Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3824/18.9T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
TEMPO DE TRABALHO
ASSISTÊNCIA À FAMÍLIA
PEDIDO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
RECUSA
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- O regime especial de horário flexível visa adequar o tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos.
II- Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, um horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e domingo como dias de folga, motivado pela circunstância de a trabalhadora não ter ninguém que possa ficar com o seu filho menor de 5 anos, quando o infantário que o mesmo frequenta está encerrado, o horário requerido enquadra-se na definição de horário flexível, prevista no artigo 56.º do Código do Trabalho.
III- Sobre o empregador recai o dever de proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal - artigo 127.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
IV- As exigências imperiosas do funcionamento da empresa que justificam a recusa do pedido do horário flexível, previstas no n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho, correspondem a situações excecionais, extraordinárias, inexigíveis ao empregador para conseguir manter o regular funcionamento da empresa ou estabelecimento.
V- O ónus da prova da existência de motivo legalmente protegido para a recusa do pedido de horário flexível recai sobre o empregador.
Évora, 11 de julho de 2019. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
M..., S.A., veio intentar ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M..., pedindo que seja declarado que o regime de folgas requerido pela Ré não se enquadra no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho.
Subsidiariamente pede que seja declarado que o aludido artigo não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao sábado e ao domingo e que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do regime de folgas pretendido pela Ré.
Em consequência da procedência de qualquer um dos pedidos, pede que se declare que a Autora não está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o sábado e domingo, e que a Autora mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré.
Alegou, em breve síntese, que a Ré, sua trabalhadora, requereu um horário de trabalho flexível entre as 09h00 e as 18h00, com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e o domingo como dias de descanso, sem indicar o prazo durante o qual pretendia usufruir de tal horário.
A Autora comunicou-lhe que entendia que o horário de trabalho solicitado não correspondia a um horário flexível e informou que recusava o requerimento no que concerne ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível, mas também pelas exigências imperiosas de funcionamento do estabelecimento.
Tendo sido seguido o procedimento previsto no artigo 57.º do Código do Trabalho, a CITE concluiu que o pedido da trabalhadora era enquadrável no artigo 56.º do diploma, e que a recusa do empregador não estava devidamente fundamentada.
Pelas razões que alega na petição inicial, a Autora conclui que não está obrigada nem pode aceder ao pedido da trabalhadora.
Não foi possível obter uma solução amigável para o litígio, em sede de tentativa de conciliação.
Contestou a Ré, invocando que o horário por si requerido se enquadra no conceito legal de horário flexível e que não se verificam os motivos justificativos para a recusa manifestada pelo empregador. Impugna os factos alegados pela parte contrária.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Pelos fundamentos expostos, julgo a ação improcedente, pelo que, decido não reconhecer a existência de motivo justificativo para a A. M..., S.A. recusar a atribuição de horário flexível efetuada pela Ré M..., nos termos já em vigor., e, em consequência:
a) Declaro que o regime de folgas requerido pela Ré enquadra-se no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho;
b) Declaro que o artigo 56.º do Código do Trabalho confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao Sábado e ao Domingo.
c) Declaro que não existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do regime de folgas pretendido pela Ré.
d) Declaro que a Autora está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho, com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o Sábado e Domingo;
e) Declaro que a Autora não mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré, que contrarie o decidido supra nas alíneas a) a d). (…)»
Inconformada com o decidido, veio a Autora interpor recurso, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. A recorrente não pode conformar-se com a decisão que recaiu sobre este processo, a qual fez uma incorreta interpretação dos factos, bem como uma errada aplicação da lei, o que conduziu a uma solução totalmente injusta e sem qualquer respaldo na lei.
2. A recorrente não pode conformar-se com uma decisão que reconhecendo que a ação “encontra, pois, o seu fundamento no disposto no n.º 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho, tendo a A. peticionado ao tribunal que declarasse que o regime de folgas requerido pela Ré não se enquadra no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho”, não faça uma apreciação do pedido ao abrigo da lei e sustente a sua orientação numa decisão de uma entidade administrativa, in casu¸ a CITE.
3. Tal decisão, na opinião da recorrente, abre um inconcebível precedente na solução de direito encontrada por se abster de analisar uma questão prévia à própria existência dos factos e que inviabilizariam a solução propugnada: se o regime de folgas se enquadra ou não no conceito de horário flexível previsto no art.º 56.º do código do Trabalho. Daí a necessidade e legitimidade do presente recurso
4. O regime de horário flexível consta nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho e visa permitir que os trabalhadores com filhos menores de doze anos ou, independentemente da idade, filhos com doença crónica, possam escolher, dentro de determinados limites fixados pelo empregador, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
5. Para este efeito, e em cumprimento dos preceitos legais, o empregador deverá elaborar um horário no qual designe um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário,
6. E que indique ainda os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário.
7. Por fim, deverá estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
8. Em termos procedimentais, o Código do Trabalho exige que o trabalhador interessado remeta um pedido escrito ao empregador, com uma antecedência mínima de 30 dias, contendo o seguinte:
a. Indicação do prazo previsto;
b. Declaração na qual conste que o filho menor vive com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação.
9. Significa isto que o próprio pedido do trabalhador está vinculado àquilo que a lei determina e exige.
10. A Recorrida/Trabalhadora solicitou à Recorrente um regime de horário flexível, sem indicar o prazo durante o qual pretendia usufruir, nos seguintes termos:
«(…) horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira e ao Sábado e Domingo descanso».
11. Em resposta, a Recorrente indicou que a atribuição do horário não seria possível, elencando fundamentos de direito, bem como os motivos relacionados com o funcionamento do estabelecimento – isto porque perante uma exigência tão detalhada no horário, aquilo que verdadeiramente ocorreu foi um pedido de alteração de horário de trabalho e não um horário flexível.
12. De seguida, a Recorrente remeteu todo o processo para a CITE que emitiu um parecer desfavorável à intenção de recusa do Empregador no qual, afirma ser «(…) enquadrável no artigo 56.º do Código do Trabalho a indicação, pelo/a requerente, de um horário flexível a ser fixado dentro de uma amplitude temporal diária e semanal indicada como a mais favorável à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, por tal circunstância não desvirtuar a natureza do horário flexível se essa indicação respeitar o seu período normal de trabalho diário.», acrescentando ainda «(…) que a amplitude indicada pela trabalhadora (…)» tem de ser «(…) enquadrável na amplitude dos turnos que lhe podem ser atribuídos.».
13. Relativamente ao posicionamento da CITE, e sem prejuízo de outras considerações, refira-se, em primeiro lugar, que o seu entendimento do regime de horário flexível tem sido vertido ao longo de dezenas (se não centenas) de pareceres, que se poderão consultar no respetivo website.
14. E, em segundo lugar, que a aqui Recorrente discorda perentoriamente da leitura que a CITE faz do regime aplicável ao horário flexível.
15. Conforme resulta dos factos provados:
a. o horário de trabalho da Recorrida não foi individualmente acordado;
b. a Recorrente informou a Recorrida que recusava o pedido desta referente ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível.
16. O tribunal a quo alicerça a sua decisão de direito no parecer da CITE e naquele que é o entendimento de uma entidade administrativa, abstendo-se de interpretar ou, no mínimo, procurar o caminho doutrinal e/ou jurisprudencial para resolver aquela que é a principal questão dos presentes autos: o regime de folgas requerido pela Recorrida não tem enquadramento legal no conceito de horário flexível constante do art.º 56.º do Código do Trabalho
17. Apesar de reconhecer que a Recorrente peticionara declaração que o regime de folgas requerido pela Recorrida não se enquadrava no conceito de horário flexível na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho, o tribunal a quo, ao invés de procurar dar uma resposta sustentada a esta questão, sustenta a sua conclusão unicamente na existência (ou não) de necessidades imperiosas da empresa que possibilitassem a recusa do pedido de horário flexível.
18. Ao abster-se de analisar a questão prévia à prova da existência de factos que possibilitem a atribuição de um horário flexível – isto é, se o pedido da Recorrida consubstancia ou não um horário flexível – o tribunal a quo ignorou a própria existência do direito da Recorrida em fazê-lo.
19. O tribunal a quo, apesar de reconhecer e de declarar que o regime de folgas se enquadra no conceito de horário flexível, facto é que sustenta a sua decisão apenas ao nível da regulamentação do exercício do direito, afirmando que inexistem exigências imperiosas do funcionamento da empresa que sustentem a recusa do horário. Porém, e conforme foi pedido pela Recorrida e, mais do que isso, se impunha nos presentes autos, nada se diz acerca dos pressupostos da existência do direito.
20. Ademais, parece que se pretende transmitir a ideia que a decisão da Recorrente é uma questão de igualdade de género, tamanhas são as referências legais a essa temática, quando o ponto fulcral se afasta em toda a linha dessa matéria
21. Cabe à Recorrente, enquanto entidade empregadora, fixar e alterar o horário de trabalho da Recorrida, o que aliás ficou até expressamente consignado no contrato de trabalho celebrado entre as partes. Isto, independentemente de estar em causa um horário fixo ou flexível.
22. Como, aliás, foi entendimento do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA no recente acórdão de 18.05.2016, no qual se deram por reproduzidas as palavras de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO: “Se o trabalhador pretender exercer o direito ao regime de horário flexível é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho”.
23. Além do acórdão já referido, também o Tribunal Judicial do Porto, 5ª Secção do Trabalho, J2, em 14.10.2016, aderindo à tese sustentada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18.05.2016, mais acrescentou que “[d]o exposto, resulta que para além da circunstância de estar em causa o próprio funcionamento da empresa, não nos podemos alhear da circunstância de existirem outros trabalhadores nas mesmas circunstâncias e que desse modo não poderiam, ou ficariam muito limitados a folgar aos sábados e domingos, o que levaria a um tratamento diferenciado e discriminatório relativamente à Ré.”.
24. Resulta de tudo o exposto que, o direito a horário flexível consagrado no Código do Trabalho nada tem que ver com a escolha dos dias de trabalho e dos dias de descanso semanal, pelo que o regime de folgas não tem qualquer relação com o direito consagrado no artigo 56.º do CT.
25. O conceito de horário de trabalho flexível vem definido no artigo 56.º do Código do Trabalho, resultando essencialmente da conjugação do n.º 2 e n.º 3 daquele artigo.
26. Nos termos do artigo 56.º n.º 2 do Código do Trabalho, “entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e de termo do período normal de trabalho diário”
27. Os “limites” referidos no artigo 56.º n.º 2 do Código do Trabalho são os que lhe são fixados pelo empregador, ao abrigo do n.º 3 desse mesmo artigo, cabendo ao empregador elaborar um horário flexível que deve conter:
a) conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) indicar os períodos de início e de termo do período normal de trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) estabelecer um período de intervalo de descanso não superior a duas horas.
28. No horário flexível, quer os períodos de presença obrigatória do trabalhador, quer os períodos de início e de termo do período normal de trabalho diário (dentro dos quais o trabalhador escolherá as horas a que entra e a que sai), quer ainda o intervalo de descanso, são definidos pelo empregador.
29. E será dentro desses limites (art. 56.º n.º 2, in fine), determinados pelo empregador, que o trabalhador poderá escolher as horas de início e de termo da jornada de trabalho.
30. O art. 56.º do Código do Trabalho concerne apenas com as horas de início e termo da jornada de trabalho, pelo que não atribui ao trabalhador direito de escolher os dias de trabalho e os dias de descanso (folgas).
31. Só por aqui, já se verifica que o horário de trabalho solicitado pela Ré não é um “horário flexível”, na aceção do art. 56.º do Código do Trabalho, porque incide sobre os dias de trabalho e os dias de descanso.
32. Assim, apesar de a recorrida qualificar o seu pedido como um “horário flexível” e de até invocar o art. 56.º do Código do Trabalho, verifica-se que o conteúdo do horário solicitado pela trabalhadora é, isso sim, um horário com folgas fixas.
33. É necessário separar a regulamentação do exercício do direito e dos seus limites daquela que é a própria regulação dos pressupostos do direito. Para tanto, o tribunal a quo deveria basear o seu entendimento na interpretação da norma contida no art. 56.º do Código do Trabalho, sustentando-se desde logo no elemento literal, isto sem exclusão dos restantes elementos de ponderação.
34. Deste modo, logo se veria que o n.º 2 do art. 56.º do Código do Trabalho refere expressa e inequivocamente que o horário flexível diz respeito a um direito de escolha, dentro de certos limites, das horas de início e termo do período normal de trabalho diário. Repare-se, não é o direito a um horário, mas um direito a escolher, num determinado dia, o início e termo do trabalho, conforme o horário estabelecido pelo empregador.
35. A expressão “período normal de trabalho diário” indica, por um lado, que se refere ao início e fim da jornada diária de trabalho, nada tendo que ver com os dias de descanso semanal; e, por outro, abstém-se de qualquer referência à definição do horário.
36. O tribunal a quo deveria ter demonstrado se entende ou não que um pedido de alteração do horário e do regime de descanso semanal que, em virtude da intervenção de uma entidade administrativa se converte numa obrigação de facere (alteração do horário e do regime de descanso semanal) é ou não legítimo e lícito à luz do art. 56.º do CT.
37. O requerimento da Recorrida não tem qualquer apoio na lei – a Recorrida reivindicou um direito que a lei simplesmente não lhe confere e que veio a ser reconhecido pelo tribunal a quo.
38. O pedido da Recorrida, na parte em que pretende estabelecer um regime de folgas, não encontra enquadramento no conceito de horário flexível previsto no art.º 56.º do Código do Trabalho.
Nestes termos, requer a Vossas Excelências se dignem julgar procedente por provado o presente recurso, substituindo a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” por outra que declare que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao Sábado e ao Domingo e, consequentemente, que declare que a Recorrente não está obrigada a conceder à Recorrida um horário de trabalho, com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o Sábado e Domingo.»
Contra-alegou a recorrida, propugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso pelo tribunal de 1.ª instância, o processo subiu à Relação.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, eis as questões que constituem o objeto do recurso:
1.ª Analisar se o horário requerido pela trabalhadora se enquadra no conceito legal de horário flexível.
2.ª Apreciar a verificação dos motivos justificativos para a recusa de tal horário pelo empregador, nomeadamente no que concerne aos dias de folga requeridos pela trabalhadora.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos relevantes para a boa decisão da causa:
1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, ao comércio retalhista e armazenista e à distribuição em livre serviço. (cfr. certidão permanente do registo comercial com o código de acesso 5033-4862-8028, acessível em www.portaldaempresa.pt).
2) A Autora é detentora de diversos estabelecimentos com as insígnias “CM...” e “C...”.
3) A Ré é trabalhadora da Autora desde 05.07.2000 (cfr. contrato de trabalho que adiante se junta como doc. 1 e que aqui se dá por reproduzido) e (aceite por acordo).
4) A Ré tem a categoria profissional de Operadora Especializada e presta funções na loja «CM» sita na Quinta do Conde (adiante designada abreviadamente por «loja») e (aceite por acordo).
5) Atualmente, a Ré está afeta à secção de peixaria – congelados e bacalhau. (aceite por acordo).
6) A referida loja está aberta ao público durante os sete dias da semana, incluindo feriados, entre as 08h30m e as 23h00m. (aceite por acordo).
7) A generalidade dos colegas de secção da Ré prefere gozar as suas folgas ao sábado e domingo. (aceite por acordo).
8) A A. é sócia do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Escritórios e Serviços de Portugal, nele beneficiando de serviços jurídicos gratuitos, sendo a sua mandatária judicial, signatária, que subscreve a presente petição inicial na qualidade de advogada do contencioso do referido sindicato (Doc. 1).
9) Atualmente, o período normal de trabalho da Ré é de 40 horas por semana.
10) O horário de trabalho da Ré não foi individualmente acordado com a Autora.
11) Em 20.02.2018, a Ré entregou à Autora uma carta, através da qual requereu um horário de trabalho «(…) flexível entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira e ao Sábado e Domingo descanso» (cfr. doc. 2 que adiante se junta e que aqui se dá por reproduzido).
12) No dia 08.03.2018, a Autora comunicou à Ré que entendia que o horário de trabalho solicitado não correspondia a um horário flexível (cfr. doc. 3 que adiante se junta e que aqui se dá por reproduzido).
13) Por outro lado, a Autora informou a Ré que recusava o pedido desta referente ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível, mas também pelas exigências imperiosas de funcionamento do estabelecimento.
14) A Ré apresentou ainda uma apreciação à recusa, mantendo a sua posição e explicitando melhor a sua situação, lá indicando que:
i. O horário pretendido visava satisfazer a necessidade de conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal, dado que vivia sozinha com o seu filho de 5 anos e o pai estava em parte incerta.
ii. O pedido fundava-se igualmente no facto de o horário de funcionamento do infantário ser incompatível com o horário de trabalho.
iii. Ao sábado e domingo o infantário estava fechado, daí que necessitasse das folgas para poder acompanhar a criança.
iv. O pedido de flexibilidade será até à criança ter os 12 anos de idade. (cfr. doc. 4 que adiante se junta e que aqui se dá por reproduzido).
15) No dia 04.04.2018, a CITE emitiu um parecer, opondo-se à recusa da Autora ao regime de folgas solicitado pela Ré (parecer nº 204/CITE/2018), que adiante se junta como doc. 5, e que aqui se dá por reproduzido).
16) Nesse Parecer, a CITE referiu entender que é enquadrável «(…) no artigo 56.º do Código do Trabalho a indicação, pelo/a requerente, de um horário flexível a ser fixado dentro de uma amplitude temporal diária e/ou semanal indicada com ao mais favorável à conciliação da atividade e profissional com a vida familiar, por tal circunstância não desvirtuar a natureza do horário flexível se essa indicação respeitar o seu período normal de trabalho diário.».
17) Acrescentou a CITE que a Autora, para recusar o horário de trabalho, tinha assim o ónus de justificar as razões imperiosas de funcionamento da empresa ou a impossibilidade de substituir a trabalhadora.
18) E A no ponto: - “2.13. Assim, e no âmbito de um horário flexível o/a trabalhador/a poderá escolher horas fixas de início e termo do seu período normal de trabalho diário, que lhe permita conciliar mais corretamente a sua atividade profissional com a sua vida familiar, no intuito de não descurar os interesses do empregador e/ou os deveres laborais a que possa estar obrigado/a com o objetivo de poder cumprir os deveres que lhe incumbem como progenitor/a. A elaboração do horário flexível compete à entidade empregadora de acordo com o pedido realizado e no respeito pelo disposto no nº 3 do art. 56º do Código do Trabalho.”.
19) Concluindo que a recusa da Autora não estava devidamente fundamentada em razões imperiosas de funcionamento do serviço.
20) A Autora deu conhecimento à Ré do sentido do parecer da CITE, advertindo-a que ponderava recorrer aos meios judiciais.
21) A Autora tem de ter maior disponibilidade de recursos humanos para trabalhar aos sábados e domingos.
22) Aquando da apresentação do pedido alteração de horário, a secção da Ré tinha uma equipa de 9 trabalhadores, dos quais 6 trabalhavam a tempo completo e 3 a tempo parcial.
23) A loja encontra-se aberta ao fim de semana, nem todos os trabalhadores podem ter, ao mesmo tempo, folga nesses dias.
24) A Autora elabora os horários de trabalho com dias de descanso semanal rotativos, de forma a que todos os trabalhadores da secção a que a Ré pertence tenham, de forma periódica e rotativa, folga ao sábado e domingo.
25) Tendencialmente, existe um “equilíbrio” na distribuição dos horários de trabalho pelos trabalhadores.
26) O regime de rotatividade de horários assegura que a penosidade inerente ao trabalho ao fim de semana seja, tanto quanto possível, distribuída entre todos os colaboradores da secção a que a Ré pertence.
27) Garantindo, da melhor forma possível, a conciliação entre os diferentes tempos de vida de todos os trabalhadores.
28) A Ré ao passar a ter folgas fixas ao sábado e domingo, ficará excluída do regime de rotação acima especificado.
29) A R., inicialmente, não indicou o prazo pelo qual pretendia beneficiar de horário flexível, contudo, a R. em resposta colmatou essa falha comunicando o período pelo qual pretendia usufruir dessa prerrogativa legal, (conforme consta do documento que a A. junta identificado como Doc. 4 ).
30) Existe uma trabalhadora que folga aos fins de semana e foi a empresa que lhe pediu para folgar ao fim-de-semana; trata-se da trabalhadora repositora da charcutaria, T... e na altura até lhe pediram para folgar também aos feriados, o que foi alterado a pedido da trabalhadora, quando houve mudança de Diretor e a mesma pediu se podia trabalhar aos feriados o que lhe foi autorizado.
31) A R. não tem com quem o deixar fora do horário de funcionamento da creche que é de 2ª a 6ª feira das 8h00 às 18H30 e encerra aos Sábados e Domingos
32) A A. disponibilizou-se a satisfazer a pretensão da R., em dois fins de semana.
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IV. Enquadramento jurídico
1. Horário flexível
Resulta do conjunto dos factos assentes que entre as partes processuais foi celebrado um contrato de trabalho, no âmbito do qual a Ré presta funções como Operadora Especializada na secção de peixaria, congelados e bacalhau do estabelecimento da Autora.
O período normal de trabalho fixado é de 40 horas semanais e o horário de trabalho não foi acordado individualmente.
Com arrimo nos factos assentes depreende-se que a trabalhadora, que integrava uma equipa constituída por 9 trabalhadores afetos à mencionada secção, teria um horário de trabalho com dias de descanso semanal rotativos, uma vez que a loja em causa estava aberta 7 dias por semana, das 8h30m às 23 horas.
Os horários com dias de descanso semanal rotativo, determinados pelo empregador, visavam distribuir e equilibrar, tanto quanto possível, conjugadamente com as exigências do serviço, o gozo das folgas nos aludidos dias pelos trabalhadores da equipa, por forma a conciliar a atividade profissional com a vida familiar de todos eles.
Em 20-02-2018, a Ré requereu à Autora um horário de trabalho flexível entre as 9 horas e as 18 horas, de 2.ª a 6.ª feira, com uma hora de almoço, e o sábado e o domingo como dias de descanso.
Em 08-03-2018, o empregador comunicou-lhe que entendia que o horário de trabalho solicitado não correspondia a um horário flexível e que recusava o pedido referente ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível, mas também pelas exigências imperiosas de funcionamento do estabelecimento.
Chamada a pronunciar-se, nos termos do procedimento previsto no n.º 5 e seguintes do artigo 57.º do Código do Trabalho, a CITE Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. considerou que o horário requerido pela trabalhadora é enquadrável no artigo 56.º do referido código.
Tendo o empregador recorrido aos tribunais, ao abrigo do n.º 7, in fine, do mencionado artigo 57.º, viu a sua pretensão ser julgada improcedente, pela 1.ª instância.
Interposto o competente recurso, requer que a Relação reaprecie a questão de saber se o horário requerido pela trabalhadora se enquadra no conceito legal de horário flexível.
Analisemos, então.
Principiemos por referir que o horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal – artigo 200.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
No fundo, o horário de trabalho corresponde à distribuição do período normal de trabalho Cfr. Artigo 198.º do Código do Trabalho. pelo período de funcionamento da empresa ou estabelecimento “Código do Trabalho anotado”, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro e outros, 2016-10.ª edição pág. 508. Cfr. Artigo 201.º do Código do Trabalho – “Período de funcionamento”..
A determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador, naturalmente, com os condicionalismos legais – artigos 212.º e 97.º do Código do Trabalho.
O horário de trabalho assume uma dupla relevância: do lado do empregador, constitui uma concretização da organização no tempo da força laboral de que dispõe para a satisfação da sua atividade e objetivos; do lado do trabalhador, é um elemento de previsibilidade e de estabilidade, fundamental para que possa organizar com alguma segurança o seu tempo de autonomia com o tempo de disponibilidade para o trabalho Liberal Fernandes, “O tempo de trabalho”, Coimbra Editora, 2012, pág. 45..
Na perspetiva do trabalhador, constituindo o trabalho uma importante área da vida, o mesmo tem necessariamente de ser conciliado com a vida para além do trabalho, ou seja, com a vida pessoal, familiar e social do trabalhador, daí a importância da determinação quantitativa e da organização do tempo de trabalho.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho “O tempo de Trabalho e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar- Algumas Notas”, artigo inserido na obra “Tempo de trabalho e tempos de não trabalho”, Estudos APODIT 4, pág. 101.: «[a] importância geral do tema da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar não precisa de ser enfatizada, uma vez que é um tema que se coloca a todos nós ao longo da vida, pela necessidade de articularmos a nossa vida profissional com as nossas responsabilidades como pais, como filhos ou simplesmente como cuidadores».
A tutela da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar do trabalhador, na evolução do direito laboral, tem tido várias etapas, como se pode ler no artigo da aludida autora.
Sobre a evolução do direito nacional, escreve a autora, com relevância tendo em consideração o caso concreto:
«I. No quadro nacional, a base do regime jurídico da conciliação entre a vida profissional e familiar é, naturalmente, a Constituição, designadamente a norma do art. 59º nº 1 b), que consagra o direito à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar como um direito fundamental dos trabalhadores, mas também o art. 67º h) (introduzido na revisão constitucional de 2004), que a propósito das políticas em matéria de família, inclui o tópico da conciliação.
Por outro lado, uma vez assente que a conciliação entre o trabalho e a família é uma condição material de igualdade entre homens e mulheres, é também relevante como base constitucional do sistema jurídico nacional nesta matéria o princípio geral da não discriminação (art. 13º da CRP) e ainda o art. 9º h) da CRP, que inclui a promoção da igualdade entre mulheres e homens entre as tarefas fundamentais do Estado português.
II. No plano infra-constitucional, o desenvolvimento normativo desta matéria tem também raízes tradicionais entre nós e foi, desde cedo – na verdade até com precedência em relação ao direito da União Europeia – perspetivado em moldes integrados, que acomodaram tanto os direitos inerentes à maternidade em sentido estrito, como os direitos de paternidade e, mais amplamente, a temática da conciliação entre o trabalho e a vida familiar.
Dois diplomas forma especialmente marcantes nesta evolução: a Lei da Igualdade (DL Nº 372/79, de 20 de setembro) que estabeleceu o quadro geral sobre a igualdade entre homens e mulheres no trabalho e no emprego; e a Lei da Proteção da Maternidade e da Paternidade (LPMP – L. Nº 4/84, DE 5 DE ABRIL). Neste último diploma sobressai já uma perspetiva integrada e igualitária dos temas da maternidade, da paternidade e da conciliação (…).
Este quadro normativo de proteção da maternidade e da paternidade foi aperfeiçoado com o tempo, vindo a integrar o Código de Trabalho de 2003 (…).
Por seu turno, o atual Código do Trabalho, adota uma perspetiva integrada sobre as matérias que passou a designar – com alguma infelicidade – como matérias da parentalidade, no âmbito das quais são reconhecidas três grandes áreas de tutela: a tutela na formação do contrato de trabalho (…); a tutela durante a execução do contrato de trabalho (…); a tutela na cessação do contrato de trabalho».
A consagração dos regimes especiais de organização do tempo de trabalho com fundamento nas necessidades de conciliação da vida profissional com a vida familiar, inserem-se na tutela garantida durante a execução do contrato de trabalho.
Entre os regimes especiais de tempo de trabalho previstos no código, existe a modalidade do horário flexível, cuja apreciação está em causa nos presentes autos.
Estipula o artigo 56.º do Código do Trabalho:
1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efetuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.»

Sobre este artigo, escreveu Liberal Fernandes “O trabalho e o tempo: comentário ao Código do Trabalho”, pág. 37, acessível em


www.cije.up.pt/download-file/2099
: «Por razões diretamente relacionadas com a tutela da parentalidade, confere-se ao trabalhador o direito a trabalhar em regime de horário variável.
Esta faculdade não põe em causa o disposto no art. 212º, n.º 1, não conferindo àquele qualquer prerrogativa quanto à escolha de um horário em concreto, sem prejuízo de poder manifestar a sua preferência — o que, eventualmente, facilitará ao empregador a fixação do horário e permitir a
conciliação dos interesses de ambas as partes, além de que poderá revelar-se um elemento útil para o parecer da CITE. No entanto, aquele direito não deixa de limitar os poderes do empregador em matéria de fixação do horário de trabalho: não só porque está vinculado a elaborar esse tipo de horário, como ainda o deve fazer dentro dos limites legais (n.ºs 3 e 4 do art. 56º).»
A modalidade de horário flexível visa, pois, tutelar a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar do trabalhador e traduz-se num regime em que o tempo de trabalho, designadamente as horas de inicio e termo do período normal de trabalho diário, se adequa às exigências familiares do trabalhador, dentro de certos limites.
Nos termos do n.º 3 do citado artigo o horário flexível deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
Tal horário é sempre determinado pelo empregador, ainda que o seu poder de direção esteja sujeito ao quadro legal vigente.
Retornando ao caso concreto, resulta dos factos assentes que a Ré vive sozinha com um filho de cinco anos, formando ambos uma família monoparental, uma vez que o pai do menor está em parte incerta.
A trabalhadora pediu para trabalhar em regime de horário flexível porque o horário rotativo que o empregador elaborava era incompatível com o horário de funcionamento do infantário frequentado pela criança, que era das 8 horas às 18h30m nos dias úteis, encerrando aos sábados e domingos, daí a necessidade das folgas coincidirem com o fim de semana, não tendo a trabalhadora com quem deixar o menor fora do referido horário de funcionamento
Designadamente requereu ao empregador que lhe fixasse um horário flexível entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e domingo como dias de folga.
A formulação de tal pedido continua a deixar a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir, na esfera do empregador.
E o específico horário requerido permite observar os limites consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho.
Apesar do horário solicitado ter horas fixas de início e termo do período diário de trabalho e abranger os dias de folga, o mesmo não deixa de ser um horário de trabalho flexível de acordo com a definição legal, pois trata-se de um horário que visa adequar os tempos laborais às exigências familiares da trabalhadora, em função do seu filho menor de 5 anos. E esta é a essência da definição de horário flexível.
Sobre a questão, pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 02-03-2017, P. 2608/16.3T8MTS.P1 Acessível em www.dgsi.pt:
«Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56º, nº 2 do C.T., aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o nº 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.
Destarte, o horário flexível requerido pela trabalhadora enquadra-se na definição legal de horário flexível, consagrada no artigo 56.º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, claudica a primeira questão suscitada no recurso.

2. Motivo justificativo para a recusa do horário flexível
Resulta da factualidade assente que a Autora recusou (também) o pedido formulado pela trabalhadora, respeitante ao horário flexível, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e as exigências imperiosas de funcionamento do estabelecimento.
A 1.ª instância entendeu que o empregador não logrou demonstrar, suficientemente, razões que fundamentem a recusa do direito solicitado, designadamente em que medida o horário requerido pela trabalhadora poria em causa as exigências imperiosas de funcionamento da empresa, como é determinado pelo artigo 57.º do Código do Trabalho.
Não se conformando com tal juízo decisório, a recorrente requer a reapreciação da questão pela Relação.
Como já referimos anteriormente, a determinação do horário requerido cabe sempre ao empregador.
Nos termos da lei, que visa alcançar uma solução de compromisso entre os interesses dos empregadores e das empresas e os interesses dos trabalhadores, o empregador pode recusar o pedido de horário flexível com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável – n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho.
Sobre a justificação da recusa pode ler-se no supra identificado acórdão da Relação do Porto, que reproduz o referido na sentença da 1.ª instância em ação também intentada pelo empregador, ao abrigo do artigo 57.º, n.º 7 do Código do Trabalho:
«É evidente a relevância dos interesses da autora de preservação da sua rentabilidade económica, bem como a necessidade, para o conseguir, de dispor dos seus trabalhadores, reforçando a presença de trabalhadores nos horários de maior vendas e de mais trabalho, bem como direito da autora de organizar o horário de trabalho dos seus trabalhadores de acordo com as suas necessidades. São constitucionalmente protegidos os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial (cfr. arts. 61º e 80º, nº 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa)
Tais interesses e direitos enfrentam porém, as restrições decorrentes dos direitos fundamentais dos trabalhadores como os supra referidos direitos à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade e paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, já que estes se sobrepõem àqueles quando em confronto e que estes só cedem perante aqueles, quando em presença de interesses imperiosos.
E só podem ser consideradas imperiosas as exigências extraordinárias, excecionais que não se confundem com a maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou sequer com a maior ou menor onerosidade para o empregador em função da gestão do seu quadro de pessoal.»

Concordamos com esta apreciação.
A expressão utilizada pelo legislador “ exigências imperiosas” é uma expressão deliberadamente apertada e rigorosa.
O que se compreende, considerando que uma das obrigações que recai sobre o empregador é a de proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal - artigo 127.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Assim, a recusa da fixação de um horário de trabalho adequado à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar do trabalhador, apenas se justifica numa situação excessiva, extraordinária ou inexigível para o empregador, com vista à manutenção do regular funcionamento da empresa ou estabelecimento.
No caso vertente, resultou provado que a loja em que a Ré trabalha está aberta ao público durante os sete dias da semana, incluindo feriados, das 8h30m às 23 horas, tendo o empregador de ter maior disponibilidade de recursos humanos para trabalhar aos sábados e domingos.
A Ré trabalha numa secção que tinha uma equipa de 9 trabalhadores, dos quais 6 trabalhavam a tempo completo e 3 a tempo parcial.
Ora, o circunstancialismo factual descrito não é suficiente para se concluir que a implementação do horário flexível requerido constitui uma situação extraordinária, excecional ou inexigível ao empregador para conseguir manter o regular funcionamento da loja, designadamente da secção de peixaria, congelados e bacalhau.
Refere-se no parecer emitido pela CITE, junto com a petição inicial:
«2.14. As razões mencionadas pela entidade empregadora, não se subsumem nas exigências imperiosas do funcionamento do hipermercado, existem outros/as trabalhadores/as a exercer as mesmas funções que a requerente, mais se destaca em desacordo com o que é dito pela entidade empregadora, o facto de haver mais trabalhadores e trabalhadoras com filhos menores de 12 anos não é impeditivo de proporcionar, através da atribuição do horário flexível, a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.
2.15. Não obstante, e sempre que se justifique e seja devidamente fundamentado, através da indicação de reais limitações do serviço por motivos legais ou contratuais ou perante uma situação de colisão de direitos, nos termos previstos no art.º 335.º do Código Civil (como pode acontecer quando se verifica a existência de uma pluralidade de trabalhadres/as com filhos/as menores de 12 anos que solicitam a prestação de trabalho em regime flexível, nos termos do art.º 56.º do Código do Trabalho), para que todos os direitos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes, deve a entidade empregadora distribuir equitativamente por aqueles/as trabalhadores/as em situação idêntica o dever de assegurar o funcionamento do serviço ao qual estão afectas.
2.16. Por último, e uma vez que o direito à prestação de trabalho em regime de horário flexível poder ser exercido até aos 12 anos do filho menor, esclarece-se que tem sido entendimento desta Comissão o constante do Parecer n.º 70/CITE/2012 que: “No que diz respeito ao prazo, eventualmente, longo do pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela trabalhadora, se ocorrer alguma alteração anormal das circunstâncias atuais, que determinaram a possibilidade do gozo efetivo desse horário, a situação poderá ser reavaliada”.
2.17. Com efeito, a entidade empregadora não junta quaisquer horários, não alega os períodos de tempo que, no seu entender, poderiam deixar de ficar convenientemente assegurados. As razões apresentadas pela entidade empregadora não consubstanciam razões imperiosas do funcionamento da empresa , não resultando demonstrado objetiva e inequivocamente que o pedido da trabalhadora coloque em causa o funcionamento da peixaria. De facto, a entidade empregadora refere existirem 9 trabalhadore/as [que] desempenham as mesmas funções da trabalhadora requerente. No entanto, não demonstra quantos/as trabalhadores/as são necessários para o horário existente e qual ou quais os motivos legais ou contratuais que determinam a impossibilidade de substituição da trabalhadora, de maneira a demonstrar que a concessão do requerido implicaria períodos a descoberto em que não existiria forma [de] garantir o funcionamento da secção de peixaria, onde está afeta a trabalhadora requerente».
Com arrimo nos factos assentes, subscrevemos integralmente o entendimento da CITE.
O ónus da prova da existência de motivo legalmente protegido para a recusa do pedido de horário flexível recaía sobre o empregador, e, no caso dos autos, os factos demonstrados não nos permitem concluir, com a segurança que se impõe, que a implementação do requerido regime de horário flexível, poria em causa o funcionamento da secção onde trabalhava a Ré.
Em suma, a decisão recorrida não nos merece censura.
Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.
11.07.2019
Paula do Paço (relatora)
Emília Ramos Costa
Moisés Silva