Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
160/14.3TBARL.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO
PROCESSO ESPECIAL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A forma de processo especial para liquidação de participações sociais não é manifestamente incompatível com a forma de processo comum;
II - É admissível, numa ação para liquidação de participações sociais com processo especial, a cumulação de pedido condenatório ao qual corresponde a forma de processo comum, desde que se considere existir interesse relevante na cumulação ou ser a apreciação conjunta das pretensões indispensável para a justa composição do litígio;
III - Verificados os pressupostos que permitem ao juiz autorizar a cumulação de pedidos, não há que proceder à reapreciação desta decisão, proferida no exercício de poder discricionário conferido pelo artigo 37.º, n.º 2, aplicável por força do artigo 555.º, n.º 1, ambos do CPC;
IV – Estando em causa a apreciação dos efeitos operados pelo exercício do direito de exoneração de sócio de uma sociedade por quotas, no sentido de determinar o valor da participação social do requerente, com vista ao respetivo reembolso pela sociedade requerida, é aplicável o regime legal em vigor à data da exoneração;
V - Considerando que o direito ao reembolso da participação social se baseia na exoneração do respetivo titular, tal direito nasceu na esfera jurídica do requerente no momento da exoneração, isto é, aquando da produção de efeitos do exercício do direito de exoneração;
VI - Estando em causa a exoneração de sócio de sociedade por quotas, decorre do artigo 240.º, n.º 5, do CSC (na redação do DL 76-A/2006, de 29-03), que o momento relevante para a quantificação da contrapartida devida é a data em que o sócio declare à sociedade a intenção de se exonerar;
VII - Salvo estipulação contratual ou acordo das partes, o valor da quota, para efeitos de determinação da contrapartida a pagar ao sócio que se exonerou, é fixado com base no estado da sociedade com referência à data da exoneração.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 160/14.3TBARL.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora
Juízo Local Cível de Évora



Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) – entretanto falecido, tendo sido declarados habilitados, como seus sucessores, (…), (…) e (…) – intentou contra Metalo (…), S.A. a presente ação para liquidação de participação social, com processo especial, pedindo:
a) se proceda judicialmente a segunda avaliação da participação social do requerente, reportada à data da exoneração – 14-10-2013 –, em conformidade com os critérios estabelecidos nos artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil, com aplicação das disposições relativas à prova pericial, devendo para tanto, após citação da sociedade requerida, ser nomeado perito nos termos do n.º 2 do artigo 1068.º do Código de Processo Civil;
b) que a segunda avaliação seja precedida de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, uma vez que o revisor oficial de contas que procedeu à avaliação extrajudicial impugnada sublinha no relatório que os valores da situação líquida constante nas contas aprovadas em 31-12-2005 e 31-12-2006 são valores pouco fiáveis, pelo que a escrita da sociedade apresentará valores viciados que contagiarão necessariamente o resultado da segunda avaliação a efetuar;
c) se condene a sociedade requerida a pagar ao requerente o valor da sua participação social, que vier a ser apurado a final.
Alega, para o efeito, que é titular de participação social que identifica na sociedade requerida e que, no contexto que descreve, exerceu o seu direito de exoneração, na sequência do que foi efetuada avaliação extrajudicial de tal participação, de cujo resultado discorda, defendendo dever o cálculo do valor da participação social ser efetuado com base nos critérios que indica, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citada, a sociedade requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção – invocando a cumulação ilegal de pedidos e o abuso do direito – e por impugnação.
Notificado, o requerente apresentou articulado no qual requereu se determine o desentranhamento da oposição ou, subsidiariamente, sejam considerados não escritos os artigos que elenca, pelos motivos que expõe.
Após vicissitudes várias, por despacho de 23-04-2020, foi decidido, além do mais, o seguinte:
Face ao exposto, decide-se:
a) admitir a deduzida oposição, incluindo o alegado nos respetivos artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 33.º última parte, 34.º, 39.º, 41.º, 43.º, 44.º, 45.º, 47.º e 48.º;
b) não admitir o formulado pedido de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, absolvendo a requerida da instância quanto a tal pedido, relegando para final a fixação das custas devidas;
c) admitir o formulado pedido de condenação da sociedade ora requerida a pagar às ora requerentes o valor da identificada participação social;
(…)
g) relega-se para final o conhecimento da deduzida exceção de abuso do direito por parte do inicial requerente que depende, designadamente, da avaliação em curso reportada às duas indicadas datas.
Foi realizada perícia, após o que se realizou segunda perícia.
Realizada a audiência final, por sentença de 22-02-2022 foi decidido o seguinte:
Face ao exposto, decide-se:
a) declarar que, à data de 17 de outubro de 2013, o valor da participação social do inicial requerente ascendia ao montante de € 211.217,70;
b) condenar a requerida a pagar às requerentes (…), (…) e (…), como sucessoras da parte falecida (…), o montante referido em a);
c) condenar as requerentes e a requerida no pagamento das custas, na proporção respetiva de 25% e 75%.
Notifique.
Inconformada, a requerida interpôs recurso da sentença, no qual impugnou igualmente o despacho de 23-04-2020, na parte em que se admitiu a cumulação do pedido condenatório deduzido sob a alínea c), pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I. O presente recurso tem por objeto não só a sentença proferida em 22-02-2022 que fixou o valor da participação social do inicial Requerente (…) na sociedade Requerida, à data de 17-10-2013, no montante de Eur. 211.217,70, e condenou esta no pagamento daquele valor às Requeridas habilitadas no processo, mas também, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, visa a impugnação do despacho de 23-04-2020 (refª 29574015), no segmento que admitiu a cumulação de um pedido de condenação no processo de liquidação de participações sociais.
II. Os sócios que se exoneram da sociedade por discordarem da transformação da sociedade em sociedade anónima, tendo votado contra a deliberação de transformação, receberão o valor da sua participação calculado por referência ao momento da deliberação e ao respetivo valor patrimonial da sociedade, como impõe a lei (cfr. artigos 137.º e 105.º, n.º 2, do CSC, na redação anterior à Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, e artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil), inexistindo qualquer lacuna que importe integrar por interpretação extensiva ou por analogia.
