Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
135/19.6T8PTG.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
QUEIXA DO OFENDIDO
CAUSA DE PEDIR
CONDENAÇÃO
OBJECTO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário:
I – Para efeito de contagem do termo inicial do prazo de prescrição estabelecido no artigo 498º, nº 1, do CC, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
II - O pedido de indemnização civil em separado, admissível quando verificados os casos contemplados no artigo 72º do CPP, constitui uma faculdade concedida ao lesado que ele pode exercer verificada qualquer das situações aí contempladas.
III - Essa opção ficaria inviabilizada em muitos casos se a pendência do inquérito não impedisse o início do decurso do prazo de prescrição (artigo 306º, n.º 1, do CC) implicando entendimento contrário desrespeito do princípio da adesão contemplado no artigo 71º do CPP.
IV – No caso concreto, quando estava em curso o prazo de prescrição de cinco anos, com a notificação efetuada em 06.11.2015 de que podia deduzir o pedido cível no processo penal, em conformidade com o disposto no art. 75º do CPP, ficou o autor impedido de recorrer à ação cível em separado, tanto mais que manifestou o propósito de exercer a ação civil no processo crime.
V – Tendo o autor sido notificado, em 06.11.2017, do despacho do Ministério Público de que não se pronunciava sobre os factos que o autor havia narrado aquando da sua inquirição como testemunha, por o mesmo não ter apresentado queixa, a prescrição passou a correr contra o lesado a partir daquela data.
VI - O facto de não ter sido apresentada oportunamente queixa criminal não colide com o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do artigo 498º do CC.
VII - No caso de pedidos derivados de uma causa de pedir unitária, tem sido entendimento jurisprudencial que para aferir da correspondência da condenação ao peticionado há que atentar no pedido global, independentemente da concreta fixação das diversas parcelas que compõem esse pedido. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
D… instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra L…, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe uma indemnização em montante não inferior a € 79.090,44, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Alegou, em síntese, que se dedica à exploração agrícola de vários prédios rústicos sitos em …, no Crato, e que o réu, dono de uma propriedade próxima, tinha à sua guarda e responsabilidade cerca de 250 animais de raça bovina, os quais, por não se encontrarem devidamente contidos e deixados ao abandono, se deslocavam livremente, entrando nos terrenos explorados pelo autor, derrubando vedações, pisando e comendo pastos, destruindo árvores e causando arrelias e inquietações, causando-lhe prejuízos que concretizou e dos quais se quer ver ressarcido.
O réu contestou, invocando a exceção de prescrição e impugnando a factualidade alegada pelo autor, afastando qualquer responsabilidade pelos danos peticionados.
O autor respondeu, pugnando pela improcedência da exceção invocada e concluindo como na petição inicial.
Saneado, condensado e instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e no âmbito do enquadramento jurídico citado, decido:
a) Julgo improcedente por não provada a exceção de prescrição suscitada pelo réu e absolvo o autor do pedido;
b) Julgo parcialmente procedente por provada a ação intentada por D…, e em consequência, condeno o réu L…, a pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia total de € 15.022,44 (quinze mil, vinte e dois euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; bem como a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo do autor e do réu, na proporção dos decaimentos respetivos (art. 527º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil.»
Inconformado, o autor apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que se transcrevem:
«1. Vem o RECORRIDO, através da presente acção, intentada em 25 de janeiro de 2019, peticionar a condenação do ora RECORRENTE por diversos factos praticados por animais deste no período compreendido entre 2012 e 2016.
2. O RECORRENTE, em sede de contestação, alegou a prescrição da presente acção, nos termos do n.º 1 do artigo 498.º, bem como que a prescrição também já se verificava mesmo que se entendesse ser aplicável o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, uma vez que a presente acção deu entrada em Juízo em 25 de Janeiro de 2019.
3. A Presente acção é, textual e factualmente, em tudo igual às acções números 1519/18.2T8PTG, que teve já Acórdão proferido pela 1.ª Secção Cível deste douto Tribunal da Relação de Évora em 21 de Novembro de 2019 e 1304/18.1T8PTG que teve já Acordão pela 2.ª Secção deste douto Tribunal da Relação de Évora em 21 de Novembro de 2019.
4. o RECORRIDO invoca, para efeitos de contagem de prazo de prescrição, a existência do processo crime que correu termos no Juízo Local Criminal de Portalegre sob o n.º 18/15.9GEPTG.
5. Em nota prévia ao despacho de acusação naqueles autos, o Ministério Público consignou que não se pronunciava sobre os factos narrados pelo aqui RECORRIDO aquando da sua inquirição como testemunha e que permitiriam indiciar a prática pelo RECORRENTE dum crime de dano, na medida em que aquele não tinha declarado que pretendia procedimento criminal contra o RECORRENTE e não tinha apresentado queixa.
6. No aludido despacho pode ler-se que o pedido de indemnização formulado pelo RECORRIDO foi recusado por ser legalmente inadmissível.
7. Uma vez que o RECORRIDO manifestou em sede de inquérito não pretender procedimento criminal contra o RECORRENTE, e por esse facto, não constarem da acusação os factos alegados no aludido pedido de indemnização.
8. na douta sentença, entendeu o douto tribunal a quo, “Assim, em 6 de Novembro de 2015, quando estava em curso o prazo de prescrição de cinco anos – o autor ao ser notificado de que podia deduzir o pedido cível no processo penal, em conformidade com o disposto no artigo 75.º do Código do Processo Penal, ficou impedido de recorrer à acção cível em separado, tanto mais que manifestou o propósito de exercer a acção cível no processo crime, o que significava que tinha de esperar pelo final do inquérito (arquivamento ou acusação), para exercer o seu direito, o que fez.”.
9. Não assiste qualquer razão ao douto Tribunal a quo, uma vez que como acima se transcreveu, no artigo 36.º dado como provado da douta sentença ora recorrida, se refere que o pedido de indemnização civil não foi recebido com o fundamento que o mesmo se fundava em factos que não constavam da acusação pública e por essa mesma razão nem sequer foram alvo de despacho de arquivamento, uma vez que os factos reportados ao aqui RECORRIDO nunca constaram do processo criminal uma vez que este abdicou do mesmo.
10. Consequentemente, o prazo prescricional não pode começar a correr com o despacho que põe termo ao inquérito, seja de arquivamento ou acusação, como alegado pelo RECORRIDO e acolhido na douta sentença ora recorrida.
11. O referido pedido de indemnização civil, não foi aceite por ser legalmente inadmissível, porquanto não estamos aqui a falar de qualquer despacho de arquivamento do inquérito.
