Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7808/07.4TBSTB.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
PRAZO
ERRO NA FORMAÇÃO DA VONTADE
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Antes da reforma do Código de Processo Civil de 2013 e em sede de acção ordinária, o incidente de intervenção principal provocada não podia ser requerido no decurso da audiência de julgamento;
2 - Compete ao comprador, que pretende anular a escritura de compra e venda de um imóvel, a pretexto de vício que desvaloriza ou impede a realização do fim a que é destinado, provar que contratou com a convicção errónea, quanto às qualidades da coisa adquirida, conhecendo ou devendo conhecer o vendedor esta essencialidade.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 7808/07.4TBSTB.E1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:

Relatório

(…), divorciado, residente na rua do (…), (…), Pinhal Novo, intentou a presente ação comum, contra (…) e mulher, (…), moradores na praceta (…), lote (…), 1º, esq., Pinhal Novo, e “(…) e Gonçalves, Lda.”, com sede no local antes mencionado, pedindo, nomeadamente, que se declare a nulidade da escritura pública de 26 de abril de 2007, lavrada no Cartório Notarial sito na rua Castilho, nº 161, r/c, em Lisboa, entre o demandante e os primeiros demandados, aquele como comprador e estes como vendedores, referente ao prédio rústico, sito em (…), ou (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo (…), secção N, e de uma outra, outorgada no mesmo dia e no mesmo cartório, entre o requerente e a segunda demandada, aquele, também, como comprador e esta como vendedora, respeitante ao prédio urbano, para habitação, sito em (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo (…), com consequente restituição das quantias pagas, título de preço – € 27.5000,00 e € 160.000,00 – e, subsidiariamente, a sua condenação na redução do preço, em valores que indica, para tanto articulando factos, que, em seu critério, conduzem à sua procedência.

Em sede de audiência de julgamento, considerando-se que o Banco (…), S.A., por ser parte, juntamente com o demandante, num contrato de mútuo, com hipoteca do prédio urbano antes identificado, “tem um interesse igual ao do autor”, foi lavrado despacho a convidá-lo “para, no prazo de dez dias, querendo, fazer intervir o dito banco”, o que veio a acontecer, sendo a referida intervenção, apesar da oposição da sociedade demandada, admitida.

A ação foi julgada, parcialmente procedente, por provada, pelo que, em consequência, declarou-se anulada, apenas, a escritura pública respeitante ao prédio urbano, com consequente condenação da vendedora – a sociedade “(…) e Gonçalves, Lda.” – a restituir “tudo o que em virtude deste contrato tiver recebido até ao valor de € 160.000,00 entregues a título de pagamento do preço” e “o Autor a restituir à Ré o imóvel objeto do contrato de compra e venda”.

Inconformada com a sentença, apelou a demandada “(…) e Gonçalves, Lda.”, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

- Na formulação da sua convicção o Tribunal recorrido desprezou elementos probatórios constantes dos autos e cuja importância é determinante para a aplicação correta do direito “in casu”;

- Não considerou o facto da recorrente ter adquirido o prédio urbano a terceiros, em 12 de janeiro de 2006, por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Palmela, a Ré “(…) e Gonçalves, Lda.” comprou a (…) e mulher, (…), cerca de um ano antes de o transmitir ao Autor, não tendo por isso qualquer responsabilidade na construção do mesmo, que ocorreu cerca de vinte anos antes, com resulta da prova documental junta aos autos e, até, das declarações do próprio perito inquirido;

- Não considerou factos resultantes do relatório de peritagem, quanto à localização do imóvel em zona rural e sem infraestruturas públicas, onde se inclui o saneamento básico, que obriga, naturalmente, à existência de uma fossa privada para onde são canalizados os esgotos e demais canalizações domésticas;

- A construção, cuja utilização foi licenciada pela Câmara Municipal de Palmela, em 1988, o que implica necessariamente o licenciamento da construção e a prévia aprovação dos projetos respetivos e fiscalização da sua execução, não é plausível que a mesma não estivesse em sintonia com a lei aplicável à data;

- A data da construção do imóvel condiciona naturalmente as técnicas utilizadas quanto à existência ou não ou de paredes duplas e caixa-de-ar no solo, bem como acusa o desgaste do tempo decorrido;

- Nenhuma das anomalias detetadas no imóvel eram, de acordo com o perito, insuscetíveis de eliminação, devendo, por isso, ser eliminada da matéria dada como provada, quanto às deficiências detectadas no imóvel – “…sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação”;

- O vendedor/consumidor não está adstrito a uma obrigação de garantia originária, respondendo pelos defeitos da coisa, nos termos do artigo 914.º, do Código Civil;

- A recorrente não prestou ao Autor qualquer garantia sobre o imóvel vendido, contudo agiu de boa-fé e sem culpa;

- A obrigação de reparação dos defeitos só surge se se provar que, no momento em que se transmitiu a propriedade da coisa, o vendedor sabia ou não podia desconhecer, com um mínimo de razoabilidade, que a mesma era portadora de defeito;

- A questão que se coloca “in casu” é a da responsabilidade decorrente de venda de coisa defeituosa, prevista nos termos do artigo 913.º e seguintes do Código Civil, que, dada a matéria fáctica resultante dos autos, não se aplica no caso em apreço;

- As deficiências identificadas no prédio vendido são, no essencial, passíveis de correção, através da respetiva reparação, com resultou do depoimento do perito autor da perícia junta aos autos;

- Assim, andou mal Tribunal recorrido ao considerar que era de anular a declaração de compra e venda relativa ao prédio urbano, por errada aplicação do disposto no artigo 911.º, nº 1, do Código Civil;

- A intervenção principal provocada só pode se requerida até ao despacho saneador, se o houver, mesmo quando ordenada oficiosamente, tal intervenção só pode ter lugar até audiência de discussão e julgamento, ou seja, antes de a audiência ter começado;

- Assim, a admissão da intervenção do Banco (…) foi legalmente inadmissível por extemporaneidade, devendo por isso, ser revogada;

- Sem conceder, deve ainda ser revogada a decisão recorrida, julgando-se improcedente, por não provada, a acção, absolvendo-se a recorrente do pedido.


Contra-alegou o recorrido, sustentando a manutenção do decidido.


Face às conclusões das respetivas alegações, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: a) a alegada inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, por extemporaneidade; b) a requerida supressão, na resposta ao artigo 21.º base instrutória, da expressão “sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação”; c) o alegado erro na aplicação do direito aos factos assentes.


Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação

A - Os factos

Na sentença recorrida, foi considerado provado o seguinte quadro factual:

- Por escritura pública de 26 de abril de 2007, lavrada no Cartório Notarial sito na rua Castilho, nº 161, r/c, em Lisboa, o Autor (…) declarou comprar aos Réus (…) e mulher, (…), que declararam vender, um prédio rústico, sito em (…), ou (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo (…), secção N, pelo preço de € 35.000,00 (alínea a) dos factos assentes);

- Por escritura pública de 26 de abril de 2007, lavrada no Cartório Notarial sito na rua Castilho, nº 161, r/c, em Lisboa, o Autor (…) declarou comprar à Ré “(…) e Gonçalves, Lda.” um prédio urbano, para habitação, sito em (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, inscrito na matriz sob o artigo (…), mediante o preço de € 160.000,00 (alínea b) dos factos assentes);

- No dia 8 de março de 2007, o Autor (…), como promitente-comprador, e o Réu (…), como promitente-vendedor, celebraram um acordo escrito, intitulado “contrato promessa de compra e venda”, junto a fls. 34, 35 e 36, pelo preço de € 35.000,00, tendo como objeto um prédio rústico, situado nos (…) ou (…), freguesia do Pinhal Novo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…), do livro B-15, inscrito na matriz da respetiva freguesia, sob o artigo (…), da secção N (alínea c) dos factos assentes);

- No dia 8 de março de 2007, o Autor (…), como promitente-comprador, e a Ré “(…) e Gonçalves, Lda.”, como promitente-vendedora, celebraram um acordo escrito, intitulado “contrato promessa de compra e venda”, junto a fls. 37 e 38, pelo preço de € 160.000,00, tendo como objeto um prédio urbano, situado em (…), freguesia do Pinhal Novo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…), e inscrito na matriz urbana da respetiva freguesia sob o artigo (…) – (alínea d) dos factos assentes);

- Nesse mesmo dia o Autor (…) entregou ao Réu (…) a quantia de € 25.000,00, em cheque, a título de sinal (alínea e) dos factos assentes);

- Sendo € 5.000,00, por conta do pagamento do preço a que se alude na alínea a) e nos termos da 2ª cláusula do intitulado “contrato promessa de compra e venda” (alínea f) dos factos assentes);

- E a quantia de € 20.000,00, por conta do pagamento do preço do bem a que se alude na alínea b) e nos termos da 2ª cláusula do intitulado “contrato promessa de compra e venda” (alínea g) dos factos assentes);

- No dia 2 de abril de 2007, o Autor (…) e o Réu (…) celebraram um acordo denominado “Aditamento ao contrato promessa de compra e venda”, junto a fls. 40 (alínea h) dos factos assentes);

- Nesse mesmo dia e nos termos da 2ª cláusula do denominado “Aditamento ao contrato promessa de compra e venda”, o Autor (…) entregou ao Réu (…) a quantia de € 20.000,00, titulada por cheque (alínea i) dos factos assentes);

- Ainda nesse dia e com autorização do Réu (…) instalou a sua habitação no prédio urbano para habitação, sito em (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, inscrito na matriz sob o artigo (…) – (alínea j) dos factos assentes);

- Na caderneta predial que serviu de base ao contrato promessa e depois à escritura pública de compra e venda, constava que o terreno era composto de duas parcelas, uma rústica com 0,900 ha de área, e uma urbana com 0,100 ha de área (alínea k) dos factos assentes);

- O prédio urbano que integrava esse terreno foi desanexado em 1988, pela ap. …/020998, av 5 (alínea l) dos factos assentes);

- O prédio rústico, sito em (…), ou (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo (…), secção N, tem área de 9.769,50 m2 (alínea m) dos factos assentes);

- No momento da celebração das escrituras públicas, o Autor (…) entregou ao Réu (…) um cheque no valor de € 150.000,00 (alínea n) dos factos assentes);

- Nessa ocasião, a senhora Notária comunicou ao Autor (…) que, apesar da diferença de aérea do terreno em relação à matriz, se encontrava dentro do limite que possibilitava a realização das escrituras (alínea o) dos factos assentes);

- A publicitação da venda dos prédios foi feita através da agência (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. (alínea p) dos factos assentes);

- O Autor (…) pagou de IMT o montante de € 1.750,00 e de € 2.778,00 (alínea q) dos factos assentes);

- O tereno em causa integra-se em zona de Reserva Ecológica Nacional (resposta ao artigo 11º. da base instrutória);

- A porta que liga a sala ao corredor encontra-se empenada, com dificuldade em abrir e fechar (resposta ao artigo 20º. da base instrutória);

- A casa apresenta deficiências ao nível do isolamento térmico e pluvial, resultando esta deficiência da ausência de paredes duplas e caixa-de-ar na base da casa, o que provoca infiltrações de água por capilaridade nos muros que emergem, quer do exterior das paredes da casa, quer do interior através do chão/solo da habitação, sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação (resposta ao artigo 21º. da base instrutória);

- E apresenta humidade e bolor nas paredes e tetos (resposta ao artigo 22º. da base instrutória);

- Os esgotos da casa, nomeadamente da casa de banho, são feitos para uma fossa (resposta ao artigo 23º. da base instrutória);

- A canalização do lavatório pinga água para o chão da casa de banho (resposta ao artigo 26º. da base instrutória);

- Os azulejos das paredes da cozinha e casa de banho apresentam fissuras (resposta ao artigo 27º. da base instrutória);

- As chaminés da lareira da sala e da cozinha permitem a acumulação de fumo no interior da casa (resposta ao artigo 28º. da base instrutória);

- O que provocou o escurecimento das sancas das paredes da sala junto à lareira (resposta ao artigo 29º. da base instrutória);

- O senhor (…) da (…) facultou ao Autor (…) a documentação relativa ao prédio, com vista à concessão do empréstimo junto do banco (resposta ao artigo 35º. da base instrutória);

- E deslocou-se ao local com o Autor (…), pelo menos, por duas vezes, permitindo-lhe ver o terreno, composição e seus limites e o estado de conservação da moradia (resposta ao artigo 36º. da base instrutória);

- O Autor (…) deslocou-se à Câmara Municipal de Palmela, à secção de urbanismo e ali foi esclarecido sobre a impossibilidade de edificar quaisquer construções no prédio rústico sito em (…), ou (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº (…) da dita freguesia, e inscrito na matriz sob o artigo (…), secção N (resposta ao artigo 37º. da base instrutória);

- O Autor (…) teve conhecimento das divergências da área do prédio antes referido, em data anterior à celebração da escritura (resposta ao artigo 38º. da base instrutória);

- Em consequência das deficiências, a casa apresenta uma desvalorização em valor não concretamente apurado;

- Para a aquisição do prédio urbano o Banco (…) concedeu ao Autor um empréstimo, no montante de € 150.000,00, garantido pela constituição a seu favor de hipoteca sobre o dito prédio.

B - O direito

Quanto à alegada inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, por extemporaneidade

Num parêntesis, importa referir que o despacho que a admitiu o incidente de intervenção principal provocada foi proferido em 2011, pelo que apreciação da sua legalidade deverá ter em conta as normas processuais vigentes, na altura.

- “Não só por iniciativa de terceiro pode ter lugar a intervenção principal: ela pode surgir também na sequência do seu chamamento pelo autor ou pelo réu [1];

- Este chamamento só podia ser requerido até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio [2];

- Comportando o processo despacho saneador, a intervenção espontânea em articulado próprio poderia fazer-se antes de proferido este despacho, ou, não comportando o processo despacho saneador, até ser designado dia para julgamento em 1ª instância [3].

Quanto à requerida supressão, na resposta ao artigo 21º base instrutória, da expressão “sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação”

- “Às partes cabe a formação da matéria de facto da causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principiais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as exceções perentórias” [4];

- O mesmo já não acontece com os factos instrumentais – “factos que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção (constitutivos)” [5];

- Também são considerados na decisão, nos casos “em que a causa de pedir ou a exceção está individualizada, mediante a alegação fáctica suficiente para o efeito (…), mas não o completa”, os que a complementam ou a concretizam, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha sido possível o contraditório [6];

- “A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição; para que o segundo grau reaprecie a prova, não basta a alegação por banda dos recorrentes em sede de recurso de apelação que houve erro manifesto de julgamento e por deficiência na apreciação da matéria de facto devendo ser indicados quais os pontos de facto que no seu entender mereciam resposta diversa, bem como quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração daquela resposta”, sob pena de rejeição [7];

- “No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto (…), a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova” [8];

- “A prova, no processo, pode (…) definir-se como a atividade tendente a criar no espírito do juiz a convicção (certeza subjetiva) da realidade de um facto. Para que haja prova é essencial esse grau especial de convicção, traduzido na certeza subjectiva [9].

Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos assentes

- “A quem invoca um direito em juízo incumbe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, quer facto seja positivo, quer negativo. À parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito” [10];

- No âmbito das coisas defeituosas, apenas relevam os vícios que desvalorizem a coisa, que impeçam a realização do fim a que ela se destina e a falta de qualidade asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina [11];

- Estes defeitos, conjugados com a circunstância de o comprador ter sido induzido em erro, provocado ou dissimulado pelo vendedor, com recurso a artificio, sugestão ou embuste, ou com o facto de o comprador contratar com convicção errónea, relativamente às qualidades da coisa vendida e, neste último caso, conhecendo o vendedor ou não devendo ignorar a essencialidade para o comprador das mencionadas qualidade, facultam a a anulação da venda [12];

- Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria, igualmente adquirido a coisa, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço [13];

- A anulação do negócio tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado [14];

C - Aplicação do direito aos factos apurados

Quanto à alegada inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, por extemporaneidade

Quando o Autor (…) tomou a iniciativa do chamamento do Banco (…), SA, para intervir no processo, este, que comportava despacho saneador, encontrava-se já na fase de julgamento.

Nesta fase, já não era possível a intervenção espontânea de terceiro, através de articulado próprio.

Como tal, vedada estava ao dito demandante requerer a intervenção da referida instituição bancária.

Foi, pois, o incidente em causa deduzido fora de prazo, não sendo, por isso, admissível. Na verdade, tratando-se de intervenção principal provocada – e não espontânea –, a sua dedução não “é admissível a todo o tempo”, com alude, no seu despacho, o Tribunal recorrido.

Precede, assim, esta parte do recurso, pelo que, em consequência, revoga-se, com as inerentes consequências, o despacho que admitiu o incidente.

Quanto à requerida supressão, na resposta ao artigo 21º base instrutória, da expressão “sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação”

Esta questão, suscitada em sede “da Reapreciação da Prova Gravada em Audiência”, comporta, também, uma outra abordagem qual seja a de saber se a insusceptibilidade de eliminação dos defeitos do prédio urbano, “ao nível do isolamento térmico e pluvial”, poderia ou não fazer parte da “matéria de facto da causa”.

Considera esta Relação que não. Na verdade, trata-se de um facto que não foi alegado, nos articulados, pelas partes, que, por sinal, não reveste a natureza de instrumental. Além disso, não preenche uma lacuna na causa de pedir invocada e, como tal, não a complementa ou concretiza.

Assim sendo, a referida insusceptibilidade não podia constar do rol dos factos que integram a matéria de facto, pelo que importa considerá-la como não escrita.

Ainda que, assim, não se entenda, do depoimento, em audiência, do perito Ilídio José Costa não se retira a “certeza subjetiva” que tais defeitos não são suscetíveis de eliminação, uma vez que este se limitou a rotulá-la de “muito onerosa”, o que não se confunde, como é evidente, com a impossibilidade de sua remoção.

Procedendo, deste modo, este segmento da apelação, retira-se da resposta ao artigo 21º da base instrutória a expressão “sendo uma deficiência que não é suscetível de eliminação”.

Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos assentes

Nesta sede, importa referir o seguinte: a) o recurso está circunscrito à anulação, apenas, da escritura respeitante ao prédio urbano; b) a pretensão do recorrido Octávio Resende tem como causa de pedir factos fundamentadores do direito à sua anulação, previsto nos artigos 913.º e 905.º do Código Civil.

Assim sendo, importa verificar, para o sucesso, nesta parte, da ação, se, nos factos que emergiram da discussão da causa – aceites, por sinal, pelo dito apelado –, se encontram reunidos os indispensáveis pressupostos de facto.

A este propósito, convém começar por mencionar que o comprador (…) confessa que teve conhecimento, antes da escritura, que “as paredes exteriores da casa apresentavam algumas rachas” [15].

Além disso, é inquestionável que o mesmo, por duas vezes, durante as negociações, inteirou-se, do “estado de conservação da moradia”, cuja documentação lhe foi facultada, sendo certo, ainda, que nela passou a habitar três semanas antes da escritura.

Considerando ainda que a ação foi interposta no início de Dezembro de 2007 – após o verão e parte do outono –, não razoável afirmar, como faz o Tribunal recorrido, que, nomeadamente, “os bolores que surgiram nas paredes e tetos, as infiltrações de águas provenientes de um deficiente isolamento térmico e pluvial que provoca humidade nas paredes e no chão da casa”, não fossem “facilmente visíveis ou detetáveis no momento da compra”.

Acresce que os bolores, nomeadamente, os fotografados a fls. 181 e 186 são “bolores velhos”, isto é, não decorrentes de chuvas intensas de outono, que, por sinal, não foram alegadas.

É, pois, possível concluir que o recorrido (…) não contratou com uma convicção errónea, relativamente às condições de habitabilidade da moradia em causa, conhecendo ou devendo conhecer a apelante “(…) e Gonçalves, Lda.” a essencialidade para aquele das ditas condições.

Competia ao recorrido (…) – uma vez que não beneficiava de qualquer presunção –, provar o conhecimento, por parte da referida apelante, ou a possibilidade de conhecer, esta essencialidade.

Não se encontram, pois, provados os factos que conduziriam à anulação, com as inertes consequências, da escritura em causa.

O mesmo acontece, quanto ao pedido de redução de preço.

Procede, também, esta parte do recurso.

Decisão

Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação procedente, revogar a sentença recorrida, absolvendo, em consequência, a recorrente “(...) e Gonçalves, Lda.” do pedido.

Custas pelo apelado.

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Évora, 11 de Junho de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira

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[1] Artigo 325º., nº 1 do Código de Processo Civil (redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de junho) e José Lebre de Freitas, João redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado vol. I, 2ª edição, pág. 619.

[2] Artigo 326º., nº 1 do Código de Processo Civil (redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de junho).

[3] Artigo 323º., nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de junho).

[4] Artigo 5º., nº 1 do Código de Processo Civil (antigo artigo 264º., nº 1) e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Proceso Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 506.

[5] Artigo 5º., nº 2, a) do Código de Processo Civil (antigo artigo 264º., nº 2), Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, págs. 275 e 276, e acórdãos do STJ de 6 de julho de 2006 (processo nº 06B2002), de 31 de março de 2011 (processo nº 281/07.9 TBSVV.C1.S1), e de 23 de setembro de 2003 (processo nº 03B1987) in www.dgsi.pt..

[6] Artigo 5º., nº 2, b) do Código de Processo Civil (antigo artigo 264º., nº.3) e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 509.

[7] Acórdão do STJ, de 2 de dezembro de 2013 (processo nº 34/11.0 TBPNL.L1.S1), in www.dgsi.pt. e artigo 640º., nº 1, b) do Código de Processo Civil.

[8] Acórdão do STJ de 14 de fevereiro de 2012 (processo nº 6823/09.3 TBBRG.G1.S1.), in www.dgsi.pt. (no mesmo sentido, os acórdãos do STJ, de16 de outubro de 2012 (processo nº 649/04.2 TBPDL.L1.S1), 6 de julho de 2011 (processo nº 450/04.3 TCLRS.L1.S1), 6 de julho de 2011 (processo nº 645/05.2 TBVCD.P1.S1), 24 de maio de 2011 (processo nº 376/2002.E1.S1), 2 de março de 2001 (processo nº 1675/06.2 TBPRD.P1.S1), 16 de dezembro de 2010 (processo nº 2410/06.1 TBLLE.E1.S1) e 28 de maio de 2009 (processo nº 4303/05.0 TBTVD.S1), no mesmo sítio), e artigo 662º., nº 1 do Código de Processo Civil).

[9] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 436.

[10] Artigo 342º., nºs 1 e 2 do Código Civil e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 452.

[11] Artigo 913.º do Código Civil.

[12] Artigos 247.º, 251.º, 253.º, nº 1, 913.º, nº 1 e 905.º, do Código Civil.

[13] Artigos 247.º, 251.º, 253.º, nº 1, 913.º, nº 1 e 905.º, do Código Civil.

[14] Artigo 289.º, nº 1, do Código Civil.

[15] Artigos 71.º e 78.º da petição inicial.