentar no novíssimo regime dos artigos 1906.º-A do Código Civil e 40.º, n.º 9, do RGPTC, que face ao panorama nacional de homicídios em contexto de divórcio, veio estipular que o arguido de violência doméstica, a quem haja sido aplicada medida de coação, como é o caso do progenitor a quem foi aplicada o TIR, não pode ter um papel pleno em matéria de exercício conjunto das responsabilidades parentais.
21. Dir-se-á que foram incorretamente julgados, em parte ou totalmente, os factos constantes dos artigos 5, 6, 7, 8, 9, 17, 18, 24, 26, 27, 29 e 30, da motivação da decisão judicial “a quo”, sob a rubrica “FACTOS PROVADOS” ou “ASSENTES”. Vejamos, detalhadamente, porque é que se consideram incorretamente julgados alguns concretos pontos de factos constantes dos citados artigos da decisão judicial “a quo”. Ou seja, o seguinte:
22. Afiguram -se mal fixados os “FACTOS NÃO PROVADOS”, mormente:
«(…) apenas não se provou que:
– o progenitor é instável a nível emocional, refugiando-se, quando tem algum problema, no álcool;
– o requerido tem problemas de alcoolismo;
– (…)
– o requerente foi o autor da agressão que justificou a assistência da requerida nas urgências no CHBA no dia 07.08.2017».
Sobre a questão do problema de alcoolismo (e violência) do Requerente, o Tribunal errou ao não valorar o depoimento testemunhal de FERNANDO … refere o seguinte:
23. Face ao transcrito, o Testemunho do Sr. FERNANDO … impunha o aditamento, aos factos dados como provados, dos seguintes pontos:

«31. O progenitor é instável a nível emocional, refugiando-se, quanto tem alguma problema, no álcool.

32. O requerido tem problemas de alcoolismo.».

24. No presente caso é patente a animosidade entre os progenitores, originando inclusive a apresentação de queixas policiais que, por sua vez, deram origem ao processo-crime n.º 944/16.8PAPTM. Nestas situações a jurisprudência é unânime, não deve ser aplicada a “guarda partilhada” (ou alternada) quando exista um conflito acentuado entre os progenitores e esta em causa uma criança muito nova, o que sucede no presente caso [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1463/14.2TBCSC.L1-8, de 14-02-2015; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 5253/12.9TBVFR-A.P1, de 13-05-2014; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 3500/10.0TBBRR.L1-6, de 18-03-2013; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 4147/16.3T8PBL-A.C1, de 27-04-2017; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 4089/10.6TBBRR.L1-1, de 24-06-2014].

25. É evidente que não estão reunidas as condições para a aplicação de uma “guarda partilhada” (ou alternada), porquanto a relação dos progenitores é hostil e a menor é de tenra idade.
26. A alteração constante do meio ambiente bem como a constante separação da menor do progenitor a que caber a guarda alternada poderá trazer efeitos nefastos no seu crescimento que, com o anterior regime, era estável e proporcionava as condições para um crescimento harmonioso.
Concluiu que seja alterada a decisão recorrida e negado o pedido de guarda partilhada, procedendo-se à inibição do progenitor do exercício conjunto das responsabilidades parentais.

