Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
713/19.3T8BJA.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a nulidade do contrato de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenha estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.
ii) provada a existência de subordinação jurídica, a nulidade é declarada pelo tribunal na sequência da ação interposta pelo autor, pelo que, por força das disposições legais citadas, o autor tem direito ao pagamento da indemnização de antiguidade e demais retribuições em que a ré foi condenada em primeira instância. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: Cimbal - Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo, pessoa coletiva de direito público (ré).
Apelado: P… (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho.

1. O autor veio intentar a presente ação sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra a ré, pedindo ao tribunal que:
a) declare que entre o autor e ré vigorou, no período compreendido entre 2 de dezembro de 2010 e 31 de janeiro de 2019, um contrato de trabalho;
b) declare ilícito o despedimento do autor promovido pela ré e, em consequência:
1. Condene a ré a pagar ao autor as retribuições contabilizadas desde 26.02.2019 até ao trânsito em julgado da presente sentença, tendo por referência a retribuição mensal de € 2 972,40, e ainda, desde a mesma data, as férias, subsídios de férias e de Natal, vencidos nesse mesmo período, contabilizados à mesma razão, no valor de € 47 558,40, aos quais acrescem os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações.
2. Condenar a ré no pagamento ao autor de uma indemnização de 30 dias de retribuição base, tendo-se em consideração o valor de retribuição de € 2 972, por cada ano completo ou fração de antiguidade, reportando-se esta a 02.12.2010, até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial.
3. Condenar a ré no pagamento de juros de mora desde a data da citação, à taxa legal.
c. Condenar a ré no pagamento da quantia de € 5 944,80, a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2019 e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do ano da cessação, € 247,70x 3= € 743,10.
Para o efeito alegou, em síntese, que trabalhou desde dezembro de 2010 até janeiro de 2019, primeiro para a AMBAAL e depois para a ré - por força da fusão da primeira na segunda -, como diretor do Jornal explorado pela ré, devendo qualificar-se tal contrato como contrato de trabalho, por se verificarem todos os indícios de laborabilidade do artigo 12.º do Código do Trabalho, e que em fevereiro de 2019 a ré contratou outra pessoa para exercer essas funções, o que configura despedimento ilícito do autor, porque não se baseia em facto imputável ao trabalhador e não foi precedido de procedimento disciplinar, devendo a ré, enquanto empregadora, pagar-lhe uma indemnização em substituição da reintegração; as prestações intercalares desde a data da sentença até ao trânsito em julgado da decisão e ainda créditos de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 01.01.2019 e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do ano da cessação.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
Foi designada data para audiência de partes, e frustrada a mesma, foi a ré notificada para contestar.
A ré contestou a ação, por exceção e por impugnação.
Alegou a inexistência de vínculo laboral entre o autor e a ré, invocando que, pese embora a existência de alguns dos indícios laborais alegados pelo autor, a intenção das partes sempre foi manterem um vínculo de prestação de serviços e que, a não ser assim, sempre teria de se entender que a relação entre o autor e a AMBAAL já teria findado quando se verificou a fusão entre aquela e a ré e existir abuso de direito por parte do autor que nunca quis manter qualquer vínculo laboral com a ré. Por último refere que, procedendo a pretensão do autor no reconhecimento da existência de vínculo laboral entre as partes, as prestações intercalares e a indemnização devem ter por pressuposto a retribuição mensal que o autor receberia como funcionário público e não aquela que o autor reclama.
Conclui pela improcedência da ação e pela condenação do autor como litigante de má-fé.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
O autor respondeu às exceções alegadas pela ré.
Foi proferido despacho que, procedendo ao saneamento dos autos, dispensou a seleção da matéria de facto.
Frustrada a conciliação das partes, realizou-se a audiência de julgamento como consta da ata respetiva.
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente por provada a ação e, em consequência:
- Reconheço a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o autor e a ré, com início a 1 de janeiro de 2011 e fim a 31 de janeiro de 2019;
- Declaro a ilicitude do despedimento do autor por parte da ré e, em consequência:
- Condeno a ré a pagar ao autor uma indemnização que fixo em 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade, desde a data de celebração de cada contrato até ao trânsito em julgado da decisão de despedimento, e que, à presente data (04.05.2020), perfaz o valor de € 27 767,17 (vinte e sete mil, setecentos e sessenta e sete euros e dezassete cêntimos) e respetivos juros de mora vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento.
- Condeno a ré a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, desde a data do despedimento (31.01.2019) até ao trânsito em julgado da sentença tendo por base o valor da remuneração mensal do Trabalhador de € 2 972,40 (dois mil, novecentos e setenta e dois euros e quarenta cêntimos) e o acréscimo dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, desde a data do vencimento de cada prestação, sem prejuízo das legais deduções previstas nas alíneas a) a c), do n.º 2 do artigo 390.º n.º 2 do Código do Trabalho.
- Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 5 944,80 (cinco mil novecentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos), a título de retribuição por 22 (vinte e dois) dias de férias não gozadas e respetivo subsídio, bem como a quantia de € 743,10 (setecentos e quarenta e três euros e dez cêntimos) a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de cessação de facto do contrato, a que acrescem juros de mora à taxa cível desde a data da cessação do contrato (31.01.2019) até efetivo e integral pagamento.
Custas pela ré que saiu vencida, cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Valor da ação: € 34 455,07 (trinta e quatro mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos) - artigos 296.º, 297.º, 299.º n.º 4 e 306.º todos do Código de Processo Civil.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação onde, além do mais estava em causa a competência material do tribunal do trabalho.
Foi proferido acórdão que julgou materialmente incompetente o tribunal do trabalho e absolveu a ré da instância.
O autor, inconformado, recorreu para o Tribunal de Conflitos, o qual decidiu que o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para apreciar a questão dos autos.
Assim, devolvido o processo, cabe apreciar as demais questões colocadas pela ré no recurso de apelação que interpôs da sentença de primeira instância.

2. Conclusões apresentadas pela ré no recurso que interpôs da sentença proferida em primeira instância:
A. O Tribunal a quo considerou-se competente para apreciar e julgar a presente ação, invocando para o efeito o disposto no artigo 126.º n.º 1, alínea b), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e do artigo 4.º n.º 4, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro;
B. Nessa sequência, considerou procedentes os pedidos do autor recorrido, tendo reconhecido «… a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o autor e a ré, com início a 1 de janeiro de 2011 e fim a 31 de janeiro de 2019», assente na presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, e concluído pela existência de um despedimento ilícito do recorrido, bem como pela condenação da CIMBAL no pagamento das quantias peticionadas a título de indemnização, retribuições alegadamente deixadas de auferir e férias não gozadas;
C. A recorrente não concorda com a decisão recorrida, porquanto considera verificar-se i) Incompetência material do Tribunal a quo; ii) Impossibilidade aplicação do artigo 12.º do Código do Trabalho, na situação sub judice; e iii) Violação do direito fundamental previsto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa;
D. É certo que, como a sentença recorrida afirma, em sede de aplicação das normas de competência jurisdicional, a determinação da competência concreta do tribunal em razão da matéria é feita em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor na respetiva petição inicial, sendo relevante a forma como se apresentam a causa de pedir e o pedido à data da propositura da ação, sendo também certo que o recorrido alega na sua petição inicial a existência de um contrato individual de trabalho entre si e a CIMBAL;
Porém,
E. Como bem esclarece o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 02 de fevereiro de 2016, a «… competência material não é, salvo casos manifestos, decidida antes da apreciação do mérito da causa, sobretudo, quando a qualificação da relação jurídica em que assenta a pretensão do demandante é factualmente controvertida (…). Sendo controvertida a matéria de facto só após a produção da prova o Tribunal fará o seu julgamento em relação à competência material.» (sublinhado nosso);
F. Na situação em apreço, verifica-se que, realizado o julgamento (audiência final), o Tribunal a quo deu como provada a celebração entre a CIMBAL e o recorrido de dois contratos de prestação de serviços, ambos adjudicados na sequência de procedimento de contratação pública (vidé pontos 5. a 14., 41. a 45. Dos Factos Provados) e no âmbito da legislação sobre emprego público;
Pelo que,
G. O objeto do presente litígio teria que ter sido reconfigurado pelo Tribunal a quo face ao inicialmente desenhado pelo recorrido, passando a assentar apenas na discussão da qualificação jurídica a dar aos contratos de prestação de serviços para exercício de funções públicas como tal ou como contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que «o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço…», nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da LGTFP;
H. É, pois, incontornável que a discussão em causa nos presentes autos é, na realidade, a de saber se nos contratos de prestação de serviços celebrados entre o recorrido e a CIMBAL existe subordinação jurídica própria de um contrato de trabalho em funções públicas, assumindo os contornos próprios de uma relação de emprego público, o que está subtraído à competência do Tribunal a quo, enquanto Tribunal do Trabalho, uma vez que a alínea b), do n.º 4 do artigo 4.º,do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais refere que «estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
(…)
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;»;
I. A presente ação é, assim, da competência dos tribunais administrativos e fiscais, por força do disposto no artigo 12.º da LGTFP e por aplicação da parte final da alínea b), do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
Acresce que,
J. O Tribunal a quo, reconhecendo a existência de um ou dois contratos de prestação de serviços entre a CIMBAL e o recorrido, estaria obrigado a aplicar o regime legal específico para o mesmo, que se encontra expressamente previsto no artigo 10.º da LGTFP, nunca podendo socorrer-se do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho;
K. O artigo 10.º da LGTFP, no seu n.º 1, é claro ao dizer que «o contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.»;
L. Mas no caso de se verificar subordinação jurídica, por existirem esses pressupostos, a LGTFP prescreve no n.º 3, do seu artigo 10.º que «são nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.» (sublinhado nosso);
M. Acrescentando ainda o n.º 4, do mesmo preceito legal, que essa «… nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.»;
N. Assim, ainda que o Tribunal a quo se considerasse materialmente competente para apreciar e julgar a presente ação, no que não se concede, sempre o mesmo estaria vinculado a observar o regime legal aplicável à situação concreta (cf. o supra transcrito artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa), ou seja, o regime previsto na LGTFP e nunca o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho, e declarar a nulidade desse contrato assente na existência de subordinação jurídica;
O. As consequências de um e outro regime jurídico são diametralmente opostas, pelo que concordar com a sentença recorrida nos termos em que está, é aceitar uma forte fraude a todo o ordenamento jurídico com base numa simples e interessada configuração pelo recorrido de uma relação controvertida não corrigida pelo tribunal, como se impunha;
Ora,
P. Esta diferença de consequências (presunção de laboralidade/nulidade) não é inocente nem indiferente face ao nosso quadro constitucional vigente, porquanto prescreve o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, que «todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.»;
Q. Este direito compreende o direito à função pública, a regra da igualdade e da liberdade e a regra do concurso, e, como afirmado por Vital Moreira, «no que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a atividade administrativa, mesmo a de “gestão privada”, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (art.º 266.º, 2 da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal»;
R. Percebe-se, assim, porque é que a subordinação jurídica, a existir no âmbito de um contrato de prestação de serviços para exercício de funções públicas, como aquele que está em causa nos presentes autos, não pode conduzir a uma presunção de existência de contrato de trabalho e gera, antes, a sua nulidade;
Deste modo,
S. Reconhecer a existência entre a CIMBAL e o recorrido de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, como o faz a sentença recorrida, viola flagrantemente o disposto no artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, ao admitir um vínculo de emprego público por via de presunção!