12. No douto Acórdão proferido no âmbito do processo 1519/18.32T8PTG, pela 1.ª Secção Cível deste Digmo. Tribunal em 21 de Novembro de 2019, pode-se ler: “Ora, o Autor não estava impedido de formular pedido cível em separado nos termos da alínea c) do n.º 1 do artº 72.º do C.P. Penal, razão pela qual não pode beneficiar da decisão proferida em 15 de fevereiro de 2018, que lhe indeferiu esse pedido cível, justamente porque não apresentou queixa contra o arguido.
13. Donde, inexiste fundamento legal para que a contagem do prazo de prescrição se iniciasse a partir da notificação desse despacho, porque o Autor podia e devia ter exercido o seu direito autonomamente dentro do prazo geral de três anos.”
14. A redacção do número 1 do artigo 498.º do Código Civil é expressa ao estatuir que, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
15. É assim irrelevante que os prejuízos se tenham produzido ao longo do tempo, até porque, a própria lei processual civil prevê, sem necessidade de acordo da outra parte, a ampliação do pedido desde que o mesmo decorra do pedido originário.
16. É certo que o n.º 3 da referida norma legal dispõe que se o facto ilícito constituir crime para o qual seja estabelecido prazo mais longo, é este o aplicável, sendo o prazo de prescrição previsto para o crime de dano de cinco anos.
17. Tendo em conta que o próprio RECORRIDO alega que teve conhecimento do direito a ser indemnizado pelo ora RECORRENTE em meados de 2012, é manifesto que o prazo prescricional mais longo, há muito que tinha expirado à data da propositura da presente acção em 25 de Janeiro de 2019.
18. Para que a parte possa aproveitar o prazo de prescrição mais longo, tem que alegar factos que consubstanciam a prática de um crime, o que manifestamente o RECORRIDO não fez.
19. O RECORRIDO não alegou factos a partir dos quais se possa extrair que estamos perante um crime continuado e não de vários crimes, mormente a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas, e tão pouco alegam quaisquer factos integradores da verificação de crime de dano, que é um crime necessariamente doloso, nem sequer da consciência de ilicitude.
20. Os factos julgados como provados no processo crime identificado nos autos em nada dizem respeito ao ora RECORRIDO.
21. Na Petição Inicial, o RECORRIDO nada demonstra, quanto ao elemento subjectivo, designadamente que o RECORRENTE sabia que a sua conduta causava prejuízos ao RECORRIDO e, ainda assim, não se inibiu de a alterar, agindo livre, voluntária e conscientemente.
22. Para se aferir do carácter doloso da actuação do ora RECORRENTE, havia que ser alegada e demonstrada a actuação livre, voluntária e consciente do RECORRENTE, que saberia ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal, para que se pudesse aferir o carácter doloso da sua actuação.
23. A falta de alegação destes pressupostos e sua não demonstração, equivale à não verificação do elemento subjectivo do tipo legal do crime de dano, cuja prática foi imputada ao RECORRENTE na douta sentença ora recorrida.
24. Bem como inexiste na Petição Inicial uma completa referência quanto ao preenchimento, por parte do RECORRENTE, do elemento subjectivo do tipo legal de crime cuja prática lhe foi imputada, consequentemente, como acima se demonstrou, sendo a verificação do elemento subjectivo indispensável para que se afirme o cometimento do crime, então devia a douta sentença ora recorrida concluir que os factos imputados ao RECORRENTE, como descritos na petição inicial, são insusceptíveis de constituir a prática do crime de dano.
25. Era assim exigível ao RECORRIDO não só alegar os factos integrantes dos elementos objectivos do tipo legal imputado, mas era também necessária uma imputação subjectiva completa dos factos.
26. Por não terem sido alegados factos que constituem um crime de dano, porquanto apenas foram alegados os elementos objectivos do tipo penal, não pode ao RECORRIDO aproveitar o prazo de prescrição mais longo.
27. Em momento algum da petição inicial, onde é delimitado o pedido do RECORRIDO, é alegado que este foi vitima de qualquer crime, continuado ou não.
28. O prazo prescricional aplicável nos presentes autos é assim de três anos, e começou a correr em meados de 2012.
29. Termos em que, mal andou o douto tribunal a quo, ao ter julgado improcedente a excepção de prescrição deduzida pelo RECORRENTE.
30. O douto Tribunal “a quo” deu como provado, que desde meados de 2012 até ao dia 20 de Outubro de 2016, por número de vezes não apurado, mas ao longo de quase todos os dias da semana, os animais da raça bovina do réu saíam do prédio deste, partindo as cercas, ou através de cercas destruídas, e entravam nas explorações agrícolas do autor, como em outras, em busca de alimento.
31. Conforme consta da matéria dada como provada, nomeadamente no ponto 39, o RECORRENTE viu transitar em julgado a sentença que decretou a perda dos seus animais a favor do Estado em 25 de Setembro de 2015, deixando aí de ter a posse dos mesmos.
32. Pelo que, nunca a douta sentença poderia ter dado como provado que até Outubro de 2016 os animais fossem do ora RECORRENTE.
33. Nos presentes autos o RECORRENTE foi condenado ao pagamento do montante de € 6.132,00 pela aquisição de fardos de palha – ponto 22 da matéria dada como provada.
34. Montante inferior ao peticionado pelo RECORRIDO.
35. Condenando o RECORRENTE num pagamento substancialmente inferior, com base em prova testemunhal.
36. Não existe qualquer documento nos autos que ateste qual o valor de cada fardo de palha, a quantidade de fardos de palha adquiridos e em que período teve supostamente o RECORRIDO de adquirir tais fardos de palha que justifique uma condenação do RECORRENTE por dano emergente.
37. Deve igualmente ser revogada a decisão do douto Tribunal a quo que condenou o RECORRENTE no pagamento do montante de € 7.800,00 a título de perdas sofridas pelo RECORRIDO com venda de gado, ou seja, a título de dano por lucros cessantes.
38. Em momento algum quer da Petição Inicial quer na sentença, é indicado qual o número de animais vendidos, a quem, e qual o preço de venda dos animais, quer em momento anterior ao dano quer posteriormente.
39. Nos termos do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 16 de Dezembro de 2004, disponível em www.dgsi.pt, que refere, “Para haver prejuízos decorrentes de lucros cessantes (frustração de ganhos), havia que ter sido provado que a paralisação da produção de papel fez diminuir as vendas ou que encomendas do produto não foram cumpridas, daí resultando perda de receitas com a consequente perda de lucros.
40. Condenou ainda o douto Tribunal a quo o RECORRENTE ao pagamento de uma indemnização ao RECORRIDO no montante de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
41. Fundamentou o douto Tribunal a quo esta sua decisão, segundo decorre da douta sentença ora recorrida, na prova testemunhal, que atestou, no entender do douto tribunal, a angústia e sofrimento de impotência do RECORRIDO.