***
O requerente contra alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.
***
A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou, concluindo:
1. Nos termos do art. 615º nº1, do CPC, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b); quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c); ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de outras cujo
conhecimento lhe estava vedado (al. d).
2. Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º, do CPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
3. No caso em apreço, a douta sentença sob recurso encontra-se bem fundamentada quer de facto, quer de direito, tendo a Mª Juiz “a quo” explicitado de forma cabal e completa quais os elementos de prova que foram determinantes para a aquisição da sua convicção e quais as razões ou motivos de determinaram a sua credibilidade e respetivo raciocínio lógico seguido, não se verificando, portanto, a invocada nulidade prevista na al. b), do nº1, do art. 615º, do CPC.
4. Também se não verifica a invocada nulidade prevista na al. c), do nº1, do art. 615º, do Código de Processo Civil (contradição entre a fundamentação e a decisão), pois da sua fundamentação não resulta que a Mª Juiz tenha seguido uma determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e depois, que tenha proferido uma decisão contrária ou que não se estivesse à espera, a tal decisão surpresa de que fala a apelante;
5. Quando muito, pode é questionar-se se a matéria de facto apurada não poderia ter conduzida a outra decisão quanto à residência da criança, ou seja, se a decisão do Tribunal “a quo” foi a mais acertada nesta matéria. Mas tal (des)acerto da decisão, não resulta de qualquer oposição com a fundamentação, pois que da leitura desta resulta inequivocamente que o entendimento expresso pela Mª Juiz só poderia conduzir à decisão proferida. Daí que, no caso, poder-se-á falar de um erro de julgamento mas já não de uma oposição geradora de nulidade.
6. A circunstância de a Mª Juiz “a quo”, no caso em apreço, ter desconsiderado alguns factos em detrimento de outros por os ter considerado menos irrelevante no conjunto da demais matéria de facto apurada, ou prejudicado pela restante prova produzida, não importa qualquer nulidade da sentença. Daí que a douta sentença não padece também da invocada nulidade prevista na al. d), do nº1, do art. 615º, do Código de Processo Civil.
7. A Apelante vem impugnar a matéria de facto dada como assente na fundamentação da douta sentença, mas fá-lo sem indicar com exatidão as passagens da gravação que considera relevantes para uma decisão diversa da matéria de facto impugnada, motivo por que deve o recurso ser rejeitado nessa parte, nos termos da al. a), do nº 2, do art. 640º, do Código de Processo Civil.
8. Com efeito, tal como resulta do nº 1, do art. 640.º, do CPC, para que seja possível proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, tinha a apelante de indicar não apenas os factos impugnados que julga incorretamente julgados, os meios de prova de que se vale e que, na sua perspetiva, impunham uma decisão diferente sobre a matéria de facto, identificando ainda o vício revelado pela Mª Juiz na motivação, como, também, proceder à indicação exata das passagens da gravação da audiência de discussão e julgamento em que se funda o seu recurso.
9. Ora, se é verdade que a mesma procede à transcriação de alguns dos excertos dos depoimentos de uma testemunha que considera relevantes, tal transcrição das passagens do depoimento da testemunha que considera relevantes para a modificação pretendida, resultando da lei como uma faculdade que lhe é concedida, não configura uma alternativa à obrigatoriedade de indicação exata das passagens da gravação que impunham um julgamento diferente, pelo que não tendo cumprido tal ônus, não deve, em nosso entender, proceder-se ao conhecimento do recurso quanto à matéria de facto.
10. Caso Vossas Excelências assim o não entendam, importa sublinhar que, de qualquer forma, o depoimento assinalado não impõe uma decisão diversa sobre os concretos pontos impugnados da matéria de facto, pois confrontando a fundamentação apresentada com uma análise cuidada de todos os elementos constantes dos autos e com a leitura da transcrição integral dos depoimentos das testemunhas, não resulta que outra devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal “a quo”.
11. Efetivamente, tudo ponderado, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto no caso concreto, designadamente que a convicção do tribunal “a quo” tenha assentado em raciocínios contrários às regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, convicção essa que o tribunal “a quo” não deixou de fundamentar, e bem, de acordo com o disposto no art. 607º nº 5, do Código de Processo Civil.
12. Deste modo, e salvo melhor opinião, nada há a censurar relativamente à matéria de facto dada como provada e ora impugnada pela apelante, a qual merece a nossa total concordância.
13. Nos presentes autos, a Mª Juíza “ a quo”, após análise critica de toda a prova produzida, decidiu julgar procedente o pedido formulado pelo progenitor da criança, substituindo o regime do exercício das responsabilidades parentais com guarda conjunta e residência da criança junto da progenitora/apelante pelo regime de guarda conjunta com residência alternada, num sistema quinzenal entre os progenitores, por entender que este regime é aquele que melhor acautela o superior interesse da criança BB.
14. Para tanto, a Mª Juiz “a quo” desconsiderou os conflitos existentes entre os progenitores e o facto do progenitor se encontrar inclusivamente sujeito a TIR no âmbito de um processo por alegada violência doméstica, originado numa queixa apresentada pela progenitora - v. a matéria de facto dada como assente nos artigos 5, 6, 7, 8, primeira metade do 15, 17 e 18 da fundamentação da meteria de facto – considerando inclusivamente que o regime de residência alternada com periodicidade quinzenal poderá até contribuir para amenizar a conflitualidade existente entre os progenitores, desiderato que não tem sido atingido com o regime de residência fixa junto da progenitora com visitas semanais alternadas.
15. Face aos novos dados da investigação científica e das novas tendências ao nível dos demais ordenamentos jurídicos europeu, não temos dúvidas das vantagens hoje reconhecidas ao regime de guarda conjunta com residência alternada entre os progenitores na esmagadora maioria dos casos de regulação das responsabilidades parentais.
16. Ainda assim, no caso sub judice, temos sérias reservas que o regime de responsabilidades de guarda conjunta com residência alternada entre os progenitores, com periodicidade quinzenal, seja o que melhor salvaguarda o superior interesse da criança BB.
17. É que para além dos conflitos existentes entre os progenitores – v. o teor dos artigos 5º, 6º, 7º, 8º, e sobretudo 17º e 18º, da matéria de facto provada – que na ótica da Mª Juiz, poderão ser diminuídos ou até eliminados pelo regime fixado, certo é que tal objetivo não se nos afigura de fácil concretização, face ao histórico de violência doméstica existente, que vai desde a separação dos progenitores, em que o pai “atravessou um período de vida conturbado, ingerindo ocasionalmente bebidas alcoólicas” e se prolongou pelo menos até 21 de abril de 2017.
18. Acresce que tendo o progenitor, por força da sua atividade profissional, de sair regularmente do território nacional por períodos de quinze dias, nos merece também reservas a fixação de um regime de residência alternada para a criança em períodos quinzenais, por se nos afigurar de difícil compatibilização esta maior envolvência e participação na vida da BB que tal regime exige com as constantes viagens do progenitor e as ausências que as mesmas poderão importar, já que por mais organizado e que seja, tal planificação estará sempre dependente de terceiros, não apenas das companhias petrolíferas para quem faz os estudos e trabalha, mas também dos voos aéreos com os inerentes cancelamentos e mudanças que constantemente se verificam, até porque o mesmo viaja para os mais distantes destinos.
19. Por fim, não obstante os conflitos existentes entre os progenitores, encontrando-se a situação da criança estabilizada, será que a alteração introduzida na residência da mesma não poderá inclusivamente ser potenciadora de novos conflitos e pôr em causa o equilíbrio emocional que a criança apresenta.
20. Estamos certos que todas estas e outras razões foram ponderadas pela Mª Juiz no caso concreto, que ciente dos prós e contras de qualquer dos regimes fixados, ainda assim fixou o regime de guarda conjunta com residência alternada por períodos quinzenais, por entender ser o que melhor acautelava os interesses da criança BB.
21. Embora, tenhamos as reservas supra expostas, parece-nos, que no caso em apreço, independentemente do regime fixado, o importante é que os progenitores olvidem os seus interesses egoísticos e saibam encontrar limites aos seus desentendimentos de forma que os mesmos não afetem a continuidade e qualidade das relações de cada um deles com a BB, já que a formação da personalidade desta e o seu crescimento salutar e harmonioso depende do contacto regular com ambos, de modo a usufruir em pleno do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.
Termos em que, se nos afigura, deverá a decisão recorrida ser revista em conformidade com o supra referido, ou seja, fixando-se um regime de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência junto da progenitora e um regime de visitas alargado ao progenitor, dando-se assim parcial provimento ao recurso.
***
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir são as seguintes:
a) Nulidades da sentença.
b) Alteração da matéria de facto.
c) Residência alternada.
d) Exercício conjunto das responsabilidades parentais.
***
III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. A sentença recorrida considerou provada, que se mantém, pese embora com a adequada numeração, a seguinte factualidade:
1. A menor BB, nasceu a 22 de Dezembro de 2014, e é filha de AA e de CC.
2. Os progenitores da menor mantiveram uma relação afetiva, tendo ocorrido a separação pouco depois de a menor ter nascido.
3. Na sequência da separação, a menor ficou a viver com a mãe, onde permanece até à presente data.
4. Em 16.04.2015 foram reguladas as responsabilidades parentais da menor, tendo a menor ficado a residir com a mãe, estipulando-se que a partir dos 2 anos de idade da menor, esta passa os fins de semana alternados de sexta-feira a domingo com o pai, metade das férias escolares (Natal/Ano Novo e Páscoa) com cada um dos progenitores e duas semanas de férias com o pai no verão.
5. Prevê ainda tal regime que a menor, na companhia de qualquer um dos progenitores, ou em visitas de estudo, possa ausentar-se para o estrangeiro, por um período não superior a 30 (trinta) dias, devendo avisar-se mutuamente das datas (ida e volta), local de estada e indicar um contacto telefónico para que a menor possa ser contactada.
6. Os progenitores são ambos preocupados atentos às necessidades da criança.
7. A entrega e recolha da criança nem sempre decorre de forma pacífica, tendo já existido situações de conflitos verbais entre os progenitores, envolvendo ainda o filho mais velho da requerida e a companheira do requerente, originando participações policiais.
8. A 06 de Abril de 2016 o requerente envia uma mensagem à requerida onde diz “Desculpa pelo meu comportamento ontem … eu tenho andado a beber fortemente. Estou mesmo infeliz com a minha vida neste momento. Não devia estar a descontar em ti”.
9. No dia 14.07.2016 a progenitora apresentou uma queixa na GNR contra o requerente alegando “violência doméstica”, cujos factos estão a ser apreciados no âmbito do Processo-crime n.º 944/16.8PAPTM, tendo sido aplicada ao requerente a medida de coação TIR.
10. A CPCJ de Portimão, na sequência de uma participação policial, que dava conta de que a menor era exposta a comportamentos dos progenitores, que podiam comprometer o seu bem-estar e desenvolvimento reabriu o processo que entretanto tinha sido arquivado, tendo sido aplicada medida de apoio junto dos pais.
11. No acordo que fizeram na CPCJ em 28.03.2017, os progenitores comprometeram-se a não expor a criança a brigas, discussões, conflitos verbais e / ou físicos.
12. A BB é uma criança meiga, alegre, saudável e sempre se demonstrou interessada nas várias atividades e temáticas desenvolvidas.
13. A BB frequenta o jardim de infância “Colégio …”, interagindo bem com as crianças da sala, embora se revele um pouco tímida, principalmente com os adultos que não lhe são muito próximos.
14. Ainda tem alguma dificuldade em brincar a pares e em partilhar, o que é característico da sua faixa etária.
15. Não demonstra dificuldades em realizar as tarefas que lhe são pedidas e apresenta um desenvolvimento global adequado à faixa etária em que se encontra.
16. Não são visíveis diferenças de comportamento quando a BB fica um fim de semana com a mãe ou com o pai, bem como quando é o pai ou a mãe a ir buscá-la ao colégio.
17. A relação da progenitora com o progenitor não é a melhor e o diálogo não é fácil, no entanto, há pontos de encontro, por exemplo, quanto à educação da menor, ambos mantêm o entendimento de que a menor deve continuar no colégio particular, onde se encontra.
18. Os contactos entre os progenitores são feitos por correio electrónico.
19. O conflito entre os progenitores prende-se, essencialmente, com as visitas da menor ao pai, originando mal entendidos e participações policiais, como ocorreu no dia 12.09.2016, 05.10.2016, 02.12.2016, 24.02.2017, 21.04.2017.
20. Após a separação, o progenitor da criança terá atravessado um período conturbado, ingerindo ocasionalmente bebidas alcoólicas.
21. Em finais de Abril de 2016 conheceu a sua atual companheira, DD, com quem vive desde Junho de 2016.
22. A menor passou de 6 a 12 de Abril deste ano (Páscoa) em casa do pai, período que coincidiu com a visita do técnico, Rui …, psicólogo.
23. A criança estava a brincar com puzzles e pinturas, sendo visíveis lápis de cor na sala, estando muito à vontade, entretida e concentrada no que estava fazer.
24. Na dinâmica relacional, o técnico concluiu que se trata de uma criança divertida, que não estranha o espaço, apresenta-se calma, muito enquadrada e à vontade, de vez em quando, ao longo da visita, dirigia-se ao pai e à companheira deste, DD, puxando a saia desta e as calças do pai para chamar a atenção, conversava com eles, demonstrando muito à vontade com eles e em relação ao espaço.
25. A casa – que pertence à companheira do progenitor – dispõe de um quarto próprio para a menor, com vários brinquedos.
26. O progenitor é natural de Lismore, Austrália.
27. Os avós paternos residem na Austrália, assim como a restante família paterna.
28. Apesar dos conflitos entre os progenitores, o projeto educativo de ambos em relação à menor é igual, nos valores e regras a seguir.
29. No essencial são dois pais preocupados e zelosos acerca do bem-estar da menor, não questionam a educação da criança nem a escola onde está e parecem ter o mesmo projeto para a filha.
30. O progenitor vive com a atual companheira desde 2016, na residência que pertence a esta, a TV tem canais infantis, e a casa tem equipamentos preparados para a criança (bonecos, lápis de cor, puzzles).
31. A companheira é instrutora de ioga e aparenta saber lidar com a menor, até porque ela já foi professora de escola primária na Holanda e sabe como abordar a menor e lidar com o comportamento desta.
32. No exercício da sua atividade profissional, ligada a petrolíferas, o pai tem de viajar com regularidade para o estrangeiro onde permanece por períodos de 15 dias, regressando novamente a Portugal.
33. Em 2016 o progenitor foi seguido em consultas de oftalmologia, devido a problemas oculares (miopia e glaucoma), tendo sido operado ao olho direito, devido a glaucoma.
34. No dia 07 de Agosto de 2017, volta das 10 horas, a requerida foi assistida nas urgências do CHBA apresentando ferida incisa no lábio inferior e no pavilhão retro auricular esquerdo, hematoma na região supra ciliar esquerda, escoriações nos membros superiores.
***
Nos termos dos art.ºs 607.º/4 do CPC, aplicável ex vi art.º n.º2 do art.º 663.º, considera-se ainda provada a seguinte factualidade:
35. Pelas lesões descritas em 34) a requerida apresentou queixa-crime contra o requerente, que deu origem ao processo NUIP: 001188/17.7PAPTM, tendo-lhe sido atribuído, em 8 de agosto de 2017, o Estatuto de Vítima, nos termos do art.º 14.º da Lei 112/2009 de 16 de setembro (doc. de fls. 180 a 183).
***
2. Nulidades da sentença.
2.1. Falta de fundamentação – alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.
Diz a recorrente que a sentença é nula por “falta de declaração de «quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência», ex vi artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do NCPC e artigo 205.º, n.º 1, da CRP 1976.
Porém, é manifesta a ausência de razão.
Nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, a sentença é nula quando: Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
A causa de nulidade referida ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art.º 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil).
Como ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Também Lebre de Freitas, in C. P. Civil, pág. 297, sublinha que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
E já o Professor Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
No caso concreto, é evidente não se detetar essa nulidade, visto que a decisão recorrida elenca os factos provados e não provados e enuncia os fundamentos de direito que justificam essa decisão, mais concretamente as razões de facto e de direito que justificam a alteração da residência da criança, passando a residir alternadamente com cada um dos progenitores.
Portanto, a sentença não omite os fundamentos de facto nem os de direito.
Basta ler perfunctoriamente a sentença para ver que assim é.
Questão diversa será a de saber se assim podia decidir, mas essa concreta questão não se inscreve no âmbito das nulidades da sentença, tipificadas no citado art.º 615.º do C. P. Civil, em particular a da mencionada alínea b) do n.º1.
O que está verdadeiramente em causa, segundo a recorrente, não é a apontada nulidade da sentença, mas eventual insuficiência de fundamentação quanto à matéria de facto, ou erro de exame crítico das provas produzidas, questão bem diversa e não enquadrável na taxatividade das nulidades previstas no art.º 615.º do C. P. Civil, que poderia justificar, ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º2, alínea d), a remessa do processo á 1.ª instância para completar essa fundamentação.
Portanto, a sentença não omite os fundamentos de facto nem os de direito - mostra-se suficientemente fundamentada de facto e de direito -, como facilmente decorre da sua leitura.
E carece igualmente de fundamento a invocação de inconstitucionalidade decorrente da interpretação que o Tribunal a quo fez da norma contida no artigo 607º, n.º 4, conjugada com a do artigo 154º, ambos do C.P.C., por violação do disposto no artigo 205º da C.R.P.
É que, como se referiu, a sentença está devidamente fundamentada de facto e de direito, não se detetando qualquer violação do dever de motivação dessa decisão, e muito menos em desrespeito pelo art.º 205.º/1 da CRP, na medida em que remete para a lei ordinária os termos em que essa fundamentação deve obedecer, conferindo-se ao legislador larga margem de conformação não despicienda neste domínio, pese embora, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, T-III, pág. 71, o legislador “não pode esvaziar o sentido útil do mandato constitucional, já que, independentemente da forma, a fundamentação terá que permitir sempre o conhecimento das razões que motivação a decisão” – cf. Acórdãos do T. C. n.ºs 59/97 e 147/2000.
A verdade é que a recorrente discorda da decisão proferida em sede de motivação da decisão de facto, por desrespeito do disposto no art.º 607, n.º4, do C. P. Civil, invocando que o tribunal a quo não examinou criticamente as provas, criticando não se ter dado como provada a instabilidade a nível emocional do requerente e padecer o mesmo de problemas de alcoolismo.

Tal questão não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
2.2. Contradição entre os fundamentos e a decisão - alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.
Defende a recorrente existir contradição entre os factos 5.º (B), 6.º (B), 7.º, 8.º, 9.º, 17.º, 18.º, 24.º, 26.º, 27.º, 29.º e 30.º, dados como provados, e as conclusões extraídas na sentença quanto aos factos não provados, de que o progenitor não tem instabilidade emocional, não tem problemas de alcoolismo, não ter sido o mesmo o autor das agressões da progenitora, embora haja depoimentos testemunhais a indicar o contrário.
Ora, também aqui é evidente a ausência de razão.
Nos termos da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º, do C. P. C., a sentença é nula quando “ os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “Dos Recursos”, Quid Juris, pág. 117: “A observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão … E a verdade é que por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”. No mesmo sentido o Ac. do S. T. J. de 30/9/2010, Proc. n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/jstj, quando refere “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), para que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Porque assim é, as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1).
Assim, no que respeita a esta nulidade, é patente a sua inexistência, pois que o raciocínio lógico seguido na fundamentação da sentença teria de conduzir à procedência da alteração pretendida pelo requerente, nos precisos termos exarados, não se vislumbrando, a não ser aos olhos da recorrente, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, antes se enredando em evidente confusão com error in judicando - erro no julgamento da matéria de facto – com error in procedendo.
Por outro lado, como ensina Remédio Marques, in “Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667, “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “ a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”
Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693, referindo “ o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
Ora, é bem de ver que a recorrente não identifica qualquer obscuridade ou ambiguidade da sentença, sendo inequívoco o sentido da decisão e dos seus fundamentos, nem se mostra ininteligível, pois lendo os seus fundamentos é de fácil compreensão.
Portanto, como decorre dos argumentos invocados pela recorrente, está em causa o erro de julgamento quanto aos factos e ao direito aplicável, o que afasta a convocação da apontada nulidade da sentença.
Daí não se compreender, sendo até abusiva, a invocação de que essa pretensa contradição conduziu “por efeito da “decisão surpresa” de decretamento da guarda partilhada, contra o fixado nos apontados factos”, já que, para além da inexistência da apontada contradição, é manifesto que a decisão de atribuir a “guarda partilhada” respeitou o pedido formulado pelo requerente, sobre o qual a recorrente se pronunciou, desde logo na sua oposição inicial, bem como em sede de alegações, ou seja, exerceu devidamente o seu direito ao contraditório ( art.º 3.º/3 do CPC) [2].
E também não se vislumbra qual a nulidade cometida na sentença, decorrente de o tribunal ter apreciado questão proibida ou não se pronunciar sobre questão que devia conhecer, prevista na alínea d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, pela circunstância de a Mª Juiz a quo ter desconsiderado alguns factos em detrimento de outros, por os ter considerado menos relevante no conjunto da demais matéria de facto apurada.
Improcedem, pois, todas as nulidades invocadas.
3. Reapreciação da matéria de facto.
Como é consabido, se o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, enunciá-los na motivação de recurso e sintetiza-los nas conclusões, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição – Art.º 640.º/1 e 2 do C. P. C. (Cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Ed., Almedina, pág.153 e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Juris, Pág. 253 e segs).
Na verdade, como sublinham Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, ob. Cit. Pág. 253 e 254, “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…). “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente …, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.” – No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit. E Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, pág. 80.
Assim, para se modificar a decisão da 1.ª instância, em caso de erro de julgamento, é necessário que, sob pena de rejeição, para além da especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, que o recorrente fundamente a respetiva discordância, alegando as respetivas razões, concretizando em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, isto é, torna-se necessário que o recorrente delimite efetivamente o objeto do recurso, e fundamente as razões da despectiva discordância, motivando a sua alegação.
Com esta exigência legal visa-se circunscrever a reapreciação do julgamento efetuado a pontos concretos da matéria controvertida, já que a Relação, no exercício deste poder de reapreciação da matéria de facto, não pode proceder a um verdadeiro segundo julgamento de toda a matéria de facto, com a reapreciação de todos os meios de prova, devendo rejeitar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto - Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Edição, pág. 161, e Ac. STJ de 09-02-2012, proferido no processo n.º 1858/06.5TBMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Como se refere neste aresto, não bastar alegar, “de forma genérica, uma série de pontos de facto cuja alteração pretendia e a invocar depoimentos testemunhais e documentos sem uma efetiva apreciação crítica. Exige-se igualmente a especificação (e apreciação crítica) dos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados determinantes de uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, exigência que, relativamente aos meios de prova gravados, deve ainda ser acompanhada da indicação do local onde se encontra a gravação”.
Orientação que o STJ tendo vindo a reafirmar, nomeadamente no seu Acórdão 19/02/2015, processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt., ao sublinhar que «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. (…) O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento».
Não procedendo a estas obrigatórias especificações o recurso sobre a matéria de facto será rejeitado, nos termos do art.º 640.º/1, do C. P. C., sendo que se não indicar com exatidão as passagens da gravação ou transcrever os excertos que considere relevantes dos depoimentos em que funda o seu recurso, será rejeitado o recurso nesta parte – n.º2, al. a), do citado preceito legal.
Não basta, pois, discordar da convicção, alicerçada nos meios de prova produzidos, formulada pela Senhora Juíza quanto à demonstração de determinada realidade, no que tange à valorização que foi dada a uns meios de prova em detrimento de outros, é necessário que se identifiquem, além do mais, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a especificação (e apreciação crítica) dos concretos meios de prova e a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, enunciá-los na motivação de recurso e sintetiza-los nas conclusões.
Ora, lendo e relendo as alegações e conclusões, a recorrente, salvo quanto a dois pontos da matéria de facto não provada, em parte alguma das suas alegações, bem como nas conclusões, especificou os concretos pontos da matéria de facto, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, que impõem decisão diversa, nem fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes de uma decisão diversa.
A recorrente não indicou, com clareza e objetividade, qual ou quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, referindo-se à factualidade em termos genéricos, bem como não indicou os concretos meios de prova em que alicerça a sua discordância e que justificam outra decisão sobre essa matéria de facto.
Como tem sido reafirmado pelo STJ [3], “Apenas violações grosseiras, mormente, quanto ocorre omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus contido no art. 640º do Código de Processo Civil, que comprometam decisivamente a possibilidade do Tribunal da Relação proceder à reapreciação da matéria de facto, a saber: a) indicação dos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados; b) indicação dos meios de prova convocados para a reapreciação; c) indicação do sentido das respostas a alterar; d) indicação, com referência à ata da audiência de discussão e julgamento, dos depoimentos gravados em suporte digital, podem conduzir à rejeição liminar, imediata do recurso – art. 640º, nº2, al. a), 1ª parte, do Código de Processo Civil”.
Neste sentido, sublinhou-se no recente Acórdão do STJ [4], quando se trata de impugnação da matéria de facto “não basta andar à volta do tema. É necessário que se cumpra com rigor o ónus processual de especificar quer os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados quer a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [5].
Ora, a recorrente limita-se a afirmar que foram “incorretamente julgados, em parte ou totalmente, os factos constantes dos artigos 5, 6, 7, 8, 9, 17, 18, 24, 26, 27, 29 e 30, da motivação da decisão judicial “a quo”, sob a rubrica “FACTOS PROVADOS” ou “ASSENTES”. Vejamos, detalhadamente, porque é que se consideram incorretamente julgados alguns concretos pontos de factos constantes dos citados artigos da decisão judicial “a quo”.
E depois concretiza que se lhe afiguram mal fixados os “FACTOS NÃO PROVADOS”, mormente:
«(…) apenas não se provou que:
– o progenitor é instável a nível emocional, refugiando-se, quando tem algum problema, no álcool;
– o requerido tem problemas de alcoolismo;
– (…)
– o requerente foi o autor da agressão que justificou a assistência da requerida nas urgências no CHBA no dia 07.08.2017».
E entende que sobre a questão do problema de alcoolismo (e violência) do Requerente, o Tribunal errou ao não valorar o depoimento testemunhal de FERNANDO …, pelo que devem ser acrescentados os factos seguintes:
- “ O progenitor é instável a nível emocional, refugiando-se, quanto tem alguma problema, no álcool”;

