Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
590/18.1T8PTM.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DEFEITOS
PRODUTOR
CAUSALIDADE ADEQUADA
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Embora se reconheça que a responsabilidade civil do produtor é objetiva, não deixa de caber ao lesado alegar e provar os factos caraterizadores do defeito, bem como o dano e o respetivo nexo de causalidade, enquanto elementos constitutivos da responsabilidade objetiva, para poder haver responsabilização do produtor.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 590/18.1T8PTM.E1 (2ª Secção Cível)






ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


(…) – Seguros Gerais, S.A., intentou contra (…) – Assistência de Equipamentos Hoteleiros e Ar Condicionado, Lda., e (…), Fábrica de Aquecimento Eléctrico, Lda., ação de condenação com processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 1) alegando em síntese:
- No exercício da sua atividade seguradora celebrou dois contratos de seguro, um com a sociedade que explorava o restaurante “(…)”, em Lagos, e outro com um particular, proprietário de um imóvel, situado na mesma rua do restaurante e contíguo ao mesmo;
- Em 19 de abril de 2017 ocorreu um incêndio, que consumiu o restaurante e o respetivo recheio, bem como se propagou a todo o prédio e ainda ao imóvel contíguo, pertencente ao outro segurado na autora;
- O sinistro em causa ocorreu devido a um defeito numa fritadeira elétrica fabricada pela segunda R. e que é primeira R. havia vendido à empresa exploradora do restaurante;
- A fritadeira entrou em processo de ignição, aquecendo e não mais baixando a sua temperatura, vindo subsequentemente a pegar fogo, o qual se propagou ao resto do restaurante, não obstante os funcionários deste, nomeadamente os cozinheiros, o terem tentado apagar;
- O restaurante ficou inutilizado e o prédio colapsou, vindo igualmente a ocorrer danos no imóvel vizinho;
- Pagou € 89.589,07 aos seus segurados, vindo exigir das rés as quantias que pagou.
Concluindo pede a condenação das rés no pagamento da quantia de € 89.589,07 acrescidos de juros de mora vencidos desde a interpelação que ocorreu em 21 de Junho de 2017 e vincendos até integral pagamento.
Citadas, as rés vieram contestar.
A 1ª ré alegou em síntese:
- Ter ocorrido violação das normas de segurança pelos funcionários do restaurante, tendo residido essa violação, nomeadamente em não desligarem o disjuntor setorial e retirarem a manta anti-fogo que utilizaram sem saberem se tal era a melhor atuação no sentido de evitar a deflagração do incêndio;
- O incêndio não teve origem em qualquer defeito da fritadeira por si vendida.
Por sua vez, a 2ª ré alegou, em síntese:
- O acidente deveu-se a conduta negligente dos funcionários do restaurante;
- a fritadeira por si produzida não padecia de qualquer defeito.
Ambas a rés concluem pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
A autora veio, em 2 de julho de 2018, apresentar ampliação do pedido, a qual veio a ser admitida, passando o pedido a ter o seguinte teor:
Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência serem as rés condenadas a pagar à autora a quantia de € 95.119,07 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento e nas quantias que a ora A. vier a pagar em decorrência do acidente em análise nos autos e que se liquidarão em execução de sentença.
A autora apresentou nova ampliação, em 18 de outubro de 2018, a qual foi igualmente admitida, passando o pedido a ter o seguinte teor:
Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência serem as Rés condenadas a pagar à autora a quantia de € 96.390,97 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento e nas quantias que a ora autora vier a pagar em decorrência do acidente em análise nos autos e que se liquidarão em execução de sentença.
Foi dispensada a audiência prévia.
Após realização de audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu as rés do pedido.
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Não se conformando com a decisão, foi interposto pela autora o presente recurso de apelação tendo apresentado as respetivas alegações e formulado as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita à absolvição do Réu da totalidade do pedido contra si deduzido, entendendo que douto Tribunal a quo fez errada interpretação dos factos provados, aplicando incorretamente o direito substantivo e processual aos mesmos, incorrendo em erro aquando da decisão proferida.