42. Não concretiza o douto Tribunal a quo, em que consistiu a angústia e impotência do RECORRIDO e, em que se traduziu essa mesma angústia e impotência, o que aliás nem sequer foi alegado pelo RECORRIDO.
43. Conforme é referido no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 25 de Janeiro de 2012 no âmbito do processo 4212/07.8TTLSB.
44. é unanimemente aceite pelos nossos tribunais, que só são indemnizáveis os danos que afectam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral, o que resulta da redacção do próprio artigo 496.º do Código Civil, que fala em danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
45. Por não se terem alegado ou provado elementos concretos para aferir do relevo da angustia ou do sentimento de impotência do RECORRIDO, não se oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais ao abrigo do disposto no artigo 496.º do Código Civil.
46. Ao condenar o RECORRENTE a pagar a este título ao RECORRIDO o montante de € 5.000,00, violou do douto tribunal a quo o estabelecido no número 1 do artigo 609.º do Código do Processo Civil.
47. Veja-se a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 1052/05.2TTMTS.S1, em 25 de Março de 2010, que refere expressamente: “A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada naquele preceito legal, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao Juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor”.
48. Termos em que, se requer a V.Exas., Venerandos Desembargadores, que revoguem a douta sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que absolva o RECORRENTE dos pedidos contra si formulados nos presentes autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões suscitadas nesta apelação consubstanciam-se em saber:
- se prescreveu o direito do autor;
- se são devidos os montantes arbitrados na sentença a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
- se a sentença é nula por ter condenado o réu em quantidade superior à peticionada pelo autor a título de danos não patrimoniais.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1 - O autor dedica-se, profissionalmente, a atividades agrícolas e pecuárias, nomeadamente, à criação de animais bovinos, ovinos e caprinos, para venda.
2 - Para tanto, o Autor explora as referidas parcelas/prédios:
- C…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- F… em …, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção A;
- S…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção L;
- V…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção D1;
- P…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- PM…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- C…, sito em M…, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob os artigos … da secção G;
- C…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- H…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- H…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- C…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G;
- V…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção I;
- Vale T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo da secção I;
- T…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção B;
- C…, sito em …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção C.
3 - No ano de 2012 o réu tinha uma exploração agrícola próxima das que são exploradas pelo autor na zona de Monte da Pedra, na qual possuía e explorava animais bovinos da raça alentejana, em número concretamente não apurado, mas superior a duzentos e cinquenta animais.
4 - O réu deixou que os seus amimais passassem fome e sede.
5 - Motivo pelo qual, desde meados de 2012 até ao dia 20 de outubro de 2016, por número de vezes não apurado, mas ao longo de quase todos os dias da semana, os animais da raça bovina do réu saíam do prédio deste, partindo as cercas, ou através de cercas destruídas, e entravam nas explorações agrícolas do autor, como em outras, em busca de alimento.
6 - Andavam livremente pela estrada municipal como pelos terrenos próximos, nomeadamente nas explorações do autor, sem que o réu os controlasse.
7 - Dando causa a acidentes rodoviários e estragos nas herdades próximas.
8 - Quando entraram nas herdades/terrenos explorados pelo autor, partiram vedações e cercas.
9 - Pisaram e comeram pastos.
10 - Fazendo com que as pastagens existentes fossem insuficientes para alimentar os animais do autor, que teve de comprar fardos de palha e pastagens.
11 - Comeram plantas, rebentos e folhas das árvores existentes.
12 - Por vezes coçavam-se nos troncos das arvores, levando a quebra de ramos e destruição daquelas de porte mais pequeno.
13 - Morreram animais do réu na exploração agrícola do autor, que teve de os remover.
14 - A factualidade descrita de 4) a 9) era do conhecimento dos habitantes locais e a deambulação das vacas pelas estradas e os acidentes que causaram foram noticiados pela imprensa.
15 - Os touros do réu cobriram fêmeas de gado bovino do autor, donde nasceram, pelo menos, vinte e seis crias.
16 - As vacas do autor, de raça alentejana, são cruzadas com touros limousine ou charoleses, raças tipicamente associadas à venda de carne.
17 - Desse cruzamento nascem crias grandes, fortes e com um valor comercial mais elevado que a raça alentejana pura.
18 - Sendo os touros do réu de raça alentejana, as crias nasciam mais pequenas e com um valor comercial mais baixo.
19 - As crias puras alentejanas valem cerca de € 250,00 a € 300,00; uma cria cruzada de limousine ou charolês pode ser vendida entre € 550,00 a € 600,00.
20 - O autor contatou entidades públicas, fez participações junto da GNR, que por diversas vezes se deslocaram à sua exploração, e alertou o réu sobre o que se estava a passar, com a finalidade de resolver a situação, mas sem sucesso.
21 - Com a aquisição de pastagens o autor despendeu a quantia de € 1.090,44.
22 - Com a aquisição de um fardo de palha por dia, pelo valor de € 3,50, ao longo de cerca de quatro anos o autor despendeu, pelo menos € 6.132,00.
23 - Com a venda das crias o autor perdeu, pelo menos, € 7.800,00.
24 - O autor assistiu diariamente, ao longo do sobredito período temporal, à dita invasão dos animais nas suas propriedades e aos estragos que os mesmos provocavam, sem nada conseguir fazer para os evitar,
25 - …tendo vivido em situação de permanente angústia, sofrimento e preocupação.
26 - No Processo Comum Singular que sob o nº 18/15.9GEPTG que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre - Juízo Local Criminal de Portalegre -, por sentença proferida em 14 de julho de 2018 já transitada em julgado, o ora réu L… foi condenado como autor material de dois crimes de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do Código Penal e como autor material de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, p. e p. pelo art. 290º, n.º 1, al. d), do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão;
27 - Em 6 de novembro de 2015 D…, na sequência das declarações prestadas no processo criminal foi notificado de que podia deduzir pedido de indemnização civil nos autos, em conformidade com o disposto no art. 75º do Código de Processo Penal (fls. 671-672 e 675 daquele processo criminal).
28 - Em 16 de novembro de 2015 D…, invocando a sua posição de ofendido e na sequência daquela notificação, manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização naquele processo crime (requerimento com referência 26604222).
29 - Nesse mesmo processo, por requerimento apresentado em 18 de dezembro de 2015 (requerimento com registo de entrada 26712969), o ora autor D… requereu a sua constituição como assistente;
30 - Por carta expedida em 21 de janeiro de 2016 o ora réu L… foi notificado para se pronunciar em dez dias sobre o dito pedido de constituição de assistente.