- “ O requerido tem problemas de alcoolismo”.

Assim, quanto a estes concretos pontos da matéria de facto, dados como não provados, o recorrente identifica o concreto meio de prova que, em seu entender, confirma o erro de julgamento dessa matéria de facto, explicando as razões que contrariam a decisão tomada pela 1.ª instância.
Assim sendo, apenas quanto a estes dois pontos da matéria de facto se mostram cumpridas as exigências processuais que se referenciou, não obstante a recorrente não ter precisado com exatidão as passagens da gravação desse depoimento, mas procedeu à transcrição desse depoimento na parte que considera relevante.
Como refere Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª edição, pág. 155, “Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”.
Todavia, o Autor admite cumprida a exigência da indicação exata das passagens das gravações com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos (nota 264 a página 159), na sequência da orientação que vem sendo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça [6].
Resumindo, apenas se conhece deste dois pontos da matéria de facto não provada.
Ora, quanto à instabilidade emocional e alcoolismo do requerente, a testemunha Fernando … afirmou que algumas vezes o requerente telefonou-lhe a dizer que tinha bebido demais e que tinha procedido menos corretamente com a CC, que quando lhe telefonava, o que aconteceu cerca de três vezes, e que nessas ocasiões notava que ele estava embriagado.

A propósito desta factualidade, exarou-se na decisão recorrida:

“Vejamos, quanto à questão do “alcoolismo” do pai, note-se que não obstante ter ficado apurado que em ocasiões sociais o progenitor bebia álcool, ainda assim, nada se provou sobre a sua “dependência” alcoólica. Pelo contrário, antes parece ter resultado que, logo após a separação o requerido terá atravessado uma fase complicada, a que não terá sido alheio o afastamento da filha que passou a viver com a mãe.

Contudo, nem mesmo Fernando … logrou convencer o tribunal de que o progenitor seria “dependente” de álcool, apenas pela circunstância de o ter visto a beber mais do que ele próprio nos jantares e de lhe ter feito cerca de três telefonemas de madrugada, que situa após a separação, até porque nunca o viu com comportamentos agressivos, eufóricos ou hostis para com terceiros, pelo contrário, assim como nenhuma testemunha confirmou qualquer dependência de álcool (aliás, nos jantares não era só o requerido que bebia) As testemunhas K…. e Maria … também confirmaram que o requerido bebe cerveja ou vinho nos jantares, bem Assim, a sua companheira DD admitiu igualmente que também já o viu beber “uns copos” quando estão com amigos, mas tem dias que nem sequer bebe.

Por sua vez, Dora … apenas relatou uma situação em que o progenitor terá ido ao café onde trabalha, a um sábado, onde pediu um copo de vinho tinto, apercebendo-se que já estava um pouco “alterado”, porém, quando a reconheceu, saiu do local sem ter bebido, mais disse que das vezes que o casal jantou em sua casa nunca se apercebeu que ele tivesse bebido demais, tendo tido um comportamento “normal” e, mesmo em relação à filha constatou que era um pai atencioso.

Apenas Fernando … confirma que nos jantares o requerido “bebia demais”, contudo, não concretizou nenhuma situação em que o mesmo – por causa da bebida – tivesse descompensado ou perdido o controlo; referiu ainda alguns telefonemas (apontou 3 telefonemas) que o requerido lhe fez, alguns de madrugada, em que notava que ele tinha “bebido”, contudo, tais telefonemas terão ocorrido após a separação do casal. Também nas mensagens trocadas entre os progenitores, entre 05.04.2016 e 06.04.2016 (fls. 142 a 147 ap. C/166 a 172 Ap. A), o progenitor refere numa delas que anda a beber fortemente, o que indica que, de facto, o requerido terá atravessado um período conturbado após a separação, tanto assim que, desde que está com a nova companheira, DD, a quem conheceu precisamente em finais de Abril do ano passado (começando a viver juntos em Junho de 2016), a própria troca de mensagens entre ambos (fls. 77 a 104 ap. C) muda de “tom”, sendo um discurso mais distante e mais cordial e centrado na menor.