2. Mormente, entende a ora recorrente que o douto tribunal a quo fez errada interpretação da teria do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
3. Com todo o respeito pela posição tomada na douta Sentença de que ora se recorre, a ora recorrente não pode, de todo, concordar e aceitar tal posição de desvio de nexo causal.
4. Dos factos dados como provados decorre, clara e necessariamente que ocorreu um e apenas um incêndio. Incêndio, esse, que teve origem e causa numa das fritadeiras identificadas nos autos, fabricadas e vendidas pelas aqui RR.
5. Existe um primeiro momento de incêndio visível e imediato na zona da cozinha do restaurante, o qual foi debelado pelos funcionários do mesmo e posteriormente pelos bombeiros, mas na sua sequência e por ação direta e necessária das chamas que eclodiram na zona da cozinha o fogo propagou-se para o piso em madeira do andar imediatamente superior ao restaurante (que se encontrava desabitado).
6. Existe uma perfeita continuidade na propagação e forma de desenrolar do incêndio, simplesmente existiu uma, aparente, indeteção do mesmo que lavrava silenciosa, mas ativamente, no piso superior.
7. Não decorre dos factos provados que tenha ocorrido um segundo incêndio, tenha ocorrido uma segunda causa ou foco de incêndio ou que tenha existido uma atuação da A. do seu segurado ou terceiro, mormente os Bombeiros, que tenham dado causa por ação ou omissão a esta propagação do incêndio ao piso superior.
8. A propagação ao piso superior ocorreu por ação natural das chamas e do calor por elas produzido aos materiais que existiam no piso superior, nomeadamente madeiras.
9. Existiu uma decorrência natural e direta entre o desenrolar dos acontecimentos e do incêndio.
10. O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias.
11. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se, se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
12. Posto isto, ultrapassada a questão da existência de nexo causal entende a ora A. que em face de todos os factos dados como provados na douta Sentença de que ora recorre, conseguiu a mesma fazer “prova” de todos os factos necessários à procedência total da presente ação.
13. Com efeito, provou-se que o incêndio em causa nos autos teve origem numa das fritadeiras produzidas pela 1ª Ré e vendida ao segurado da ora A. pela 2ª R.
14. Provou-se ainda, que o incêndio teve origem em anomalia no normal funcionamento das fritadeiras, cujo termostato deixou de funcionar e de desligar o aquecimento do óleo.
15. Provou-se que em decorrência, direta e necessária do incêndio resultaram os danos melhor identificados nos autos, e nos factos provados, lesivos do direito da aqui A.
16. Por outro lado, de salientar que a responsabilidade das aqui RR é objetiva, respondendo para além e independentemente da culpa, recaído sobre as mesmas uma presunção legal de culpa, que apenas a estas incumbia ilidir, o que não ocorreu nos presentes autos.
17. Assim que, estando assente que o termostato de uma das fritadeiras deixou de atuar, não desligando (quando foi manualmente desligado) e continuando a produzir calor o que levou à ebulição do óleo na tina da fritadeira, não tendo as RR conseguido provar que a origem da anomalia no normal funcionamento da fritadeira se tenha ficado a dever a qualquer adulteração ou mau manuseamento da mesma, temos, necessariamente, que considerar que houve um defeito de fabrico das fritadeiras em causa nos autos.
18. Em face do disposto no art. 1º do D. L. 383/89, de 6 de Novembro, “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.” No art. 4º do mesmo diploma estabelece-se que, “Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação”
19. No presente caso trata-se de duas fritadeiras industriais, destinadas à indústria ou seja restauração, que haviam sido adquiridas entre cerca de um ano (uma das fritadeiras) e dois anos (a outra fritadeira), pelo que atento o destino de uso das fritadeiras é legítimo e espectável que as mesmas sejam fabricadas de forma a se coadunarem com um uso intensivo e frequente, durante um logo período de tempo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar resume-se em saber se estamos perante um defeito de fabrico de um bem e se deve o seu produtor, bem como o vendedor, serem responsabilizados pelos danos decorrentes do mau funcionamento o mesmo.

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1- A autora exerce a indústria de seguros em diversos ramos (resposta ao artº 1º da p.i.).