Assim,
T. Considera-se a decisão ora recorrida não conforme à Constituição da República Portuguesa, por afrontar o direito fundamental consagrado no n.º 2 do artigo 47.º constituindo uma verdadeira fraude à Constituição, por permitir ao recorrido o acesso ao emprego público sem que para tal tenha sido sujeito a escrutínio no âmbito de um concurso público, transparente e igual;
U. A sentença recorrida enferma ainda de erro ao reconhecer «a existência de um contrato e trabalho por tempo indeterminado entre o autor e a ré, com início a 1 de janeiro de 2011 e fim a 31 de janeiro de 2019.», e ao condenar a CIMBAL a pagar ao recorrido as quantias a título de indemnização «… desde a data de celebração de cada contrato até ao trânsito em julgado da decisão….», quando a mesma, nos pontos 15., 16., 17., reconhece a existência de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o recorrido e a Sociedade Portuguesa de Autores, o qual foi celebrado em 21 de junho de 2016 e vigorou por 22 meses (cf. pontos 15. e 17. dos Factos Provados);
Ora,
V. Ainda que se conclua nos termos da sentença recorrida, no que não se concede, este período de 22 meses não pode ser contabilizado no valor da indemnização em que a CIMBAL foi condenada, porquanto a entidade contratante é diferente da CIMBAL, o que deve, necessariamente, ser corrigido;
W. A sentença recorrida condena também a CIMBAL a pagar ao recorrido «uma indemnização que fixo em 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade…», considerando-se que tal se mostra desadequado e desproporcional face ao facto de um recorrido ter tido sempre um vencimento acima dos valores que receberia como trabalhador dependente;
X. Ao dar-se como provada a existência de dois contratos de prestação de serviços para exercício de funções públicas, celebrados na sequência de procedimentos de contratação pública, e circunscrevendo-se o objeto do presente litígio à discussão sobre se no âmbito desses contratos de prestação de serviços se verificou, ou não, subordinação jurídica, temos que concluir que contrariamente à decisão ora recorrida, ocorreu abuso de direito por parte do recorrido na pretensão por si deduzida.
Y. Deve o ponto C. da matéria de facto não provada ser alterado, reconhecendo-se que o recorrido nunca quis ser trabalhador dependente da CIMBAL, quer pelo comportamento adotado, quer pelos diferentes vínculos, esse sim laborais, que foi tendo ao longo das prestações de serviços que manteve com a CIMBAL, por força dos factos dados como provados nos pontos 45., 46., 47. 48., 49. e 50;
Z. A sentença recorrida viola, assim, de forma direta e incontornável, o disposto no artigo 107.º n.ºs 1 e 2, do Anexo I à Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, os artigos 4.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, 7.º, 10.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 12.º, da LGTFP, o artigo 4.º n.º 4, alínea b), do ETAF e os artigos 47.º, n.º 2, 203.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida.

3. O A. respondeu e concluiu nos termos seguintes:
1.º- A competência material é um pressuposto processual que é aferido pelo modo como o autor configura a causa de pedir, sendo que o A. caraterizou a relação mantida com a ré como sendo uma relação de trabalho subordinado, o que é suficiente para assegurar a competência do Juízo do Trabalho - artigo 126.º, alínea b) da Lei da Organização Judiciária (Lei n.º 62/2013 de 26.08.), o que é confirmado pelo teor do art.º 4.º n.º 4 do ETAF e, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 11 de abril de 2019. Acresce que,
2.º- O nomen juris não é decisivo na qualificação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função de elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato.
3.º- Com base nos factos provados constantes dos pontos não impugnados 13, 15 e 24 a 40, é forçosa a conclusão de que o vínculo constituído entre autor e ré era um contrato de trabalho e, não, uma prestação de serviços, resultando irrelevante o facto de terem sido autorizados os ditos ajustes diretos.
4.º- Estando em causa um contrato de trabalho, ainda que nulo, obviamente que as normas do Código do Trabalho terão de lhe ser aplicáveis.
Ora,
5.º- Ainda que não tivesse sido aplicada a presunção de laboralidade, uma vez mais perante os factos agora invocados, sempre a conclusão tirada se impunha, já que os indícios tradicionalmente usados para a diferenciação entre prestação de serviço e contrato de trabalho estariam, sempre, reunidos. Aliás,
6.º- Ainda que a recorrente tivesse vislumbre de razão – e não tem!- tal circunstância não lhe seria mais favorável.
Mas,
7.º- Estando o objeto do competente recurso limitado às suas conclusões, do que a recorrente discorda não é da qualificação feita mas, ao invés, da circunstância de, fruto da sua natureza jurídica, o tribunal ter, ainda assim, declarado a natureza jurídica do vínculo, sendo que, ao contrário do que defende, a sua natureza jurídica – pessoa coletiva de direito público - não obsta a que seja declarada a natureza subordinada do vínculo, apenas impedindo uma eventual reintegração que, ademais, não foi peticionada. Na verdade,
8.º- A ré confunde a suscetibilidade de um trabalhador contratado irregularmente poder vir a invocar uma relação de trabalho indeterminada com a condenação de que, à semelhança de muitas outras entidades públicas, foi alvo, por força de ter constituído um vínculo irregular e de o ter cessado sem ser com fundamento na respetiva invalidade.
É que,
9.º- Nos termos dos artigos 15.º n.º 1 da LCT, 115.º e 116.º do CT/2003 e 122.º e 123.º do CT/2009, o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, ou se durante a ação continuar a ser executado, até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
10.º- Como é evidente, a recorrente não invocou a dita nulidade para fazer cessar o contrato de trabalho outorgado com o A., determinando que este tenha direito aos montantes em que a ré foi condenada. Paralelamente,
11.º- A circunstância de terem sido celebrados ajustes diretos, assentes em invocados contratos de prestação de serviço, em nada obsta à conclusão sobre a competência material do tribunal mas, por seu turno, é inapta para se concluir pela existência de abuso de direito, já que não deve olvidar-se que, tal como refere António Monteiro Fernandes, enquanto o salário para a entidade patronal é um fator produtivo para o trabalhador é “algo como um crédito alimentar”.
12.º- Quer pela falta de cumprimento, ainda que em termos mínimos, do ónus quanto a recurso da matéria de facto, quer pelo ora exposto, deve a decisão sobre a matéria de facto ser integralmente mantida.
13.º- Não se verifica qualquer desconformidade entre o ora decidido e o teor do art.º 47.º da Lei Fundamental porquanto o que este veda é a reintegração em funções públicas nos casos em que a dita contratação não obedeceu aos formalismos legalmente impostos, o que não é o caso.
14.º- Dos pontos 15 a 19 e, muito principalmente, os factos constantes dos pontos 23 a 40, o que é certo é que nada no quotidiano laboral de todos se alterou, pelo que não existe qualquer óbice a que seja a recorrente, aliás única beneficiária do trabalho do A., a pagar a compensação, já que o recorrido se manteve no mesmo exato posto de trabalho durante toda a duração do vínculo.
Por outro lado,
15.º No que se reporta à invocada violação do art.º 5.º da Lei 69/2013, crê-se tratar de lapso manifesto, na medida em que o citado preceito legal se reporta às compensações a serem pagas por despedimentos ditos objetivos e, não, pelos despedimentos julgados ilícitos, cujo assento legal, como se sabe, não sofreu qualquer alteração.
Consequentemente,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se integralmente a sentença.

4. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Impugnação da matéria de facto.
2 - Qualificação da relação jurídica existente entre as partes.
3 – Consequências do decidido no ponto anterior.
4 – Abuso do direito.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS
1. A ré CIMBAL - Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo é uma entidade intermunicipal, com a natureza de associação pública de autarquias locais, e visa a realização de interesses comuns aos municípios que a integram.
2. Por escritura pública outorgada em 18 de dezembro de 2017, foi incorporada na CIMBAL, através de fusão, a ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DO BAIXO ALENTEJO E ALENTEJO LITORAL (adiante melhor identificada como AMBAAL), com transferência de todos os elementos do ativo e do passivo, de acordo com o Projeto de Fusão, por incorporação, elaborado em 30 de novembro de 2016, o qual foi aprovado pelos órgãos competentes da AMBAAL e da CIMBAL.
3. Os atuais órgãos dirigentes da CIMBAL tomaram posse em 31 de outubro de 2017.
4. A Associação de Municípios do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (Ambaal) era proprietária do único jornal público do país, denominado “Diário do Alentejo”, o qual passou a ser propriedade da ré CIMBAL.
5. No seguimento de concurso público para diretor do jornal “Diário do Alentejo”, lançado pela então entidade proprietária, a Associação de Municípios do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (Ambaal), em novembro de 2010, o A. foi admitido para exercer as referidas funções, tendo subscrito contrato denominado de “prestação de serviços” com data de 2 de dezembro do mesmo ano, pese embora, efetivamente, só tenha começado a exercer o cargo a 1 de janeiro de 2011.
6. Tal contrato, com a duração de um ano, foi sendo prorrogado por igual período, até 30 de novembro de 2013.
7. Em 16 de abril de 2014 o autor e a CIMBAL assinaram documento escrito denominado “Contrato de Prestação de Serviços” o qual foi assinado na sequência de um procedimento de contratação pública por ajuste direto.
8. Consta da Cláusula 1.ª do referido documento que o mesmo teve por objeto «… prestar serviços de assessoria técnica na área do jornalismo e execução de trabalhos jornalísticos na CIMBAL, designadamente: produção de textos, reportagem, edição, revisão, produção fotográfica, planificação e desenvolvimento de estratégias de comunicação institucional, editor e gestor de conteúdos de website.».
9. Comprometendo-se a CIMBAL, de acordo com a cláusula 2.ª do referido documento, a pagar ao autor, mensalmente, da quantia de € 2 615,71, acrescido de IVA.
10. O referido documento previa, como período de duração do acordo das partes, o período de 6 meses (de 16 de abril de 2014 a 15 de outubro de 2014, «eventualmente» renováveis.
11. Consta da Cláusula 4.ª do mesmo documento que o autor (segundo outorgante) «não fica sujeito às ordens e direção do primeiro, mas obriga-se perante este a prestar as tarefas nos prazos e condições acordados e com perfeição e rigor.»
12. E da Cláusula 5.ª, que «para execução perfeita das tarefas referidas o segundo outorgante, embora não esteja sujeito à disciplina e hierarquia do primeiro, obriga-se a prestar os serviços referidos na cláusula primeira, de forma a que melhor sirva os interesses do primeiro outorgante».
13. Este contrato foi objeto de sucessivas renovações, verificando-se a primeira, em 15 de outubro de 2014, por igual período de 6 meses, a segunda renovação, em 15 de abril de 2015, por igual período de 6 meses e a terceira renovação, em 15 de outubro de 2015, por igual período de 6 meses.
14. Nas informações internas que antecediam os pedidos de renovação do aludido contrato constava como um dos pontos de fundamentação do pedido: «Demonstração que não se trata de trabalho subordinado: Considerando a especificidade da natureza do trabalho, o contratado não fica sujeito a hierarquia, disciplina e horário de trabalho da entidade patronal».
15. Em 21 de junho de 2016, foi assinado entre a CIMBAL e a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES documento escrito denominado “Contrato de Assessoria na Área do Direito de Autor na Disciplina de Jornalismo”, na sequência de procedimento de aquisição por ajuste direto.
16. Consta da cláusula segunda do referido documento que o mesmo «tem por objeto a assessoria na Área do Direito de Autor na Disciplina de Jornalismo, a qual compreende a criação intelectual inerente à execução de trabalhos jornalísticos».
17. O prazo previsto para duração do referido acordo foi de 22 meses.
18. Por força desse acordo a CIMBAL obrigou-se a pagar à SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES o valor mensal de € 3 404,81€, acrescido de IVA, resultado da divisão do valor global de € 74 905,82.
19. Os serviços contratados entre a CIMBAL e a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES foram concretizados através do autor, membro da referida sociedade, mediante o pagamento por parte desta ao autor da contrapartida mensal ilíquida de € 2 972,41.
20. Em 24 de abril de 2018 autor e ré assinaram novo documento escrito denominado “Contrato de Prestação de Serviços na Área Jornalística – Modalidade de Avença” o qual resultou de um procedimento de contratação pública, na modalidade de consulta prévia, com a consulta a 3 pessoas distintas, e culminou com a adjudicação do serviço à proposta apresentada pelo autor.
21. Consta da Cláusula 1.ª do referido documento que o mesmo «tem por objeto a Prestação de Serviços na Área do Jornalismo, mais concretamente: Planificar, coordenar e orientar a redação do Diário do Alentejo, visando a qualidade do trabalho prestado pelos colaboradores na sua área de atuação. Preparar projetos visando a angariação de novos assinantes, participar na formação ação dos recursos humanos. Orientar abordagens editoriais e definir matérias jornalísticas, bem como a produção de textos, reportagem, edição, revisão, produção fotográfica e o desenvolvimento de estratégias de comunicação institucional.»
22. Comprometendo-se a ré a pagar ao autor a quantia global de € 26 751,60, pagos de forma mensal, em prestações de € 2 972,40, acrescido de IVA, pelo período de 9 meses sem previsão de renovação.
23. De janeiro de 2011 a 31 de janeiro de 2019 o A. exerceu, de fora ininterrupta, funções de Diretor do Jornal “Diário do Alentejo”, e o A. sempre recebeu uma remuneração certa, paga 12 vezes por ano, a qual ultimamente ascendia a € 2 972,40/mensais.
24. Durante aquele período, o A. trabalhou num gabinete do edifício onde se encontravam as instalações do Jornal, disponibilizado pela ré.
25. Com os instrumentos de trabalho que eram propriedade da ré, como seja, secretária, cadeira, telefone, consumíveis, papel, canetas, computador, programas informáticos, entre outros.
26. O autor usava o endereço de email que lhe era facultado em domínio da ré.
27. E tinha password para as impressoras.
28. Constando da listagem de extensões telefónicas, como os demais funcionários do jornal,
29. O autor tinha as chaves das instalações.
30. O autor gozava anualmente férias auferindo a remuneração correspondente a tal período, sem que lhe fossem pagos os respetivos subsídios, e dependia de autorização superior para marcar as férias.
31. Pelo menos até dezembro de 2017, o autor autorizava as férias e procedia à justificação das correspondentes faltas e folgas dos trabalhadores do Jornal.
32. A partir de então o autor coordenava e propunha ao 1.º secretário da ré as questões relacionadas com o pessoal e a organização da redação e era este que decidia e dava as ordens e instruções consideradas necessárias e pertinentes ao pessoal.
33. O A. sempre exerceu as suas funções, de segunda a sexta, num horário flexível, sem que tal horário lhe fosse imposto pela ré.
34. O A. obedecia ao plano estratégico definido pela ré para o Jornal e fazia parte da listagem de trabalhadores a quem eram transmitidas ordens e instruções gerais de serviço.
35. O autor dava ordens aos trabalhadores do Jornal, jornalistas e pessoal administrativo, quanto à distribuição do trabalho a executar, sem interferência na liberdade jornalística daqueles.
36. O autor pronunciava-se quanto às despesas de deslocação dos jornalistas e a aquisição de jornais.
37. Reportando-lhe quanto ao trabalho prestado e despesas realizadas, os jornalistas, os fotógrafos, os paginadores e o pessoal administrativo, incluindo o paquete.
38. O A. constava como diretor do jornal na respetiva ficha editorial do Jornal disponibilizada ao público.
39. Sendo apresentado publicamente como tal.
40. E sendo reconhecido pela própria ré como Diretor, a qual lhe pediu contributos para a elaboração do Plano Estratégico.
41. Prevendo-se a cessação do contrato de prestação de serviços celebrado com o autor em 24 de abril de 2018, a CIMBAL, através do Conselho Intermunicipal, tomou a decisão em reunião de 10 de dezembro de 2018 de proceder à contratação, através da aquisição de uma prestação de serviços, de uma pessoa para assegurar as funções de diretor do jornal «Diário do Alentejo»
42. Nessa mesma reunião, foi determinado que essa aquisição de serviços fosse feita através de um procedimento de concurso público, tendo sido igualmente aprovados os respetivos termos e condições a que o mesmo deveria obedecer, assim como o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos respetivos.
43. Foi feita a publicitação do procedimento, tendo sido o respetivo anúncio publicado na II Série, do Diário da República n.º 242, de 17 de dezembro de 2018.
44. O relatório final do júri propôs a adjudicação à proposta apresentada pelo concorrente L…, o que foi submetido à apreciação do Conselho Intermunicipal da CIMBAL, tendo sido aprovada, por unanimidade, em reunião realizada em 14 de janeiro de 2019 a adjudicação nos termos propostos pelo júri no relatório final.
45. O autor P… apresentou proposta com diversos elementos destinados ao concurso público acima descrito, a qual acabou por não ser admitida por alegada extemporaneidade, não ter sido veiculada por plataforma eletrónica e pelo facto do preço proposto ser superior ao preço base fixado nos termos do concurso.
46. O autor apresentou queixa-crime relativamente a este procedimento no Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a qual veio a ser arquivada.
47. Durante o período em que exerceu as funções de Diretor do Jornal Diário do Alentejo, o autor prestou serviços na área dos projetos culturais para terceiros.
48. De 2012 a 2019 o autor exerceu funções de docente no Instituto Politécnico de Beja, uma hora por semana, auferindo a remuneração de € 90/mês.
49. Ainda no ano de 2018 o autor candidatou-se a uma bolsa de investigação jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian enquanto jornalista independente e autónomo, tendo-lhe sido atribuída uma bolsa no valor de € 15.000.
50. Para a prática dos referidos atos o autor nunca pediu autorização à ré CIMBAL.
51. O autor não questionou a ré sobre a possibilidade de integrar o quadro de pessoal quando foi aprovada a Lei 112/2017, de 29.12, nem reunia os requisitos para tanto.

B) APRECIAÇÃO

B1) Impugnação da matéria de facto

A apelante conclui que:
“Y. Deve o ponto C. da matéria de facto não provada ser alterado, reconhecendo-se que o recorrido nunca quis ser trabalhador dependente da CIMBAL, quer pelo comportamento adotado, quer pelos diferentes vínculos, esse sim laborais, que foi tendo ao longo das prestações de serviços que manteve com a CIMBAL, por força dos factos dados como provados nos pontos 45., 46., 47. 48., 49. e 50”.
O ponto C) dos factos não provados é o seguinte:
“C. O autor nunca quis manter exercer as funções para as quais foi contratado, sob as ordens, direção e fiscalização da ré, apesar de ter sido questionado nesse sentido”.
A apelante não indica outra fundamentação para a alteração da matéria de facto pretendida.
O facto em si reveste natureza conclusiva. Apurar se exercia ou não as funções sob as ordens, direção e fiscalização da ré é matéria conclusiva e de direito, pelo que não pode ser considerada.
Em qualquer caso, os factos dados como provados nos pontos 45 a 50 da sentença, com todo o respeito, não conduzem à conclusão de que o autor não queria ter um contrato de trabalho com a ré. Ressalta daqueles factos que o autor exercia atividades para outras entidades, mas não resulta daí que tal exercício fosse porque não queria manter um contrato de trabalho com a ré.
Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto.

B2) Qualificação da relação jurídica existente entre as partes

Prescreve o art.º 11.º do CT que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade destas.
Por sua vez, o art.º 12.º n.º 1 do mesmo código prescreve: presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes caraterísticas:
- A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado (alínea a));
- Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade (alínea b));
- O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinado pelo beneficiário da mesma (alínea c));
- Seja paga, com determinada periocidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma (alínea d));
- O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (alínea e).
Resulta da factualidade apurada que se verifica a característica própria de que pode levar à presunção da existência de um contrato de trabalho referida na alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º do CT, uma vez que o trabalhador prestava a sua atividade em local pertencente e determinado pela R.
De igual modo, se verifica a caraterística prevista na alínea b), porquanto o trabalhador utilizava o equipamento e instrumentos da R..
Era paga por mês uma quantia pecuniária ao trabalhador como contrapartida da sua atividade (alínea d)); e
Verifica-se também a caraterística prevista na alínea e), porquanto o trabalhador tinha funções de chefia.
Em contrário, está provado que:
11. Consta da Cláusula 4.ª do mesmo documento que o autor (segundo outorgante) «não fica sujeito às ordens e direção do primeiro, mas obriga-se perante este a prestar as tarefas nos prazos e condições acordados e com perfeição e rigor.»
12. E da Cláusula 5.ª, que «para execução perfeita das tarefas referidas o segundo outorgante, embora não esteja sujeito à disciplina e hierarquia do primeiro, obriga-se a prestar os serviços referidos na cláusula primeira, de forma a que melhor sirva os interesses do primeiro outorgante».
33. O A. sempre exerceu as suas funções, de segunda a sexta, num horário flexível, sem que tal horário lhe fosse imposto pela ré.
Quanto ao que consta das cláusulas do contrato, uma coisa é o que as partes aí escrevem e outra coisa é a realidade. Os factos referentes ao modo como as funções são exercidas, é que nos permite qualificar juridicamente o contrato.
O nome dado pelos outorgantes e o que escrevem no contrato não permite só por si qualificá-lo, se se provarem factos de onde resulta algo diferente do referido e que conduzem a diferente qualificação jurídica.
Quanto ao horário, temos que ter em conta que se trata de um cargo de chefia, diretor de jornal, em que pode haver isenção de horário de trabalho de facto.
Os factos índice que mencionamos conduzem, em nosso entender, inelutavelmente à conclusão de que estamos perante uma relação de trabalho subordinado e que a presunção tem correspondência com a realidade de vida concreta discutida nestes autos.
Termos em que qualificamos a relação jurídica existente entre o A. e a R. como sendo de um contrato de trabalho

B3) Consequências do decidido no ponto anterior.

A ré CIMBAL - Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo é uma entidade intermunicipal, com a natureza de associação pública de autarquias locais, e visa a realização de interesses comuns aos municípios que a integram.
O autor foi contratado pela ré para exercer a sua atividade no jornal a esta pertencente.
A empregadora pertencente ao setor público, pelo que admissão de trabalhadores só pode ser efetuada nos termos do art.º 6.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, o qual prescreve o seguinte:
1. O trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei.
2. O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.
3. O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades:
a) Contrato de trabalho em funções públicas;
b) Nomeação;
c) Comissão de serviço.
4 - O vínculo de emprego público pode ser constituído por tempo indeterminado ou a termo resolutivo.
No caso, a admissão foi efetuada através de contrato de prestação de serviço.
Todavia, como já foi decidido no ponto anterior, trata-se de uma falsa admissão como prestador de serviço, na modalidade de avença, pois existe subordinação jurídica.
Sobre esta matéria, o art.º 10.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, prescreve:
1. O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.
2. O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades:
a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;
b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
3. São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.
4. A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.
A declaração da existência de uma verdadeira situação de contrato de trabalho entre o prestador da atividade e a ré é a constatação de que esta contratou um trabalhador sob a forma de avença, em situação precária, para o exercício de funções correspondentes a contrato de trabalho, em clara violação da lei.
Trata-se da constatação de uma ilegalidade e não da condenação da ré a admitir o trabalhador ao abrigo de um contrato de trabalho. O que fica definido é que, enquanto durar, esta relação de trabalho é de trabalho subordinado, sujeita ao regime contributivo aplicável aos trabalhadores por conta de outrem e às obrigações daí derivadas, nomeadamente em relação a acidentes de trabalho e doenças profissionais e à exigência de seguro de acidentes de trabalho.
Uma vez clarificada a situação concreta, após prova dos factos alegados pelas partes, aquele período de tempo em que durar a relação de trabalho, embora não possa ser convolada em contrato de trabalho, por impedimento legal, deve ser tratada pelo trabalhador, empregadora, comunidade e pelas entidades públicas como se fosse um contrato de trabalho.
O único efeito jurídico que não pode ser produzido com a declaração de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é a condenação da empregadora a admitir o trabalhador ao abrigo de um contrato de trabalho.
Neste contexto, concluímos que a situação de facto consubstancia um contrato de trabalho mas que não pode ser convolado em contrato de trabalho, por força de impedimento legal.
Daí que não ocorra a inconstitucionalidade invocada pela apelante, nomeadamente a do art.º 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pois não se está a admitir um vínculo de emprego público por via de presunção. O que se está a admitir e a declarar é que entre janeiro de 2011 e 31 de janeiro de 2019 a relação jurídica titulada entre as partes como de avença configura antes uma relação de trabalho subordinado.
Tudo se passa como se estivéssemos perante um contrato por tempo indeterminado durante o tempo em que produz efeitos, embora a lei fulmine com a nulidade o contrato celebrado sob a forma de avença entre a ré e o autor.
A nulidade do contrato de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável (art.º 10.º n.º 4 da LTFP).
Por sua vez, o art.º 122.º do CT prescreve:
1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.
2. A ato modificativo de contrato de trabalho que seja inválido aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afete as garantias do trabalhador.
E o art.º 123.º do CT prerscreve:
1. A facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.
No caso, o contrato de trabalho cessou antes de ser declarada a sua nulidade.
A ré fez cessar unilateralmente o contrato de trabalho sem procedimento disciplinar, pelo que se trata de um despedimento ilícito (art.º 381.º c) do CT).
A nulidade é declarada pelo tribunal na sequência da ação interposta pelo autor, pelo que, por força das disposições legais citadas, o autor tem direito ao pagamento da indemnização de antiguidade e demais retribuições em que a ré foi condenada em primeira instância[1].
Em relação ao contrato celebrado com a SPA, como se refere na sentença recorrida: “ o contrato celebrado entre a ré e a SPA e que visava o exercício de funções de direção jornalística que viriam a ser prestados pelo autor, membro daquela sociedade, através de um acordo redigido entre aqueles, e em que a SPA se limitava a servir de intermediária no pagamento da retribuição ao autor, em nada afeta o que já se referiu, servindo tal contrato de mera formalidade para dar cobertura à continuidade de exercício de funções por parte do autor”.
Concordamos integralmente com o referido na sentença. O período de 22 meses não deve, assim, ser retirado ao tempo de antiguidade do autor.
A ré conclui ainda que: “a sentença recorrida condena também a CIMBAL a pagar ao recorrido «uma indemnização que fixo em 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade…», considerando-se que tal se mostra desadequado e desproporcional face ao facto de um recorrido ter tido sempre um vencimento acima dos valores que receberia como trabalhador dependente”.
O art.º 391.º do CT prescreve:
1. Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º
2. Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3. A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Os factos assentes não deixam dúvidas quanto à culpa elevada da empregadora, ao elevado grau de censurabilidade e ao nível elevado de ilicitude da conduta da empregadora.
A conduta da ré, que os factos documentam, é severamente censurada pela comunidade jurídica, sendo catalogada como uma verdadeira “praga de recibos verdes”, onde a precariedade impera e em que é difícil ao trabalhador escapar a este tipo de situações. O trabalhador ou aceita os termos propostos para a contratação ou fica sem acesso ao emprego.
É como que um contrato de adesão, com cláusula contratuais pré-definidas e estipuladas pela contratante em que o trabalhador não tem qualquer poder de intervenção. Não há acordo, mas uma adesão. No momento de decidir, o trabalhador aceita o que é proposto ou não tem nada.
O valor da retribuição do trabalhador já é tido em conta para efeitos de não fixar a retribuição base de cálculo em valor superior à média.
Neste contexto, consideramos ajustada e proporcional às circunstâncias do caso concreto fixar em 30 dias a retribuição para calcular a indemnização de antiguidade, tal como decidido na sentença recorrida.

B4) Abuso do direito

O art.º 334.º do Código Civil prescreve que e ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Analisados os autos, não encontramos qualquer conduta do autor que seja suscetível de se enquadrar na figura jurídica do abuso do direito. O autor veio a tribunal pedir determinada tutela jurisdicional, com base em factos que se provaram e não atuou de forma a comprometer o que seria o proceder de um cidadão normal colocado no seu lugar.
Termos em que improcede a apelação e se confirma a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela ré apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 16 de dezembro de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
______________________________________
[1] Neste sentido, Acs. do STJ de, 25.06.2009, processo n.º 08S2566; e de 10.12.2009, processo n.º 6/08.1TTPTG.S1, ambos em www.dgsi.pt/jstj.