Em suma, nenhuma testemunha foi capaz de convencer o tribunal de que o facto de o requerente beber álcool ao jantar faz dele um alcoólico incapaz de se autogovernar e de tomar conta da menor ou que se trata de uma pessoa desequilibrada e instável que se refugia no álcool; mesmo a testemunha Fernando foi categórica ao afirmar que o requerido era um pai atento e correto e que mantinha com a requerente uma relação cordial, tudo levando a crer que após a separação terá passado um período mais conturbado (o que, aliás, a própria testemunha justifica para os telefonemas que recebeu, que situa no fim da relação e que entretanto cessaram).

Não foi relatado nenhum comportamento do pai com a menor em que o mesmo estivesse alcoolizado, assim como nenhuma testemunha descreveu qualquer comportamento agressivo, conflituoso do requerido sob a influência do álcool, limitando-se a “chavões” clássicos de que “bebeu demais” (Fernando …), sem, no entanto concretizar atos / comportamentos desadequados por causa do álcool. Nenhuma testemunha relatou ao tribunal qualquer conduta do requerente que indiciasse qualquer instabilidade emocional e que por causa dessa instabilidade ele bebesse, antes pelo contrário, as testemunhas no geral, apontam-no como uma pessoa correta, sendo um pai atento, preocupado e carinhoso para a filha.

Procedeu-se a acareação entre a testemunha Fernando e o requerente; aquele manteve as declarações prestadas e este nega ter feito telefonemas em que estivesse embriagado; em bom rigor, pouco se adiantou, embora o tribunal ficasse convencido, da prova produzida e do que as testemunhas no essencial afirmaram, é de que o requerente bebe às refeições, ou em situações de convívio, sem que daí se possa concluir que tem problemas de dependência de álcool”.

Como é consabido, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607.º/5, do C. P. Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova [7].
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
E já lembrava Alberto dos Reis [8] que a prova livre não quer dizer prova arbitrária ou irracional. Quer dizer prova apreciada com inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade com as regras da experiência e as leis que regulam a atividade mental. Não estamos perante um sistema da prova livre pura, mas de livre apreciação motivada da prova, ou seja, o que conduz à prova de um facto em juízo é o efeito que as provas, em conjugação com as regras da lógica e as máximas da experiência, produzem na convicção do juiz – cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 471.
Ora, a verdade é que verificamos ter havido, por parte do tribunal a quo, uma criteriosa avaliação de todos os meios probatórios, em particular a testemunhal, tendo em conta o princípio geral da livre convicção do julgador, assente nos princípios instrumentais da oralidade e imediação, aceitando-se plenamente a convicção da 1.ª instância, devida e exaustivamente fundamentada, factologia que não foi confirmada por qualquer outro meio probatório, nomeadamente pela testemunha Fernando …, cujo depoimento a recorrente transcreveu, sendo claramente insuficiente para provar a dependência de bebidas alcoólicas e instabilidade emocional do requerente, como bem fundamentou a Senhora Juíza, sento que o próprio requerente negou esse estado de alcoolémia, bem como ter feito os telefonemas.
Assim, não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma efetiva e correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido.
Nesse sentido, excluída continua, por não demonstração do contrário, a factologia dada como não provada.
Concluindo, perante a prova produzida bem andou o Mm.º Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto descrita, razão pela qual se deve manter inalterada.
4. O direito.
4.1. Residência alternada.
A questão de fundo a decidir consiste em saber se deve manter-se a residência alternada da menor, com três anos de idade, com cada um dos progenitores, com a periocidade quinzenal.
Com efeito, a sentença recorrida, alterando a regulação anteriormente estabelecida por acordo, em que a menor havia ficado a residir com a mãe, ora recorrente, decidiu “fixar a residência da menor em períodos de 15 (quinze) dias alternados com cada um dos progenitores, iniciando-se tal período às sextas-feiras, indo o progenitor, ou progenitora, buscar a menor à escola, no final das atividades escolares”.
Discorda a recorrente, por considerar que foi violado o disposto no art.º 40.º/9 do RGPTC, sendo evidente a animosidade entre os progenitores, originando inclusive a apresentação de queixas policiais que, por sua vez, deram origem ao processo-crime n.º 944/16.8PAPTM, tratar-se de uma criança de tenra idade, não estando, por isso, reunidas as condições para a aplicação de uma “guarda partilhada” (ou alternada).
Em sentido contrário entendeu a Senhora Juíza, afirmando:
No caso concreto, os progenitores vivem perto (pai em Lagoa, mãe em Portimão), o pai trabalha, tem a vida profissional e familiar organizada, tem uma casa com condições, mostra-se empenhado em acompanhar a educação e o crescimento da filha, é atento e existe afetividade entre pai e filha, pelo que cremos ser possível equacionar uma residência nos moldes equacionados pelo pai. Irá, assim, permitir-se que a menor crie um quotidiano familiar e social com o pai enquanto permanecer com este, e durante esse período de tempo, o pai irá exercer os cuidados que integram o exercício das responsabilidades parentais.
Acresce que está o tribunal em crer que a situação de conflito entre os progenitores irá amenizar, pois que não necessitam de contactar permanentemente por causa das visitas, dos horários e das entregas da criança, deixando de haver mal entendidos e motivos para confrontos nestas situações.
Além do mais, no essencial, ambos estão de acordo, pelo menos quanto às questões de saúde (ambos se preocupam) e quanto ao projeto educativo da criança que, por ora, passa pela manutenção no colégio onde se encontra!”.
E, em apoio desta solução, louvou-se num estudo da “Psicóloga clínica e investigadora no Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia), Malin Bergström, que defende, por ter mais de 20 anos de experiência na mediação em separações e há cinco anos que estuda os filhos dos casais com “guarda partilhada” (in entrevista ao Jornal DN, a 23.03.2017), explica que, dos estudos feitos, concluiu-se que estas crianças (numa situação de residência alternada) estão melhores do que aquelas que vivem apenas com um dos pais, esclarecendo que os últimos cinco anos de estudo permite também concluir que as crianças que têm a residência alternada estão com melhor saúde mental, física e bem-estar do que aquelas que vivem apenas com um dos pais(…)”,
Ora, com o devido respeito, não podemos acompanhar este raciocínio, tendo em conta os factos dados como provados, para além de naturais reservas sobre a validade científica desse estudo.
Como é sabido, e resulta expressamente dos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º do RGPTC, o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela, sendo ainda estabelecido um regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança.
Regime que é imposto pelo n.º5 do art.º1906 do C. Civil, ao prescrever:
O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
E adianta o seu n.º7 que “ O tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contato com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles”.
Como refere Tomé d’Almeida Ramião, [9] “A decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais terá por objeto as seguintes questões: fixação da residência da criança, ou seja, com qual dos pais fica a residir; atribuição do exercício das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância a ambos os pais, ou apenas ao progenitor com quem residir se for entendido que o exercício conjunto é contrário aos interesses do filho; atribuir a guarda da criança a terceira pessoa nos termos do art.º 1907.º do C. Civ., bem como quando se verifiquem as circunstâncias referidas no art.º 1918.º do C. Civ.; fixar o montante dos alimentos devidos à criança, bem como o regime de visitas ao progenitor não residente.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais engloba, assim, as seguintes questões essenciais: fixação da residência da criança; o regime de visitas; a prestação de alimentos a cargo do progenitor com quem não resida habitualmente; podendo ainda consistir na atribuição do seu exercício unilateral das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança, como decorre dos art.os 1905.º e 1906.º, do C. Civ. e n.ºs 1, 2 e 8 do presente artigo”.
Assim, no que respeita à determinação da residência do filho, o tribunal decidirá de acordo com o interesse deste, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles, tendo em atenção todas as circunstancias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, como vem prescrito nos n.ºs 5 e 7 do art.º 1906.º do C. Civil.
O exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada não se confunde com a chamada guarda alternada. Este conceito consiste em a criança passar alternadamente períodos de tempo com cada um dos progenitores, isto é, durante certo período de tempo, alternadamente, a criança ficar à guarda de cada um dos pais, sendo que nesse período cada um deles exerce em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais.
A guarda alternada funciona num quadro de exercício unilateral do poder paternal [10].
No âmbito da anterior redação do art.º 1906.º do C. Civil, a professora Maria Clara Sottomayor [11] sustentava que “O exercício conjunto das responsabilidades parentais com alternância de residência, diferentemente, exige por parte dos pais cooperação constantes, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente. No entanto, o efeito traumático da mudança constante de residência mantém-se. Por isso, uma tal medida não pode ser aprovada pelo juiz, sem que este tenha em conta, através de observação da criança por peritos, a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança, pois pode acontecer que apesar dos pais estarem de acordo, tal solução não seja do interesse da criança”.
E acrescentava, a pág. 477, “(...) O exercício conjunto do poder paternal com alternância de residência (de acordo com um ritmo temporal determinado, mensal, semanal, etc.), não está expressamente proibido pela lei mas o teor literal (os pais decidem as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio, e recorrem ao tribunal em caso de falta de acordo em questões de particular importância) desta e o argumento histórico de interpretação permitem concluir que a intenção do legislador foi apenas a de igualizar os direitos e deveres dos pais mas não a de dividir a criança entre as residências de ambos. A lei deve portanto ser interpretada de forma restritiva, no sentido de não serem admitidos acordos de residência alternada. Tem-se entendido que uma solução deste tipo prejudica a formação da personalidade do menor devido à sensação de insegurança, ansiedade, nervosismo e instabilidade que provoca, sobretudo, relativamente a crianças com idade pré-escolar, aquelas que mais necessitam da estabilidade das condições externas para se desenvolverem.
Apesar da atual redação do art.º 1906.º do C. Civil, na versão dada pela Lei n.º 61/2008 de 31/10, a Ilustre Professora parecer continuar a defender a não-aceitação do exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, por considerar que “inconvenientes resultam em primeiro lugar do interesse da criança, é um conceito que se opõe à obrigação legal do juiz determinar a residência da criança prevista no art.º 1906.º, n.º5, a qual consiste num conceito jurídico equivalente a guarda e a domicílio, nos termos do art.º 85.º, n.º1, servindo, portanto, de ponto de referência da vida jurídica da criança e não podendo estar sujeito a alterações periódicas, isto sem prejuízo das estadias junto do progenitor não residente serem amplas ou até em ritmo alternado, desde que haja acordo dos pais e que a tal não se oponha o interesse da criança. A decisão judicial, não obstante o acordo dos pais em estadias alternadas, terá que determinar a residência habitual, elemento importante para a definição do Tribunal competente…” [12].
Em tese geral, a jurisprudência tem vindo a aceitar, excecionalmente, a possibilidade de fixação de residência alternada, num quadro de acordo entre os progenitores, com fundamento no disposto nos n.º1 e 7 do art.º 1906.º do C. Civil, na natureza de jurisdição voluntária do processo e ausência de conflitos entre os pais e proximidade de residências de ambos, como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/6/2012 (Ana Luísa Geraldes) em que estava em causa uma criança com dois anos de idade.
Admissibilidade que tem vindo a ser reconhecida em vários arestos, pese embora, em alguns deles, se admita a necessidade de acordo dos progenitores nesse sentido, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/6/2012 (Graça Araújo); Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/10/2011 (Regina Rosa); e de 11/06/2011 (Fonte Ramos), embora este último haja rejeitado essa solução, tendo em conta a idade da criança; no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/05/2014 (Rodrigues Pires), que reconheceu nada impedir a “residência alternada”, no sentido da determinação de duas residências à criança, sendo porém essencial “a capacidade revelada pelos pais de pôr de parte os seus diferendos pessoais para atingir decisões em relação aos seus filhos e de reconhecer a importância da manutenção de uma relação próxima do filho com o outro progenitor para o bem-estar daquele. Têm, ainda, os pais que demonstrar, inequivocamente, terem um respeito e uma confiança recíprocos, bem como um nível razoável de comunicação e de vontade de cooperar”, considerando ainda, para além de salvaguardado o superior interesse da criança, ser “imprescindível que haja acordo dos progenitores quanto à fixação de duas residências ao menor”; no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/01/2017 (Rosa Ribeiro Coelho), onde se exarou : “Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das responsabilidades parentais”; no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7/8/2017 (Pedro Martins); e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/2/2015 (Catarina Arêlo Manso), onde se lê: “Não havendo acordo dos pais, não podem beneficiar de guarda conjunta nem alternada de responsabilidades parentais. Se os pais não estão de acordo e as relações entre eles não estão pacificadas, não podem, de modo algum, ficar com guarda alternada, sendo certo que, bastava não estarem de acordo, para não poder decidir-se uma guarda conjunta”.
Também os Autores Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Carvalho Batista, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade d’Oliveira, in “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2.ª edição, Quid Juris, 2010, págs.86-87, admitem a residência alternada desde que haja acordo dos progenitores, afirmando, “Para além de constituir uma solução excecional, é, no nosso entender, pressuposto essencial a existência de acordo de ambos os progenitores quanto a esta questão.”
A mesma interpretação defende o Prof.º Guilherme de Oliveira, escrevendo em 29 de julho de 2014[13], a propósito das eventuais alterações introduzidas pela Lei 61/2008 nesta matéria, o seguinte:
“(…) Isto quer dizer que não se pretendeu impor um regime novo quanto à residência, à confiança dos filhos, à “guarda física”, conforme se preferir dizer. A eventual imposição de partilhas de tempo, mais ou menos alargadas, entre os filhos e cada um dos progenitores – isso sim – poderia criar dificuldades práticas excessivas. Preferindo uma introdução gradual destas partilhas de tempo num país que tem hábitos diferentes, e por esta razão de cautela, o texto do art. 1906.º, n.º 5, procurou exprimir as práticas correntes, evitando assim criar ruturas desnecessárias.
Dito isto, não parecem justificadas algumas orientações que têm sido tornadas públicas.
Em primeiro lugar, não posso acompanhar a ideia de que a lei impõe que o filho tenha uma residência habitual e outra ocasional, um guardador principal e um secundário, como alegadamente resultaria do artigo 1906.º, n.º 3 e 5. Na verdade, estes textos pretenderam exprimir a realidade mais frequente e mostrar que a lei n.º 61/2008 não tinha a intenção de alterar o regime e as práticas anteriores, que supunham um cuidador principal e um secundário; porém, se os dois progenitores chegam a um acordo de partilha dos cuidados e do tempo de convivência que coloca os dois em paridade, e se o tribunal puder convencer-se de que o acordo é favorável para filho, a homologação é possível e é mesmo recomendada pelo artigo 1906.º, nº 7.
Aliás, seria muito estranho que a lei n.º 61/2008, que pretendeu dirigir-se no sentido da parentalidade conjunta, proibisse os acordos de residência alternada que os tribunais entendessem dever homologar. Pelas mesmas razões, não acompanho o argumento de que só quando for determinado qual dos progenitores é o guardião principal se podem identificar as “orientações educativas mais relevantes” que o guardião secundário deve respeitar (artigo 1906.º, n.º 3). Na verdade, se os dois progenitores alcançaram um acordo de partilha igualitária da convivência com o filho, certamente já praticam um modo harmonizado de condução da vida dele, e as orientações educativas são, afinal, definidas pelos dois. Mais uma vez, o regime que impõe a obrigação de respeitar as “orientações educativas” foi prevista para os casos tradicionais e maioritários, e não pode impedir que, num caso concreto, se alcance um acordo mais favorável do ponto de vista da parentalidade conjunta e que satisfaça o interesse do filho” (nosso sublinhado).
Idêntica orientação expressa Tomé d’Almeida Ramião[14], na sequência da publicação da Lei n.º 51/2012, de 5 de Setembro (diploma legal que aprovou o Estatuto do Aluno e Ética Escolar), onde se reconhece, pela primeira vez, no seu art.º 43.º/6, a residência alternada, ao prever que o encarregado de educação será, em regra, o progenitor com quem a criança fique a residir. Mas no caso de residência alternada, será aquele que os progenitores indiquem, por acordo, e na ausência desse acordo, cabe ao tribunal decidir qual deles exerce as funções de encarregado de educação.
“Acresce que no art.º 9.º, n.º4, do RGPTC, propósito da competência territorial do tribunal, o legislador utiliza a expressão “em igualdade de circunstâncias” num quadro de exercício conjunto das responsabilidades parentais, o que só pode pretender abranger as situações de “residência alternada.
Daí já não fazer sentido, atualmente, a discussão sobre a sua admissibilidade”.
E adianta o Autor:
“Apesar disso, continuamos a entender que essa opção só se justifica desde que haja acordo dos pais nesse sentido, o qual é imprescindível, e desde que essa solução defenda os superiores interesses da criança. Sem o acordo dos pais, parece estar vedado ao juiz fixar um regime de residência alternada.
Até porque uma solução desta natureza não pode prescindir da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projeto de vida e de educação comuns em relação ao filho, para além de residirem em área geográfica próxima, que não implique alteração constante do estabelecimento de ensino do filho, beneficiem ambos de adequadas condições habitabilidade e que a criança manifeste opinião concordante, entre outros elementos relevantes. Daí que nas situações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do art.º 40.º, não seja aconselhável, por contrário ao superior interesse da criança, a aceitação de residência alternada”.
Assim, salvo casos excecionais, nomeadamente em que, pela sua idade, a vontade do menor pode prevalecer sobre a oposição manifestamente infundada de um dos progenitores, termos por duvidosa a atribuição de residência alternada sem o acordo dos progenitores, atenta a redação dos n.ºs 3 e 5 do art.º 1906.º do C. Civil, a natureza imperativa e o interesse público prosseguido por esses preceitos legais, bem como o facto de o seu n.º3 apontar claramente para uma residência habitual ou principal do filho (inferindo-se que o legislador admite duas residências, mas uma delas tem de ser considerada a habitual ou principal), prescrevendo que as orientações educativas mais relevantes ficam a cargo do progenitor com quem o filho reside habitualmente, bem como o n.º5 impor ao tribunal que ao regular o exercício das responsabilidades parentais determine a residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste, devendo (tem a obrigação) - ao determinar a residência e os direitos de visita – atender, entre outras circunstâncias relevantes, a eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, decisão essa (nos termos do seu n.º7) que será sempre tomada de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contato com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. E considera-se, desde logo, como circunstâncias relevantes, entre outras, o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, para a determinação da residência e direitos de visita.
Ao impor ao tribunal (juiz) que determine a residência do filho e os direitos de visita, tendo em conta essas circunstâncias relevantes, a norma jurídica em causa não permite que o juiz proceda de outro modo, ou seja, ela impõe uma determinada conduta, o que afasta a natureza permissiva dessa norma – cfr. Tomé d’Almeida Ramião, ob. cit..
Aliás, não se vê com seja possível conciliar, na prática, o exercício das orientações educativas relevantes [15] pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente, que o outro progenitor não pode contrariar, como se prescreve no n.º3 do art.º 1906.º do C. Civil, no âmbito de residência alternada, sem o acordo dos progenitores. Cada um dos progenitores define essas orientações durante o período em que o filho consigo resida? Ainda que tais orientações possam não ser coincidentes? Como resolver o conflito entre os progenitores, nesse âmbito, já que o meio processual previsto no art.º 44.º do RGPTC apenas abrange o diferendo quanto a alguma questão de particular importância?
Tanto assim é que, para quem admita a determinação de residência alternada, exige que se verifiquem, na prática, entre outros, “a capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores; e um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais, traduzidas nas orientações educativas mais relevantes” – cfr. António José Fialho, “Residência Alternada”, abril de 2013, pág. 7.
Dificuldades essas que não podem, nem devem, ser ignoradas, como se reconhece na Recomendação de 23 de outubro de 2014 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, quando refere no seu ponto II-3 : “Embora o quadro atual não constitua um obstáculo à constituição do regime de residência alternada sem o acordo dos pais, a sua imposição nestas circunstâncias deverá ser muito criteriosa, já que dificilmente o modelo funcionará se os progenitores não tiverem capacidade para dialogar e não demonstrarem um interesse genuíno em promover o sucesso do regime, através de constante cooperação e partilha na definição dos assuntos mais relevantes na educação do(s) filho(s)”.
Não está em causa questionar que esse regime seja, em regra, o mais adequado à salvaguarda, promoção e proteção dos direitos do filho, aquele que melhor pode proporcionar à criança as condições de bem-estar e desenvolvimento integral e harmonioso, mas se tal regime, contra a vontade de um dos pais, pode manter essas virtualidades, pois como se refere na decisão recorrida, invocando um estudo realizado pela Psicóloga clínica e investigadora no Instituto Karolinska, na Suécia (cujo valor científico se desconhece), esta reconheceu “ que não há conhecimentos suficientes para perceber que, numa situação de conflito, é melhor viver na casa de ambos os pais ou apenas com um, embora a verdade é que no estudo e investigação levada a cabo, não encontraram problemas entre essas crianças”.
Todavia, independentemente de se entender que a determinação de residência alternada não pode ser judicialmente fixada em caso de desacordo dos progenitores, o que só por si conduziria à procedência do recurso, nesta parte, a verdade é que, no caso concreto, não é a solução que melhor salvaguarde os superiores interesses desta criança.
Desde logo, atenta a sua tenra idade, com cerca de 3 anos de idade, sendo que o pedido de alteração entrou em outubro de 2016, ou seja, quando a criança ainda não tinha dois anos de idade, o que seguramente lhe irá causar perturbação emocional e afetiva, na medida em que fica privada, pela primeira vez, de ver e estar com a mãe, durante o período em que resida com o pai, ou seja, 15 dias, sendo a mãe a principal referência afetiva desta criança, com quem sempre viveu e mantém relação de grande proximidade e nutre sentimentos de proteção, solução que prejudica a formação da personalidade da criança, devido à natural sensação de insegurança e instabilidade que provoca.
Depois, porque o progenitor não possui a necessária estabilidade profissional que permita avançar para a residência alternada, já que está demonstrado que no exercício da sua atividade profissional, ligada a petrolíferas, tem de viajar com regularidade para o estrangeiro onde permanece por períodos de 15 dias, regressando novamente a Portugal, pelo que se acompanha as reservas manifestadas pelo Magistrado do Ministério Público nas suas alegações, ao afirmar que, nestas circunstâncias, a fixação de um regime de residência alternada para a criança em períodos quinzenais é de difícil compatibilização com a possibilidade de maior participação na vida da BB, face às constantes viagens do progenitor e as ausências que as mesmas poderão importar.
Finalmente, e mais importante, é a existência da enorme conflitualidade entre os progenitores, de séria dificuldade de comunicação e de estabelecer um diálogo, bem como a ausência de cooperação, pelo que seguramente essa solução, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, não vai facilitar, promover ou diminuir os conflitos entre ambos, antes pelo contrário, vai agravar, pelo histórico de violência doméstica existente desde a separação dos progenitores.
Com efeito, está demonstrado que desde a separação dos progenitores, o pai “atravessou um período de vida conturbado, ingerindo ocasionalmente bebidas alcoólicas” e se prolongou pelo menos até 21 de abril de 2017, o que de todo impede essa solução.
O conflito entre os progenitores prende-se, essencialmente, com as visitas da menor ao pai, originando várias participações policiais.
A relação da progenitora com o progenitor não é a melhor e o diálogo não é fácil e são feitos por correio eletrónico.
No dia 14.07.2016 a progenitora apresentou uma queixa na GNR contra o requerente alegando “violência doméstica”, cujos factos estão a ser apreciados no âmbito do Processo-crime n.º 944/16.8PAPTM, tendo sido aplicada ao requerente a medida de coação TIR.
A CPCJ de Portimão, na sequência de uma participação policial, que dava conta de que a menor era exposta a comportamentos dos progenitores, que podiam comprometer o seu bem-estar e desenvolvimento reabriu o processo que entretanto tinha sido arquivado, tendo sido aplicada medida de apoio junto dos pais.
No dia 07 de Agosto de 2017, volta das 10 horas, a requerida foi assistida nas urgências do CHBA apresentando ferida incisa no lábio inferior e no pavilhão retro auricular esquerdo, hematoma na região supra ciliar esquerda, escoriações nos membros superiores. E, na sequência destas lesões, requerida apresentou queixa-crime contra o requerente, que deu origem ao processo NUIP: 001188/17.7PAPTM, tendo-lhe sido atribuído, em 8 de agosto de 2017, o Estatuto de Vítima, nos termos do art.º 14.º da Lei 112/2009 de 16 de setembro.
Ora, o legislador, preocupado com a trágica realidade dos casos de violência doméstica ou outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, introduziu, através da Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, um regime para a regulação ou alteração urgente do exercício das responsabilidades parentais (art.ºs 24.º-A e 44.º-A do RGPTC e 1906.º-A do C. Civil), designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, justificando a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais, por se entender que tais situações podem ser julgadas contrárias ao interesse do filho.
Assim, para efeitos do exercício conjunto das responsabilidades parentais considera-se que pode ser julgado contrário aos interesses do filho se: “a) For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou b) Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica ou de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de criança” – art.º 1906.º-A do C. Civil.
Nestes casos, o Ministério Público deve requerer, após conhecimento da situação, a regulação ou alteração das responsabilidades parentais, como se prevê no art.º 44.º-A do RGPTC, sendo que a aplicação de obrigação ou obrigações que impliquem a restrição de contato entre progenitores são imediatamente comunicadas ao Ministério público para esse efeito, como estabelece o n.º4 do art.º 200.º do C. P. Penal e n.º4 do art.º 31.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, na versão também dada pela Lei 24/2017.
É certo que o TIR a que se mostra sujeito o progenitor/requerente, no âmbito desse inquérito-crime, não pode conduzir à presunção prevista no n.º 9 do art.º 40.º do RGPTC, como defende a recorrente, ao prescrever que, salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contato entre os progenitores.
Na verdade, a medida de coação ou pena acessória de proibição de contato entre os progenitores, a que se alude essa disposição legal, em consonância com o prescrito no art.º 1906.º-A, alínea a) do C. Civil, e artºs 24.º-A, alínea a) e 44.º/1 do RGPTC, tem de ser conjugado com o n.º4, do art.º 200.º, do C. P. Penal, e n.ºs 1 e 4 do art.º 31.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, tendo em conta a atual redação das mencionadas disposições legais introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio.
Assim, não é qualquer medida de coação aplicada no âmbito do processo-crime, por violência doméstica, mas de medidas de coação que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores, como se prevê no n.º4 do art.º 200.º do C. P. Penal e n.º4 do art.º 31.º da Lei n.º 112/2009, onde se mencionam “ a medida ou medidas de coação que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores”, entendimento que fica reforçado com as medidas de coação previstas nas alíneas c) e d) do n.º1 do art.º 31.º deste diploma legal, cuja redação é a seguinte:
Após a constituição de arguido pela prática de crime de violência doméstica, o tribunal pondera, no prazo máximo de 48 horas, a aplicação, com respeito pelos pressupostos gerais e específicos de aplicação das medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, de medida ou medidas de entre as seguintes:
c) Não permanecer na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habite a vítima;
d) Não contactar com a vítima, com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares ou certos meios”.
Não estando em causa a sujeição do progenitor a qualquer uma dessas medidas de coação, carece de sentido a invocação do n.º9 do art.º 40.º do RGPTC, pelo que inexiste fundamento legal para afastar o requerente do exercício das responsabilidades parentais, como sustenta e pretende a recorrente.
Mas não podemos olvidar as consequências jurídicas decorrentes da atribuição do Estatuto de Vítima previsto no art.º 14.º, n.º2, da Lei n.º 112/2009, ao estatuir que “Sempre que existam filhos menores, o regime de visitas do agressor deve ser avaliado, podendo ser suspenso ou condicionado, nos termos da lei aplicável”.
Ora, perante a factualidade supra descrita e o quadro legal mencionado, é evidente que a solução de residência alternada é incompatível, neste momento, com o superior interesse da BB, atenta a sua tenra idade, sendo bastante duvidosa que possa apaziguar ou atenuar os conflitos entre os progenitores.
Em consequência, e tendo em conta o objeto do recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida na parte que fixou a residência alternada, mantendo-se em vigor o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais acordado e homologado, bem como os pontos 3 a 5 da sentença recorrida – referentes ao exercício conjunto das responsabilidades parentais e regime de visitas no dia de aniversário da menor, no dia de aniversário do pai, no dia do pai e no dia da criança, e as épocas festivas (entenda-se, a véspera e dia de natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa) -, bem como o n.º7, relativo aos encargos com as despesas médicas e medicamentosas e escolares.