III. Ao desaplicar o enquadramento jurídico adequado quanto ao momento relevante para determinação do valor da quota, a sentença recorrida fê-lo com o único propósito de cominar a Requerida pela omissão da publicação da deliberação de transformação e pela consequente demora no exercício do direito à exoneração, condutas que não lhe são inteiramente imputáveis, que foram objeto de ação judicial anterior e que não são sancionáveis por via do cálculo do valor da participação social do sócio exonerado.
IV. Este intuito sancionatório da solução normativa preconizada na sentença recorrida, ao pretender penalizar, além do mais, a arguição pela Requerida da caducidade do direito à exoneração no processo n.º 169/06.0TBARL, constitui violação do direito constitucional de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º da CRP).
V. A sentença recorrida incorre em violação da norma que aplica, contida no artigo 240.º, n.º 5, do CSC, ao impor o cálculo da contrapartida por referência à data em que o sócio declarou à sociedade a intenção de se exonerar (17-10-2013) e também incorre em violação do quadro normativo que deveria ter aplicado, regulado pelos artigos 105.º, n.º 2 e 137.º, n.º 2, do CSC, que estipula que a contrapartida de aquisição da quota do sócio exonerado seja calculada por referência ao momento da deliberação (12-05-2006).
VI. A sentença recorrida não especifica as razões de facto e de direito que justificam a opção ali tomada pela avaliação da quota mediante o denominado método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa”, o que consubstancia uma causa de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
VII. Os termos em que deverá ser calculado o valor da participação social em caso de exoneração do sócio encontram-se definidos nos artigos 1018.º e 1021.º do Código Civil, para os quais remete o n.º 2 do artigo 105.º do CSC, e que apontam expressamente para o método de avaliação baseado na ótica patrimonial da sociedade.
VIII. A existir subavaliação ou sobreavaliação do ativo e/ou do passivo face ao valor de balanço, deverão estes ser corrigidos em conformidade mediante reavaliação reportada à data a atender apurando-se um valor patrimonial da sociedade diferente do constante do balanço, tarefa essa que não corresponde à avaliação da sociedade pelo método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa” e que não foi executada pela perícia realizada nestes autos.
IX. A decisão tomada em 23-04-2020 (Refª 29574015), no sentido de admitir a cumulação do pedido de condenação no presente processo de liquidação de participação social não se encontra fundamentada, não especificando as razões de facto e de direito que a justificam, o que consubstancia uma causa de nulidade do despacho impugnado, que se suscita ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do CPC, aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código.
X. Essa mesma decisão incorreu em violação da norma que invoca, contida no artigo 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, e também do princípio do contraditório, ao admitir que um pedido de condenação siga termos numa forma de processo especial destinado apenas ao apuramento do valor da participação social, e que não admite o apuramento de outras matérias ou sequer dedução de reconvenção.
XI. Por todo o exposto, conclui-se que o despacho de 23-04-2020, quanto ao segmento aqui impugnado, e a sentença recorrida, padecem das nulidades apontadas e de uma incorreta apreciação do Direito no que respeita à interpretação e aplicação dos artigos 137.º, 105.º, n.º 2 (na versão anterior à alteração resultante do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e com entrada em vigor a 30 de Junho de 2006) e 240.º, todos do CSC, bem como dos artigos 1018.º e 1021.º do Código Civil, e ainda do artigo 37.º do CPC, cuja correta ponderação imporia a fixação do valor da quota em Eur. 49.750 (à data de 12-05-2006, segundo o método baseado no balanço) ou, quando assim não se entenda, em Eur. 88.173,12 (à data de 12-05-2006, segundo o método do fluxo de caixa operacional na ótica da empresa), implicando ainda a absolvição da instância da sociedade Requerida quanto ao pedido de condenação.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, fixando-se o valor da quota em Eur. 49.750 (à data de 12-05-2006, segundo o método baseado no balanço) ou, quando assim não se entenda, em Eur. 88.173,12 (à data de 12-05-2006, segundo o método do fluxo de caixa operacional na ótica da empresa) e absolvendo-se a Requerida da instância quanto ao pedido de condenação».
As apeladas apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) no âmbito da impugnação do despacho interlocutório:
- da nulidade do despacho impugnado;
- da cumulação de pedidos;
ii) no âmbito do recurso da sentença:
- da nulidade da decisão recorrida;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- do valor da participação social.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Impugnação do despacho interlocutório

2.1.1. Tramitação processual
Os elementos com relevo para a apreciação das questões suscitadas constam do relatório supra.

2.1.2. Apreciação do objeto da impugnação do despacho interlocutório

2.1.2.1. Nulidade do despacho impugnado
A apelante arguiu a nulidade do despacho interlocutório impugnado, imputando-lhe o vício de falta de fundamentação.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, preceito aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos, por força do estatuído no artigo 613.º do citado código.
Dispõe o n.º 1 do citado artigo 615.º que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A apelante sustenta que o despacho interlocutório impugnado padece do vício de falta de fundamentação, o que configura a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado preceito, a qual ocorre quando a sentença – no caso, o despacho – não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim incumprindo o dever de fundamentação da decisão previsto no artigo 154.º do CPC.
A nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente.
Tal omissão não se verifica no caso presente, dado que consta do despacho impugnado a indicação dos elementos factuais, reportados à tramitação processual tida em conta, e da matéria de direito em que se baseia, conforme decorre da própria alegação da recorrente, que manifesta discordância relativamente a tal fundamentação jurídica.
Em conclusão, não enferma o despacho interlocutório impugnado da causa de nulidade arguida pela apelante.

2.1.2.2. Cumulação de pedidos
Vem impugnado na apelação o despacho de 23-04-2020, na parte em que se apreciou a questão da cumulação ilegal de pedidos invocada pela requerida na oposição e se decidiu admitir a cumulação do pedido condenatório, deduzido pelo requerente sob a c), com o pedido de avaliação da participação social formulado sob a alínea a).
A 1.ª instância motivou tal decisão nos termos seguintes:
(…) no caso concreto, concorrem circunstâncias específicas que viabilizam a cumulação do referido pedido condenatório.
Conforme certidão de fls. 431 e seguintes, a sentença proferida no processo n.º 1115/14.3TYLSB, confirmada em recurso, e, portanto, já transitada em julgado, manteve a decisão da senhora adjunta do Conservador que indeferiu o pedido de dissolução da sociedade ora requerida, apresentado pelo inicial requerente António Faria com fundamento no facto da mesma requerida não ter cumprido o disposto no n.º 4 do artigo 240.º do CSComerciais que impõe que, recebida a declaração de exoneração do sócio, a sociedade deve, no prazo de 30 dias, amortizar a quota, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro, sob pena de o sócio poder requerer a dissolução da sociedade por via administrativa.
No processo n.º 169/06.0TBARL do Tribunal Judicial de Arraiolos foi proferida sentença onde se decidiu o seguinte: “(…) determina-se a concessão do prazo legal de 30 dias, a contar da data de trânsito em julgado da presente sentença, para que o sócio discordante António Jacinto Barbeiro Faria, ora A., exerça o seu direito de exoneração (…).”; tal decisão foi confirmada por acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado em 03-10-2013, cfr. docs. de fls. 384 e seguintes.
Salienta-se que no processo n.º 169/06.0TBARL, a ora requerida alegou a prescrição do direito do inicial requerente de solicitar a exoneração, bem como a caducidade do respetivo direito de ação, exceções ali julgadas improcedentes.
A sentença transitou em julgado em 3 de outubro de 2013, contando-se a partir dessa data o prazo de 30 dias de que o ora requerente dispunha para exercer o seu direito à exoneração, o qual foi exercido em tempo.
Assim, o requerente António Faria, através, nomeadamente, de notificação judicial avulsa, notificou a gerência da sociedade por quotas Metalo (…) – Sociedade Metalomecânica, Lda. e o conselho de administração da sociedade anónima, resultante da transformação daquela, Metalo (…), S.A., de que se exonerava da sociedade, cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i..
No processo n.º 1115/14.3TYLSB foi dado como provado que a assembleia geral de 19-03-2014 da sociedade ora requerida deliberou, por unanimidade, adquirir a participação social do inicial requerente pelo valor a determinar “em sede própria e em conformidade com os trâmites legais”, cfr. factos provados 9) a 11).
Na sua oposição, a ora requerida alegou que “O montante de € 24.082,38, recebido pelo ora requerente em 15 de novembro de 2013 através da cobrança abusiva dos cheques entregues para pagamento eventual de dividendos da sociedade, deverá constituir um adiantamento a título de pagamento parcial da contrapartida devida pela sociedade por referência à participação social do sócio exonerado.”
Constata-se, pois, que o litígio que opõe as ora requerentes à sociedade requerida cinge-se ao apuramento do valor da mencionada participação social, resultando ainda da deduzida oposição que, para além das questões processuais atrás descritas e a discussão dos concretos critérios ou métodos que devem presidir à avaliação em curso, inexistem outras questões que devam ser apreciadas e decididas.
Acresce que, Tendo a quota social sido objecto de amortização por banda da sociedade e não concordando o sócio judicialmente excluído com o valor a ela atribuído, poderá o mesmo, através do meio processual prevenido nos artigos 105.º do C.S.Comerciais e 1069.º do C.P.Civil, requerer em juízo a avaliação da sua participação social; não estando em causa a impugnação da deliberação de amortização da quota, mas tão só o montante a ela atribuído, não há lugar a qualquer acção de anulação de deliberação social, mas antes àquele específico procedimento de avaliação judicial. [acórdão de 18-10-2016 do STJ, Proc. n.º 2170/15.4T8OAZ-A.P1.S1].
Prevê o artigo 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPCivil que, quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio, incumbindo ao juiz adaptar o processado à cumulação autorizada.
Assim, admite-se o formulado pedido condenatório, não se vislumbrando, por ora, que seja necessária a tomada de qualquer decisão acerca de adaptação do processado, sem prejuízo de a mesma ser realizada caso venha a revelar-se útil ou necessária para, designadamente, a defesa da ora requerida.
Discordando deste entendimento, a apelante sustenta que a decisão proferida, ao permitir que o pedido de condenação deduzido sob a alínea c) siga termos nos presentes autos, sujeitos ao processo especial destinado à liquidação de participações sociais, no qual não é admitido o apuramento de outras matérias ou a dedução de reconvenção, viola o disposto no artigo 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
Vejamos se é admissível a cumulação de pedidos.
Face aos fundamentos invocados na petição inicial – a titularidade de participação social na sociedade requerida, a exoneração de sócio e a discordância relativamente a anterior avaliação extrajudicial de tal participação – e ao pedido formulado sob a alínea a) – a avaliação judicial da participação social do requerente –, verifica-se estarmos em presença de uma ação para liquidação de participação social, à qual corresponde o processo especial previsto no artigo 1068.º do CPC, forma de processo que foi indicada pelo requerente na petição inicial.
Ora, sob a alínea c), o requerente peticiona, ainda, se condene a sociedade requerida a pagar-lhe o valor daquela participação social, no montante que vier a ser fixado.
Considerou a 1.ª instância que a este pedido de condenação corresponde forma de processo diversa da indicada, o que não vem posto em causa na apelação e se mostra acertado, dado que o âmbito de aplicação do aludido processo especial não abrange esta pretensão, à qual não correspondente qualquer outro processo especial, antes lhe sendo aplicável a forma de processo comum, nos termos previstos no artigo 546.º, n.º 2, do CPC.
Sob a epígrafe Cumulação de pedidos, dispõe o artigo 555.º do CPC, no n.º 1, o seguinte: Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.
Regulando os Obstáculos à coligação, dispõe o artigo 37.º do CPC, além do mais, o seguinte: 1 - A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia; 2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio; 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada; (…).
Decorre da análise conjugada destes dois preceitos que a falta de identidade da forma de processo correspondente a todos os pedidos constitui, em princípio, um obstáculo à respetiva cumulação.
Porém, estando em causa pedidos aos quais correspondam formas de processo diversas, pode o juiz autorizar a cumulação, desde que se verifiquem os pressupostos previstos no n.º 2 do citado artigo 37.º, a saber: i) as diferentes formas de processo em causa não seguirem uma tramitação manifestamente incompatível; e ii) existir interesse relevante na cumulação ou ser a apreciação conjunta das pretensões indispensável para a justa composição do litígio.
Em anotação ao citado artigo 37.º, explicam António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 69) o seguinte: «A economia de processos potenciada pelo julgamento conjunto de diversas ações pode ficar prejudicada quando as correspondentes tramitações forem diversas. Por isso, a diversidade de formas de processo correspondentes a cada pedido determina, em regra, a absolvição da instância relativamente à pretensão que não se enquadre na forma de processo que tenha sido indicada pelo autor na petição inicial. Contudo esta solução radical surge matizada: salvo em casos em que se verifique a incompatibilidade absoluta das formas de processo, o juiz pode autorizar a coligação, desde que, numa apreciação casuística, exista um interesse relevante na apreciação conjunta das ações (designadamente para evitar inconvenientes contradições decisórias) ou vantagens para a justa composição do litígio».
No caso presente, seguindo os autos a forma de processo especial prevista no artigo 1068.º do CPC, dúvidas não há quanto à verificação de erro na forma de processo para o pedido condenatório deduzido na petição inicial sob a alínea c), ao qual corresponde a forma de processo comum, pelos motivos supra expostos. Assente este impedimento processual à cumulação de pedidos, cumpre aferir da verificação dos pressupostos que permitem autorizar a dedução simultânea dos pedidos em apreciação.
Esclarece Miguel Teixeira de Sousa (CPC: artigo 1.º a 129.º, pág. 50, Blog do IPPC, in: https://drive.google.com/file/d/1MQTLCDkKETpvSVX6CLppioByvbbNtubA/view) que «os poderes atribuídos ao juiz pelos n.º 2 e 4 são poderes discricionários, pelo que, se forem legalmente utilizados, as respectivas decisões não são recorríveis (artigo 630.º, n.º 1)».
Como tal, impõe-se apreciar se se encontram reunidos os pressupostos que permitem ao juiz autorizar a cumulação em apreciação, não cabendo, em caso afirmativo, sindicar a autorização concedida.
Para o efeito, e face à alegação da apelante, há que apreciar se as duas indicadas formas de processo seguem uma tramitação manifestamente incompatível.
Explicando o conceito de tramitação manifestamente incompatível, consignou-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (relator: José Rainho) – proferido no processo 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 e disponível em www.dgsi.pt – o seguinte: «Tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.»
O processo especial para liquidação de participações sociais previsto no artigo 1068.º do CPC configura um processo de jurisdição voluntária que apresenta uma tramitação simplificada, constituída por dois articulados – requerimento inicial e oposição –, realização de avaliação, contraditório das partes sobre o resultado da perícia e decisão de fixação do valor da participação social, podendo o juiz fazer preceder tal decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências.
Esta tramitação simplificada, centrada na realização de avaliação judicial de participação social, visando a fixação judicial do respetivo valor, não se mostra manifestamente incompatível com a apreciação do pedido de condenação da sociedade a pagar tal valor, apesar de tal exigir a adaptação do processado à cumulação, se autorizada.
Face à tramitação prevista no artigo 1068.º do CPC, não se vislumbram dificuldades de maior em adaptar a tramitação processual à forma de processo comum, de modo a permitir a discussão da matéria relativa ao pedido condenatório ou a eventuais pretensões deduzidas pela contraparte.
Nesta conformidade, não poderá considerar-se que a forma de processo especial para liquidação de participações sociais seja manifestamente incompatível com a forma de processo comum.
Considerou a 1.ª instância, no despacho impugnado, existir interesse relevante na cumulação de pedidos, pelos motivos expostos na transcrição supra, o que não foi posto em causa na apelação.
Assim sendo, impõe-se concluir que é admissível, numa ação para liquidação de participações sociais com processo especial, a cumulação de pedido condenatório ao qual corresponde a forma de processo comum.
Nesta conformidade, verificados os pressupostos que permitem ao juiz autorizar a cumulação, não há que proceder à reapreciação desta decisão, proferida no exercício de poder discricionário conferido pelo artigo 37.º, n.º 2, aplicável por força do artigo 555.º, n.º 1, ambos do CPC.
Improcede, assim, a impugnação do despacho interlocutório de 23-04-2020.

2.2. Recurso da sentença

2.2.1. Decisão de facto

2.2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1.- O inicial requerente (…), juntamente com (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada “Metalo (…) – Sociedade Metalomecânica, Limitada”, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Estrada Nacional n.º (…), (…), freguesia e concelho de Arraiolos, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Arraiolos sob o n.º (…), cfr. doc. de fls. 375 verso e seguintes.
2.- A referida sociedade tinha o capital social integralmente realizado de € 92.776,44, correspondente à soma de doze quotas iguais, do valor nominal de € 7.731,37, pertencentes a cada um dos sócios.
3.- Em 12 de maio de 2006, realizou-se uma assembleia geral, regularmente convocada, na qual se encontrava representado a totalidade do capital social, tendo então sido deliberado, com o voto contra do sócio (…), aumentar o capital social da sociedade de € 92.776,44 para € 96.000,00 mediante a incorporação de reservas legais no montante de € 3.223,50, a atribuir aos sócios em igual proporção, e para reforço das quotas que já possuíam, tendo ficado cada um dos sócios com uma quota única no montante de € 8.000,00, cfr. ata n.º 31 cuja cópia constitui o doc. n.º 2 junto com a p.i.
4.- Foi também deliberado, com o voto contra do sócio (…), transformar em sociedade anónima a referida sociedade comercial por quotas com a firma “Metalo (…) - Sociedade Metalomecânica, Limitada”, que passou a adotar a firma “Metalo (…), S.A.”, sem que tal transformação acarretasse a sua dissolução.
5.- O inicial requerente, porque discordou da transformação da sociedade em sociedade anónima e porque votou contra essa transformação, pretendia, nos termos do artigo 137.º do C.S.C., na redação anterior à Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, exercer o seu direito à exoneração.