2- No exercício da sua atividade celebrou com a sociedade (…), Lda., um contrato de Seguro de Responsabilidade Multirriscos Restauração, titulado pela Apólice (…), relativamente ao Restaurante sito na Rua (…), 22 e 24, em Lagos, cuja cópia se encontra junta como doc. 1 da p.i. (resposta aos artºs 2º e 47º da p.i.).
3- A A. celebrou, ainda, com (…) um contrato de Seguro de Responsabilidade Multirriscos Habitação, titulado pela Apólice (…), relativamente ao Imóvel sito na Rua (…), 14-2º, Esquerdo, Fração G, em Lagos, cuja cópia constitui o doc. nº 2 da p.i. (resposta aos artºs 3º e 47º da p.i.).
4- No dia 19 de Abril de 2017, pelas 20h, ocorreu um incêndio no Restaurante da sociedade (…), Lda. (resposta aos artºs 2º da contestação da R. … e 3º, 27º a 29º e 37º da contestação da R. …).
5- O restaurante naquele dia e hora encontrava-se em funcionamento, sendo hora de jantar, pelo que existiam clientes no seu interior (resposta aos artºs 7º da p.i. e 40º da contestação da R. …).
6- Na cozinha do restaurante encontravam-se presentes os cozinheiros, Sr. (…) e Sr. (…), os quais estavam a cozinhar (resposta ao artº 8º da p.i.).
7- Nessa altura, na cozinha, estavam ligadas duas fritadeiras elétricas trifásicas, produzidas pela 2ª Ré e vendidas ao segurado da A. pela 1ª R. (resposta ao artº 9º da p.i.).
8- A determinado momento, o Sr. (…) verificou que o óleo de uma das fritadeiras estava, a fazer muito fumo, o que foi considerado anormal (resposta ao artº 10º da p.i.).
9- Em ato contínuo, este rodou o botão do termostato da fritadeira, que se encontrava nos 120º, para 0º (zero graus), de forma a que a resistência da fritadeira desligasse (resposta ao artº 11º da p.i.).
10- No entanto, a fritadeira não desligou, vindo a verificar-se a intensificação do fumo e a ocorrer a ignição do óleo da fritadeira (resposta aos artºs 12º e 53º da p.i.).
11- Os cozinheiros tentaram usar a manta antifogo, colocando-a sobre a fritadeira, o que igualmente não resultou (resposta aos artºs 13º e 14º da p.i. e 48º da contestação da R. …).
12- Perante aquela situação os cozinheiros tentaram combater o fogo com extintores e foram desligar os disjuntores do quadro elétrico, chamando, entretanto, os bombeiros (resposta aos artºs 15º e 16º da p.i., 43º da contestação da R…. e 39º e 52º da contestação da R. …).
13- Ao serem desligados os disjuntores do quadro elétrico foi também desligada a exaustão mecânica que faz a extração dos fumos e da temperatura (resposta aos artºs 15º e 16º da p.i. e 52º da contestação da R. …).
14- Os quais se deslocaram ao local e extinguiram as chamas (resposta ao artº 17º da p.i.).
15- No entanto, após os bombeiros darem o incendio como controlado, o fogo, que, sem que tal fosse detetado, se tinha propagado à estrutura em madeira do edifício (que, impercetivelmente, começou a consumir), alguns minutos depois irrompeu a partir da estrutura em madeira do pavimento do 1º andar (que se encontrava devoluto), surpreendendo os bombeiros e levando a que o incêndio tomasse proporções mais graves e ficasse fora de controlo (resposta aos artºs 18º e 19º da p.i. e 45º e 50º da contestação da R. …).
16- Em decorrência do incêndio, verificou-se a total destruição do restaurante seguro, incluindo do seu recheio, e o colapso do edifício onde se encontrava inserido (resposta aos artºs 20º, 21º, 41º e 43º da p.i.).
17- Ocorreram ainda danos em consequência do incêndio no imóvel, também seguro na A., sito na Rua (…), 12 e 20, em Lagos, contiguo ao restaurante onde deflagrou o incêndio, nomeadamente, no pavimento e rodapés, bem como num guarda-sol que se encontrava no exterior e numa porta em alumínio (resposta aos artºs 22º, 45º e 46º da p.i.).