31 - Foi notificado para esse efeito em 25 de janeiro de 2016.
32 - Nesse processo, o Ministério Público declarou nada ter a opor à requerida constituição como assistente (referência 26753447).
33 - Por despacho proferido em 18 de fevereiro de 2016, D… foi admitido a intervir naquele processo crime como assistente, nos seguintes termos: “Assim, por lhe assistir legitimidade, encontrando-se em tempo, representado por advogado, e tendo pago taxa de justiça, admito a requerida intervenção de D… como assistente, nos presentes autos (artigos 68°,no 1, al. a), 70°, n.º 1, e 519°, n.º 1, todos do Cód. P. Penal)” , tendo aquele despacho sido notificado ao ora réu (cf. despacho com referência 26940012 e notificação do despacho ao arguido, ora réu, ao seu ilustre mandatário e ao Ministério Público, com referências 26940013, 26940014 e 26940015, respetivamente, todas de 18 de fevereiro de 2016, e que coincidindo com a data da conclusão, evidenciam que o sobredito despacho foi proferido na mesma data, muito embora, e por lapso manifesto, nele conste uma data anterior).
34 - Em nota prévia ao despacho de acusação, o Ministério Público consignou que não se pronunciava sobre os factos narrados por D… aquando da sua inquirição como testemunha e que permitiriam indiciar a prática pelo arguido e ora réu dum crime de dano, na medida em que aquele não tinha declarado que pretendia procedimento criminal contra aquele arguido e não tinha apresentado queixa.
35 - O ora autor e ali assistente D… foi notificado daquele despacho por carta remetida em 6 de novembro de 2017 (referência 28307669).
36 - Em 5 de dezembro de 2017 o mesmo autor apresentou naquele processo criminal pedido de indemnização civil, que aquando do recebimento da acusação não foi recebido com o fundamento que o mesmo se fundava em factos que não constavam da acusação pública.
37 - A presente ação destinada a efetivar responsabilidade civil extracontratual deu entrada em juízo em 25 de janeiro de 2019;
38 - O réu L… foi citado em 6 de fevereiro de 2019.
39 - Na sobredita sentença condenatória, sob o facto nº 74, ficou provado o seguinte: “Por decisão datada de 27 de abril de 2015 e transitada a 25 de setembro de 2015, a DGV decidiu declarar os animais bovinos de que o arguido era proprietário, perdidos a favor do Estado”.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
A) O autor teve despesas com a remoção dos animais do réu que morreram na sua exploração.
B) O autor não conseguiu manter o mesmo número de animais bovinos, - por não conseguir suportar os custos.
C) O Autor teve que comprar plantas para substituição das destruídas pelos animais e correspondente mão-de-obra, no que despendeu € 1.500,00.
D) O autor reparou as cercas, com os inerentes custos de mão-de-obra e material, no que despendeu a quantia de € 1.500,00.
E) O autor gastou 63.000,00 com a aquisição de fardos de palha.

O DIREITO
Da prescrição
Na prescrição, o prazo reflete o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com a exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado nos arts. 306º e 307º do CC.
Constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º, nº 1, do CC.
O prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido[1].
Com efeito, como ensina Vaz Serra[2], «o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito», não sendo de aceitar uma solução que faça «correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito», sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas («impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição.
Ainda sobre esta problemática, escreveu este mesmo Professor[3] que «o prazo de prescrição a que se refere o nº 1 do art. 498º do C. Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respectivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento», salientando que «não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo» , acrescentando mais adiante « Se ele (lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito com o decurso de tal prazo».
Neste mesmo sentido se pronunciou Antunes Varela[4], referindo que o lesado tem conhecimento do seu direito quando «conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu».
Com base nestes ensinamentos é de concluir «que para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº1 do CC, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu»[5].
Sendo assim e porque no caso dos autos, a causa de pedir invocada pelo autor assenta na conduta omissiva do réu consubstanciada em deixar os seus animais invadir a propriedade do autor, violadora do seu direito de propriedade e geradora de danos patrimoniais e não patrimoniais, temos por certo que os pressupostos da responsabilidade civil em que o autor/lesado assenta o seu pedido de indemnização tornaram-se do seu conhecimento em julho de 2012, como, aliás, se entendeu na decisão recorrida, onde a propósito se escreveu:
«Realizado o julgamento, ficou provado que desde meados de 2012 até ao dia 20 de outubro de 2016, por número de vezes não apurado, mas ao longo de quase todos os dias da semana, os animais da raça bovina do réu saíam do prédio deste, partindo as cercas, ou através de cercas destruídas, e entravam nas explorações agrícolas do autor, como em outras, em busca de alimento, partindo vedações e cercas, pisando e comendo pastos, o que, para além do mais, causou prejuízos ao autor nos termos atrás demonstrados.
Ficou também provado que o autor assistiu diariamente, ao longo do sobredito período temporal, à dita invasão dos animais nas suas propriedades e aos estragos que os mesmos provocavam.
Não foi apurada a data concreta do início da produção dos estragos, tanto mais que a mesma não foi indicada com precisão pelo réu. Não obstante, tendo em consideração a alusão, a “meados” do ano de 2012, e tendo em consideração que o meio do ano se verifica no mês de junho, podemos ter como seguro que no início do mês de julho de 2012 (1 de julho) os factos descritos já se verificavam e o autor já tinha conhecimento deles, pelo que, nos termos do dito nº 1, do art. 498º, do Código Civil, e não obstante a continuidade dos factos danosos, o autor teve conhecimento naquela data que lhe assistia o direito de exigir do réu – sabia inclusivamente que este era o proprietário dos animais bovinos – indemnização pelos estragos alegadamente sofridos em consequência da conduta (omissiva) daquele.»
Este entendimento não é sequer colocado em crise no recurso, insurgindo-se antes o recorrente contra o facto de na sentença se ter entendido estarmos perante um crime de dano e, como tal, ser aplicável in casu o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do nº 3 do art. 498º do CC, defendendo o recorrente que não foram alegados factos que constituem aquele tipo de crime, «porquanto apenas foram alegados os elementos objectivos do tipo penal», não podendo por isso aproveitar ao autor/recorrido o prazo de prescrição mais longo.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Está provado que:
- No ano de 2012 o réu tinha uma exploração agrícola próxima das que são exploradas pelo autor na zona de Monte da Pedra, na qual possuía e explorava animais bovinos da raça alentejana, em número concretamente não apurado, mas superior a 250 animais.
- O réu deixou que os seus amimais passassem fome e sede.
- Motivo pelo qual, desde meados de 2012 até ao dia 20 de outubro de 2016, por número de vezes não apurado, mas ao longo de quase todos os dias da semana, os animais da raça bovina do réu saíam do prédio deste, partindo as cercas, ou através de cercas destruídas, e entravam nas explorações agrícolas do autor, como em outras, em busca de alimento.
- Andavam livremente pela estrada municipal como pelos terrenos próximos, nomeadamente pelas explorações do autor, sem que o réu os controlasse.
- Quando entravam nas herdades/terrenos explorados pelo autor partiram vedações e cercas.
- Pisaram e comeram pastos, fazendo com que as pastagens existentes fossem insuficientes para alimentar os animais do autor.
- Comeram plantas, rebentos e folhas das árvores existentes.
- Por vezes coçavam-se nos troncos das árvores, levando a quebra de ramos e destruição daquelas de porte mais pequeno.
- O autor alertou o réu sobre o que se estava a passar, com a finalidade de resolver a situação, mas sem sucesso.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«O dano é um crime meramente doloso e “para haver dolo, o agente tem, nos termos gerais, de representar que a sua ação sacrifica coisa alheia. Por isso, só são imputáveis ao dolo do agente os efeitos nocivos que são do seu conhecimento” [Manuel da Costa Andrade, Obra citada, pág. 225).
O autor alegou e demonstrou que o réu, no âmbito da sua atividade agrícola, possuía e explorava animais bovinos.
Tanto basta para que se possa concluir, em face do disposto no art. 493º, nº 1, do Código Civil, que recaía sobre o réu o dever de vigilância dos animais.
Ora, os factos apurados em audiência e que tinham sido alegados pelo autor, revelam à saciedade que entre meados de 2012 e outubro de 2016, os animais do réu, por não serem por este alimentados, partiram as cercas do prédio onde se encontravam e/ou saíram através de cercas destruídas, e invadiram os terrenos onde o autor desenvolvia a sua atividade agrícola danificando, para tanto, as cercas respetivas.
Comeram pastagens, ramos de árvores…
O réu teve sempre conhecimento destes factos e nada fez, conformando-se indiscutivelmente com os resultados verificados nos terrenos para onde se dirigiam os seus animais, sendo que no âmbito do dever de vigilância que sobre si recaía, estava obrigado a manter os animais na sua exploração, criando e proporcionando todas as condições, designadamente de segurança das cercas e vedações para que os mesmos não conseguissem sair, inexistindo dúvidas que a ação de vigilância esperada e exigível era adequada a evitar os resultados que se vieram a verificar.
Dispõe o art. 10º, nº 1, do Código Penal: “Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da ei”.
E o nº 2, do mesmo artigo, diz-nos, por seu turno, que “A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado”.
Ou seja, no termos do nº 1, do referido art. 10º, se determinado comportamento omissivo provocar um certo resultado típico, deve ser considerado para efeitos penais, como se tivesse sido produzido por ação, já que se não fosse a omissão, o resultado não se verificaria.
No caso dos autos, caso o réu tivesse cumprido, para além do mais, o dever de vigilância para com os seus animais, o que não fez, de modo voluntário, não teriam ocorrido os danos nas cercas dos prédios do autor, a destruição de pequenas árvores, como não teria ocorrido a subtração de pastagens, folhas, rebentos, que se destinavam a servir de alimento aos animais da exploração do autor.
Foram assim alegados factos suscetíveis de integrar a prática de crime dano, cometido por omissão (…), pelo que no caso o prazo de prescrição a atender é o prazo de prescrição mais alargada, designadamente, o prazo de cinco anos, em conformidade com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 498º, nº 3, do Código Civil, 118º, nº 1, al. c), 203º, nº 1, e 212º, nº 1, do Código Penal.
Deste modo, e na sequência do que anteriormente se deixou exposto, o prazo de prescrição teria ocorrido em 30 de junho de 2017.»
Fazemos nossas estas palavras da sentença, as quais traduzem uma análise fáctico-jurídica irrepreensível do caso vertente, pelo que seriam desnecessárias quaisquer outras considerações da nossa parte.
Dir-se-á, apenas, que nos autos de Processo Comum Singular a que se alude no ponto 26 dos factos provados, em que estavam em causa factos idênticos aos da presente ação, embora referentes a outros ofendidos, por sentença proferida em 14 de julho de 2018 já transitada em julgado, o réu/recorrente foi condenado, além do mais, como autor material de dois crimes de dano.
No acórdão desta Relação de 22.02.2019, que confirmou aquela sentença, escreveu-se:
«No que tange à inserção dos factos no crime de dano já se afirmou que a conduta reiterada do arguido a retira do campo da possível negligência e a coloca no campo do crime omissivo, (…).
De facto a argumentação do arguido assenta numa visão atomística - auto a auto - sendo certo que em autos (factos) isolados a primeira reacção é de considerar que os danos causados por animais se não devem integrar num crime doloso. Mas uma visão geral da conduta do arguido ao longo de vários anos, quatro anos concretamente, implica uma diversa apreciação do seu comportamento, não sendo permitido ao intérprete limitar-se a uma visão de escola quanto à classificação do seu comportamento como meramente negligente.
Afirmar que a sua conduta pode ser eventual ou necessariamente dolosa é de uma aceitabilidade manifesta. (…).
Assim a sua argumentação quanto à impossibilidade de integração da sua conduta no crime de dano soçobra. (sublinhado nosso).
Dúvidas inexistindo, pois, que o réu praticou um crime de dano, o prazo de prescrição é de cinco anos, pelo que quando o autor instaurou a ação em 24.01.2019, estaria já prescrito o respetivo direito. Veremos seguidamente que não é assim.
No âmbito do inquérito nº 18/15.9GRPTG, que deu origem ao Processo Comum Singular no qual o réu veio a ser condenado como autor material de dois crimes de dano e como autor material de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, o autor, em 06.11.2015 e na sequência das declarações ali prestadas, foi notificado de que podia deduzir pedido de indemnização civil nos autos, em conformidade com o disposto no art. 75º do Código de Processo Penal (CPP).
Nesse mesmo mês, em 16.11.2015, na sequência da referida notificação, invocando a sua posição de ofendido, o autor manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização naquele processo crime, tendo posteriormente, em 18.12.2015, requerido a sua constituição como assistente, o que foi do conhecimento do ora réu, e ali arguido, que foi notificado em 25 de janeiro de 2016 para se pronunciar sobre o dito pedido de constituição de assistente.
O autor foi ainda admitido a intervir naquele processo crime na qualidade de assistente em 18.02.2016, com a concordância do Ministério Público, tendo o réu sido notificado de tal decisão.
Nos termos do art. 71º do CPP, «[o] pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei», ou seja, tipificados nas várias alíneas do subsequente art. 72º.
Cuidando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o preceito consagra no nosso ordenamento o princípio da chamada adesão da ação civil à ação penal, e mais do que uma mera interdependência das ações, o princípio arrasta consigo o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal[6].
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2004[7] explicitou assim o alcance daquele normativo:
«O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, (princípio da adesão) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei - artº 71º do CPP. Daí que, em princípio, se haja de admitir que o prazo de prescrição não corre enquanto pender a acção penal, nos termos do disposto no artigo 306°, nº 1, do C. Civil.
Poderia pensar-se, assim, que tal restrição não ocorreria, em princípio, se, não obstante a pendência da acção penal, não existisse obstáculo legal a que o pedido de indemnização pudesse ser apresentado no tribunal cível (em separado), nomeadamente nas hipóteses consideradas no artigo 72° do CPP. E, no caso «sub-specie», a acção cível podia (in abstracto) ser deduzida em separado, com base nas alíneas c) - o procedimento criminal dependia de queixa, f) - o pedido tinha obrigatoriamente de ser deduzido também contra pessoa com responsabilidade meramente civil (Seguradora ou FGA) - e g) - o valor do pedido permitia a intervenção do tribunal colectivo.
Não é, contudo, de aceitar que a pendência do processo crime correspondente não assuma relevância como facto interruptivo da prescrição do direito de indemnizar.
O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
(…).
No fundo, a pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção contínua ou continuada («ex vi», do artº 323, nºs 1 e 4, do C. Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que (...) com ele são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos, interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime adrede instaurado.
Não é, ademais, razoável que o início da contagem prescricional para o exercício do direito de indemnização possa ocorrer durante a pendência do inquérito. Admitir o contrário, representaria, em certos casos, negar, na prática, o exercício da acção cível ao lesado que visse o processo crime ser arquivado decorridos que fossem mais de três anos sobre a verificação dos factos danosos, apesar desse processo (penal) ter estado sempre em andamento "normal" durante aquele período de tempo.
Poderia mesmo (e sob outro prisma) coarctar-se ao lesado o exercício do direito de queixa ou de acusação, na medida em que, dependendo o procedimento criminal de queixa do ofendido, a dedução à parte do pedido de indemnização perante o tribunal cível implicaria, de per si, a renúncia ao direito de queixa - nº 2 do artº 72º do CP 82.
Destarte, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no nº 1 do artº 306º do C. Civil - " o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Conf., neste sentido, e entre outros, o Ac deste Supremo Tribunal de 15-10-98, in proc 988/97 - 2ª Sec.».
Este entendimento tem sido de forma persistente reiterado em decisões do Supremo Tribunal de Justiça, com especial destaque para o Acórdão proferido em 13.10.2009[8], assim sumariado:
«II - O pedido de indemnização civil em separado, admissível quando verificados os casos contemplados no art. 72.º do CPP, constitui uma faculdade concedida ao lesado que ele pode exercer verificada qualquer das situações a que alude o art. 72.º do CPP; essa opção ficaria inviabilizada em muitos casos se a pendência do inquérito não impedisse o início do decurso do prazo de prescrição (art. 306.º, n.º 1, do CC) implicando entendimento contrário desrespeito do princípio da adesão contemplado no art. 71.º do CPP.
III - Assim sendo, com o desfecho do inquérito, ou por arquivamento ou por acusação, inicia-se o prazo de prescrição, pois, a partir desse momento, o não exercício da acção cível em separado ou conjuntamente, conforme os casos, é da responsabilidade do lesado, não existindo, assim, razão para não se considerar terminado o impedimento posto ao decurso do prazo prescricional.
IV - Do exposto decorre que, iniciado o inquérito com o acidente ocorrido em 10-07-1998, inquérito que findou com acusação deduzida em 21-06-2001, a prescrição passou a correr contra o lesado decorridos os prazos a que alude o art. 77.º do CPP (…)».
Este mesmo entendimento foi seguido no Acórdão do STJ de 27.04.2011[9], em cujo sumário se pode ler:
«LXIV - Com efeito, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto de interrupção, ficando a nova prescrição sujeita ao primitivo prazo de prescrição (art. 326.º do CC) (…). Se, no caso dos autos, o MP determinou a instauração de inquérito em (…), não podia o tempo decorrido em inquérito ser utilizado na contagem do prazo de prescrição, uma vez que só depois de apurada jurídico criminalmente a conduta da arguido, (que delimitada, conduziria, findo o inquérito, a um despacho de acusação ou de arquivamento, nomeadamente pela verificação ou não do ilícito criminal, fonte do pedido de indemnização civil e independentemente dos termos da qualificação da conduta criminal do arguido), é que poderia saber-se se deveria ser formulado o pedido cível nos termos do princípio da adesão ou em separado.»
Deste modo, não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, previstas no art. 72º do CPP, entendemos que assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à ação cível em separado, «não se podendo considerar que o direito à indemnização tem de ser exercido apenas porque se lhe abriu a faculdade de accionar civilmente em separado», pois «[a] não ser assim, converter-se-ia uma faculdade num ónus, impondo-se, por via interpretativa, uma sanção que a lei não quis impor, não se vislumbrando na lei que o efeito interruptivo decorrente do procedimento criminal instaurado cesse logo que ocorra a possibilidade de ser demandado o responsável civil em separado»[10].
Ora, estipula o art. 75º, nº 2, do CPP que quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização cível deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer e o art. 77º estabelece o momento para essa dedução – (depois da acusação ou da pronúncia ou, se não tiver manifestado o propósito a que se refere aquele nº 2 até 20 dias depois da notificação ao arguido da acusação ou se não a houver do despacho de pronúncia).
Portanto, deduzida a acusação no inquérito, o direito à indemnização tem de ser exercido nos prazos perentórios assim estabelecidos, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da ação cível em conjunto com a ação penal.
Sendo assim, «passada essa fase processual, não só deixa de ser já possível o exercício do direito no processo penal, como, logicamente, deixa de operar o obstáculo a que o titular do mesmo o concretize na acção civil, pelo que se deve fixar em tal etapa o início do cômputo do prazo da prescrição do direito, por se verificar, a partir de então, a inércia do seu titular em que a inerente extinção do direito se funda. Donde, o prazo de prescrição do direito inicia-se quando ao respectivo titular for exigível que o exerça, por estar em condições objectivas de o poder fazer, nos termos do citado art. 306º do CC»[11].
Revertendo ao caso concreto, importa considerar a seguinte factualidade:
- Em 06.11.2015 o autor, na sequência das declarações prestadas no processo criminal foi notificado de que podia deduzir pedido de indemnização civil;
- Em 16.11.2015 o autor, invocando a sua posição de ofendido e na sequência daquela notificação, manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização naquele processo crime.
- Nesse mesmo processo, por requerimento apresentado em 18.12.2015 o autor requereu a sua constituição como assistente;
- Por despacho proferido em 18 de fevereiro de 2016, o autor foi admitido a intervir naquele processo crime como assistente.
- Em nota prévia ao despacho de acusação, o Ministério Público consignou que não se pronunciava sobre os factos narrados por D… aquando da sua inquirição como testemunha e que permitiriam indiciar a prática pelo arguido e ora réu dum crime de dano, na medida em que aquele não tinha declarado que pretendia procedimento criminal contra aquele arguido, ora réu, e não tinha apresentado queixa.
- O autor foi notificado daquele despacho por carta remetida em 06.11.2017.
- Em 05.12.2017 o autor apresentou naquele processo criminal pedido de indemnização civil, que aquando do recebimento da acusação não foi recebido com o fundamento que o mesmo se fundava em factos que não constavam da acusação pública.
Desta facticidade resulta que, em 06.11.2015, quando estava em curso o prazo de prescrição de cinco anos – o autor ao ser notificado de que podia deduzir o pedido cível no processo penal, em conformidade com o disposto no art. 75º, do CPP, ficou impedido de recorrer à ação cível em separado, tanto mais que manifestou o propósito de exercer a ação civil no processo crime, o que significava que tinha de esperar pelo final do inquérito (arquivamento ou acusação), para exercer o seu direito, o que fez.
Em nota prévia ao despacho de acusação proferida naquele processo contra o aqui réu, o Ministério Público consignou que não se pronunciava sobre os factos narrados pelo autor aquando da sua inquirição como testemunha e que permitiriam indiciar a prática pelo ora réu de um crime de dano, na medida em que aquele não tinha declarado que pretendia procedimento criminal contra aquele arguido e não tinha apresentado queixa, tendo o autor sido notificado daquele despacho por carta enviada em 06.11.2017.
Tal despacho não configura, é certo, um ato de arquivamento, mas é inegável que aquela decisão do Ministério Público, e a sua notificação ao autor, como bem se diz na sentença recorrida, «marca o momento a partir do qual este último – na falta de reação contra tal despacho – sabe que não pode exercer o seu direito de indemnização no processo criminal, tendo-se iniciado a partir da notificação daquele despacho o prazo de prescrição de cinco anos para o exercício do seu direito por recurso à ação civil».
Ademais, a circunstância do autor não ter apresentado queixa, não obsta ao alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º do CC.
Escreveu-se a este respeito no Acórdão da Relação de Guimarães de 20.02.2014[12]:
«Assim e desde logo a letra do n.º 3 daquele artigo refere-se apenas à circunstância de o facto que fundamenta o pedido indemnizatório constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo e não faz depender a extensão do prazo da apresentação de queixa nem faz qualquer distinção entre as situações em que o procedimento criminal depende da apresentação de queixa daquelas em que não disso não carece; de resto, a apresentação de queixa é um direito que a lei atribui ao lesado e deixa na sua total disponibilidade e não um dever.
Acresce que o alongamento do prazo, independentemente da apresentação ou não de queixa, encontra justificação bastante na circunstância da maior gravidade do facto danoso, a ponto de alcançar relevância penal.
Deste modo, entendemos, com Antunes Varela, RLJ, Ano 123, página 45 e seguintes, “Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração de procedimento criminal ainda que, por qualquer circunstância (v.g. por falta de acusação particular, ou de queixa, ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado” (…)»
Resulta assim do exposto, que na data em que o réu foi citado para os termos da presente ação (06.02.2019), o direito que o autor aqui pretende fazer valer não estava prescrito, improcedendo assim a exceção de prescrição suscitada, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Da responsabilidade civil do réu.
A responsabilidade civil por factos ilícitos, de acordo como o art. 483º do CC, tem como pressupostos a verificação de um evento, a ilicitude deste, os danos causados, nexo de causalidade entre o evento e os danos e o nexo de imputação do evento ao agente a título de dolo ou de mera culpa.
Entendeu-se na sentença recorrida estarem verificados todos aqueles pressupostos e, consequentemente, condenou-se o réu no pagamento ao autor das seguintes quantias nela discriminadas.
Discorda o recorrente da fixação destes valores, começando por dizer que nunca a sentença poderia ter dado como provado que até outubro de 2016 os animais fossem seus (ponto 5 dos factos provados), tendo em conta o que foi dado como provado no ponto 39 dos factos provados, ou seja, que na sentença que condenou o réu, «sob o facto nº 74, ficou provado o seguinte: “Por decisão datada de 27 de abril de 2015 e transitada a 25 de setembro de 2015, a DGV decidiu declarar os animais bovinos de que o arguido era proprietário, perdidos a favor do Estado”».
Em primeiro lugar cabe referir que o recorrente não impugnou expressamente a decisão da matéria de facto, e muito menos observou os ónus a que estava adstrito nesse caso (art. 640º do CPC), pelo que só uma eventual contradição entre os pontos da matéria de facto em causa, poderia dar razão ao recorrente.
Mas tal contradição é inexistente, pois a circunstância de se ter dado como provado na referida sentença condenatória que por decisão da DGV de 27.04.2015, transitada a 25.09.2015, a DGV decidiu declarar os animais bovinos de que o aqui réu era proprietário, perdido a favor do Estado, em nada contradiz aqueloutro facto de que desde meados de 2012 até ao dia 20 de outubro de 2016, por número de vezes não apurado, mas ao longo de quase todos os dias da semana, os animais da raça bovina do réu saíam do prédio deste, partindo as cercas, ou através de cercas destruídas, e entravam nas explorações agrícolas do autor, como em outras, em busca de alimento.
Na verdade, uma coisa é declarar perdidos a favor do Estados os ditos animais e outra terem os mesmos sido efetivamente apreendidos, sendo que a situação está perfeitamente esclarecida no seguinte trecho da motivação da decisão de facto da sentença:
«O tribunal tomou também em consideração o testemunho de M…, médica veterinária, chefe de divisão da Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária do Alentejo, e que declarou conhecer autor e réu por força da sua atividade profissional.
Explicou que o autor e outros agricultores a procuraram por causa dos animais que andavam na estrada e que invadiam as suas propriedades.
Deu conta da intervenção dos serviços, nomeadamente, das intervenções no campo e da morosidade de todo o processo, que culminou em outubro de 2016 (o documento de fls. 152 dos autos emitido pela sobredita Direção de Serviços dá conta que a retirada dos últimos animais ocorreu no dia 20 de outubro de 2016 – que permitiu a concretização do facto descrito em 5.) com o abate dos animais do réu que já tinham sido declarados perdidos a favor do Estado e que não lograram até então ser apanhados.» (sublinhado nosso).
Insurge-se também o recorrente contra a sua condenação no montante € 6.132,00 pela aquisição de fardos de palha (ponto 22 dos factos provados), o que se traduziu em «montante inferior ao peticionado pelo recorrido», com base «em prova testemunhal», não existindo «qualquer documento nos autos que ateste qual o valor de cada fardo de palha».
Relembre-se, uma vez mais, que o recorrente não procedeu a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, parecendo outrossim esquecer que para a prova da matéria em causa (aquisição de fardos de palha) não existe prova tarifada em processo civil, não se encontrando o tribunal impedido de se socorrer de todos os meios de prova admissíveis em direito, designadamente a prova testemunhal, pelo que nenhuma razão lhe assiste.
Diz ainda o recorrente que deve ser revogada a sentença na parte que o condenou no pagamento da quantia de € 7.800,00 a título de perdas sofridas pelo autor com venda de gado, ou seja, a título de lucros cessantes, pois em momento algum da petição inicial ou da sentença «é indicado qual o número de animais vendidos, a quem, e qual o preço de venda dos animais, quer em momento anterior ao dano quer posteriormente».
Ora, foi dado como provado no ponto 23 que com a venda das crias o autor perdeu, pelo menos, € 7.800,00, pelo que não tendo o autor impugnado a matéria de facto, não pode agora, em sede de direito, pretender que seja desconsiderada aquela matéria, sendo certo que a prova daquela factualidade está devidamente explicada na fundamentação da decisão de facto.
Insurge-se também o recorrente contra a sua condenação no montante de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, pois não concretizou o Tribunal a quo «em que consistiu a angústia e impotência do recorrido e, em que se traduziu essa mesma angústia e impotência, o que aliás nem sequer foi alegado pelo recorrido».
A matéria em causa, contrariamente ao que afirma o recorrente, foi alegada pelo autor nos artigos 42º, 43º e 44º da petição inicial e foi dada como provada nos pontos 24 e 25 dos factos provados, que não foram, como já se disse e repete, objeto de impugnação por parte do recorrente.
Ora, a angústia, sofrimento e preocupação, traduzem sentimentos do autor que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, «na medida em que o autor viu atingido de forma relevante o exercício da sua atividade profissional, e a paz e tranquilidade pessoais», como bem se diz na sentença recorrida.
Por último, diz o recorrente na conclusão 46 que «ao condenar o recorrente a pagar a este título (danos não patrimoniais) ao recorrido o montante de € 5.000,00, violou o douto tribunal a quo o estabelecido no número 1 do artigo 609.º do Código do Processo Civil».
É certo que no artigo 45º da petição inicial o autor afirmou ser-lhe devida uma indemnização «pelos danos morais que teve, no valor de € 3.000,00», mas o pedido que formulou foi o de o réu ser condenado a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a € 79.090,44 a título de danos, isto é, todo os danos, os de natureza patrimonial e não patrimonial.
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 25.03.2010[13]:
«Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no art.º 609.º, n.º 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.
Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.
Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.
Com efeito, na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir».
Ora, o réu foi condenado a pagar ao autor uma indemnização a título de danos patrimoniais, no montante de € 15.022,44, e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 5.000,00, o que perfaz o total de € 20.022,44, valor muito abaixo do que foi peticionado pelo autor (79.090,44).
Não se mostra, pois, violado o princípio do pedido que impede a condenação em valor superior ao peticionado, já que estamos perante um valor parcelar da indemnização global e a limitação quantitativa da condenação implícita no art. 609º, nº 1, do CPC, reporta-se ao valor global e não ao das concretas parcelas que integram o valor total do pedido.
Consequentemente, a sentença não enferma da nulidade que lhe é apontada pelo recorrente.
Improcedem, assim, todas as conclusões em sentido contrário do recorrente, sendo de manter a douta decisão recorrida.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Évora, 7 de maio de 2020
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes Desembargadores:
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso
Tomé Ramião, com a seguinte declaração de voto:
“Votei a decisão por considerar substancialmente distinta a factualidade provada nesta ação daquela que se consignou na Apelação n.º 1519/18.2T8PTG.E1, em que fui Relator”.
__________________________________________________

[1] Cfr., inter alia, Ac. STJ de 20.03.2014, proc. 420/13.0TBMAI.P1.S1, disponível como os demais adiante citados sem menção de origem, in www.dgsi.pt.

[2] Prescrição e Caducidade, in BMJ, nº 105, pp. 190, 193 e 194.

[3] Em anotação ao Acórdão do STJ de 27.11.1973, in RLJ, ano 107.º, p. 296.

[4] In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª ed., Almedina, Coimbra-1989, p. 596.

[5] Cfr. Acórdão do STJ de 12.09.2019, proc. 2032/16.8T8STR.E1-A.S1.

[6] Cfr. Acórdão do STJ de 22.05.2018, proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2, que aqui seguimos de perto.

[7] Proc. 03B4084.

[8] Proc. 206/09.7YFLSB.

[9] Proc. 712/00.9JFLSB.L1.S1. No mesmo sentido se pronunciaram, entre muitos, os Acórdão do STJ de 22.05.2018 acima citado e de 21.11.2019, proc. 11701/15.9T8LSR-A.L1.S2.

[10] Cfr. Acórdão do STJ de 13.10.2009 supra citado. No mesmo sentido, inter alia, os Acórdãos do STJ de 18.12.2013, proc. 150/10.5TVPRT.P1.S1 e de 22.05.2013, proc. 2024/05.2TBAGD.C1.C1. Também a RC, no acórdão de 21.02.2017, p. 520/16.5T8CBT-E.C1, formulou a seguinte conclusão: «enquanto pender o inquérito, (…) enquanto o lesado civil ou titular do direito de indemnização puder usar a adesão ao processo penal esse seu direito não deve ser separadamente exercido e o prazo de prescrição não pode começar a contar-se».

[11] Cfr. Acórdão do STJ de 22.05.2018 a que vimos aludindo.

[12] Proc. 369/11.1TBMNC.G1. No mesmo sentido, inter alia, o Acórdão do STJ de 14.12.2006, proc. 06B2380, e os Acórdãos da Relação de Guimarães de 15.03.2012, proc. 3851/08.4TBBCL.G1, e de 14.05.2015, proc. 3533/10.7TJVNF.G1, este último relatado pelo aqui relator.

[13] Proc. 1052/05.2TTMTS.S1.