6.- Em 19 de maio de 2006 foi realizada a escritura pública de aumento do capital social e de transformação da sociedade ora requerida em sociedade anónima que passou a adotar a firma “Metalo (…), S.A.”, docs. de fls. 375 verso a 379 e 384 a 403.
7.- A não publicação da deliberação de transformação impediu o ora requerente de exercer o direito de exoneração pelo que teve que intentar a competente ação judicial para que esse direito lhe fosse reconhecido judicialmente.
8.- No processo n.º 169/06.0TBARL do Tribunal Judicial de Arraiolos – cuja petição inicial foi apresentada em 28-06-2006, tendo a requerida sido citada em 04-07-2006 – foi proferida sentença onde se decidiu o seguinte: “(…) determina-se a concessão do prazo legal de 30 dias, a contar da data de trânsito em julgado da presente sentença, para que o sócio discordante (…), ora A., exerça o seu direito de exoneração (…).”; tal decisão foi confirmada por acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado em 03-10-2013, cfr. docs. de fls. 384 e seguintes.
9.- A sentença transitou em julgado em 3 de outubro de 2013, contando-se a partir dessa data o prazo de 30 dias de que o ora requerente dispunha para exercer o seu direito à exoneração, o qual foi exercido em tempo.
10.- Em maio de 2009, no âmbito de negociações extrajudiciais tendentes a pôr fim ao aludido processo n.º 169/06.0TBARL, foi efetuada a avaliação da empresa ora requerida pelo Prof. (…), com a colaboração da revisora oficial de contas da sociedade requerida, Dr.ª (…), cfr. doc. n .º 11 junto com a p.i..
11.- Aquela avaliação fixou o valor da empresa em dezembro de 2008 em € 2.683.968,00.
12.- Na mesma altura, maio de 2009, a revisora oficial de contas da sociedade ora requerida, Dr.ª (…), realizou os cálculos que considerou relevantes e apresentou à sociedade requerida o documento cuja cópia constitui o doc. n.º 12 junto com a oposição onde consta, designadamente, o seguinte: “É preciso notar que a actividade da Metalo (…) exige um nível tecnológico sofisticado que a empresa nesta data não detém, devendo obrigatoriamente ser de efectuar investimentos de modernização que rondam os € 500.000,00 (quer em equipamentos para a produção, quer de melhoramento de instalações, uma vez que estas não possuem climatização e necessitam de pintura e substituição de coberturas).”
13.- O inicial requerente (…), através de notificação judicial avulsa apresentada no tribunal em 14 de outubro de 2013, notificou a gerência da sociedade por quotas Metalo (…) – Sociedade Metalomecânica, Lda. e o conselho de administração da sociedade anónima, resultante da transformação daquela, Metalo (…), S.A., de que se exonerava da sociedade, cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i..
14.- Através desta notificação judicial avulsa, o inicial requerente comunicou a sua exoneração da sociedade ora requerida, indicando atribuir o valor de € 275.000,00 à sua participação e propondo, em caso de rejeição do referido valor, a avaliação da participação por um técnico que ali identificou.
15.- À notificação referida nos pontos 13. e 14. respondeu a ora requerida, por carta de 25 de outubro de 2013, indicando que o valor da participação do inicial requerente havia sido determinado em € 43.723,00, e interpelando este para comparecer na sede da empresa no sentido de ser formalizada a transmissão, nos seguintes termos: “Assim, deverá, pois V. Exa. deslocar-se à sede da empresa a fim de subscrever o respectivo contrato de transmissão das referidas acções e o endosso das mesmas à sociedade, contra o pagamento do supra indicado valor.”, cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição.
16.- O inicial requerente, não aceitando o mencionado valor, comunicou à sociedade ora requerida, por carta datada de 11 de novembro de 2013, que: “(…) Uma vez que V. Exas. não aceitaram que a avaliação da minha participação fosse feita pelo Prof. Dr. (…), então deveriam ter solicitado à Ordem a nomeação de um revisor oficial de contas independente para a fazer. (…)”, cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição.
17.- A ora requerida, por carta datada de 19 de novembro de 2013, informou o inicial requerente que: “(…) aceitamos, desde já, o valor que resultar da avaliação a efectuar pela Revisora Oficial de Contas da sociedade: Dra. (…). (…)”, cfr. doc. n.º 3 junto com a oposição.
18.- O inicial requerente não respondeu à referida indicação e não promoveu a designação, pela Ordem dos revisores oficiais de contas, de um técnico independente para este fim.
19.- Não tendo a sociedade amortizado, adquirido ou feito adquirir por sócio ou por terceiro a participação social do ora requerente no prazo de 30 dias, o inicial requerente, em 16-01-2014, requereu, na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Loures, a dissolução e liquidação da sociedade através de procedimento administrativo, cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i..
20.- Conforme consta do documento de fls. 364 a 366, em 19 de março de 2014, a ora requerida deliberou e aprovou adquirir aquela participação social.
21.- Na mesma data, 19 de março de 2014, a requerida requereu à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas que designasse um Revisor Oficial de Contas para proceder à avaliação da participação do sócio exonerado, cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i..
22.- A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas designou para o efeito o Dr. (…), o qual declarou expressamente aceitar a referida incumbência.
23.- Em 14 de julho de 2014, a senhora adjunta do Conservador proferiu decisão considerando a situação regularizada e indeferiu o pedido de dissolução da sociedade, cfr. doc. n.º 7 junto com a p.i.; tal decisão foi confirmada pela 1.ª Secção, Comércio, da Instância central da comarca de Lisboa, e posteriormente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, cfr. doc. de 491 e seguintes.
24.- Concluída a avaliação, reportada a 31 de maio de 2006, no âmbito da qual foi atribuído o valor de € 49.750,00 à participação social do inicial requerente, a sociedade requerida interpelou o inicial requerente, por carta de 28 de julho de 2014, para a concretização da transmissão da sua participação social nos seguintes termos: “(…) vimos interpelar V. Exa. para proceder à entrega, na sede desta Sociedade, das acções que foram emitidas em nome de V. Exa. após a transformação da sociedade e, simultaneamente, levantar o cheque emitido em seu nome para pagamento do remanescente do valor da contrapartida devida (€ 25.667,62).”, cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i..
25.- Para justificar a contrapartida a pagar ao inicial requerente, a requerida enviou em anexo à referida carta o relatório de avaliação elaborado pelo revisor oficial de contas (…), cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i..
26.- Tal avaliação, para além de não espelhar o valor real da participação do inicial requerente, mas apenas o seu valor contabilístico, atualizado com os últimos coeficientes de desvalorização da moeda, foi ainda reportada à data de 31 de maio de 2006.
27.- Consta do referido relatório de avaliação, elaborado pelo Dr. (…), designadamente o seguinte: “Com base no balancete de 31/05/2006, construi um balanço o qual consta em anexo. Contudo como não foram efetuados procedimentos de encerramento de exercício, nesta data, tal como inventários, corte de operações, etc., os valores da situação líquida daí resultantes mostraram-se pouco fiáveis. Assim pareceu-me mais adequado basear-me num valor intermédio entre a situação líquida de 31/12/2005 e 31/12/2006, a qual se mostrou consistente.”
28.- Por solicitação da requerida, no que respeita ao referido no ponto 27., o Dr. (…) esclareceu o seguinte, cfr. doc. n.º 11 junto com a oposição: “Dada a circunstância de não existirem contas de encerramento para o período em questão (31/05/2006), uma vez que as contas de encerramento são, por regra, elaboradas a 31/12, elaborei um balanço que anexei ao relatório, mas cujos valores de situação líquida daí resultantes me pareceram “pouco fiáveis”, pois à data não era expectável que viesse a ser necessário encerrar contas a 31/05/2006, não tendo portanto sido feitos os procedimentos de encerramento, no fim desse mês, nomeadamente para inventário. Ou seja, os valores apurados no balanço por mim construído para a data de 31/05/2006 não oferecem a fiabilidade e o rigor pretendidos, razão pela qual optei por um valor intermédio entre 31/12/2005 e 31/12/2006 (cfr. parágrafo 2.3. do meu relatório). Em momento algum pretendi sugerir que a contabilidade da sociedade pudesse apresentar valores viciados.”
29.- As contas da sociedade requerida apresentadas na Conservatória do Registo Comercial, relativas ao exercício de 2013, cuja cópia constitui o doc. n.º 10 junto com a petição inicial, evidenciam que a contabilidade daquela sociedade continua a não refletir o real património da mesma.
30.- Naquelas contas, o imóvel sede e oficina da sociedade aparece registado com um valor contabilístico de € 96.719,05 e o terreno onde o mesmo está implantado está contabilizado em € 22.876,67, quando vale mais do que € 1.000.000,00, conforme simulação anexa no Anexo I da Avaliação Financeira da sociedade requerida efetuada pelo Prof. Dr. (…) em que o cálculo do Valor Patrimonial Tributável – efetuado no dia 27-05-2009 no portal da Administração Tributária – avalia o Valor Patrimonial Tributável do mesmo imóvel – sempre inferior ao valor de mercado – em € 1.006.840,00, simulação essa calculada pela Dr.ª (…), então ROC da sociedade requerida, como contribuição à referida Avaliação, cfr. doc. n.º 10 - IES de 2013 e doc. n.º 11 - avaliação do Prof. Dr. …).
31.- Os ativos Tangíveis Totais estão contabilizados em € 719.728,15 quando valem, pelo menos, € 2.000.000,00 (e levando apenas em conta o acréscimo do valor do imóvel, conforme referido no ponto 30.).
32.- Em 15 de novembro de 2013, o inicial requerente apresentou a pagamento, de uma só vez, todos os sete cheques respeitantes a todos os dividendos que lhe foram enviados pela sociedade requerida, entre maio de 2007 e maio de 2013, no montante total de € 24.082,38, cfr. docs. n.ºs 4 a 9 juntos com a oposição.
33.- Em resposta à interpelação contida na carta de 28 de julho de 2014, o inicial requerente remeteu à sociedade ora requerida a carta datada de 7 de agosto de 2014 dizendo apenas o seguinte: “(…), comunica a Vs. Ex.ªs que, no respeitante à vossa carta datada de 28 de Julho de 2014, não concorda com o seu teor”, cfr. doc. n.º 10 junto com a oposição.
34.- O inicial requerente desligou-se, de facto, do quotidiano da sociedade requerida, da qual era gerente, em maio de 2006, apenas tendo formalmente comunicado a sua exoneração, no exercício do direito que lhe foi conferido, em outubro de 2013.
35.- Em 13-12-2019, o perito nomeado, Dr. (…), juntou aos autos o respetivo relatório pericial que suscitou a reclamação da requerida de 13-01-2020, tendo o perito, notificado para o efeito, apresentado a sua resposta àquela reclamação em 13-03-2020.
36.- Pelo despacho de 23-04-2020 foi determinada a realização de segunda perícia, tendo o senhor perito Dr. (…), em 22-12-2020, junto aos autos o respetivo relatório pericial que suscitou as reclamações contidas nos requerimentos de 13 e 14 de janeiro de 2021; o senhor perito Dr. (…) juntou aos autos em 19-05-2021 a resposta às apresentadas reclamações.
37.- A sociedade requerida, nas datas de 12-05-2006 e 17-10-2013, tinha o valor de, respetivamente, € 1.058.077,43 e € 2.534.612,21.

2.2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1.- No relatório de fls. 130 e seguintes, o próprio avaliador sublinhou serem pouco fiáveis os valores da situação líquida constantes nas contas aprovadas de 31/12/2005 e 31/12/2006.
2.- Em maio de 2009, foi apresentado ao inicial requerente e ao seu mandatário, Dr. (…), um documento com o teor do doc. n.º 12 junto com a oposição.
3.- A notificação referida em 13. dos factos provados foi também efetuada através de cartas registadas com aviso de receção.
4.- Os cheques referidos no ponto 32. dos factos provados foram enviados ao inicial requerente apenas para a eventualidade de o mesmo se manter enquanto acionista da sociedade após a transformação.

2.2.2. Apreciação do objeto do recurso da sentença

2.2.2.1. Nulidade da sentença recorrida
Na apelação, a recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Sustenta a apelante, em síntese, que não são especificadas na sentença as razões de facto e de direito que justificam a opção tomada pelo julgador relativamente à escolha do método de avaliação da participação social, o qual não se coaduna com os critérios estipulados nas disposições legais aplicáveis.