18- À A. foi participada a ocorrência do incêndio referido em 3 destes factos provados (resposta ao artº 4º da p.i.).
19- Após a participação do incêndio a A. mandou averiguar as causas da ocorrência do mesmo e respetivos danos, a peritos que considerou com especial competência neste tipo de sinistros (resposta ao artº 5º da p.i.).
20- Assim, uma primeira equipa de peritos contratados pela A. deslocou-se no dia 20 de Abril 2017 (dia seguinte ao do sinistro) ao local de risco e posteriormente uma segunda equipa deslocou-se ao local no dia 23 de Abril de 2017 (resposta ao artº 24º da p.i.).
21- Na deslocação ao local do incêndio os peritos aferiram da morfologia e reconstituição da área danificada, do geral para o particular, de molde a identificarem a zona onde teve origem a combustão (resposta ao artº 25º da p.i.).
22- Pela análise feita no local, os peritos consideraram que a zona de maior grau de dano se situava no interior da tina da fritadeira do lado esquerdo, que se consignou por fritadeira A, localizada sobre uma mesa de aço inoxidável, na divisão da cozinha, e que o calor gerado pela resistência da fritadeira, que se encontrava submersa no óleo da tina se teria transmitido ao mesmo (por condução) levando ao seu aquecimento gradual (resposta aos artºs 26º e 27º da p.i.).
23- Mais consideraram que o aquecimento constante e ininterrupto do óleo teria levado ao início do movimento das suas moléculas até se desagregarem a partir da superfície do líquido e se libertarem no estado gasoso e que o aumento exponencial da temperatura das moléculas de óleo e a sua oxidação imediata quando em oxidação com o oxigênio levaria à sua auto-inflamação, ao atingirem a temperatura de auto-ignição, sendo que a fritadeira onde este fenómeno ocorreu esteve durante um período temporal sujeita à ação de calor, traduzindo-se numa primeira fase numa produção anormal de fumo e depois levando à destêmpera heterogénea visível ao nível da estrutura, da tina, da resistência, do cesto metálico, o que contrastava com os danos evidenciados na fritadeira B, que se localizava contiguamente sobre o lado direito (resposta aos artºs 28º a 31º da p.i.).
24- Consideraram ainda os peritos contratados pela A. decorrer da análise comparativa das faces exteriores das duas fritadeiras que era possível confirmar uma maior concentração dos danos na fritadeira A, relativamente à B, sendo o dano particularmente saliente em toda a extensão da tina e menor no setor da caixa de componentes elétricos, o que permitia definir a área inequívoca de zona de eclosão e sustentar que, tendo ocorrido uma avaria do circuito num dos componentes responsável pela estabilização da temperatura no interior da tina da fritadeira A, que fez com que ocorresse um aumento não controlado da temperatura do óleo, tal levou à sua autoignição e combustão (resposta aos artºs 32º e 33º da p.i.).
25- Feita esta análise, os peritos contratados pela A. recolheram o depoimento dos funcionários do restaurante, que então identificaram a fritadeira como local de início do incêndio, manifestando ter visto fumo a sair do óleo e posterior ignição do mesmo (resposta ao artº 34º da p.i.).
26- Efetuadas as diligências consideradas necessárias pelos peritos contratados pela A., comunicaram-lhe então estes terem apurado o seguinte:
- O incêndio ocorreu pelas 20:00 horas e teve o seu início no restaurante seguro;
- O restaurante naquele dia e hora encontrava-se em pleno funcionamento, sendo hora de jantar pelo que existiam clientes no seu interior;
- Na cozinha do restaurante encontravam-se presentes os cozinheiros, Sr. (…) e Sr. (…), os quais estavam a cozinhar;
- Nessa altura, na cozinha, estavam ligadas duas fritadeiras elétricas trifásicas, produzidas pela 2ª Ré e vendidas ao segurado da ora A. pela 1ª R.;
- A determinado momento, o Sr. (…) verificou que o óleo de uma das fritadeiras estava, anormalmente, a fazer muito fumo;
- Em ato contínuo rodou o botão do termostato da fritadeira para 0º (zero graus), sendo que antes de encontrava nos 120º, de forma a que a resistência da fritadeira desligasse;
- No entanto e para surpresa dos cozinheiros, verificou-se a intensificação do fumo e ocorreu a ignição do óleo da fritadeira;
- Os cozinheiros ainda tentaram usar a manta antifogo, colocando-a sobre a fritadeira, pensando que tinha extinguido o incêndio;
- No entanto, quando retiraram a manta, surgiu, subitamente, uma chama intensa, do tipo “língua de fogo”, que não conseguiram controlar e se propagou rapidamente a toda a Envolvente;
- Perante aquela situação os cozinheiros tentaram combater o fogo com extintores e foram desligar os disjuntores do quadro elétrico;
- Contudo o fogo continuou a tomar maiores proporções e de imediato chamaram os Bombeiros;
- Os quais se deslocaram ao local e evacuaram o restaurante e edifícios contíguos, bem como combaterem e extinguiram as chamas e o incêndio;
- No entanto o combate ao incêndio teve dificuldades, sendo que numa primeira fase os bombeiros deram o incendio como controlado, no entanto alguns minutos depois o fogo irrompeu como violência a partir da estrutura em madeira do pavimento do 1º andar (que se encontrava devoluto),
- Surpreendendo os bombeiros e levando a que o incêndio tomasse proporções mais graves e maiores.
- As chamas e o ar quente produzidos pelo incêndio passariam a incidir à vertical para o teto falso da sala de refeições, após a quebra do vidro delimitador, que se estendia a toda a frente da cozinha (resposta aos artºs 6º a 19º e 23º da p.i. e 40º, 45º, 50º, 65º e 67º da contestação da R. …).
27- Consideraram ainda os peritos contratados pela A. ser de efetuar perícias de âmbito técnico e elétrico em instituição independente, pelo que recolheram e embalaram (em filme fechado com fita isoladora) as duas fritadeiras A e B, às quais foram atribuídos o “Security Seal” n.ºs (…) e (…), de molde a serem efetuadas as referidas perícias de âmbito técnico e elétrico em instituição independente, no caso o ISQ, Instituto de Soldadura e Qualidade (resposta ao artº 35º da p.i.).
28- Nesse seguimento, no dia 16 de Maio de 2017 foi realizada a análise às fritadeiras no Laboratório Eléctrico do ISQ, pelo Eng. (…) e na presença de responsáveis da 2ª Ré (resposta ao artº 36º da p.i.).
29- No respetivo relatório é referido o seguinte:
“Devido ao tipo de construção dos aparelhos, apesar das fritadeiras apresentarem dois controlos de temperatura (um termostato que deverá atuar durante o funcionamento normal do aparelho e um corta-circuito térmico que deverá atuar no caso de um funcionamento anormal, como por exemplo falha de atuação por parte do termostato) atendendo a que ambos os controlos atuam o mesmo contactor, tal situação conduz a que não haja redundância no controlo da temperatura. Com efeito no caso do contactor ter uma falha e não abrir o circuito de potência quando tal deveria acontecer, então nesse caso as resistências ficarão continuamente ligadas à energia eléctrica e logo a aquecer continuamente o óleo, atingindo este, temperaturas excessivas e podendo deflagra um incêndio por ignição do óleo.
A situação descrita no parágrafo anterior é a que presumivelmente terá acontecido e dado origem ao fogo.
Pela análise do estado das resistências e das cubas das fritadeiras, pode-se verificar que as resistências da fritadeira 1 (A) apresentam alteração de cor, nomeadamente, na parte inferior que estava mergulhada no óleo, indicando que estiveram sujeitas a temperaturas elevadas. Já no que respeita às resistências da fritadeira 2 (B) mantêm uma cor negra uniforme na parte que estava mergulhada no óleo pelo que não apresentam indícios de terem sido submetidas a uma temperatura excessiva.
Assim sendo, tudo aponta para que a fritadeira 1 (A) tenha sido responsável pela deflagração do incendio por temperatura excessiva no óleo, tendo o fogo na fritadeira 2 (B) sido causado pela proximidade da fritadeira 1.
Tendo em conta o que foi referido anteriormente, a causa mais provável para o aparecimento do fogo terá acontecido na fritadeira 1 (A) devido a falha na abertura do respetivo contactor de controlo do fornecimento de energia às resistências de aquecimento, ficando estas continuamente ligadas e provocando um aumento de temperatura excessiva do óleo.” (resposta aos artºs 37º e 64º da p.i. e 39º da contestação da R. …).
30- Prosseguindo, o relatório do ISQ refere ainda o seguinte:
“Em termos legais as fritadeiras estão abrangidas pela Diretiva da Baixa Tensão que obriga ao cumprimento de requisitos mínimos de segurança, que estão refletidos em normas harmonizadas.
No caso das fritadeiras comerciais a norma harmonizada particular é a EN (…), …, juntamente com a norma geral dos eletrodomésticos EN (…)-1…
Nesta última norma, a cláusula 19.14 descreve uma das situações anormais de funcionamento do aparelho, que consiste em bloquear algum contactor que atue durante o funcionamento normal do aparelho. Assim sendo, o funcionamento defeituoso o contactor está previsto na norma de ensaio de segurança e tal deverá então ser tido em consideração na construção das fritadeiras.” (resposta aos artºs 38º e 64º da p.i. e 39º da contestação da R. …).
31- Às RR. não foi solicitado que participassem no processo de embalar as fritadeiras, o que foi feito sem qualquer supervisão ou acompanhamento das Rés, apenas sendo solicitada a presença da R. (…) aquando da elaboração do relatório do ISQ, sendo que quanto à R. (…) nem sequer foi solicitada a sua presença para a elaboração de qualquer relatório pericial (resposta aos artºs 36º da contestação da R. … e 23º da contestação da R. …).
32- Não é possível confirmar que as fritadeiras não tenham sido violadas ou alvo de qualquer adulteração à sua fabricação de origem, sendo que após o incêndio se encontravam em estado de total degradação (resposta aos artºs 8º a 12º da contestação da R. …).
33- O perito contratado pela A. listou os danos que considerou verificados no restaurante seguro, sendo que essa lista se encontra inserida no documento junto com a p.i. com o nº 4 (resposta ao artº 42º da p.i.).
34- A sociedade (…), segurada da A. apresentou uma reclamação de danos de € 291.919,52, sendo que, após apuramento pelo perito contratado pela A., foi apurada a verba de € 198.793,63 para valorização total e final dos danos verificados no restaurante seguro (resposta ao artº 44º da p.i.).
35- A A. liquidou inicialmente, em consequência do incêndio as seguintes quantias:
- € 77.804,67 ao segurado (…), a título de danos no recheio e por aplicação do capital seguro, deduzida a franquia e aplicando uma regra proporcional por se ter verificado uma situação de infra-seguro;
- € 764,22 + € 238,19 + € 158,94 + € 54,78 + € 16,83 ao segurado (…), a título de danos no imóvel contíguo (resposta ao artº 48º da p.i.).
36- A A. pagou ainda as quantias de € 955,22, € 6.216,67 e € 3.379,55, a título de peritagens (resposta ao artº 49º da p.i.).
37- As fritadeiras existentes no restaurante foram adquiridas à 1ª R., sendo uma adquirida em 14/08/2015, um ano e oito meses antes do sinistro (e cuja garantia já havia expirado) e outra em 07/07/2016 (resposta aos artºs 51º da p.i., 1º da contestação da R. … e 15º da contestação da R. …).
38- A 2ª Ré foi a fabricante das referidas fritadeiras (resposta ao artº 52º da p.i.).
39- A A. enviou à 2ª R missivas para que se responsabilizasse pelo pagamento e reembolso das quantias pela A. despendidas, sendo, no entanto, que a mesma sempre se recusou a fazê-lo (resposta ao artº 57º da p.i.).
40- Entre 7 de Janeiro de 2016 e 18 de junho de 2018, a A. liquidou ainda a (…) a quantia de € 5.530,00 (resposta ao artº 2º da ampliação do pedido de 17 de junho de 2018).
41- Posteriormente, a A. liquidou ainda a título de IVA a (…) a quantia de € 1.271,90 (resposta ao artº 1º da ampliação do pedido de 18 de outubro de 2018).
42- Os funcionários do restaurante não tiveram formação em prevenção e combate a incêndios (resposta ao artº 53º da contestação da contestação da R. …).
43- O restaurante situa-se na zona histórica de Lagos (resposta ao artº 61º da contestação da contestação da R. …).
44- As fritadeiras possuíam Ficha Técnica e Declaração de Conformidade, as quais se encontram juntas aos autos a folhas 53 e 53v. dos autos (resposta ao artº 74º da contestação da contestação da R. Pinha).
45- Durante todo o período de tempo que as fritadeiras haviam estado em funcionamento, não foi reportada à Ré (…) qualquer avaria nesses equipamentos (resposta ao artº 33º da contestação da R. …).

Considerou-se não provada a matéria de facto constante nos artºs 30º e 46º da contestação da R. (…), 18º, 20º, 21º, 49º e 60º da contestação da R. (…).

Conhecendo da questão
A recorrente não invoca existência de qualquer erro de julgamento no que respeita à matéria de facto, pondo em causa, apenas a aplicação do direito que foi efetuada aos factos que foram dados como provados, defendendo que fez prova de todos os elementos necessários à procedência da ação e por isso está em desacordo com a absolvição das rés do pedido.
Entende a recorrente que decorre dos factos provados que ocorreu um incêndio, incêndio esse que teve origem e causa numa das fritadeiras produzidas pela 1ª ré e vendida ao seu segurado pela 2ª ré, concluindo que houve um defeito de fabrico na fritadeira, existindo, também nexo de casualidade e o facto e o dano produzidos no imóvel que havia segurado e cujo valor pagou ao respetivo proprietário.
No caso presente da responsabilidade do produtor, o nexo causal entre o defeito do produto e os danos vem enunciado expressamente no artº 1º do DL 383/89, de 6 de Novembro, que prescreve: “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”. Vale isto por dizer que nem todos e quaisquer danos sobrevindos ao defeito do produto são incluídos na responsabilidade do produtor; são-no tão-somente os causados pelo defeito. Daí que o nexo de causalidade seja requisito ou pressuposto da responsabilidade e funcione ainda como medida da obrigação de indemnizar.
Dispõe o artº 563º do Código Civil que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª edição.744 e 756).
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artº 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” (Código Civil Anotado, vol. I, anotação ao artº 563º, 548º).
À data do incêndio dos autos estava em vigor o DL 383/98, de 6/11, que transpôs a Directiva 85/374/CEE, de 25/07/1985, relativa à responsabilidade por produtos defeituosos.
Aí se estabeleceu a responsabilidade objetiva do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (artº 1º).
Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação (artº 4º, nº 1).
Conforme salienta João Calvão da Silva in Compra e Venda de Coisas Defeituosas-Conformidade e Segurança, 4ª ed., 193, de tais disposições decorre que “o cerne da noção de defeito repousa na falta de segurança legitimamente esperada do produto e não da falta de conformidade ou qualidade na aplicação ou idoneidade do produto para o fim a que se destina”.
E conforme salienta ainda o mesmo autor, “a lei não exige que o produto ofereça uma segurança absoluta, de risco zero mas apenas uma segurança com que legitimamente se pode contar… pois há “riscos reduzidos compatíveis com a sua utilização e considerados conciliáveis com um elevado nível de proteção da saúde e segurança dos consumidores…”.
Assim, a qualificação de determinado aparelho como defeituoso ou não, de que decorre a responsabilidade civil do produtor, tem a ver com a eficaz proteção do público em geral e com a segurança do aparelho legitimamente expectável, baseada numa adequada e razoável utilização do mesmo. (v. Ac. STJ de 09/09/2010, proc. nº 63/10.0YFLSB, in www.dgsi.pt).
Depois destas considerações, vejamos se no caso em apreço e perante a matéria que foi considerada provada se assiste razão à recorrente.
Dos factos dados como provados decorre que ocorreu um incêndio, no dia 19/4/2017, no restaurante da sociedade (…), Lda., o qual teve origem numa das fritadeiras identificadas nos autos, fabricadas pela 2ª ré e vendidas pela 1ª.
As fritadeiras em questão possuíam Ficha Técnica e Declaração de Conformidade.
As fritadeiras foram adquiridas à 1ª ré, sendo uma em 14/08/2015 (cuja garantia já havia expirado) e outra em 07/07/2016.
A fritadeira que deu origem ao incêndio foi a fritadeira comprada em 14/08/2015.
Durante todo o período de tempo que as fritadeiras haviam estado em funcionamento, não foi reportada à ré (…) qualquer avaria nesses equipamentos.
Do que resulta do relatório elaborado, nomeadamente, pelo Instituto de Soldadura e Qualidade, embora se admita como causa provável que a origem do fogo terá tido como causa uma das frigideiras devida a falha no controlo de temperatura das respetivas resistências o que provocou um aumento excessivo de temperatura no óleo, no entanto não se apurou com certeza completa o resultado do relatório, nem sequer se o defeito da fritadeira, a existir, já viria de origem, ou seja se a fritadeira tinha sido produzida com esse defeito, desde logo porque, não foi possível confirmar se as fritadeiras não tinham sido violadas ou alvo de qualquer adulteração à sua fabricação de origem.
Ora, face à matéria provada, não poderemos afirmar sem sombra de dúvida e, ou com um grau elevado de certeza que o incêndio se tenha despoletado devido a um defeito de fabrico da fritadeira, até dado o tempo de utilização, sem qualquer problema, não tendo a autora, sequer, concretizado no seu articulado, através da alegação factual o defeito relevante, limitando-se a transcrever partes de relatórios periciais, os quais se apresentam como meros meios probatórios de apreciação livre pelo julgador, pelo que nem sequer o conteúdo dos mesmos devia fazer parte do elenco dos factos provados, devendo antes, considerarem-se, tão só, como provados, caso tivessem sido devidamente alegados, os factos que o Tribunal, na livre apreciação desses meios de prova, entendesse serem relevantes, devendo ser relegada para a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos dados como provados, a apreciação do conteúdo dos relatórios enquanto meios de prova produzidos.
E, embora se reconheça que a responsabilidade civil do produtor do produto é objetiva, não deixa de caber ao lesado alegar e provar os factos caraterizadores do defeito, bem como o dano e o respetivo nexo de causalidade, enquanto elementos constitutivos da responsabilidade objetiva, para poder haver responsabilização do produtor. Pois, relativamente aos factos constitutivos do direito de indemnização que pretende fazer valer, tendo por base a responsabilidade civil do produtor, por não existir especificidade a ter em conta, têm aplicação as regras gerais de distribuição do ónus da prova, constantes do art. 342.º, n.º 1, do CC (v. Ac. do STJ de 02/06/2016 no processo 2213/10.8TVSLB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
O facto do termostato de uma das fritadeiras ter deixado de atuar, não desligando, continuando a produzir calor não conduz (ao contrário do que resulta da conclusão 17.ª), à conclusão que existiu um defeito de fabrico, como já salientamos supra, e como tal, não se mostrava imposto às rés terem de provar, para serem ilibadas de responsabilidade, que a origem da anomalia do normal funcionamento da fritadeira se tinha ficado a dever a adulteração ou mau manuseamento.
Nas suas alegações a recorrente põe o enfâse no nexo de causalidade cuja inexistência teria sido mal avaliada no tribunal recorrido, mas independentemente da análise e avaliação que foi efetuada, o Julgador “a quo”, reconheceu que “não ficou demonstrado que o incêndio inicialmente se tenha devido a um defeito de fabrico da fritadeira” o que conduz, desde logo, à impossibilidade de responsabilização do produtor do bem e, por consequência, também, do comercializador ou vendedor. Tendo na ação sido demandado o produtor do bem, não se tendo feito prova da existência de defeito de fabrico não há sequer que apreciar da existência ou inexistência de nexo de causalidade, atendendo a que falta, desde logo, o primeiro dos pressupostos (o defeito) relevante para tal apreciação.
Improcedem, assim, as conclusões apresentadas pela recorrente, que nelas não indicou qualquer norma legal que se tivesse por violada, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
Sem custas na presente instância, uma vez que a recorrente pagou a taxa de justiça devida pelo impulso recursivo, e não há lugar a custas de parte por não terem sido oferecidas contra-alegações.
Évora, 21 de Novembro de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho de Canas Mendes