Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1142/11.2TBBJA-E.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Fazem parte da massa insolvente, não só os bens propriedade do insolvente, como todos os direitos que o mesmo tenha à data da declaração da insolvência e os bens e direitos que venha a adquirir após a mesma, nomeadamente os direitos de locação sobre determinado bem (seja ele bem móvel ou imóvel).
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1142/11.2TBBJA-E.E1 (1ª seção cível)





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No âmbito do processo de insolvência de (…) – Sociedade Agro Pecuária Unipessoal, Lda., veio por apenso aos autos, o Banco (…), S. A., requerer, nos termos do artº 21º do DL 149/95, de 24/06, providência cautelar de entrega judicial do prédio urbano, sito na Quinta da (…), freguesia de Vila Chã de Ourique, concelho do Cartaxo, descrito na CRP sob o n.º (…)/Vila Chã de Ourique, contra (…) – Sociedade Agro Pecuária Unipessoal, Lda. e Massa Insolvente de (…) – Sociedade Agro Pecuária Unipessoal, Lda.
Em sede liminar, foi proferido o seguinte despacho:
Conforme já foi decidido no processo 1089/12.5TBCTX (decisão junta pelo requerente) a questão que pretende ver apreciada deve ser resolvida à luz do disposto no artº 108º do CIRE e demais disposições legais pertinentes do mesmo Código, não permitindo o disposto no artº 88º do referido diploma legal que sejam intentadas ou prossigam providências cautelares em separado, ainda que por apenso aos autos de insolvência.
S.m.o., o que o requerente deve fazer é contactar directamente o Sr. Administrador para resolver tal questão (sendo certo que desde a notificação do despacho proferido no processo 1089/12.5TBCTX já decorreram mais de 8 meses).
Assim sendo, por inadmissibilidade legal, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.
Custas pelo requerente.
Registe e notifique.”
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Inconformado veio o requerente interpor recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1. O Apelante deixou alegado em 15º da Petição Inicial que resolveu o contrato de locação financeira em 4 de Agosto de 2011, tendo a Insolvência da referida sociedade sido declarada Insolvente em 17 de Novembro de 2011 (publicado no Diário da República n.º 2 – 2ª Série - de 3 de Janeiro de 2012).
2. Assim, à data da declaração de insolvência face à resolução operada em data anterior, não fazia parte do património sequer o direito resultante da expectativa de aquisição do bem.
3. Pelo que o presente procedimento cautelar de entrega judicial nos termos do artº 21 do Dec.-Lei 149/95, de 24 de Junho, em que o respectivo contrato foi resolvido em data anterior à declaração de insolvência, não atinge qualquer bem integrado na massa insolvente nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 88º do CIRE.
4. O Senhor Administrador de Insolvência no Relatório apresentado nos termos do Artº 155º do CIRE – e muito bem – fundamentou a não apreensão do referido imóvel a favor da massa, decisão que nenhum credor objectou.
5. Pelo que não faz qualquer sentido “contactar directamente o Sr. Administrador de Insolvência para resolver tal questão”, quando a questão em causa nada tem a ver com os bens apreendidos na massa insolvente, nem a questão se integra no disposto no artº 108º do CIRE, que se refere a contratos que não se encontravam resolvidos à data de declaração de insolvência.
6. Nada obstando à instauração de Procedimento Cautelar Artº 21º do Dec. Lei 149/95 de 24 de Junho contra a insolvente e ora requerida (…) – Sociedade Agro Pecuária, Unipessoal, Lda. e respectiva massa insolvente.
7. Pelo que deve ser revogada a decisão recorrida de indeferimento liminar do presente Procedimento Cautelar, prosseguindo os seus ulteriores termos até final.
NORMAS VIOLADAS: Artº 85º, 88º e 108º do CIRE, e Artº 21º do Dec. Lei 149/95, de 24 de Junho”.
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Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Do que resulta das conclusões caberá apreciar se no caso em apreço, perante os fundamentos alegados pelo requerente, bem andou o Mº juiz “a quo” ao indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar.