A causa de nulidade invocada pela recorrente, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que configura incumprimento do dever de fundamentação da decisão previsto no artigo 154.º do citado Código.
Conforme supra exposto, a nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente.
Tal omissão não ocorre no caso presente, dado que consta da decisão recorrida a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia, conforme decorre da própria alegação da recorrente, que manifesta a respetiva discordância relativamente a tal fundamentação, designadamente quanto ao critério de avaliação que baseou a decisão proferida.
Em conclusão, não enferma a sentença recorrida da causa de nulidade arguida pela apelante.

2.2.2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Analisando as alegações apresentadas pela apelante, não se mostra evidente se pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sendo certo que não o faz expressamente.
No entanto, apesar de não impugnar expressamente a decisão sobre a matéria de facto, a apelante põe em causa tal decisão, tecendo considerandos sobre a prova produzida, designadamente sobre a prova pericial, pelo que se impõe averiguar se se mostram cumpridos os requisitos estabelecidos pelo artigo 640.º do CPC.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe citado preceito o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Analisando as alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a recorrente se limitou a tecer considerandos sobre a prova produzida, não especificando nas conclusões das alegações os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nos termos impostos pela alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 165-166), com relevo para a questão em análise, o seguinte: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões (…)».
Considerando que a recorrente não especifica, nas conclusões das alegações, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, verifica-se que não deu cumprimento ao ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º, o que torna desnecessário averiguar do cumprimento dos demais ónus estabelecidos no n.º 1 do preceito.
O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do citado artigo 640.º é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do preceito, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
Rejeita-se, assim, o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2.2.2.3. Valor da participação social
Está em causa, na presente ação, a fixação judicial do valor da participação social do requerente na sociedade requerida e a condenação da apelante a pagar tal valor às requerentes habilitadas como sucessoras do requerente falecido.
A 1.ª instância decidiu: a) declarar que, à data de 17 de outubro de 2013, o valor da participação social do inicial requerente ascendia ao montante de € 211.217,70; b) condenar a requerida a pagar às requerentes (…), (…) e (…), como sucessoras da parte falecida (…), o montante referido em a); c) condenar as requerentes e a requerida no pagamento das custas, na proporção respetiva de 25% e 75%.
Discordando do valor correspondente à participação social fixado na decisão proferida, a apelante põe em causa a data considerada relevante para a avaliação e a forma de quantificação de tal valor.
No que respeita ao momento considerado relevante para a avaliação, a 1.ª instância entendeu aplicável o critério estatuído no artigo 240.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, na redação introduzida pelo DL 76-A/2006, de 29-03, em consequência do que atendeu ao dia 17-10-2013, por se tratar da data em que o requerente comunicou a respetiva exoneração à sociedade requerida.
A apelante, por seu turno, defendendo a aplicabilidade do estatuído nos artigos 105.º, n.º 2, e 137.º, n.º 2, do CSC, na redação anterior ao DL 76-A/2006, de 29-03, sustenta que a participação social deve ser avaliada por referência ao dia 12-05-2006, por se tratar da data da deliberação – de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima – que deu causa à exoneração.
A apreciação da questão suscitada impõe a prévia determinação do regime aplicável, dada a sucessão de leis no tempo.
Estando em causa a apreciação dos efeitos operados pelo exercício do direito de exoneração de sócio de uma sociedade por quotas, no sentido de determinar o valor da participação social do requerente, com vista ao respetivo reembolso pela sociedade requerida, é aplicável o regime legal em vigor à data da exoneração, conforme decorre do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.
Considerando que o direito ao reembolso da participação social se baseia na exoneração do respetivo titular, tal direito nasceu na esfera jurídica do requerente no momento da exoneração, isto é, aquando da produção de efeitos do exercício do direito de exoneração que lhe foi reconhecido por decisão proferida no processo n.º 169/06.0TBARL, que correu termos no Tribunal Judicial de Arraiolos.
Encontra-se assente que a declaração de exoneração foi efetuada através da notificação judicial avulsa a que aludem os pontos 13 e 14 de 2.2.1.1., apresentada em tribunal a 14-10-2013 e da qual foi a sociedade notificada a 17-10-2013 (conforme considerou a 1.ª instância e não vem posto em causa na apelação), pelo que deve ser aplicada a lei em vigor nessa data.
Decorre do estabelecido no artigo 64.º, n.º 1, do DL 76-A/2006, de 29-03, que o aludido decreto-lei entrou em vigor no dia 30-06-2006, pelo que se encontrava em vigor aquando do exercício pelo requerente da faculdade de se exonerar, assim sendo aplicável em sede de regulação dos efeitos operados por tal exoneração.
Estando em causa a exoneração de sócio de uma sociedade por quotas, cumpre atender ao disposto no artigo 240.º do CSC (com as alterações introduzidas pelo DL 76-A/2006, de 29-03), com a redação seguinte:
1 - Um sócio pode exonerar-se da sociedade nos casos previstos na lei e no contrato e ainda quando, contra o voto expresso daquele:
a) A sociedade deliberar um aumento de capital a subscrever total ou parcialmente por terceiros, a mudança do objecto social, a prorrogação da sociedade, a transferência da sede para o estrangeiro, o regresso à actividade da sociedade dissolvida;
b) Havendo justa causa de exclusão de um sócio, a sociedade não deliberar excluí-lo ou não promover a sua exclusão judicial.
2 - A exoneração só pode ter lugar se estiverem inteiramente liberadas todas as quotas do sócio.
3 - O sócio que queira usar da faculdade atribuída pelo n.º 1 deve, nos 90 dias seguintes ao conhecimento do facto que lhe atribua tal faculdade, declarar por escrito à sociedade a intenção de se exonerar.
4 - Recebida a declaração do sócio referida no número anterior, a sociedade deve, no prazo de 30 dias, amortizar a quota, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro, sob pena de o sócio poder requerer a dissolução da sociedade por via administrativa.
5 - A contrapartida a pagar ao sócio é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º 2, com referência à data em que o sócio declare à sociedade a intenção de se exonerar; ao pagamento da contrapartida é aplicável o disposto no artigo 235.º, n.º 1, alínea b).
6 - Se a contrapartida não puder ser paga em virtude do disposto no n.º 1 do artigo 236.º e o sócio não optar pela espera do pagamento, tem direito a requerer a dissolução da sociedade por via administrativa.
7 - O sócio pode ainda requerer a dissolução da sociedade por via administrativa no caso de o adquirente da quota não pagar tempestivamente a contrapartida, sem prejuízo de a sociedade se substituir, nos termos do n.º 1 do artigo 236.º.
8 - O contrato de sociedade não pode, directamente ou pelo estabelecimento de algum critério, fixar valor inferior ao resultante do n.º 5 para os casos de exoneração previstos na lei nem admitir a exoneração pela vontade arbitrária do sócio.
Extrai-se da 1.ª parte do n.º 5 do citado preceito que a contrapartida a pagar ao sócio que se exonerou é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º 2, com referência à data em que o sócio declare à sociedade a intenção de se exonerar.
Estando em causa a exoneração de sócio de sociedade por quotas, decorre claramente do estatuído nesta norma que o momento relevante para a quantificação da contrapartida devida é a data em que o sócio declare à sociedade a intenção de se exonerar, conforme considerou a 1.ª instância.
No que respeita à forma de avaliação da participação social, dispõe o n.º 5 do citado artigo 240.º que a contrapartida devida ao sócio é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º 2, assim remetendo para o regime de fusão.
O n.º 2 do artigo 105.º (com as alterações introduzidas pelo DL 76-A/2006, de 29-03), tem a redação seguinte: Salvo estipulação diversa do contrato de sociedade ou acordo das partes, a contrapartida da aquisição deve ser calculada nos termos do artigo 1021.º do Código Civil, com referência ao momento da deliberação de fusão, por um revisor oficial de contas designado por mútuo acordo ou, na falta deste, por um revisor oficial de contas independente designado pela respectiva Ordem, a solicitação de qualquer dos interessados.
Dispondo este preceito que a contrapartida da aquisição deve ser calculada nos termos do artigo 1021.º do Código Civil, cumpre atender ao estatuído nesta norma, com a redação seguinte:
1. Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.
2. Na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.os 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis.
3. O pagamento do valor da liquidação deve ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis meses, a contar do dia em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto determinante da liquidação.
Extraindo-se do n.º 2 deste preceito que, na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis, cumpre atender ainda aos indicados números deste último artigo, com a redação seguinte:
1. Extintas as dívidas sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e as de uso e fruição de certos bens.
2. Se não puder ser feito o reembolso integral, o activo existente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o reembolso, será repartido por eles na proporção da parte que lhes caiba nos lucros.
3. As entradas que não sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.
4. (…).
Da análise conjugada destes preceitos extrai-se que, salvo estipulação contratual ou acordo das partes, o valor da quota, para efeitos de determinação da contrapartida a pagar ao sócio que se exonerou, é fixado com base no estado da sociedade com referência à data da exoneração.
Para o efeito, conforme afirma Manuel Pita (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 1248), «deverá ser feita uma avaliação patrimonial da sociedade», com referência à indicada data.
Em anotação ao artigo 1021.º do Código Civil, esclarecem Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, págs. 361-362) o seguinte: «Para a avaliação da quota manda o n.º 2 observar, com as adaptações necessárias, as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis. Deve, assim, nos termos do n.º 1 do artigo citado, proceder-se previamente à dedução do passivo. Deve, nos termos do n.º 2, atender-se aos lucros e às perdas que competem ao sócio que morreu ou deixou de pertencer à sociedade; a remissão para o n.º 2 do artigo 1018.º mostra que pode ser exigida ao sócio exonerado ou excluído, ou dos herdeiros do sócio falecido, a sua quota nas perdas da sociedade. Deve, por último, nos termos do n.º 3 do artigo 1018.º, atender-se, em princípio, ao valor que a entrada tinha no momento da constituição da sociedade».
Explicando «a ideia subjacente à avaliação da participação social em caso de exoneração, seja qual for a causa, prevista no CSC ou nos estatutos», afirma José Miguel Roda de Albuquerque («Direito de exoneração dos sócios nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas», Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012), n.º 1, pág. 174) que «a avaliação que se faz da participação social tem (…) por referência o seu valor real, num determinado momento juridicamente relevante, que cumpre fixar», acrescentando que «no caso das sociedades por quotas, esse momento é o da data de declaração de exoneração, em função do disposto no artigo 240.º, n.º 5, do CSC».
Do regime legal exposto extrai-se, nas palavras de Evaristo Mendes («Valor das participações sociais. Valor legal e valor estatutário. Discrepância de valores», Direito e Justiça, 2 Especial, Mai 2015, págs. 88-89), «um princípio do pleno valor societário das participações, sendo ele o contravalor legal a pagar a um sócio que se exonera (...)»; esclarece o autor (ob. cit., pág. 94) que a regra legal «atribui ao sócio e seus sucessores o direito ao contravalor real das participações».
No caso presente, com referência ao dia 17-10-2013, data da produção de efeitos da exoneração do sócio, encontra-se assente que a sociedade requerida tinha o valor de € 2.534.612,21, conforme consta do ponto 37 de 2.2.1.1..
Nesta conformidade, considerando que o capital social da sociedade requerida está dividido em doze quotas iguais pertencentes a cada um dos sócios (ponto 2 de 2.2.1.1.), mostra-se acertada a decisão recorrida, ao fixar em € 211.217,70 o valor da participação social do requerente, para efeitos da obrigação de reembolso que incumbe à requerida.
Face à improcedência da impugnação do despacho interlocutório de 23-04-2020, mostra-se prejudicada a apreciação da questão da condenação da apelante ao pagamento do montante fixado, dado que tal segmento da sentença vem posto em causa na apelação com fundamento da invocada cumulação ilegal de pedidos, vício que se considerou não verificado, nos termos supra apreciados em 2.1.2..
Improcede, assim, na totalidade, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho interlocutório impugnado e a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 12-01-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)