Procede, pois, parcialmente, a apelação.

As custas da apelação e na 1.ª instância serão da responsabilidade dos progenitores, em partes iguais – art.º 527.º/1 do CPC.


***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação.

2. O eventual desrespeito pelo procedimento previsto no n.º4 do art.º 607, do CPC, não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.

3. A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
4. Para se modificar a decisão da 1.ª instância, em caso de erro de julgamento, de acordo com o prescrito no art.º 640.º/1 e 2 do CPC, é necessário que, sob pena de rejeição, para além da especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, que o recorrente fundamente a respetiva discordância, alegando as respetivas razões, concretizando em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, isto é, torna-se necessário que o recorrente delimite efetivamente o objeto do recurso e fundamente as razões da despectiva discordância, motivando a sua alegação.
5. No atual quadro legal nada impede que os progenitores, por acordo, e desde que satisfaça os superiores interesses do filho, estabeleçam a residência alternada no âmbito do exercício conjunto das responsabilidades parentais, regime que pressupõe, e não pode prescindir, da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projeto de vida e de educação comuns em relação ao filho, para além de residirem em área geográfica próxima, que não implique alteração constante do estabelecimento de ensino do filho, beneficiem ambos de adequadas condições habitabilidade e que a criança manifeste opinião concordante, tendo em conta a sua idade e maturidade, entre outros elementos relevantes. Daí que nas situações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do art.º 40.º, não seja aconselhável, por contrário ao superior interesse da criança, a aceitação de residência alternada.
6. Não é qualquer medida de coação aplicada no âmbito do processo-crime, por violência doméstica, como o TIR, que fundamenta a presunção a que alude o n.º 9 do art.º 40.º do RGPTC, mas medidas de coação que que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores, como se prevê no n.º4 do art.º 200.º do C. P. Penal e n.º4 do art.º 31.º da Lei n.º 112/2009, que se referem expressamente “ a medida ou medidas de coação que impliquem a restrição de contacto entre os progenitores”, entendimento que fica reforçado com as medidas de coação previstas nas alíneas c) e d) do n.º1 do art.º 31.º deste diploma legal.
7. Tratando-se de uma criança de tenra idade, demonstrada a conflitualidade entre os progenitores, a dificuldade séria de comunicação e de estabelecer um diálogo, bem como a ausência de cooperação, beneficiando a progenitora do Estatuto de Vítima, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, não se justifica o estabelecimento de um regime de residência alternada com o exercício conjunto das responsabilidades parentais, quando a mãe manifestou a sua discordância.

***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a decisão recorrida quanto aos seus pontos n.ºs 1 e 6 do dispositivo, mantendo os restantes relativamente à alteração da regulação das responsabilidades parentais da menor – pontos n.ºs 2, 3, 4, 5 e 7.
Custas da apelação e na 1.ª instância pelos progenitores, em partes iguais.

Évora, 2018/03/22
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

__________________________________________________
[1] Estranhamente, a sentença repete e não segue ordem cronológica dos números.
[2] Como é sabido, o princípio do contraditório traduz-se na imposição de que as decisões judiciais sejam consequência de um processo justo e equitativo – artigos 20.º, da CRP, e 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, e consubstancia-se na igualdade das partes na apresentação de argumentos a respeito dos pontos determinantes para a decisão a proferir e a da possibilidade de as partes “influenciarem” a decisão judicial argumentando quanto ao sentido que a mesma deve ter.
[3] Acórdão de 8/11/2016 (Fonseca Ramos), in dgsi.pt.
[4] Acórdão de 3/10/2017, Revista, 6.ª Secção, proferido no processo n.º 29/14.1TBMCQ.E1.S2
[5] Pode ler-se no seu sumário: “II – Sendo função das conclusões do recurso indicar os fundamentos porque se pede a alteração da decisão, é obrigatório que nelas o recorrente especifique os concretos factos que entende estarem mal julgados e a decisão que importa ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. III – Não procedendo o recorrente a tais especificações com a devida clareza e objetividade, apesar de mostrar de forma genérica discordar do julgamento da matéria de facto, terá o recurso de apelação que ser rejeitado quanto à matéria de facto”.
[6] Citando-se, a título de exemplo, os Acórdãos de 8/11/2016 (Fonseca Ramos); de 9/7/2015 (Maria dos Prazeres Beleza); de 29/10/2015 (Lopes do Rego); de 31/5/2016 (Garcia Calejo).
[7] Como defende Remédio Marques, Ação Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641, criticando a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto.
[8] Código de Processo Civil, anotado, Vol. III, 247.
[9] “ Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado”, Quid Juris, 2017, 2.ª Edição, págs. 126/127.
[10] Cfr. Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal, Estudos e Monografias”, Publicações Universidade Católica, 2003, pág. 92.
[11] In “Exercício do Poder Paternal, Estudos e Monografias”, Publicações Universidade Católica, pág. 93.
[12] In “ Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, pág. 308, 6.ª Edição, 2014, Almedina.
[13]http://ace.pt/resources/docs/ace/publicacoes/artigo_professor_guilherme_de_oliveira20140729.pdf?title=Duvidas-na-Jurisprudencia-sobre-responsabilidades-parentais
[14] In “O Regime Geral do Processo Tutelar Cível” Anotado e Comentado, Quid Juris, 2017, 2.ª Edição, págs.109.
[15] Sobre o seu conceito – Tomé d’Almeida Ramião, “O Divórcio de Questões Conexas”, Regime Jurídico Atual, Quid Juris, 3.ª edição, pág. 167.