Para apreciar e decidir da questão há que ter em conta o seguinte quadro factual:
- O requerente havia celebrado um contrato de locação financeira com a ora insolvente (insolvência declarada e em 17/11/2011), respeitante ao imóvel em causa nos autos, que foi resolvido em 04/08/2011;
- O requerente interpôs providência cautelar idêntica à presente visando a mesma finalidade (processo 1089/12.5TBCTX) tendo tal procedimento sido liminarmente indeferido por se ter concluído que “o contrato de locação financeira incidente sobre o referido imóvel deve comiserar-se incluído na massa insolvente, e qualquer questão a ele atinente deve ser apreciada à luz dos artigos 108º do CIRE no âmbito do processo de insolvência, e não objecto de providência cautelar em separado, pelo que ocorre manifesta inadmissibilidade legal do procedimento nos termos do artº 88º do CIRE”;
- Deste despacho foi interposto recurso para o TRE que por acórdão de 27/09/2012, reconheceu que “o procedimento cautelar de entrega de imóvel que foi objecto de contrato de locação financeira, tendo por base a invocação de resolução no contrato por falta de pagamento das respectivas prestações por parte da sociedade entretanto declarada insolvente, tem de correr por apenso ao contrato de insolvência”;
- O requerente com a instauração do presente procedimento por apenso aos autos de insolvência está a dar cumprimento á obrigação imposta pelo aludido acórdão de 27/09/2012, do TRE.
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Conhecendo da questão
Estamos no âmbito dum procedimento cautelar específico, regulado pelo Dec. Lei 149/95, de 24/06 com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 30/2008, de 25/02, ao qual se aplicam as regras próprias desse diploma e subsidiariamente, as disposições gerais sobre as providências cautelares comuns previstas no CPC, conforme resulta expressamente do nº 8 do artº 21º do aludido Dec.-Lei.
No caso dos presentes autos foi celebrado entre o requerente e a requerida, um contrato de locação financeira imobiliária, em 28/09/2007, tendo o mesmo sido resolvido em 04/08/2011, por falta de pagamento de rendas.
Mas, comecemos por definir o que é um contrato de locação financeira e qual o regime da propriedade do bem locado.
A locação financeira é um contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída, por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável, mediante simples aplicação de critérios fixados (artº 1º do DL 149/95).
Resolvido o contrato pelo locador, e não lhe sendo entregue pelo locatário o bem locado, pode aquele instaurar providência cautelar para obter a sua restituição e pedir o cancelamento do registo de locação financeira (nº 1 do artº 20º do DL citado).
Ora, conforme se alcança do despacho recorrido, o Mº juiz “a quo” consignou o seguinte:
“A questão que pretende ver apreciada deve ser resolvida á luz do disposto no artº 108º do CIRE e demais disposições legais pertinentes do mesmo Código, não permitindo o disposto no artº 88º do referido diploma legal, que sejam intentadas ou prossigam providências cautelares em separado, ainda que por apenso aos autos de insolvência.
Salvo melhor opinião, o que o requerente deve fazer é contactar directamente o Sr. Administrador para resolver tal questão”.

Temos para nós que no caso em apreço não se atentou que o contrato de locação financeira já se encontrava resolvido aquando da declaração de insolvente do requerido.
No caso dos presentes autos temos que o requerente resolveu o referido contrato de locação financeira em 04/08/2011, e a insolvência da referida sociedade foi declarada em 17/11/2011.
Assim, à data da declaração de insolvência, não fazia parte do património da insolvente a propriedade do imóvel, razão pela qual o Sr. Administrador de Insolvência não o apreendeu.
No relatório apresentado pelo Administrador de Insolvência (folhas 42 a 46, dos autos), nos termos do artº 155º, do CIRE, o mesmo fundamentou a não apreensão do referido imóvel a favor da massa.
Nos termos do artº 46º do CIRE, integra-se na massa insolvente, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, e os bens e direitos que adquira na pendência do processo.
Assim, fazem parte da massa insolvente, não só os bens propriedade do insolvente, como todos os direitos que o mesmo tenha à data da declaração da insolvência e os bens e direitos que venha a adquirir após a mesma, nomeadamente os direitos de locação sobre determinado bem (seja ele bem móvel ou imóvel).
Ora, contrariamente ao que foi decidido no despacho impugnado, o artº 108º do CIRE, que respeita aos contratos em vigor, não tem aplicação ao caso, pois que, o contrato de locação em apreço, foi resolvido com base na falta de pagamento das rendas devidas antes da declaração de insolvência, ou seja em 04/08/2011 e a declaração de insolvência foi proferida em 17/11/2011.
A propriedade do bem locado por via do contrato de locação, não se transmitiu para o locatário, mantendo-se, assim, na propriedade do locador, bem como não se transmitiram quaisquer outros direitos sobre o bem.
Podemos, pois concluir, que face aos factos alegados pela requerente, à data da declaração de insolvência do requerido, nem o bem imóvel em apreço fazia parte do seu património, nem os direitos atinentes às expectativas da aquisição desse bem, pelo que o presente procedimento cautelar, não atinge qualquer bem integrado na massa insolvente nos termos e para os efeitos previstos no artº 88º do CIRE.
Pelo exposto, não se verifica qualquer fundamento para não mandar prosseguir a providência cautelar.
Nestes termos, procede, assim, a apelação.


DECISÃO
Em face do exposto, julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão impugnada, a qual deverá ser substituída por outra com vista a que os autos prosseguiam os seus termos, se outro motivo a tal não obstar.
Sem custas.
Évora, 05 de Novembro de 2015
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes