Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1561/16.8T8FAR.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
FACTOS SUPERVENIENTES
BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DIREITO DE RETENÇÃO
REGIME DE BENS DO CASAMENTO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1. Se a ampliação do pedido, nos termos do n.º2 do artº 265.º do C. P. Civil, implicar a alegação de factos novos, só é admissível se estes factos forem supervenientes de acordo com o conceito dado pelo n.º 2 do artº 588.º e alegados em articulado superveniente, nos termos e nos prazos previstos no nº 3 do mesmo preceito.
2. Face ao regime previsto no art.º 1311.º n.º1, do C. Civil, o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence. Reconhecido esse direito, a restituição só poderá ser recusada nos casos previstos na lei – seu n.º2.
3. O possuidor de boa-fé, assim como o de má-fé, têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (n.º1 do art.º 1273.º do C. Civil).
4. O direito ao valor das benfeitorias úteis, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, estará sempre dependente da prova de que o seu levantamento não poderá fazer-se sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas as obras, nos termos do n.º2 do art.º 1273.º do C. Civil.
5. De acordo com o regime previsto no art.º 473.º do C. Civil, são pressupostos cumulativos do enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de quem requer a restituição; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
5. Verificados esses pressupostos, importa ainda sublinhar que o recurso a esse instituto tem natureza subsidiária, isto é, não se pode lançar mão da ação de enriquecimento sem causa desde que a lei faculte outro meio de restituição ou indemnização ao lesado, ou quando a lei negue a restituição ou quando a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento, como expressamente prescreve o art.º 474.º do C. Civil.
6. O direito de retenção previsto no art.º 754.º do C. Civil, é essencialmente um direito real de garantia das obrigações, cuja função é o de servir de garantia do pagamento do crédito do retentor e é um direito “ope legis”, não precisa de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar, o que acontece automaticamente com oferta de proteção jurídica ao credor enquanto este não vir satisfeito o seu crédito.
7. O § 1363.º, Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB), estabelece como regime de bens supletivo o designado por «Zugewinngemeinschaft», que consiste num regime matrimonial de comunhão de ganhos ou participação nos adquiridos, em que o direito de propriedade de cada um dos cônjuges não se torna propriedade comum de ambos, sem prejuízo de igualização dos ganhos de ambos em caso de cessação do casamento (v.g., por divórcio) (nº 2).
8. Sendo Autora e Recorrente casados, segundo esse regime de bens, a restituição a este de parte do preço que liquidou de imóvel pertencente exclusivamente àquela, e por ela adquirido, antes do casamento, não pode ser relegada para o momento do divórcio e partilha de bens, visto que a compensação, ad valorem, entre o património de cada um dos cônjuges, reporta-se apenas ao período em estiveram casados e durante o qual ocorreu o acréscimo de patrimónios.
Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
1. BB, de nacionalidade Alemã, com domicílio na Rua de … n.º …, 6º Esquerdo, Faro, intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra seu marido CC, de nacionalidade alemã, residente em Casa …, Sitio da P…, CX …, Santa Bárbara de Nexe, Faro; e DD, residente em “Casa M…” sito em Quinta do M…, Sector …, Semino, Quarteira, pedindo:
a) Que se declare que a Autora é dona e legitima possuidora do imóvel identificado no art.º 1.º da petição inicial; e se
b) Condenem os Réus a reconhecer tal direito de propriedade e a restituir, definitivamente, à Autora, a posse sobre o mesmo imóvel.
Alegou, em síntese, ser proprietária do prédio desde 14/11/1984, por o ter adquirido no estado de divorciada, estando casada com o Réu CC desde 08/01/1990, estão separados de facto há mais de 20 anos, utilizando os Réus o imóvel contra a sua vontade e recusando-se a restitui-lo, impedindo-a de o usufruir.
2. Citado, o Réu CC contestou, pugnando pela improcedência da ação, e formulou pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora:
a) A pagar-lhe uma indemnização correspondente ao preço de compra e ao valor das benfeitorias por si realizadas no prédio em causa, no valor global de €156.801,54, acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento e ser-lhe reconhecido o direito de retenção sobre o prédio urbano em causa, suspendendo-se a obrigação de restituição, até que seja integralmente paga a aludida quantia;
b) Subsidiariamente, a restituir ao Réu, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, as quantias por este despendidas com o preço de aquisição do prédio, despesas de conservação e melhoramentos efetuadas no imóvel, no valor global de € 156.801,54, acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento, ou o valor que posteriormente se vier a apurar em liquidação de sentença.
Alegou, resumidamente, ter custeado exclusivamente o preço de aquisição do imóvel enquanto vivia em união de facto com a Autora na perspetiva do casamento, que veio a suceder posteriormente, estando separados de factos desde 1994, nunca mais a Autora se tendo deslocado ao imóvel ou custeado qualquer despesas relativa à sua manutenção ou impostos, tendo sido o Réu que realizou e suportou todas obras de melhoramento e conservação do prédio, na convicção de ser o dono do imóvel, por ter pago a totalidade do preço e custeado a sua conservação, pelo que o pedido da Autora configuraria um manifesto abuso de direito, porquanto tal exercício excede clamorosamente os limites impostos pela boa-fé e os limites normativos imanentes ao direito subjetivo invocado pela Autora, nos termos do art.º 334º do Código Civil.
O Réu DD, pessoal e regularmente citado, não deduziu contestação, não constituiu mandatário e apenas interveio nos autos quando foi ouvido como parte na audiência final.
3. A Autora replicou, impugnou a generalidade da factualidade alegada pelo Réu, para além de negar ter com ele vivido em união de facto à data da compra do imóvel e que a questão das benfeitorias terá que ser resolvida no âmbito do processo de partilhas após divórcio, podendo, quando muito, e a provar-se as benfeitorias, teria apenas direito a metade desse valor, na medida em que, no momento da liquidação, os ganhos patrimoniais de cada um dos cônjuges (a diferença entre o património inicial e o património final) são repartidos igualmente entre os cônjuges nos termos do §1363, par, 2, in fine, BGB (não podendo este pedido ser apresentado perante os Tribunais Portugueses).
Mais referiu que o Réu CC é Advogado desde a data da compra aqui em causa e o artigo 1363.º do Código Civil Alemão, cuja redação atual já se mostrava em vigor à data da aquisição do imóvel, refere, expressamente, que os bens próprios dos cônjuges não se tornam património comum do casal, não pode o mesmo agora alegar que agiu na convicção de que estava a atuar sob um direito próprio, sempre se considerando proprietário do imóvel.
4. Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
“i. Julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, reconhecer a Autora BB como proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, com quatro divisões, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e terraço, denominado “Casa …” sito na Quinta do M…, Semino, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/…; ii. Determinar que os Réus CC e DD restituam à Autora BB o prédio referido em i), devendo os Réus absterem-se de praticar quaisquer atos que perturbem o direito de propriedade da Autora e, relativamente ao Réu CC, apenas e logo que cesse o seu direito de retenção sobre o imóvel com vista a assegurar o pagamento da quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento relativa a obras realizadas no imóvel por parte do 1º Réu;
iii. Absolver os Réus do demais peticionado.
Da reconvenção
iv. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenar a Autora BB a pagar ao Réu CC a quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento a titulo de enriquecimento em causa por obras realizadas no prédio identificado em i);
v. Reconhecer ao Réu CC o direito de retenção sobre o imóvel referido em i) até pagamento pela Autora da quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento;
vi. Absolver a Autora do demais peticionado”.
5. Desta sentença recorreram a Autora e o Réu CC, finalizando a Autora as suas conclusões nos termos seguintes:
A) A Douta Sentença é nula, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 615 do C.P.C, porquanto a Mma. Juiz a quo condenou a Recorrente em objeto diverso do pedido.
A) Nos termos da Douta Sentença, o pedido principal do R. reconvinte foi desconsiderado;
B) Nos termos do pedido subsidiário do R./Reconvinte, parcialmente aceite pelo Tribunal ad quo o R/Reconvinte não solicita ao Tribunal o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel, até que lhe sejam pagas as quantias em que A. seja condenada.
C) Pelo que, a Douta Sentença é nula, na parte em que reconhece o direito de retenção ao R/Reconvinte CC, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 615 do C.P.C.
D) A Autora foi condenada a pagar ao R./Reconvinte CC, a quantia de € 36.158,39 acrescida de juros remuneratórios a titulo de enriquecimento sem causa;
E) Nos presentes Autos, contudo, não se mostram verificados os requisitos (cumulativos) para fazer operar a obrigação de restituição em sede de enriquecimento sem causa.
F) Dos factos provados nos presentes Autos não resulta que tenha havido um “empobrecimento” efetivo do R/ Reconvinte CC;
G) O R./Reconvinte, investiu no imóvel € 36.158,39 e recolheu dividendos de, pelo menos, € 92.400,00, ao que acresce,
H) O R./Reconvinte utilizou a propriedade da A., durante um mês ao longo de 22 anos, e tendo em consideração uma contrapartida pela utilização de € 700 mensais, terá economizado, pelo menos, € 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos euros) à custa do património da A.
I) A Decisão sob análise, sanciona, que a A. proprietária/titular, depois e além de estar privada da coisa, ainda terá que pagar, suprema ironia, a totalidade da “conta” das despesas do gozo alheio do R./Reconvinte, pessoa que a esbulhou!
J) Quando o R./Reconvinte, enquanto possuidor do gozo da coisa, foi o único a colher/gozar as vantagens e utilidades das obras que promoveu na propriedade da A.
K) Como considera o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º 1289/12.8 TBACB.C1;
“…Em tal hipótese, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, mal andaria o direito – seria até um pouco “torto” – se viesse a consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 20 anos, ainda que respeitantes a conservações e melhoramentos que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tivessem perdido todo ou a maior parte do seu valor…”
L) Sendo o enriquecimento fonte autónoma da obrigação de restituir, embora subsidiária (art.º 474º do Cód. Civil), a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição que dela decorre, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova (art.º 342º do Cód. Civil).
M) Não logrou, o R./Reconvinte, como lhe competia, segundo as regras de repartição do ónus probatório, provar, a por si, alegada falta de causa justificativa, não podendo a A. ser condenada a restituir por, uma outra, suposta, causa justificativa, ou pela mera demonstração de uma deslocação patrimonial, desconsiderando os demais requisitos legalmente exigidos para a existência da obrigação em restituir, designadamente a prova da falta de causa de uma deslocação patrimonial.
N) Nos termos da Decisão, o R./Reconvinte não terá direito a receber da A. qualquer quantia por conta do que se apelida de “despesas de manutenção correntes da casa”
O) Mas a A. é condenada a pagar ao R./Reconvinte as quantias que emergem dos pontos 16, 20 e 21 dos factos provados,
P) Tais obras e trabalhos, apenas poderão ser considerados como despesas de manutenção correntes da casa, até pelo facto de, na sua maioria, terem sido promovidas cerca de 20 anos após a aquisição da mesma casa.
Q) O Tribunal a quo, defende a tese (vide ponto 23 dos factos provados) de que, o prédio da A. aumentou o seu valor em face das obras de conservação e remodelação promovidas pelo R./Reconvinte;
R) E, equipara o valor do custo de execução de tais obras de conservação e remodelação ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada.
S) Voltando ao considerado pelo supra citado Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º 1289/12.8 TBACB.C1;
“…nas benfeitorias necessárias – que são as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isso é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração- o possuidor tem direito a ser indemnizado, o que no caso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega da coisa, não significa o mesmo que reembolso nominal (atualizado) do seu custo…”
“…Nas benfeitorias úteis-que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objetivo da coisa o possuidor é admitido a levantá-las se o puder fazer sem detrimento da coisa principal; e, quando não haja lugar a tal levantamento, deve ser satisfeito segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que o despendido funciona apenas como limite máximo, tendo, porém, o proprietário que pagar tão só (dentro de tal limite máximo) o valor que as benfeitorias aportam para a coisa…”
“…significa tudo isto, para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm de estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classifica-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento atual (data da entrega)…”
T) O mesmo entendimento é perfilhado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 458/96, relator Sá Couto:
“…o que se pretendeu com o instituto do enriquecimento sem causa foi suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa da outrem. E esse enriquecimento pode não corresponder às despesas feitas, pois o que interessa é o valor que elas acrescentaram à coisa, por corresponder à deslocação patrimonial operada do empobrecido para o enriquecido…”
U) Tal aferição não se verificou nos presentes Autos;
V) Pelo que, a Douta Sentença viola o art.º 473º do Código Civil.
W) Sendo que, obviamente, não tendo o R./Reconvinte qualquer crédito sobre a A. a título de enriquecimento sem causa, também ao mesmo não poderá ser reconhecido qualquer direito de retenção sobre o imóvel até que o mesmo se mostre satisfeito.
X) A Douta Sentença viola, ainda e também, o art.º 474º do Código Civil.
Y) Nos presentes autos não se verifica o caracter subsidiário da obrigação que pudesse legitimar o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa; na verdade,
Z) O R./Reconvinte tem ao seu dispor mecanismo legal que lhe permite deduzir contra a A., pedido de indemnização/compensação pelo aumento do património da A., aquando do Divórcio de ambos (que segundo declarações de parte do mesmo R./Reconvinte já se encontra em curso).
AA) O que inviabiliza o recurso ao mecanismo do enriquecimento sem causa;
BB) Ipso facto, não tendo o R./Reconvinte qualquer crédito sobre a A. a título de enriquecimento sem causa, também ao mesmo não poderá ser reconhecido qualquer direito de retenção sobre o imóvel até que o mesmo se mostre satisfeito.
CC) A Douta Sentença, viola ainda e também, o art.º 475º do Código Civil;
DD) Sabia o R./Reconvinte que ao investir na moradia não estava a investir num bem próprio, mas num bem alheio ou no limite em bem comum do casal.
EE) Ou sabia, que o facto de investir num bem alheio não tornaria tal bem, em bem próprio.
FF) Em consequência, não tendo o R./Reconvinte qualquer crédito sobre a A. a título de enriquecimento sem causa, também ao mesmo não poderá ser reconhecido qualquer direito de retenção sobre o imóvel até que o mesmo se mostre satisfeito.
Assim, nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve julgada nula e, sem qualquer efeito a Sentença proferida na parte em que reconhece o direito de retenção ao 1ºR, em sede de pedido subsidiário deste e, bem assim no demais;
Deve a Douta Sentença ser revogada e substituída por uma outra que julgue o pedido reconvencional deduzido pelo 1º R., totalmente improcedente por não provado e, em consequência, deve a Recorrente ser absolvida do pedido, com todas as demais consequências legais.
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6. Por sua vez, o Réu CC apresentou as seguintes conclusões:
A) Admitida a ampliação do pedido reconvencional formulada pelo recorrente na audiência de discussão e julgamento ao abrigo do art. 265º nº 2 do CPC, conforme resulta da respetiva ata, teria o Tribunal a quo que conhecer de tal pedido na douta sentença, momento para o qual foi relegada a sua apreciação, pelo que, não o fazendo, cometeu a Mmª Juiz nulidade por omissão por pronúncia, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
B) Face à confissão da A. no decurso da audiência de discussão e julgamento, de que o preço real do imóvel foi substancialmente superior ao preço por si declarado na escritura pública de compra e venda (na qual apenas aquela interveio), situando tal montante entre os 230.000 e 235.000 marcos alemães (conforme minuto 17:20 ao minuto 18:21 do respetivo depoimento), facto que foi igualmente corroborado pelo 1º Réu (conforme refere ao minuto 27:39 ao minuto 28:30 das suas declarações), será admissível a ampliação do pedido de restituição do preço para € 112.472,32 (o equivalente a 220.000 DM - valor mínimo de convergência entre os montantes reconhecidos por ambos, uma vez que tal ampliação está virtualmente contida no pedido inicialmente formulado pelo recorrente em sede reconvencional, onde foi pedida a condenação da A. na restituição do preço pago pela aquisição do imóvel.
C) A ampliação do pedido será sempre admissível, desde que observados o limite temporal e o limite de qualidade ou nexo, que pressupõe que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo e que tal pedido de ampliação seja deduzido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, previstos no nº 2 do artigo 265º do CPC, como sucedeu in casu.
D) A ampliação do pedido prevista no art. 365º nº 2 não depende da produção de prova da superveniência do acontecimento ou do seu conhecimento pelo requerente, não constituindo obstáculo à sua formulação e apreciação, a eventual possibilidade de dedução em articulados anteriores, por ser esta a solução mais consentânea com os princípios da economia processual e da prevalência do mérito sobre as questões de forma, que constitui a matriz orientadora da reforma operada em 2013 no Código de Processo Civil e de que é corolário a intensificação do princípio do inquisitório operada com a reforma.
E) Em obediência a tais princípios, é agora conferida a possibilidade de, ao longo de toda a tramitação processual, ser importado para os autos um acervo factual que, transcendendo o que foi alegado pelas partes, o tribunal passou a ter o dever de considerar com vista à justa composição do litígio, como deflui dos arts. 5º nº 2 b) e art. 611º do CPC.
F) Nos termos do art. 5º CPC caberá às partes a articulação dos factos essenciais, conferindo-se ao julgador não só a prerrogativa mas o dever de considerar também os factos - ainda que não alegados ou mesmo relativamente aos quais a parte nenhuma vontade tenha manifestado quanto à sua utilização - que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar - art. 5º nº 2 b) do CPC, contrariamente ao que se previa anteriormente no art. 264º nº 3.
G) Em obediência aos referidos princípios, serão abrangidos pelo art. 611º do CPC, os factos que configurem ampliação da causa de pedir, i.e, aqueles em que o demandante adiciona novos factos constitutivos do direito sem alterar a causa de pedir invocada, bem como as situações em que o adiciona outra causa de pedir.
H) Face ao exposto, andou mal a Mmª Juiz quando no douto despacho que admitiu a ampliação do pedido - embora omitindo a sua apreciação na decisão final - faz aparentemente depender a procedência da requerida ampliação, da necessidade de prova do conhecimento superveniente do real preço do imóvel, pelo nesta parte se fez no douto despacho errada interpretação e aplicação do direito, mormente dos mencionados arts. 265º nº 2 e do art. 5º nº 2 ambos do CPC.
I) Admitida a ampliação do pedido formulada pelo Reconvinte, impunha-se que, ao invés de se aditar como tema da prova, a data em que este teve conhecimento da compra e venda em causa nos autos, tivesse sido aditado como tema de prova, aferir se o preço real de compra do imóvel em causa nos autos foi de 220.000,00 marcos alemães, por ser esta a factualidade atinente à requerida ampliação.
J) Ao ignorar os factos trazidos pelas partes na audiência de julgamento relativamente ao preço real do imóvel e ao descurar o conhecimento da ampliação do pedido formulada pelo Reconvinte, para além de inequívoca nulidade por omissão de pronúncia, acabou também a Mmª Juiz por incorrer e erro na apreciação da matéria de facto.
K) Assim, não poderia o tribunal ter dado por provado, que o imóvel foi adquirido pela quantia de 5.500.000$00, como consta da alínea 2) da matéria provada, já que como resulta das passagens do minuto 13:30 ao minuto 14:04 e do minuto 17:20 ao minuto 18:21 do depoimento de parte da autora e do minuto 27: 39 ao minuto 28:30 das declarações prestadas pelo 1º Réu, o preço efetivamente pago pela compra do prédio foi na realidade muito superior ao preço declarado pela A. na escritura pública de compra e venda.
L) Ao invés, com base naqueles depoimentos, impunha-se dar como provado que o preço de aquisição do imóvel em causa nos presentes autos, foi pelo menos de 220.000 marcos alemães, o equivalente a Euros 112.484,09 (cento e doze mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e nove cêntimos).
M) De igual forma deveria ter sido considerada provada a matéria constante da alínea d) dos factos não provados, pese embora a ausência de suporte documental do referido empréstimo, o que se afigura compreensível decorridos que foram mais de 30 anos, já que tanto o 1º Réu como a própria A. reconheceram que o Réu havia recorrido a financiamento bancário para pagamento do preço de aquisição do imóvel, tendo a Autora declarado que parte do pagamento do preço havia sido “financiado pelo Banco na Alemanha, em nome do marido” – cfr. passagens do minuto 13:30 ao minuto 14:04 e do minuto 17:20 ao minuto 18:21 do depoimento de parte da autora - e tendo o Réu/Reconvinte afirmado que o preço do imóvel havia sido de 225.000 marcos alemães pagos por si, tendo aquele ainda pago o imposto de sisa aproximadamente de 10% (cfr. declarações do 1º Réu do minuto 27: 39 ao minuto 28:30) e esclarecendo que a compra tinha sido financiada em cerca de 90% com recurso a um empréstimo bancário que contraiu na Alemanha e exclusivamente pago por si ( vide minuto 20:20 a minuto 22:15 e do minuto 44:24 a 45:32 da gravação das declarações do 1ºRéu).
N) Ora, a Mmª Juiz deu tal matéria por não provada “ por apenas o 1º Réu ter referido que contraiu um empréstimo para custear a compra do imóvel, o que a Autora negou, pelo que na ausência de outro meio de prova, tem que se dar tal facto como não provado
O) Porém, não resulta das declarações da Autora que a mesma tenha negado que o Réu tenha recorrido a financiamento bancário para o pagamento do preço; pelo contrário, a autora espontaneamente começa por afirmar que parte do preço foi pago com financiamento na Alemanha “em nome do marido” (minutos 17:20 - 18:21), só adiante e quando instada a dizer quem tinha pago o dito empréstimo, referiu não conseguir precisar se o marido fez ou não um empréstimo e qual o valor, apesar de confirmar que o banco em questão era um banco de investimento imobiliário na Alemanha ( vide minutos 19:29 - 10:53).
P) Através da leitura da fundamentação da resposta à alínea d) da matéria não provada, são inapreensíveis as razões por que foram desconsideradas as declarações prestadas pelo Reconvinte no que concerne ao empréstimo por si contraído e respetivo valor, que levaram a Mmª a considerar tais factos como não provados, uma vez que como se viu, não foram infirmados pela A.
Q) Relativamente à matéria de facto dada por não provada na alínea d), a fundamentação da decisão é claramente insuficiente, uma vez que da sua leitura é impossível descortinar o processo de raciocínio do julgador subjacente àquela resposta, não tendo sido dado cabal cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 607º CPC que impõe, relativamente aos factos provados e aos factos não provados, que o tribunal justifique os motivos da sua decisão, por forma a cumprir as exigências de transparência da justiça e a dupla função de facilitar o reexame da causa e reforçar o autocontrolo do julgador.
R) A deficiente fundamentação implicará a remessa dos autos ao tribunal ao quo, a fim de se colmatar aquela falha, com base nas gravações efetuadas ou através da repetição da produção de prova, nos termos do art. 662º nº 2 alínea d), do CPC, porquanto, se considera que a matéria constante da mencionada alínea dos factos não provados, é essencial à boa decisão da causa, uma vez que provada aquela se terá de concluir que a proporção do preço de aquisição paga pelo Réu é manifestamente superior à percentagem reconhecida pela A.
S) Sem prejuízo do que acima se referiu, entende-se ser possível aferir pela prova produzida, que a participação do recorrente no pagamento imóvel titulado pela autora, é superior aos 70% por esta confessados, pelo que se encontrará incorretamente julgada a proporção de 70% que o tribunal “ a quo” considerou ter sido a parte do preço do imóvel paga pelo Réu, na alínea 8) dos factos provados.
T) A proporção de 70% / 30% de comparticipação no preço do prédio, considerada na referida alínea da matéria provada, assentou exclusivamente no depoimento da A. - vide declarações gravadas do minuto 18:27 ao minuto 19:17 e ao minuto 21:47, referindo ainda que o montante pago por si foi de 100.000 DM, que entregou em dinheiro ao vendedor (passagem do minuto 16:48 a 18:21).
U) Se, como afirmou a Autora, o preço do imóvel se situou entre 230.000 DM e 235.000 DM, afigura-se matematicamente impossível que os 100.000DM que diz ter pago ao construtor lhe pertencessem, uma vez que 30% do preço seriam 69.000 DM, donde, se alcança que a A. mentiu quando ao montante que afirmou ter pago e naturalmente quanto à proporção do preço que pagou, não se afigurando verosímil que tendo pago aquela quantia, a A. reconhecesse uma percentagem inferior à que efetivamente lhe caberia.
V) Pelo contrário, o recorrente não só explicou como foi financiada a aquisição do imóvel, respetivo valor e proporção do financiamento no cômputo total do preço, como esclareceu que os 100 000 DM que de facto foram entregues ao construtor na data da compra, faziam parte desse dinheiro, não tendo a A. contribuído com qualquer quantia para a aquisição do imóvel ( vide minuto 20:20 a minuto 24:06 e do minuto 44:24 a 45:32 da gravação das declarações do 1ºRéu).
W) Esclareceu ainda o recorrente que a compra do imóvel apenas foi feita em nome da Autora, porque na altura o Réu ainda se encontrava em processo de divórcio e que por tal motivo fora aconselhado a adquirir o imóvel em nome da Autora, para que esse bem não entrasse no processo de partilhas – vide minuto 20:22 a 22:28 e minutos 26.12 – 27:17 do seu depoimento.
X) Por seu turno, a A. reconheceu que o R. sempre teve um rendimento muito superior ao seu e que naquela altura trabalhava numa boutique de moda, onde ganhava entre 1500 a 1800 DM (cfr. passagens do minuto 13:30 ao minuto 14:04 e minuto 56:58 do depoimento gravado da A.), admitindo que, por isso, todos os impostos relativos à aquisição, bem como todas as obras realizadas no imóvel durante o tempo em que ainda estiveram juntos, de custo superior a 1000 DM (equivalente a Euros 500,00) foram sempre suportadas pelo 1º Réu ( vide gravação aos minutos 47:06 a 46:58)
Y) Salvo o devido respeito, da concatenação dos depoimentos prestados pela A. e recorrente, facilmente se afere que a percentagem do preço do imóvel paga pelo Réu foi necessariamente superior àquela que a Autora reconheceu, correspondendo, no mínimo, ao valor de 220.000,00 (€ 112.472,32), ou no limite, ao montante do financiamento bancário contraído para o efeito pelo Réu de 200.000 DM (€ 102.258,35), pelo que, neste conspecto também deveria ser alterada a matéria de facto constante da alínea 8) dos factos provados.
Z) Caso se considere que, na ausência de prova adicional, apenas poderá ser dada por provada a percentagem admitida pela Autora, sempre se terá de concluir, face à prova produzida quanto ao preço real do imóvel que os 70% do preço pagos exclusivamente pelo Réu, corresponderão no mínimo a 154 000 marcos alemães ( 220 000DM x 70%) , ou seja, o equivalente a Euros 78.738,93.
AA) Perante a restante matéria dada como provada na douta sentença e à demais prova produzida em audiência, impõe-se igualmente a alteração da alínea f) dos factos não provados, devendo considerar-se como provada a factualidade vertida na referida alínea, porquanto, face à matéria constante das alíneas 11), 12), 16) a 21) dos factos provados douta sentença, é irrefutável que desde 1995 – data da separação entre A. e R. - é o Reconvinte exclusivamente tem tido a posse material do prédio identificado nos autos, praticando sobre o dito imóvel os atos materiais descritos naquelas alíneas ( corpus), acompanhado do respetivo animus;
BB) Como se alcança das declarações do recorrente gravadas do minuto 44:25 ao minuto 45:32, na sua perspetiva “a casa é dele porque com os bens próprios é de fruto de trabalho e o investimento com o qual foi possível comprar a casa, foi do trabalho dele.”, o que foi corroborado pelo depoimento do co-réu DD, que referiu conhecer a casa desde 2004 e naquela ter trabalhado a partir de 2010, tendo sido sempre o 1º Réu quem lhe deu todas as ordens relacionadas com o imóvel e quem lhe pagou todo os trabalhos realizados (cfr. minuto 04:21 ao minuto 6:10) e pelo depoimento da própria Autora, como se alcança do minuto 15:44 a 14:44, em que a mesma refere que ” Na perspetiva dele, portanto, eles quando começaram a zangar-se, na perspetiva dele, é que era tudo dele e ele literalmente disse a ela (…) tudo o que está aqui pertence-me”.
CC) Após a separação em 1995, com exceção de uma vez em que passou férias com uma amiga na moradia, a autora numa mais “nunca mais usufruiu da casa, nunca mais utilizou”- declarações de parte do 1º Réu, do minuto 3:53 a 41:42, o que foi corroborado pela Autora que admitiu que após a separação, nunca mais utilizou o imóvel e que apenas se deslocou a Portugal três vezes “para tentar o acesso à casa”, em 1997, há cerca de quatro anos e finalmente em Março de 2016 – cfr. Gravação do momento 9:41 ao momento 11:11, confirmando nunca ter feito nada durante estes anos para reaver o imóvel - cfr. passagem do minuto 25:19 a 26:00.
DD) As mencionadas passagens dos depoimentos da A. e RR. que demonstram que o recorrente se considera e é tido como o dono da casa, impõem uma conclusão contrária à avançada pela Mmª Juiz para fundamentar a resposta negativa dada à matéria constante da referida alínea f), sendo certo que o comportamento evidenciado pela Autora ao longo de mais de 30 anos, apenas pode ser interpretado como um reconhecimento implícito, de que ao Réu assistia efetivamente um direito próprio sobre o referido imóvel.
EE) É pois forçoso concluir perante a prova produzida, que desde 1995, é o reconvinte quem detém materialmente o imóvel (corpus), revestida em concreto do animus necessário, ou seja, da intenção de agir como dono da coisa (animus) - elemento psicológico ou subjetivo da posse –no sentido pressuposto pelo art. 1251º do CC, o que impõe a alteração da qualificação dada à matéria de facto vertida da alínea f) dos factos não provados, devendo tal matéria ser considerada provada, sob pena de entrar em contradição com os factos provados nas alíneas 11), 12), 16) a 21) da douta sentença.
FF) Andou igualmente mal o Tribunal ao dar apenas como provadas as benfeitorias e valores constantes do relatório pericial, já que para além daquelas, resulta do depoimento do 2º Réu DD que em 2010, foi refeito o jardim e em 2011 foi reparado o terraço e o telhado, executado o pátio, pintura exterior total da moradia e pintura interior parcial, tendo a moradia sofrido uma grande intervenção no interior e no exterior, há um ano sido atrás, em que picaram o reboco , fizeram pladur e “um bocadinho de reboco fino”, pintura integral da casa, substituição de azulejos na cozinha e na casa de banho, substituição de torneiras, reparação e substituição de alguns dos móveis de cozinha, substituição do chão todo da casa e de parte da vedação exterior, tendo o recorrente pago todos os materiais e mão-de-obra ( gravado do minuto 8.48 a 22:40).
GG) Especificou que a reparação da piscina, custou por volta dos 5000 euros, só o terraço teria sido entre “dois mil e tal, três mil euros” e que o azulejo do pátio à volta da casa custou € 5000,00 uma vez que foi comprá-lo com o 1º R e que a mão-de-obra do pátio terá custado “no mínimo” igual valor – passagem do minuto 25:12 ao minuto 29:37.
HH) O 1º Réu esclareceu ao tribunal quem em obras realizadas na casa desde a data da sua aquisição terá despendido no total cerca de € 200.000,00, discriminado os trabalhos feitos na casa, coincidindo as intervenções efetuadas nos últimos anos, cronologicamente e quanto à sua natureza, com os trabalhos que o 2º Réu diz ter acompanhado na casa. Explicitou que em 2010 ocorreram repassos na casa e gastou cerca de 8.000 euros em reparações, pois mandou vir uma equipa da Alemanha que arranjou os danos, fizeram rebocos exteriores e pintaram, estiveram praticamente 2 semanas no local, mais referiu que toda a tubagem teve que ser substituída no limite da casa, o que coincide com as declarações do 2º Réu - cfr. passagem do minuto 48:29 a 55:05 das declarações do 1º R.
II) A Autora confirmou que a piscina foi construída aproximadamente em 93/94 e que após a compra foram feitos trabalhos de colocação de terraplanagem, colocação de relva e árvores no jardim, confirmou a realização de reparação de rachas, pintura exterior e de duas divisões interiores da casa durante o tempo em que ainda estavam juntos, bem como a construção de uma nova chaminé com cassete, tendo todos os custos sido integralmente suportados pelo recorrente - cfr. Minutos 50:00 a 52:59 do depoimento da autora.
JJ) Perante a prova de que os trabalhos efetivamente executados pelo R. no prédio da recorrida, transcendem em muito os que foram possíveis confirmar e avaliar no relatório pericial deveria o tribunal ter levado em consideração, no cômputo do valor das benfeitorias, pelo menos as obras relativamente às quais os respetivos custos foram devidamente quantificados como sejam, as reparações das infiltrações executadas em 2010, com as necessárias obras de reparação no terraço e telhado da moradia, pintura e reparação de rachas, que custaram Euro 8.000,00, bem como os € 10.000,00 relativo aos trabalhos de reparação realizados no pátio exterior, os Euros 800,00 dos armários de cozinha, e ainda reparação de rachas, uma pintura exterior e interiores, realizada durante o período em que A. e R. ainda estavam juntos, podendo, com vista à respetiva quantificação, ter-se lançado mão do relatório pericial que avaliou este tipo de trabalhos em € 5.202,90, o que imporia que o valor das benfeitorias realizadas, suscetíveis de serem liquidadas na sentença, fosse desde logo de € 60.161, 29 ao invés dos Euros 36.158,39, liquidados na sentença.
KK) Andou mal a Mmª Juiz ao considerar na sentença proferida, ser o tribunal internacional e materialmente incompetente para decidir sobre o pedido de restituição do preço pago pelo Réu pela compra do imóvel e no que concerne à questão da efetiva valorização do imóvel em virtude das benfeitorias por este realizadas ao longo dos anos, afrontando o anterior despacho proferido na audiência prévia que, após invocação pela A. da exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, à qual o R. respondeu em articulado autónomo, admitiu a reconvenção e expressamente declarou “o tribunal absolutamente competente para conhecer da reconvenção, nos termos do artigo 93 nº 1 do Código de Processo Civil ”, ao qual se seguiu o despacho-saneador no qual o tribunal se declarou “competente em razão de nacionalidade, matéria e hierarquia “
LL) Tais despachos judiciais constituem caso julgado formal – nos termos da aplicação conjugada do art. 98º e do nº 3 do artigo 595º do CPC, vinculando não só as partes, mas também ao próprio tribunal, que assim fica impedido de reapreciar a questão.
MM) A recusa de apreciação daqueles pedidos formulados em sede reconvencional, configura nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos art. 615 nº 1 alínea d) do CPC, sendo certo que a violação das regras de competência internacional, constituindo exceção dilatória, determina sempre a absolvição da instância e não do pedido, pelo que, também aqui, ao decidir diversamente, a douta sentença violou o disposto nos artigos arts. 98°, 99º nº 1, 100º e 577º alínea a) do CPC.
NN) O pedido reconvencional emergente de benfeitorias realizadas em imóvel sito em Portugal e sua consequente valorização, conexionando-se estritamente com o regime da posse, inserem-se no âmbito da competência exclusiva dos tribunais portugueses, por força dos arts. 63º als. a) e d) do CPC, como lhe será aplicável a lei portuguesa, atento o disposto no art. 46º nº 1 do CC, o mesmo se aplicando à decisão da questão atinente à restituição do preço pago aquando do respetivo contrato de compra e venda.
OO) O tribunal português é internacionalmente competente para a apreciação de todas as matérias versadas no pedido reconvencional, quer por força do citado art. 63º nº 1, quer por via da alínea b) do art. 62, quer em última análise pela aplicação do disposto na alínea c) do art. 62º do CPC, in fine, atenta à existência de um inquestionável elemento ponderoso de conexão com a ordem jurídica portuguesa - in casu, de conexão real - uma vez que o imóvel em causa se encontra situado em território nacional.
PP) Face à prova produzida e demonstrada inversão do título da posse, pelo menos desde 1995, data a partir da qual o R. passou a possuir exclusivamente e em nome próprio o imóvel titulado pela A, o tribunal a quo, ao afastar a aplicação do regime do art. 1273º e sgs do Código Civil, por não considerar que o Reconvinte fosse possuidor do imóvel, fez uma errada interpretação e aplicação do direito.
QQ) As benfeitorias a que se reporta o relatório pericial junto aos autos e as que demais se provaram terem sido realizadas no imóvel, só poderão ser qualificadas como necessárias e outras úteis, tendo daquelas resultado inequívoca valorização do imóvel, que por via de tais beneficiações apresenta atualmente um valor de mercado de Euros 330.000,00 .
RR) Tanto as benfeitorias necessárias como as benfeitorias úteis conferem tanto ao possuidor de boa-fé como ao possuidor de má-fé, o direito a ser indemnizado; as primeiras, nos termos gerais, isto é, segundo as regras da reconstituição natural (artigos 1273º, nº 1, e 2, 562º e 566º, todos do Código Civil) e as segundas pelo valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, caso não possam ser levantadas sem detrimento para a coisa benfeitorizada (artigo 1273º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), In casu, tais benfeitorias, porque incorporadas no prédio não são suscetíveis de ser levantadas sem detrimento daquele, pelo que terá inequivocamente o Reconvinte direito a ser indemnizado.
SS) Resultando provado que o montante que a A. foi condenada a pagar ao Autor fica aquém do valor das obras efetivamente realizadas pelo Réu ao longo de 30 anos no imóvel e da valorização que o imóvel apresenta atualmente, o facto de não se ter apurado o valor exato de todas essas obras não pode levar à improcedência do respetivo pedido de restituição, sob pena de injustificado enriquecimento da recorrida.
TT) Não reconhecer ao reconvinte o direito a uma indemnização, ainda que fixada equitativamente, que cubra cabalmente os investimentos substanciais realizados no imóvel ao longo de três décadas, é no fundo premiar a conduta abusiva da Autora que durante 30 anos relegou integralmente para o Réu todos os encargos atinentes ao imóvel, inculcando no recorrente a confiança de que não exerceria contra si qualquer ação reivindicatória, baseada, de resto, num direito de propriedade que ambos sabiam resultar apenas do facto de ser aquela quem formalmente figurava na escritura de compra e venda do imóvel.
UU) Sabendo-se que o imóvel em causa nos autos, custou no mínimo Euros 112.484,09 ( 220.000DM) e que atualmente vale Euros 350.000,00, tinha o tribunal forma de quantificar tal enriquecimento, optando pela fixação de uma indemnização equitativa, uma vez que nada obsta a que a medida da restituição, consistindo numa obrigação de “indemnização em valor”, seja calculada por recurso à equidade, ao abrigo do nº3 do artigo 566º do CC.
VV) Caso assim se não entendesse e na falta de elementos para determinar a medida exata do empobrecimento do Reconvinte, sempre poderia o tribunal proceder à condenação da A. a restituir ao reconvinte o valor do enriquecimento a liquidar em incidente próprio, nos termos do art.º 609 n.º 2 do CPC.
WW) No que concerne à restituição do preço, resultando provado que A. e R. não estavam casados entre si quando o prédio foi adquirido, não haverá qualquer justificação legal para recurso às normas do regime patrimonial de bens alemão ou para relegar o conhecimento desta questão para o processo de partilhas por divórcio, já que o facto gerador da deslocação patrimonial entre os patrimónios da A. e do Recorrente ocorreu em data anterior ao casamento e a referida disposição da lei alemã apenas abrange os “ganhos acumulados” na pendência do matrimónio.
XX) Com efeito, os créditos " que resultem de uma transferência de valores entre patrimónios próprios, constituem créditos entre os cônjuges, alheios à compensação, sendo exigíveis desde o momento do seu surgimento, por se encontrarem sujeitos ao regime geral das obrigações, não se justificando o seu deferimento para o momento da partilha",
YY) A questões conexionadas com a propriedade de imóveis adquiridos previamente ao casamento, por escritura titulada apenas por um dos elementos do casal, constitui um caso especial da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa e nestes termos deve ser dirimida, impondo-se por via do referido instituto, a condenação da A. na restituição ao R. do preço por este pago para aquisição de um imóvel exclusivamente titulado por si.
ZZ) A questão atinente ao pagamento efetuado em Portugal, do preço de imóvel sito neste país, porque intimamente ligada ao direito de propriedade do referido imóvel, não se pode subsumir à previsão do artigo 42 º nº 1 do Código Civil, impondo-se antes como conexão juridicamente relevante a lex rei sitae, ou seja, a lei portuguesa, pelo que a Mmª Juiz podia e devia ter apreciado aquele pedido, não se opor ao seu conhecimento, quer o regime patrimonial resultante da respetiva lei pessoal, quer as normas de conflitos do direito interno português, pelo que ao decidir inversamente, fez uma errada interpretação e aplicação dos artigo 46º nº 1 e 44º do Código Civil.
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença.
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7. O Réu CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Autora.
8. Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, e o Senhor Juiz pronunciou-se sobre a nulidade da sentença invocada pela Autora, considerando-a inexistente, bem como sobre a nulidade suscitada pelo Réu CC, sobre a omissão de pronúncia, reconhecendo-lhe razão, afirmando:
No que concerne à decisão do incidente de ampliação o pedido, por lapso da signatária na inserção informática da sentença, não foi inserida a decisão imediatamente anterior à decisão que não admitiu tal ampliação do pedido, pelo que se passa a inerir a mesma, havendo efetivamente omissão de pronúncia, mas não na sentença, dado que a decisão do incidente tem que ser prévia à mesma (mas podendo ser proferida na mesma data, como foi determinado)”;
E acabou por suprir essa nulidade, decidindo:
“Em face do exposto, não admito a ampliação do pedido deduzido pelo Réu reconvinte CC”, ficando prejudicado, face à não admissão da ampliação do pedido, o conhecimento relativamente à parte do pedido reconvencional que o Tribunal alegadamente decidiu não conhecer.
Notificado desta decisão, veio o recorrente, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 617.º do Código de Processo Civil, alargar o âmbito do recurso, por forma a abranger o douto despacho ora proferido que “ pronunciando-se agora sobre a ampliação do pedido requerida pelo Recorrente na audiência de discussão e julgamento, veio indeferir tal ampliação, dando-se para o efeito ( por razões de economia processual), aqui por integralmente reproduzido o teor dos n.ºs. 6 a 48 das Alegações e as alíneas B) a M) das conclusões do recurso oportunamente apresentado pelo Recorrente”.

9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Nulidades da sentença;
b) Alteração da matéria de facto;
c) Direito do Réu a exigir da Autora o pagamento do preço do imóvel e das benfeitorias nele realizadas.
d) Se o Réu beneficia do direito de retenção sobre o imóvel para satisfação desses créditos.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
1.1. A factualidade provada é a seguinte:
1. A Autora BB tem inscrita a seu favor, pela Ap. 10 de 25-10-1985, no estado de divorciada, a aquisição por compra do prédio urbano, destinado a habitação, com quatro divisões, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e terraço, denominado “Casa …” sito na Quinta do M…, Semino, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/….
2. O prédio referido em 1) foi adquirido pela quantia de PTE. 5.500.000$00, correspondente a € 27.433,88.
2.A. No dia 14 de novembro de 1984, mediante escritura pública celebrada no Segundo Cartório Notarial de Loulé, Alberto …, na qualidade de sócio gerente e em representação de “S… – Sociedade Imobiliária e Construtora, Lda”, e BB, aquela declarou vender a esta pelo preço de cinco mil e quinhentos contos, já recebido, o prédio urbano referido em 1), declarando a segunda que aceita a venda (facto aditado nos termos do art.ºs 607.º/4 do CPC ex vi art.º e 663.º/2 e doc. de fls. 14 a 18).
3. A Autora contraiu matrimónio com o Réu CC, em 8 de Janeiro de 1990, nas Bahamas, sem precedência de convenção antenupcial e estando separados de facto desde 1995.
4. A Autora BB e o Réu CC são ambos de nacionalidade alemã e à data do casamento residiam na Alemanha, País onde tiveram a sua primeira residência conjugal.
5. Após a separação, a Autora, devido a compromissos profissionais, estabeleceu domicílio em Londres, no Reino Unido.
6. No mês de Março de 2016, a Autora deslocou-se a Portugal e, quando chegou ao prédio referido em 1), constatou que a moradia estava em obras a ser desenvolvidas pelo Réu DD que a esclareceu que estaria a desenvolver as mesmas obras por indicação do Réu CC.
7. As fechaduras da moradia haviam sido mudadas, visto as chaves que possui já não lhe permitirem o acesso ao interior da casa.
8. Pelo menos 70% do preço de compra do prédio referido em 1) foi exclusivamente pago com dinheiro que o Réu CC entregou à Autora para esse efeito.
9. Os 70% do preço de compra do prédio referido em 1) foram entregues pelo Réu CC no pressuposto de uma vida em comum com a Autora e na expectativa do casamento entre ambos.
10. Em 17 de Junho de 1984, a Autora subscreveu a favor do Réu CC «procuração (…) para ele tratar todos os assuntos financeiros relacionados com a compra e manutenção da Casa “Morgadinho 2” na freguesia de Quarteira», tal como resulta de fls. 83 e 84, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Pelo menos desde 1995 que o Réu CC suportou sozinho todas as despesas do imóvel relativas à sua manutenção, água, eletricidade, gás, contribuição autárquica e atual IMI, prémios de seguro contra riscos de incêndio e roubo, em montante médio anual não concretamente apurado e administrou o imóvel como melhor entendeu.
12. Desde 1995 e até aos presentes dias, foi sempre o Réu CC quem utilizou e administrou o prédio referido em 1), tendo a Autora por várias vezes se deslocado ao imóvel e se apresentado aos inquilinos como dona do mesmo e tendo remetido ao 1º Réu, através de Advogada, uma carta a solicitar o pagamento de metade das rendas, nunca tendo recebido qualquer quantia.
13. O prédio referido em 1) foi adquirido em estado de novo, tendo que ser completamente mobilado.
14. Entre 1984 e 1995, a casa foi utilizada pela Autora e pelo Réu CC para passarem ali as suas férias de Verão, utilizando-a fora da época balnear também para férias durante breves períodos.
15. À data da compra, o logradouro da casa era composto apenas por terreno árido, tendo sido o Réu CC quem mandou ajardinar o espaço exterior da casa, com relva e plantas decorativas e custeou sozinho as respetivas despesas que importaram pelo menos o valor de € 1.623,60, a valores atuais.
16. Após 1984, o Réu CC procedeu à reparação das paredes e à pintura interior e exterior do prédio referido em 1), no que despendeu pelo menos o valor de € 5.202,90, a valores atuais.
17. Em 1993, o Réu CC mandou construir uma piscina no jardim da casa, o que importou a quantia de € 18.406,50.
18. No imóvel referido em 1) foi instalada e paga pelo Réu Norbert Friedrich Wagener uma antena de satélite que importou pelo menos a quantia de € 300,00, a valores atuais.
19. Em data anterior a 1995, foi construída e paga pelo Réu CC na sala de estar uma chaminé nova, a qual importou pelo menos a quantia de € 2.500,00.
20. Em 2012 apareceram danos na piscina construída no prédio referido em 1) e a estrutura básica da piscina teve de ser renovada e calafetada, a camada de ladrilhos no interior da piscina teve de ser substituída por uma nova no que o Réu CC dependeu o valor de € 2.174,64, a valores atuais.
21. Nos meses de Fevereiro e Março do ano de 2016, o Réu CC procedeu à remoção de todas as janelas da casa, que se encontravam danificadas e com problemas de caixilhos e fechaduras e substituição por janelas com vidros duplos de isolamento, no que despendeu o valor de € 3.859,75, a valores atuais, a renovação do soalho da casa e colocação de um novo revestimento, no que dependeu o valor de € 2.091,00, a valores atuais e a cozinha foi apetrechada com novos equipamentos, uma vez que os primitivos estavam completamente deteriorados, em montante não concretamente apurado, quantias integralmente pagas pelo referido Réu.
22. O Réu CC, desde 1995 até à presente data, em períodos não concretamente apurados, cedeu o gozo temporário do prédio referido em 1) mediante o pagamento de contrapartidas monetárias entre € 600,00 e € 800,00 mensais, a terceiros, quantias que utilizou exclusivamente, estando atualmente o prédio referido em 1) cedido ao Réu DD, na qualidade de caseiros desta moradia e de outra moradia do Réu CC, pagando ainda a este a quantia de € 150,00 por mês como contrapartida monetária.
23) O prédio referido em 1) tem atualmente um valor de mercado de € 330.000,00, considerando o seu razoável estado de conservação e as obras de remodelação.
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2. Nulidades da sentença.
2.1. Excesso de pronúncia - Recurso da Autora.
A recorrente considera que tendo sido desconsiderado o pedido principal do réu/reconvinte e parcialmente procedente o pedido subsidiário, não podia o Tribunal a quo reconhecer o direito de retenção sobre o imóvel até que pague as quantias em que foi condenada, por não ter sido peticionado esse reconhecimento no pedido subsidiário, o que afeta de nulidade a sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º1, alínea e) do CPC.
Apreciando.
Como flui do art.º 615.º, n.º1, alínea e), do C. P. Civil, a sentença é nula quando o “juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Esta nulidade, como corolário do princípio do dispositivo, está relacionada com imposição estabelecida no art.º 609.º/1 do C. P. Civil, em que o tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O conteúdo da sentença deve, portanto, manter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do Autor, deve respeitar os petita partium, sob pena de nulidade.
E, no caso concreto, é manifesto que a sentença recorrida não foi além dos pedidos formulado pelo Réu/reconvinte.
Com efeito, este formulou os seguintes pedidos:
a) a pagar ao Réu uma indemnização correspondente ao preço de compra e valor das benfeitorias realizadas pelo réu no prédio urbano sito na Quinta do M…, Semino, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº …/…, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo nº …, no valor global de € 156.801,54 (cento e cinquenta e seis mil, oitocentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento;
b) Ser reconhecido ao Réu o direito de retenção sobre o prédio urbano supra identificado, suspendendo-se a obrigação de restituição, até que seja integralmente paga ao Réu a aludida quantia.
Subsidiariamente,
Caso assim não se entenda, deverá a A. ser condenada a restituir ao R, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, as quantias por este despendidas com o preço de aquisição do prédio, despesas de conservação e melhoramentos efetuadas no imóvel, no valor global de 156.801,54 (cento e cinquenta e seis mil, oitocentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento, ou o valor que posteriormente se vier a apurar em liquidação de sentença.
Assim, o Réu deduziu um pedido principal, dele autonomizando o pedido relativo ao direito de retenção, e um pedido subsidiário, apenas no que respeita à causa de restituição das quantias reclamadas.
Foi deferido o pedido subsidiário, condenando-se a Autora a pagar ao Réu a quantia mencionada com base no enriquecimento sem causa, reconhecendo-se o direito de retenção sobre o imóvel até ao seu pagamento.
Assim sendo, deveria igualmente conhecer-se deste pedido, já que quer no pedido de restituição formulado no pedido principal, quer na restituição formulada subsidiariamente, é manifesto pretender o Réu o reconhecimento desse direito para garantia do pagamento da quantia que vier a ser considerada.
O direito de retenção, constituindo um verdadeiro direito real de garantia, traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexão entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela - arts. 754º e 755º C. Civil.
E decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, como decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/05/2011, proc. n.º 395/09.0TBSJM-B.P1, de 24 de Maio de 2007 (Relator: Xavier Silvano) e, no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 04/10/2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Trata-se, como se realça nos Acórdãos do STJ, de 10 de Fevereiro de 2000: CJ/STJ VIII-I-82; e de 24 de Abril de 2002 – 02B1136, de um direito “ope legis”, que não precisa de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar, o que acontece automaticamente com oferta de proteção jurídica ao credor enquanto este não vir satisfeito o seu crédito.
Assim, como se refere no despacho judicial “o pedido do reconhecimento do direito de retenção foi deduzido de forma autónoma no pedido principal, pelo que, sendo procedente o pedido subsidiário teria que ser igualmente apreciado, não existindo excesso de pronúncia (sendo certo que, independente do decidido, o Réu, com base na sentença proferida, sempre poderia vir a beneficiar de direito de retenção nos termos do artigo 754º do Código Civil, o qual não depende de declaração judicial”.
Deste modo, o tribunal respeitou o peticionado pelo Réu/reconvinte, manteve-se dentro dos limites definidos pela pretensão formulada no pedido reconvencional, pelo que improcede a apontada nulidade.
2.2. Omissão de pronúncia – Recurso do Réu.
2.2.1. O recorrente defende que a sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no art.º 615º nº 1 alínea d) do C. P. Civil, visto que solicitou em audiência de julgamento a ampliação do pedido reconvencional, ao abrigo do art. 265.º nº 2, conforme resulta da respetiva ata, pelo que o Tribunal a quo tinha de conhecer tal pedido na douta sentença, momento para o qual foi relegada a sua apreciação, e não o fazendo cometeu a nulidade por omissão por pronúncia.
Ora, no despacho que admitiu o recurso, a Senhora Juíza pronunciou-se sobre a invocada nulidade, reconhecendo razão ao recorrente, suprindo a nulidade e conheceu da ampliação do pedido, nos termos do art.º 617º n.º 2 do Código de Processo Civil, decidindo:
Em face do exposto, não admito a ampliação do pedido deduzido pelo Réu reconvinte CC”, ficando prejudicado, face à não admissão da ampliação do pedido, o conhecimento relativamente à parte do pedido reconvencional que o Tribunal alegadamente decidiu não conhecer”.
Notificada desta nova decisão, o recorrente, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 617.º do Código de Processo Civil, veio alargar o âmbito do recurso, por forma a abranger o despacho ora proferido.
Assim, porque foi suprida essa nulidade, a questão ficou resolvida.
2.2.2. Diz ainda o recorrente que a sentença padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos art.º 615.º, nº 1, alínea d) do CPC, porque a Senhora Juíza recusou apreciar os pedidos formulados em sede reconvencional, por ser o tribunal internacional e materialmente incompetente para decidir sobre o pedido de restituição do preço pago pelo Réu pela compra do imóvel e no que concerne à questão da efetiva valorização do imóvel em virtude das benfeitorias por este realizadas ao longo dos anos.
E acrescenta que a violação das regras de competência internacional, constituindo exceção dilatória, determina sempre a absolvição da instância e não do pedido, pelo que, também aqui, ao decidir diversamente, a douta sentença violou o disposto nos artigos arts. 98°, 99º nº 1, 100º e 577º alínea a) do CPC.
Ora, o tribunal a quo não recusou conhecer tais pedidos, antes, conhecendo-os, afirmou:
“De facto, a Autora e o 1º Réu estão casados sem convenção antenupcial no regime da comunhão de ganhos acumulados, ou seja nenhum dos bens dos cônjuges se torna património comum, quer adquirido antes quer adquirido na pendência do casamento (artigo 1363º, n.º 2 do BGB- Código Civil Alemão), mas qualquer aumento nos bens do cônjuge que ocorra na pendência do casamento é dividido igualmente quando ocorra divórcio ou morte de um dos cônjuges, desde que os ganhos individuais acumulados ao longo do casamento de um cônjuge excedam os ganhos do outro cônjuge terá de pagar metade do excesso ao outro cônjuge (artigo 1378º do BGB).
Por sua vez, dos artigos 1385º e 1386º do BGB resulta a possibilidade de ser requerida a extinção e partilha antecipada da comunhão de adquiridos antes de dissolvido o vínculo matrimonial por divórcio, mas tal regime não tem aplicação à situação dos autos, uma vez que não está em causa qualquer bem comum do casal.
Ora, tal matéria terá de ser apreciada no âmbito da partilha após divórcio, no âmbito do qual se terá de decidir se haverá lugar ou não à restituição dessa quantia (ou se a mesma configurou uma doação), bem como a uma eventual compensação pelo aumento do valor do património da Autora na pendência do casamento dado que a aquantia foi entregue com vista ao futuro casamento, não podendo o Tribunal conhecer desta questão por ser internacional e materialmente incompetente para a mesma, sendo certo que não poderá ser aplicada a esta situação o disposto nos artigos 1385º e 1386º do BGB, na medida em que não pode ser feita apenas a partilha antecipada de um bem, mas de todo o património (não se podendo decidir pela competência dos Tribunais Portugueses sobre a questão na medida em que o eventual crédito não beneficiaria de direito de retenção por não serem despesas feitas por causa da coisa a reter nos termos do artigo 754º do Código Civil e logo é irrelevante para o desfecho da presente ação- cfr- artigo 63º do Código de Processo Civil).
Assim, não é aplicável à situação do preço de aquisição do imóvel o regime do enriquecimento sem causa previsto nos artigos 473º e seguintes do Código Civil, na medida em que a questão relativa ao preço entregue à Autora deverá ser resolvida no âmbito do processo de partilha, ou seja, há um instituto jurídico que permite a apreciação do eventual prejuízo do 1º Réu.
Ora, estando esta questão do crédito por obras e melhoramentos exclusivamente pagas pelo 1º Réu (logo pelo seu património dado que o regime de bens é o da comunhão dos ganhos acumulados, o que só ocorre no momento da partilha mantendo os bens de cada um a natureza de bens próprios) conexa com a questão de direito real aqui em causa, necessariamente se conclui que o terá que ser apreciada nos autos e de acordo com a Lei Portuguesa, pelo que o crédito é exigível mesmo estando a Autora e o 1º Réu ainda casados”.
Assim, não é correto afirmar-se que o tribunal se considerou incompetente internacionalmente, quando conheceu dos pedidos formulados na ação, quer pela Autora, quer pelo Réu.
Na verdade, sendo a competência internacional uma exceção dilatória, trata-se de questão prévia, cujo conhecimento se impõe antes do julgamento do mérito dos pedidos formulados. Se o tribunal a quo entendeu que tais pedidos só podem ser formulados após o divórcio, face ao regime de bens e direito alemão aplicável, é porque se considerou internacionalmente competente para poder formular esse juízo jurídico.
Aliás, a questão da competência internacional foi afirmada positivamente no despacho saneador tabelar, onde se refere “ O Tribunal é competente em razão de nacionalidade, matéria e hierarquia” – fls.
Acresce que a fundamentação usada na sentença para a improcedência desses pedidos não pode ser confundida com o conhecimento concreto e decisão sobre essa exceção, porque sendo questão prévia, a antecede.
Improcede, pois, a pretensa nulidade.
***
3. Alteração da matéria de facto.
3.1. O recorrente (1.º Réu) discorda do valor de aquisição do imóvel mencionado no ponto n.º2 dos factos provados, no qual se refere que foi adquirido pela quantia de 5.500.000$00, correspondente a € 27 433,88, quando de acordo com as declarações prestadas por si e pela Autora o preço efetivamente pago pela compra do prédio foi na realidade muito superior ao preço declarado pela A. na escritura pública de compra e venda, sendo pelo menos de 220.000 marcos alemães, o equivalente a Euros 112.484,09 (cento e doze mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e nove cêntimos).
Assim, entende que se deve dar como provado que o preço de aquisição do imóvel em causa nos presentes autos foi pelo menos de 220.000 marcos alemães, o equivalente a Euros 112.484,09 (cento e doze mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e nove cêntimos).
Ora, como consta da fundamentação da matéria de facto da sentença, que o preço de compra do imóvel foi dado como assente com base “no acordo das partes, quer considerando a aceitação expressa” quer “na escritura de compra e venda do prédio em litígio de fls. 14 a 18, cujo teor não foi impugnado e constitui documento autêntico”.
Assim, esse facto foi dado como provado com base no acordo das partes e escritura pública de compra e venda, na qual se refere esse montante como sendo o preço de venda e entregue pela Autora ao vendedor, documento que faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público, salvo demonstração da sua falsidade, no caso que vendedor e comprador declararam ser esse o real preço de venda ( art.ºs 369.º/1, 371.º/1 e 372.º do C. Civil.
Acresce que o próprio recorrente, nos art.ºs 40.º e 41.º da sua contestação, em sede de reconvenção, afirmou ter sido ele “quem em 1984 pagou o preço de compra do imóvel, no montante de 5.500.000$00, o equivalente a € 27.443,88”, e que o fez “recorrendo ao crédito bancário contraído por si junto do “Deuttch Bank”, no referido ano de 1984, pelo prazo de 8 anos e cuja amortização foi integralmente paga pelo Réu”.
E foi partindo desse montante que o réu deduziu o pedido reconvencional de restituição desse valor, não qualquer outro.
Perante a confissão judicial e o montante inscrito na escritura pública, a questão do preço ficou assente, não era um facto controvertido, pelo que não foi, e bem, incluído nos temas da prova, mas apenas se o imóvel foi adquirido com dinheiro exclusivo do réu.
Por isso, não se podia demonstrar realidade diversa da alegada, salvo mediante a apresentação de articulado superveniente nos termos do art.º 588.º do C. P. C.
Como é consabido, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 5º, do C. P. Civil, cabe às partes “alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”; e para além dos factos articulados pelas partes o juiz ainda se pode servir (i) dos “factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, (ii) dos “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”, (iii) dos “factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.
Os factos instrumentais “são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais”, “assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”[1].
E aderimos à orientação defendida pelo Prof.º Lebre de Freitas no que respeita aos factos complementares ou concretizadores, ao afirmar: “quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que ressaltem da instrução da causa, o regime mantém-se, exigindo a lógica do esquema processual derivado do princípio do dispositivo que a parte a quem os factos aproveitem os introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar” [2]. Quanto à aquisição processual destes pelo juiz na decisão não basta, pois, que resultem da instrução da causa, sendo indispensável que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ele se pronunciarem.
Neste sentido, como bem se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/1/2015, “não é pois correta, com o devido respeito, a ideia, porventura retirada dum leitura apressada da recente reforma do regime do processo civil, desta reforma dispensar as partes de dizer/alegar, nos articulados, a sua versão factual, na medida em que – dir-se-á em tal ideia “errada” – no julgamento, se pode discutir tudo e mais alguma coisa, tendo, depois, o juiz que incluir tudo (o que se discutiu no julgamento e que antes nunca se disse/alegou) no elenco factual da sentença” [3].
E a factualidade que o recorrente pretende alterar – preço real de venda do imóvel e por si totalmente liquidado -, não é um facto notório, nem um facto instrumental ou complementar ou concretizador dos factos essenciais alegados no pedido reconvencional, mas um facto essencial, tendo em conta a causa de pedir invocada.
Mas mesmo que se admitisse tratar-se de um facto complementar ou concretizador e que tal facto resultou da decisão da causa, não demonstrou o recorrente, e muito menos alegou, ter expressado a vontade de se aproveitar desse facto, para que a Autora sobre ele se pudesse pronunciar, razão pela qual o mesmo não deverá ser considerado.
Não tendo o recorrente cumprido o ónus de alegação de tal facto, nos termos previstos mo artigo 5.º, n.º 1, do C. P. Civil e 342.º/1 do C. Civil, não o poderia demonstrar e muito menos poderá ser incluído no elenco dos factos provados, perante as declarações das partes em audiência.
E não se invoque a ampliação do pedido, nos termos do art.º 265.º/2 do CPC, porquanto essa ampliação dependeria da alegação de novos factos em sede de articulado superveniente, não deduzido.
Na realidade, se a ampliação do pedido, nos termos do n.º2 do artº 265.º do C. P. Civil, implicar a alegação de factos novos, como sucede no caso presente, só é admissível se estes factos forem supervenientes de acordo com o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588.º e se forem alegados nos termos e nos prazos previstos no nº 3 do mesmo preceito legal – neste sentido Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, págs. 128 e segs., e Acórdão do T. Rel. do Porto de 26/08/2008 (Deolinda Varão), disponível em www.dgsi.pt [4].
Como considera Lebre de Freitas, ob. cit., a ampliação do pedido pode envolver a formulação de um pedido diverso, em cumulação sucessiva com o inicial, mas no caso em que envolva a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se forem supervenientes e obedecerem ao previsto no artigo 506.º C.P.C. – No mesmo sentido o Ac. do T. Rel. De Guimarães, de 3/5/2011, Proc. n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1, www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, a ampliação pretendida pelo recorrente, no sentido da condenação da Autora no pagamento desse novo montante, quando formulou pedido de condenação em €27.433,88, correspondente ao preço de compra do imóvel, importava a alteração dos temas da prova, no sentido de se apurar o valor real de venda do imóvel, diverso do valor declarado na escritura pública de compra e venda.
E a verdade é que o recorrente não podia deixar de ter conhecimento do preço real de compra na data da aquisição do imóvel, por si totalmente pago, segundo a sua versão, e não aquando da audiência de julgamento, o que também impediria a apresentação de articulado superveniente nos termos da alínea c) do n.º3 do art.º 588.º do C. P. Civil.
Decorrentemente, improcede a pretendida alteração.
3.2. Facto não provado e identificado na alínea d), com a seguinte redação:
Para pagamento do preço de compra do imóvel e demais despesas de aquisição, o Réu CC contraiu sozinho um empréstimo de DM 200.000,00 marcos alemães, o equivalente atualmente a € 102.258.39, junto do “Deutsche Bank” crédito esse de que o Réu foi o único mutuário e cujas prestações foram pagas integralmente por ele, como os montantes monetários próprios, provenientes do trabalho por si desenvolvido como advogado”.
Quanto a este ponto da matéria de facto, entende o recorrente que devia ficar provado, já que reconheceu, assim como a própria Autora, que ele havia recorrido a financiamento bancário para pagamento do preço de aquisição do imóvel, tendo a Autora declarado que parte do pagamento do preço havia sido “financiado pelo Banco na Alemanha, em nome do marido.
O tribunal a quo considerou essa matéria não provada “por apenas o 1º Réu ter referido que contraiu um empréstimo para custear a compra do imóvel, o que a Autora negou, pelo que, na ausência de outro meio de prova, tem que se dar tal facto como não provado”.
Ora, auditada a gravação, constata-se que a Autora declarou que o recorrente tinha mais dinheiro do que ela e que ele pagou cerca de 70 % do valor da casa, não conseguindo precisar se ele contraiu algum empréstimo para o efeito, referindo que o dinheiro veio do Banco de Investimento da Alemanha, mas não foi um empréstimo, “ele libertou fundos para pagar a casa cá, mas não sabe qual ou quais os valores ou se houve algum empréstimo ou não, não sabe”. E mais disse que “não sabe como ele pagou, sabe que veio do Banco dele na Alemanha, agora o valor e como não sabe” ( 18.40 a 20:31 minutos).
Portanto, a Autora não confirma que o recorrente haja contraído um empréstimo, bem como qual o respetivo montante, desconhecendo a origem da parte dos fundos com que ele contribuiu para a aquisição do imóvel.
E no que respeita às declarações de parte do 1.º Réu, ora recorrente, em que refere que essa aquisição foi financiada em cerca de 90% com recurso a um empréstimo bancário, que contraiu na Alemanha e exclusivamente pago por si, importa sublinhar, como refere o Professor Lebre de Freitas, in “A Ação Declarativa Comum”, 3.ª Edição, pág. 278, “A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.”
Relativamente a este meio de prova, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/11/2014 (Pedro Martins): “Mas a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas”.
E isto porque estas declarações são, por definição, favoráveis à parte que as vai prestar.
O princípio de prova é o grau de prova mais débil, significando que a prova em causa não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer juízo de certeza final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova.
Neste sentido, ensina o Professor Lebre de Freitas, ob. cit. pág., 222: “Por princípio de prova entende-se um resultado insuficiente para a prova do facto, mas suscetível de, combinado com o de outros meios de prova que sejam produzidos no processo, a ela conduzir; trata-se de um contributo para o resultado probatório final, sem força probatória autónoma, mas concretamente relevante quando os meios de prova com que se combine não sejam, por si só, suficientes para gerar no julgador a convicção de que o facto probando se verificou”.
Para o Professor Teixeira de Sousa, “ As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa”, Lex - Edições Jurídicas, 1995, p. 203, “o princípio (ou começo) da prova é o menor grau de prova: ele vale apenas como fator corroborante da prova de um facto. Isto é, o princípio da prova não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova de um facto”.
Acresce que a factologia citada, dada como não provada, não coincide com o teor dos depoimentos referidos, pois não está seguramente provado que “Para pagamento do preço de compra do imóvel e demais despesas de aquisição, o Réu CC contraiu sozinho um empréstimo de DM 200.000,00 marcos alemães”, mas eventualmente que terá contraído um empréstimo, cujo valor se ignora, para pagamento de uma parte do preço, correspondente a 70%, segundo a versão da Autora.
Assim, aceita-se perfeitamente a convicção formulada pela 1.ª instância, tendo em conta o princípio geral da livre convicção do julgador, assente nos princípios instrumentais da oralidade e imediação, e regras da experiência, não sendo essa factologia demonstrada, de forma categórica, pelos mencionados depoimentos, ou por qualquer outro meio probatório convocado pelo recorrente, ou seja, face à ausência de qualquer outro meio de prova, nomeadamente documental, aceita-se a decisão do tribunal a quo sobre tal questão, observando-se a regra geral ínsita no art.º 414.º do C. P. Civil, que prescreve: “ A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Em todo o caso acrescenta-se ser totalmente inútil para a boa decisão da causa apurar qual a origem do montante que o recorrente entregou à Autora para pagamento do preço do imóvel, se obtido por via de empréstimo bancário ou outra, interessando apenas saber se pagou ou não parte do preço ou a totalidade.
Mantém-se, pois, excluída essa matéria de facto.
3.3. Pretende o recorrente que deve ser alterada a percentagem de 70% referida no ponto 8 dos factos provados, por entender que a sua contribuição foi superior aos 70% confessados pela Autora, pelo que se mostra incorretamente julgada essa proporção, que o tribunal a quo justificou apenas com base nas declarações desta, sendo que o recorrente não só explicou como foi financiada a aquisição do imóvel, respetivo valor e proporção do financiamento no cômputo total do preço, como esclareceu que os 100 000 DM que de facto foram entregues ao construtor na data da compra, faziam parte desse dinheiro, não tendo a A. contribuído com qualquer quantia para a aquisição do imóvel.
Relativamente a este ponto da matéria de facto, como se disse no ponto anterior, para onde se remete, não basta as declarações do recorrente para se afirmar outra factologia, em particular que foi ele quem suportou a totalidade do preço de aquisição ou que contribuiu em percentagem superior à referida, como parece pretender, já que nenhuma outra prova foi produzida nesse sentido.
Improcede, pois, a pretendida alteração.
3.4. Alínea f) dos factos não provados.
O recorrente discorda também da não inclusão nos factos provados da alínea f), na qual se refere:
“O Réu CC suportou as despesas de manutenção do prédio referido em 1) na convicção de que estava a atuar sob um direito próprio, já que como era consabido de ambas as partes, o preço do imóvel e demais despesas de aquisição haviam sido efetivamente pagas pelo Réu, facto que a Autora nunca colocou em causa, tendo igualmente sido custeadas por aquele todas as benfeitorias realizadas no prédio ao longo destes 32 anos. (artigo 21º da contestação)”.
Entende que da factologia descrita nos n.ºs 11), 12), 16) a 21) “é irrefutável que desde 1995 – data da separação entre A. e R. - é o Reconvinte exclusivamente tem tido a posse material do prédio identificado nos autos, praticando sobre o dito imóvel os atos materiais descritos naquelas alíneas ( corpus), acompanhado do respetivo animus”;
Acresce que a Autora declarou que ” Na perspetiva dele, portanto, eles quando começaram a zangar-se, na perspetiva dele, é que era tudo dele e ele literalmente disse a ela (…) tudo o que está aqui pertence-me”.
Ora, a verdade é que a pretendida alteração assenta em pretensa factualidade, devendo ser desatendida, por não se tratar de um facto concreto em si mesmo, objetivo, antes encerrar uma conclusão ou conceito jurídico.
Na verdade, não estamos perante verdadeira matéria de facto, no sentido técnico-jurídico, mas perante um conceito de direito, não se trata de um facto concreto, objetivo, acontecimento da vida real.
Importa distinguir entre as questões de facto e as questões de direito, como salientam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, pág. 404/405, apontando para a constante confusão pelas partes ao retratarem a situação concreta que serve de base à sua pretensão, devendo apenas incluir nos factos as ocorrências concretas da vida real ( no mesmo sentido, Remédio Marques, “Ação Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 437).
Nas palavras de Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, pág. 268/269, toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus carateres mais gerais, pelo que a aplicação da norma pressupõe, primeiro, a averiguação dos factos concretos, adiantando que “ só, pois, acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objeto da especificação e questionário, o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”.
E pese embora se admita a utilização de certos conceitos jurídicos que são utilizados na linguagem corrente das pessoas, por serem facilmente percecionáveis e entendidos como ocorrências da vida real pelas pessoas comuns, a verdade é que devem ser excluídos quando o objeto da ação esteja dependente da determinação do significado exato dessas expressões – cf. Remédio Marques, ob. cit., pág. 551/553; e Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 269.
Ora, saber se “o recorrente tinha a convicção de que estava a atuar sob um direito próprio” depende da verificação de factos concretos que permitam extrair essa conclusão jurídica e muito menos que ele “é tido como o dono da casa”.
A “posse jurídica”, “ de boa ou má-fé”, “pacífica ou violenta” e “pública ou oculta”, são conceitos jurídicos, factos normativos, e não factos objetivos - ver art.ºs 1251.º, 1258.º a 1262.º e 1287.º do C. Civil.
Aliás, na fundamentação dessa matéria consignou-se não resultar provado:
“(…) em virtude de, da prova produzida, não poder o Tribunal concluir que o 1º Réu atuou na convicção de ser o único dono do imóvel e que a Autora reconheceu essa situação (desde logo o 1º Réu refere que era a casa de férias deles, uma decisão que tomaram em conjunto e, por outro lado, a Autora foi esporadicamente se apresentando perante os arrendatários como dona do imóvel ao longo dos anos. Assim, o 1º Réu nunca alterou o nome do imóvel que tem o nome da Autora e é Advogado, pelo que não pode ignorar que a casa está em nome da Autora, havendo regras para o registo (aliás tanto não pode ignorar que afirma que o prédio ficou em nome dela por forma a não interferir nas partilhas do seu divórcio à data), para além de referir que a Autora, ainda que esporadicamente, ao longo destes anos, se apresentou na casa como dona aos inquilinos e lhe enviou uma carta através de Advogada a pedir metade das rendas, pelo que independentemente do que quisesse pensar, não podia, de boa fé, atuar como se a casa fosse sua (aliás, nem sequer invoca qualquer inversão do título da posse que pudesse implicar uma aquisição, não se podendo adquirir a propriedade de um imóvel a não ser das formas legalmente previstas, na qual não se inclui, ainda que se provasse como nem sequer sucedeu nos autos, que tinha pago o preço integralmente e que o objetivo era a casa ser para si).
O facto de uma pessoa utilizar e tratar exclusivamente de um imóvel durante não
implica que terceiros o considerem dono, sob pena de qualquer arrendatário ou comodatário ser considerado dono, podendo tal comportamento ser feito a diversos títulos e não exclusivamente como proprietário.
Por outro lado, a Autora e o 1º Réu continuaram casados durante este período e a casa foi adquirida na perspetiva de uma vida em comum, pelo que, não estando o prédio inscrito em seu nome, nunca o 1º Réu poderia concluir que a casa era sua sem intentar qualquer procedimento, legal ou de facto, para que tal se verificasse.
Nestes termos, necessariamente se tem que concluir que o 1º Réu decidiu fazer obras de conservação no imóvel por administrar e utilizar o mesmo, arrendando-o a terceiros, sabendo que não era o proprietário da moradia e que a Autora não aceitou pacificamente a situação de não ter acesso ao imóvel”.
E como é consabido, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607.º/5, do C. P. Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova [5].
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
E já lembrava Alberto dos Reis [6] que a prova livre não quer dizer prova arbitrária ou irracional. Quer dizer prova apreciada com inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade com as regras da experiência e as leis que regulam a atividade mental. Não estamos perante um sistema da prova livre pura, mas de livre apreciação motivada da prova, ou seja, o que conduz à prova de um facto em juízo é o efeito que as provas, em conjugação com as regras da lógica e as máximas da experiência, produzem na convicção do juiz – cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 471.
Ora, a verdade é que verificamos ter havido, por parte do tribunal a quo, uma criteriosa avaliação de todos os meios probatórios, em particular as declarações das partes e documental, tendo em conta o princípio geral da livre convicção do julgador, assente nos princípios instrumentais da oralidade e imediação, aceitando-se plenamente a convicção da 1.ª instância, devidamente fundamentada, “factologia” que não foi infirmada por qualquer outro meio probatório.
Assim, não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma efetiva e correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido.
Acresce sublinhar que, como flui do facto provado n.º 10, em 17 de Junho de 1984, a Autora subscreveu a favor do Réu CC «procuração (…) para de tratar todos os assuntos financeiros relacionados com a compra e manutenção da Casa “M… 2” na freguesia de Quarteira», tal como resulta de fls. 83 e 84, o que evidencia que o recorrente sabia que o imóvel não lhe pertencia, porque se assim não fosse não faria sentido a emissão dessa procuração, sendo o recorrente advogado.
Com efeito, porque Autora e Réu são casados, desde 8 de Janeiro de 1990, sem precedência de convenção antenupcial, estando separados de facto desde 1995, de acordo com o regime de bens do casamento, à luz do Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB), aqui inteiramente aplicável (como melhor se explanará infra), no seu § 1363.º I, estabelece como regime de bens supletivo o designado por «Zugewinngemeinschaft», (participação nos adquiridos), que fixa as regras para a divisão do património dos cônjuges quando cessar esse regime de bens, e face ao prescrito no seu § 1363.º II, a titularidade dos bens pertence a cada um dos cônjuges, sendo que o casamento, ao abrigo desse regime supletivo, não altera a titularidade da propriedade dos cônjuges, e cada um deles administra o seu próprio matrimónio ( fls. 81).
Ora, sendo o recorrente advogado, não ignorava seguramente os efeitos patrimoniais do casamento e, consequentemente, que o imóvel pertencia exclusivamente à Autora, sendo certo que não interveio no contrato de compra e venda, celebrado antes do casamento, tanto assim que necessitou de uma procuração, por esta subscrita, para a sua administração.
Improcede, pois, a pretendida alteração.
3.5. Finalmente, o recorrente pretende que se considere provadas outras obras realizadas no imóvel e respetivos montantes, para além daquelas que resultaram provadas com base no relatório pericial, nomeadamente:
- A pintura exterior, reparação de rachas e pintura interior de pelo menos duas divisões, durante o período em que A. e R. ainda estavam juntos, podendo, com vista à respetiva quantificação, lançar mão das estimativas constantes do relatório pericial que computam estes trabalhos em pelo menos € 5.202,90;
- Reparação das infiltrações ou repassos efetuados em 2010 e que de acordo com os depoimentos dos RR. acarretaram obras de reparação no terraço e telhado da moradia, pintura e reparação de rachas, tendo tais trabalhos importado em Euro 8.000,00, conforme referiu o recorrente;
- O valor de € 10.000,00 relativo aos trabalhos de reparação realizados no pátio exterior, que se traduziram na substituição de todo o azulejo, tendo o preço do material adquirido e o valor da mão-de-obra empregue sido perentoriamente referido pelo 2º Réu DD que acompanhou o 1º Réu na compra do material e interveio na execução dos referidos trabalhos de reparação.
- € 800,00 dos armários de cozinha;
Sobre esta matéria realça-se na sentença recorrida:
A convicção do Tribunal alicerçou-se ainda, no que concerne aos valores dos custos das obras, efetuadas, que não foram suportadas por qualquer documento ou prova testemunhal de quem realizou os trabalhos, limitando-se os 1º o 2º Réu a lançar valores sem qualquer suporte que permita dar-lhes credibilidade para além de opiniões, na perícia realizada nos autos, na qual se confiou, sendo certo que ela se mostra suficientemente justificada e corresponde ao resultado da atividade diretamente vocacionada para encontrar o custo de cada uma das obras ou reparações em causa.
As respostas restritivas e explicativas devem-se à circunstância de não ser possível apurar todas as obras concretas realizadas atento o lapso de tempo decorrido, resultando as respostas do confirmando no local pelo Sr. Perito, sendo os valores apurados os resultantes da perceção e cálculos do mesmo constantes do relatório pericial, o qual contém ainda fotografias das várias obras realizadas, sendo evidente a diferença existente no imóvel entre o seu início e o atual atento o teor das fotografias de fls. 189 a 191, não havendo qualquer suporte documental que permita apurar valores diversos dos indicados na perícia, sendo que o custo da piscina, por ser inferior o alegado, será esse o valor considerado, não sendo verosímil que o 1º Réu invocasse um valor inferior ao pago, podendo a diferença estar no IVA referido na perícia”.
Ora, ouvido o depoimento do 2.º Réu, este apenas confirmou que em 2010, 2011 e 2016 foram feitas obras na casa, que consistiram na reparação do telhado, terraço, teto., dois quartos, sala, piscina, azulejos na casa de banho, torneiras e móveis de cozinha, dizendo que quem comprou os materiais e pagou foi o 1.º Réu, e que lhe arranjou pessoas para fazer esses trabalhos, desconhecendo o valor pago pelos materiais bem como quanto pagou para realização desses trabalhos.
Assim, aceita-se perfeitamente a convicção formulada pelo tribunal a quo, cuja fundamentação não merece reparo, desde logo pela ausência de qualquer prova documental que comprove os montantes despendidos e concretas obras realizadas, sendo manifestamente insuficiente, para formulação de convicção oposta, o depoimento citado.
Acresce sublinhar que sendo tais obras realizadas a partir de 2010, segundo refere o recorrente, a determinação do respetivo valor revela-se irrelevante para a boa decisão da causa, por não poderem ser aqui exigidas, como oportunamente se demonstrará.
Mantém-se, pois, integralmente, a factualidade apurada na 1.ª instância.
***
4. O direito.
4.1. Direito do Réu aos valores despendidos em benfeitorias e com o preço de compra do imóvel.
A Autora discorda da sua condenação no pagamento ao Réu da quantia de € 36.158,39, acrescida de juros remuneratórios, a título de enriquecimento sem causa, correspondente ao valor das obras por este realizadas no imóvel e mencionadas em 15) a 21) dos factos assentes.
E justifica essa discordância por duas razões principais: a primeira, porque o Réu não demonstrou os requisitos (cumulativos) para fazer operar a obrigação de restituição em sede de enriquecimento sem causa, pois, os factos provados não permitem concluir ter havido um “empobrecimento” efetivo do Réu, visto que investiu no imóvel € 36.158,39 e recolheu dividendos de, pelo menos, € 92.400,00; em segundo lugar, não se verifica o caracter subsidiário da obrigação que pudesse legitimar o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, visto que sendo casada com o Réu, este tem ao seu dispor mecanismo legal que lhe permite deduzir contra a A., pedido de indemnização/compensação pelo aumento do património da A., aquando do Divórcio de ambos.
Na sentença recorrida considerou-se que o Réu, ora recorrente, “ocupou o imóvel em causa por mera tolerância da proprietária, pelo que não é possuidor, não tendo direito a indemnização por benfeitorias (cfr. artigo 1253º, al. b) do Código Civil)”, ao abrigo do disposto no art.º 1273.º/1 do C. Civil, e, em consequência, enquadrou-se o direito de restituição do valor dessas benfeitorias no âmbito do enriquecimento sem causa.
Com efeito, escreveu-se na sentença recorrida:
Na situação dos autos, apurou-se que o 1º Réu dependeu a quantia total de € 36.158,39 em obras de conservação e melhoramento do imóvel aqui em causa, as quais contribuíram para o aumento do valor de mercado do imóvel apesar de ser de 1984.
Assim sendo, o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial que tanto pode consistir num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como ainda na poupança de uma despesa; terá de traduzir-se, em qualquer caso, numa «“melhoria da situação patrimonial” da pessoa obrigada à restituição, melhoria essa “que se apura segundo as circunstâncias”»13.
Nos autos, o 1º Réu despendeu a quantia de € 36.158,39 em obras de conservação e melhoramento do prédio em causa que permitiram o aumento do seu valor de mercado, não podendo levantar as mesmas sem as deteriorar ou destruir (confrontar factos 16 a 21 dados como provados), com exceção da colocação dos equipamentos de cozinha cujo valor não se apurou, mas que podem ser retirados sem danos para os mesmos ou para o imóvel.
Conclui-se, deste modo, pelo enriquecimento da Autora à custa do empobrecimento do 1º Réu, sendo a causa da deslocação patrimonial do património deste a tolerância da Autora ao permitir a permanência do 1º Réu mais de 20 anos no imóvel após a separação de facto, sendo este que pagava os impostos e todas as despesas de manutenção da casa (mas também recebia os benefícios do arrendamento da mesma, pelo que nunca poderia ser considerado um empobrecimento o pagamento dos impostos e das demais despesas de manutenção correntes da casa).
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
No caso dos autos, a Autora (face ao pedido e causa de pedir formulados) configurou a presente ação como de reivindicação, peticionando que que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no art.º 1.º da p.i., e a condenação do Réu/recorrente a restituir-lhe o imóvel.
Como é sabido, de acordo com o preceituado no art.º 1311.º n.º1, do C. Civil, o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence. Reconhecido esse direito, a restituição só poderá ser recusada nos casos previstos na lei – seu n.º2.
Na ação de reivindicação o pedido principal é o do reconhecimento da titularidade do direito real de propriedade, sendo a sua restituição mera consequência desse reconhecimento, pois que a condenação do réu detentor ou possuidor na sua restituição constitui consequência da procedência daquele pedido ( vide J. Oliveira Ascensão, Direitos reais, 4.ª edição, pág. 371/375; e Luís Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 261/263).
Nesta ação compete ao Autor alegar e demonstrar a propriedade sobre a coisa reivindicada e que está em poder do réu, sendo irrelevante, para este efeito, que essa posse ou detenção seja lícita ou ilícita ( ibidem).
Citando Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 116, «sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou detenção do réu. O réu, por sua vez, tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição».
Decorrentemente, cabe ao Réu alegar e demonstrar possuir um direito real ou obrigacional, que impede o exercício pleno da propriedade, direito que consubstancia uma exceção perentória nos termos do art.º 493.º/3 do anterior C. P. Civil ( art.º 342.º/2 do C. Civil). Não o demonstrando, impõe-se a restituição ao proprietário, como consequência do reconhecimento do seu direito real de propriedade (neste sentido, entre tantos outros, os Acórdãos do S. T. J. de 2/12/1986, BMJ, 362.º-537; de 18/2/1988, BMJ, 374.º-414; de 27/9/2005, Proc. n.º 05A2278 e de 5/7/2007, Proc. n.º 07A1746, disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a sentença recorrida reconheceu esse direito real de propriedade à Autora e condenou o réu nessa entrega, condicionada ao pagamento do seu direito de crédito, que este demonstrou ser titular, garantido e reconhecido pelo direito de real de garantia – direito de retenção.
Na verdade, o Réu/recorrente, em reconvenção, exigiu o pagamento de benfeitorias e o valor do preço do imóvel, e pediu o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel para satisfação desse crédito.
O direito de retenção vem genericamente previsto no art.º 754.º do C. Civil, ao permitir que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
O direito de retenção é essencialmente um mero direito real de garantia das obrigações, cuja função é o de servir de garantia do pagamento do crédito do retentor.
O direito de retenção consiste, pois, como se enuncia no Acórdão do STJ de 27/11/2008 ( Santos Bernardino) “na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não a entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele. São requisitos do direito de retenção: a detenção ou posse material da coisa e legitimidade da detenção; ser o detentor da coisa credor da pessoa a quem a coisa deve ser restituída; e a existência de uma relação de conexão entre o crédito do detentor e a coisa”.
Como ensina Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, pág. 974, o direito de retenção aí previsto depende de três requisitos, a saber: A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; ser o detentor simultaneamente credor da pessoa com direito à entrega; e existência de uma conexão direta e material entre o crédito do detentor e a coisa detida ( no mesmo sentido se pronuncia Menezes Leitão, “Garantia das Obrigações”, 2012, 4.ª edição, pág. 201/211).
E sublinha Antunes Varela, “Direito das Obrigações em geral”, Vol. II, 4.ª edição, 561, que o direito de retenção, para além da sua natureza compulsória ( funcionando como meio de coação do cumprimento da obrigação), incorpora um verdadeiro direito real de garantia, conferindo ao seu titular uma preferência no pagamento sobre o valor do bem.
O possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (n.º1 do art.º 1273.º do C. Civil).
E dispõe o seu n.º2: “Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.
Como é sabido e consabido, a noção legal de benfeitorias que nos é dada pelo art.º 216.º do C. Civil, comporta três categorias, a saber: as necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa), as úteis (as que, não sendo indispensáveis para a conservação, lhes aumentam, todavia, o valor) e as voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhes aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).
Decorrentemente, e atento o regime previsto no n.º2 do art.º 1273.º, o direito ao valor das benfeitorias, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, estará sempre dependente da prova de que o seu levantamento não poderá fazer-se sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas as obras.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 42, importa considerar que, quanto às benfeitorias, o detrimento, a que se refere o art.º 1273.º/1 do C. Civil, diz respeito à coisa benfeitorizada e não às benfeitorias em si mesmas consideradas, “o detrimento refere-se às coisas e não às benfeitorias. Quanto a estas a possibilidade de detrimento não tem relevância jurídica”.
E a pág. 43, referem, ainda, que o direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias úteissó pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito relativamente à pretensão reivindicatória. Trata-se de um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o n.º2 do artigo 1273.º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do art.º 482.º (neste sentido o Ac. do S. T. J., de 15 de janeiro de 1981, no BMJ, n.º 303, pág. 236 e segs).”
Também Luís A. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, Quid Juris, 3.ª Edição, pág. 292, refere:
“Pelo que respeita às benfeitorias úteis, o possuidor, em geral, de boa fé ou má fé, tem primariamente o direito de as levantar, ou seja, de as separar da coisa. O direito ao levantamento cessa, porém, se a separação não puder ser feita, materialmente, ou se implicar danos para a coisa principal. Se o levantamento implicar detrimento para a coisa, tem o possuidor, em sua substituição, o direito de ser indemnizado, pelo titular do direito, do valor das benfeitorias, calculado, porém, neste caso, segundo as regras do enriquecimento sem causa. E o regime que se retira da segunda parte art.° 1273.° e do seu n.º 2.” [7].
A mesma orientação é ensinada por José Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª edição, pág. 113 e 114, sublinhando ainda “(… para excluir que a indemnização venha a exceder o valor dos melhoramentos ao tempo da entrega, determina-se que esta seja calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa… e que possuidor de boa fé goza ainda do direito de retenção enquanto não for pago (art.s 754.º a 756.º).”
Ora, no caso concreto, tendo em conta a natureza das obras realizadas no imóvel, identificadas em 16) a 21), bem como o estado de degradação que justificou as obras descritas em 21) ( remoção de todas as janelas da casa, que se encontravam danificadas e com problemas de caixilhos e fechaduras e substituição por janelas com vidros duplos de isolamento, no que despendeu o valor de € 3.859,75, a renovação do soalho da casa e colocação de um novo revestimento), que o beneficiaram, quer a nível de conservação (pintura exterior), construção de piscina, colocação de antena no telhado, quer no que respeita a pavimentos e revestimentos, temos de concluir tratar-se de benfeitorias necessárias e úteis, porque indispensáveis para a conservação e evitar a sua deterioração e, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentaram, sem dúvida, o valor do imóvel, como decorre, desde logo, do facto provado em 23).
Donde, ter o réu/recorrente, em princípio, o direito a exigir o montante respetivo, segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do n.º2 do art.º 1273.º do C. Civil, por não poder deixar de se aceitar fazê-las na qualidade de possuidor, assumindo-se, sem qualquer dúvida, de que o seu levantamento não poderá fazer-se sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas as obras, pelo que não se acompanha a decisão recorrida nesta parte, concordando-se com a posição defendida pelo recorrente.
É que, provado ficou, que à data da aquisição do imóvel (14/11/1984 – facto n.º2A), a Autora mantinha uma relação amorosa com o Réu/recorrente, e pelo menos 70% do preço de compra do prédio em causa foi exclusivamente pago com dinheiro que este lhe entregou para esse efeito, no pressuposto de fazerem uma vida em comum e na expectativa do casamento entre ambos ( factos 8 e 9). Tanto assim que, em 17 de Junho de 1984, a Autora subscreveu a favor do Réu CC uma procuração (…) para ele tratar todos os assuntos financeiros relacionados com a compra e manutenção da Casa ( facto 10) e contraíram matrimónio em 8 de Janeiro de 1990.
Assim, não podemos ignorar essa factualidade, que rodeou a aquisição da casa, com a finalidade de viverem em comum e contrair casamento, como veio a suceder, e em que o recorrente pagou cerca de 70% do preço da casa, sendo que entre 1984 e 1995, data da separação, a casa foi utilizada pela Autora e pelo Réu CC para passarem ali as suas férias de Verão, utilizando-a fora da época balnear também para férias durante breves períodos.
Daí poder afirmar-se que o recorrente realizou tais obras na qualidade de possuidor da casa em causa.
Dispõe o artigo 473º do C. Civil:
«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa tem por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».
E adianta o art.º 474.º que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Assim, são pressupostos cumulativos do enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de quem requer a restituição; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento ( cf. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, pág. 941; Inocêncio Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 4.ª edição, pág. 133 e segs.; e Antunes varela, “Das Obrigações em geral”, Vol. I, 4.ª edição, pág. 401).
O enriquecimento dá-se a favor de uma pessoa quando o seu património se valoriza ou deixa de valorizar, podendo consistir na aquisição de um benefício de carácter patrimonial, revestindo a forma de aumento do ativo, diminuição do passivo, ou na poupança de despesas. O requisito à custa de outrem significa que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem empobreceu, isto é, “a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondentemente suportado pelo outro, ou como refere Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., locupletamento à custa alheia.
Finalmente a necessidade de ausência de causa justificativa, isto é, a ausência jurídica de causa para esse enriquecimento, “tem ou não causa justificativa consoante segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele”, como realça Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., pág., 136/137, ou nas palavras de Almeida Costa, ob. cit., pág. 500, “Quer dizer: reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito não o aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar. Mas ele é apenas antijurídico, no sentido de substancialmente ilegítimo ou injusto, e não formalmente antijurídico”.
Verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e que condicionam a obrigação de restituir, importa ainda sublinhar que o recurso a esse instituto tem natureza subsidiária, isto é, não se pode lançar mão da ação de enriquecimento sem causa desde que a lei faculte outro meio de restituição ou indemnização ao lesado, ou quando a lei negue a restituição ou quando a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento, como expressamente prescreve o art.º 474.º do C. Civil.
Neste preceito legal contemplam-se três situações que impedem o recurso à ação de enriquecimento sem causa, a saber: quando a lei facultar outro meio de ser indemnizado ou restituído ( princípio da subsidiariedade); quando a lei negar o direito à restituição; ou quando a lei atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Assim, flui deste preceito que o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa só será legítimo se não houver qualquer outro meio jurídico de obtenção da restituição, ou seja, exige-se que o enriquecimento sem causa seja o último recurso a utilizar pelo empobrecido por não dispor de outra ação alternativa para esse efeito (salvo se a lei negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, pois que nestes casos a restituição, ainda que pelo recurso ao enriquecimento sem causa, está totalmente excluída).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, pp. 454:
«A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
Em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
Finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição».
E consideram (pág. 455) que “O enriquecimento carece de causa justificativa porque, segundo a própria lei, deve pertencer a outra pessoa”.
E adiantam ( pág. 466):
«[…] O objeto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites: em primeiro lugar, o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objeto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).
Deve restituir apenas aquilo com que efetivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença — e diferença sensível — entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento atual […].
[…] O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada […]
De acordo com as regras do ónus da prova, cabe àquele que pede a restituição, com base no enriquecimento sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, alegar e provar os referidos pressupostos, por traduzirem factos constitutivos do seu direito, “nomeadamente o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição” – cf. Acórdão do STJ, de 2/7/2009, proc. n.º 123/07.5TJVNF.S1, disponível em www.dgsi.pt; ibidem seu Acórdão de 19/05/2011, proc. n.º 2203/09.3 TBPVZ .
E como se exarou no Acórdão do STJ, de 2/7/2009, Proc. n.º 132/09.0YFLSB, “Comecemos, desde logo, por recordar as palavras de Moutinho de Almeida, ao referir que «o enriquecimento sem causa é um evento, um facto, que se verifica quando o património de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património de outrem, embora não deixe de ser um conceito jurídico, é um facto jurídico sintético com complexos formados à custa de factos materiais e concretos» (L.P. Moutinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, 3ª edição, Almedina, 2000, pg. 29)”.
E a verdade é que o recorrente/réu invocou esse fundamento para a restituição desses valores e o reconhecimento do direito de retenção sobre a casa para garantia do pagamento desse crédito.
Como decorre do art.º 754.º do C. Civil, o direito de retenção pressupõe que o devedor, no caso o réu, está obrigado a entregar a coisa.
Se assim é, e atenta a natureza do direito de retenção já enunciado, realizado o pagamento do valor apurado das benfeitorias, o réu deixa de ter fundamento legal recusar a sua entrega imediata.
Mas importa ter em consideração que a Autora e o recorrente/réu contraíram casamento em 8 de Janeiro de 1990, nas Bahamas, sem precedência de convenção antenupcial, sendo ambos de nacionalidade alemã, à data do casamento residiam na Alemanha, País onde tiveram a sua primeira residência conjugal, razão pela qual se impõe observar as regras de direito internacional privado prescritas no C. Civil.
Assim, estabelece o n.º1 do art.º 52.º do C. Civil: “Salvo, o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum”.
E no que respeita à “substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento” - n.º1 do seu art.º 53.º.
Donde, tendo Autora e recorrente nacionalidade alemã, é este o direito interno aplicável, nomeadamente quanto ao regime de bens e efeitos patrimoniais do casamento.
Ora, quanto a esta questão, citamos a excelente fundamentação que se exarou no Acórdão desta Relação, de 16 de junho de 2010 (Mário Serrano), a propósito de caso idêntico ao dos presentes autos:
“(…) O Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB), no seu § 1363.º, estabelece como regime de bens supletivo o designado por «Zugewinngemeinschaft». Na tradução oficial para inglês do texto original, no site legislativo (www.gesetze-im-internet.de) do Ministério da Justiça da Alemanha (Bundesministerium der Justiz), o referido preceito apresenta a seguinte redação (…) Em tradução livre, diremos que desses textos legais resulta que o regime matrimonial de comunhão de ganhos obtidos se aplica se não houver convenção em contrário (nº 1) e que a propriedade de cada um dos cônjuges não se torna propriedade comum de ambos, sem prejuízo de igualização dos ganhos de ambos em caso de cessação da comunhão (nº 2).
É, pois, perfeitamente claro que o regime de bens aplicável ao casamento de A. e R. à data da escritura de compra e venda do prédio em causa implicava que a aquisição de um bem por qualquer um dos cônjuges se traduzia numa aquisição exclusiva desse bem por parte do cônjuge outorgante, não passando o mesmo a ser bem comum do casal.
Só em caso de cessação do casamento (v.g., por divórcio) é que se previa uma igualização de ganhos, o que significaria mera compensação monetária entre os cônjuges, mas nunca uma comunhão nos bens.
Aliás, a própria doutrina portuguesa, ao identificar os vários modelos teóricos possíveis de regimes matrimoniais de bens, refere-se ao regime supletivo alemão sublinhando a sua maior semelhança com o nosso regime de separação do que com o de comunhão de adquiridos – o que revela a impropriedade de traduzir a «Zugewinngemeinschaft» por «comunhão de adquiridos», sendo mais próxima da respetiva realidade jurídica a expressão «participação nos adquiridos».
Assim se exprime PEREIRA COELHO: «…outro é o da chamada “participação nos adquiridos”, sistema seguido nos países escandinavos e em alguns sul-americanos. Trata-se, de alguma maneira, de uma comunhão de adquiridos diferida para o momento da dissolução do casamento, de uma comunhão que nasce para morrer… Na constância do matrimónio, tudo se passa como se o regime de bens do casamento fosse o da separação. Mas quando o casamento se dissolve, constitui-se uma espécie de comunhão de adquiridos, cujo valor os cônjuges ou os seus herdeiros partilharão entre si. Mais precisamente: apura-se o enriquecimento líquido de cada um dos cônjuges, com que ele
contribuiria para a comunhão de adquiridos se fosse este o regime de bens, acha-se a diferença entre os dois valores e o cônjuge menos favorecido tem direito a exigir metade da diferença. Semelhante ao da “participação nos adquiridos” é o atual sistema alemão da Zugewinngemeinschaft» (Curso de Direito de Família, Lições ao Curso de 1977/78, ed. polic., Coimbra, 1977, p. 375).
Na mesma linha se posicionam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: «…solução possível seria a da simples participação nos adquiridos, sistema que alia, engenhosamente, a separação absoluta de bens, durante a vigência do casamento, a uma comunhão de adquiridos, na altura em que se procede à partilha dos bens do casal. É o regime consagrado, com variantes de pormenor, nas legislações escandinavas (…) e do qual se não afasta, no essencial, o regime supletivo do direito alemão (impropriamente chamado Zugewinngemeinschaft)» (Código Civil Anotado, vol. IV, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1992, p. 408)”.
O regime jurídico que se acaba de citar no mencionado aresto, corresponde integralmente, ao regime vigente no BGB Alemão, como consta na tradução de fls. 81, onde se afirma:
“(…) o regime de bens da Zugewinngemeinschaft não é relevante para a determinação da titularidade do direito de propriedade antes, na constância ou depois do casamento.
Cessando a Zugewinngemeinschaft (por exemplo, por divórcio ou pela escolha de outro regime de bens), deve ser compensado, ad valorem, isto é, em dinheiro, o valor em que o património de cada um dos cônjuges acrescentou (=Zugewinn) na constância do casamento, cfr. § 1363 II 2 BGB. Esta compensação não altera, contudo, a titularidade do direito de propriedade de cada um. Esta obrigação de compensação ad valorem baseia-se na aceção de que o valor que acresceu ao património de cada um dos cônjuges, na constância do casamento, é também mérito do outro cônjuge, independentemente do modo como a comunhão de vida conjugal se deu em pormenor”.
E este é, inquestionavelmente, o regime aplicável, no caso concreto, já que Autora e 1.º Réu não celebraram convenção antenupcial, e que não merece discordância dos recorrentes.
Perante o enunciado que antecede, temos de considerar dois momentos: o primeiro, o correspondente ao que decorreu desde a aquisição do imóvel em causa ( 14/11/1984) até à celebração do casamento (8/01/1990); o segundo, o período após a data do casamento.
Assim, relativamente ao primeiro período, e considerando que Autora e 1.º Réu não eram casados, não oferece qualquer dúvida que não intervindo o recorrente/réu na escritura pública de aquisição do imóvel, mas apenas a Autora, a esta pertence, em exclusivo, a sua propriedade. Aliás, mesmo que o imóvel fosse adquirido na constância do casamento ( o que não é o caso, repete-se), ainda assim, e perante o regime de bens aplicável ao casamento à data da escritura de compra e venda do prédio em causa, a aquisição desse bem seria exclusiva por parte do cônjuge outorgante, sendo sempre excluído do património comum do casal.
Decorrentemente, o reconhecimento da sua propriedade, tal como peticionado pela Autora, não oferece qualquer censura, o que aliás nem sequer vem questionado no recurso.
A questão essencial prende-se, pois, com o valor entregue pelo recorrente, a título de parte do preço de compra do imóvel, bem como as quantias por si suportadas a título de benfeitorias realizadas durante esse primeiro período.
Com efeito, ficou provado que pelo menos 70% do preço de compra do prédio referido em 1) foi exclusivamente pago com dinheiro que o Réu CC entregou à Autora para esse efeito, no pressuposto de virem a fazer uma vida em comum e contraírem casamento ( fatos 8 e 9).
Donde, pertencendo exclusivamente à Autora a propriedade desse imóvel, situação que não se alterou após a celebração do casamento, é evidente que ocorre um enriquecimento injustificado da Autora, à custa do património do recorrente, não facultando a lei outro meio de ser indemnizado ou restituído.
Com efeito, a causa justificativa que motivou esse pagamento – fazerem vida em comum - deixou de subsistir, isto é, a Autora recebeu essa quantia em virtude de uma causa que deixou de existir – a vida em comum.
Daí não se acompanhar a decisão recorrida, na medida em que relegou, indevidamente, esse pagamento para o momento do divórcio e partilha de bens, de acordo com o citado regime de bens, visto que tal pagamento foi efetuado e recebido antes da constância do casamento e a compensação, ad valorem, entre o património de cada um dos cônjuges reporta-se apenas ao período em estiveram casados, durante o qual houve um acréscimo desse patrimónios.
Nesta parte tem razão o recorrente, ao afirmar “resultando provado que A. e R. não estavam casados entre si quando o prédio foi adquirido, não haverá qualquer justificação legal para recurso às normas do regime patrimonial de bens alemão ou para relegar o conhecimento desta questão para o processo de partilhas por divórcio, já que o facto gerador da deslocação patrimonial entre os patrimónios da A. e do Recorrente ocorreu em data anterior ao casamento e a referida disposição da lei alemã apenas abrange os “ganhos acumulados” na pendência do matrimónio”.
E deve ser restituído apenas aquilo com que efetivamente a Autora enriqueceu, ou seja, a diferença entre o enriquecimento à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento atual.
No caso concreto, o recorrente pagou 70% do preço de venda do imóvel, em 14/11/1984, ou seja, o valor de € 19.203,71 ( € 27.433,88 x 70%), sendo este o valor a restituir, visto ter peticionado a quantia de € 27.433,88 correspondente ao valor total de venda do imóvel e que resultou provado.
E quanto à ampliação do pedido formulado em audiência, no sentido de ser restituído o valor de €112.472,32, alegando ter sido este o preço efetivamente pago e não o declarado na escritura pública de compra e venda, como se diz no despacho que admitiu os recursos e conheceu da nulidade invocada ( fls. 350 a 352), não é de admitir por não se enquadrar no n.º2 do art.º 265.º do CPC – a ampliação não constitui desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo, já que o recorrente tinha perfeito conhecimento do preço de compra aquando da realização da escritura pública, tanto mais que afirmou ter sido ele que pagou a totalidade do preço, contrariando o que afirmou no artº 40.º do pedido reconvencional.
Concorda-se, pois, com o que se exarou nesse despacho, que citamos:
“ De facto, o pedido primitivo só pode ser ampliado (e não alterado) em duas situações: “a de ampliação ser o desenvolvimento ou ser a consequência do pedido inicial”.
Assim sendo, a ampliação do pedido deve ser admitida quando não implique qualquer ampliação da causa de pedir, sendo um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, tendo origem no mesmo complexo de factos, na mesma causa de pedir e não implique qualquer modificação da relação material controvertida, ou seja, sem que conduza à necessidade de qualquer alteração ou aditamento à matéria controvertida constante dos temas da prova.
Em síntese, a ampliação do pedido há de estar virtualmente contida no pedido inicial e não pode haver ampliação se a mesma implicar alteração da causa de pedir, ou seja, não configura desenvolvimento ou ampliação do pedido inicial sempre que se formula um “pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos”.
No caso sub judice, o pedido agora efetuado é o da condenação da Autora reconvinda no pagamento do preço de compra de um imóvel superior ao peticionado na petição inicial, facto de que o Réu reconvinte tinha conhecimento desde 25-10-1985.
Ora, salvo melhor opinião, o pedido agora deduzido não configura uma consequência ou um desenvolvimento do pedido primitivo, na medida em que o mesmo poderia ter sido deduzido na reconvenção apresentada em 2016, pelo que tal ampliação do pedido é legalmente inadmissível, por não estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 265º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
Acrescenta-se apenas o que se escreveu no ponto 3.1 da impugnação da matéria de facto, por exigir a apresentação de articulado superveniente quando a ampliação do pedido envolver a alegação de factos novos e este só pode ter lugar se forem supervenientes.
E tem igualmente direito, de ver restituído, a título de enriquecimento sem causa, o valor das obras realizadas no citado imóvel até à data do casamento, mais concretamente os valores referidos nos n.ºs 15 e 16, de €1.623,60 e € 5.202,90, respetivamente, ou seja, no valor de €6.826,50.
Donde, a Autora está obrigada a restituir ao réu/recorrente a quantia total de €26.030,21 (vinte seis mil e trinta euros e vinte um cêntimos) - € 19.203,71 + €6.826,50.
E quanto aos demais valores relativos a obras realizadas no imóvel e mencionadas em 17) a 21), bem como dos rendimentos auferidos pelo recorrente e citados em 22), uma vez que foram realizadas após o casamento e que Autora e Réu continuam casados, terão de ser compensadas após o divórcio, atento o regime de bens aplicável e que acima se descreveu.
Dito de outro modo, só quando cessar a Zugewinngemeinschaft, por divórcio, deve ser compensado, ad valorem, em dinheiro, o valor em que o património de cada um dos cônjuges acrescentou ao outro na constância do casamento, nos termos do § 1363 II 2 BGB.
Neste sentido, tem razão a recorrente, quanto à obrigação de restituir tais montantes, por imposição do regime matrimonial de “comunhão de ganhos”, compensação que só opera em caso de cessação da comunhão, “tendo ao seu dispor um mecanismo legal que lhe permite deduzir contra a A., pedido de indemnização/compensação pelo aumento do património da A., aquando do Divórcio de ambos”, o que exclui a restituição por enriquecimento sem causa.
Aliás, nem poderia ser de outro modo, já que nesse momento haverá também que considerar os valores dos rendimentos do imóvel que o Réu se tem vindo a apropriar, exclusivamente, não podendo pretender exigir os montantes despendidos nas obras realizadas no imóvel e que lhe acrescentaram valor e não restituir os rendimentos que se tem vido a apropriar e que não lhe pertencem.
Resumindo, procede parcialmente a apelação da Autora e improcede a apelação do 1.º Réu.
Vencidos no recurso, suportarão os apelantes, na proporção do vencido, as custas respetivas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Se a ampliação do pedido, nos termos do n.º2 do artº 265.º do C. P. Civil, implicar a alegação de factos novos, só é admissível se estes factos forem supervenientes de acordo com o conceito dado pelo n.º 2 do artº 588.º e alegados em articulado superveniente, nos termos e nos prazos previstos no nº 3 do mesmo preceito.
2. Face ao regime previsto no art.º 1311.º n.º1, do C. Civil, o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence. Reconhecido esse direito, a restituição só poderá ser recusada nos casos previstos na lei – seu n.º2.
3. O possuidor de boa-fé, assim como o de má-fé, têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (n.º1 do art.º 1273.º do C. Civil).
4. O direito ao valor das benfeitorias úteis, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, estará sempre dependente da prova de que o seu levantamento não poderá fazer-se sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas as obras, nos termos do n.º2 do art.º 1273.º do C. Civil.
5. De acordo com o regime previsto no art.º 473.º do C. Civil, são pressupostos cumulativos do enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de quem requer a restituição; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
5. Verificados esses pressupostos, importa ainda sublinhar que o recurso a esse instituto tem natureza subsidiária, isto é, não se pode lançar mão da ação de enriquecimento sem causa desde que a lei faculte outro meio de restituição ou indemnização ao lesado, ou quando a lei negue a restituição ou quando a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento, como expressamente prescreve o art.º 474.º do C. Civil.
6. O direito de retenção previsto no art.º 754.º do C. Civil, é essencialmente um direito real de garantia das obrigações, cuja função é o de servir de garantia do pagamento do crédito do retentor e é um direito “ope legis”, não precisa de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar, o que acontece automaticamente com oferta de proteção jurídica ao credor enquanto este não vir satisfeito o seu crédito.
7. O § 1363.º, Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB), estabelece como regime de bens supletivo o designado por «Zugewinngemeinschaft», que consiste num regime matrimonial de comunhão de ganhos ou participação nos adquiridos, em que o direito de propriedade de cada um dos cônjuges não se torna propriedade comum de ambos, sem prejuízo de igualização dos ganhos de ambos em caso de cessação do casamento (v.g., por divórcio) (nº 2).
8. Sendo Autora e Recorrente casados, segundo esse regime de bens, a restituição a este de parte do preço que liquidou de imóvel pertencente exclusivamente àquela, e por ela adquirido, antes do casamento, não pode ser relegada para o momento do divórcio e partilha de bens, visto que a compensação, ad valorem, entre o património de cada um dos cônjuges, reporta-se apenas ao período em estiveram casados e durante o qual ocorreu o acréscimo de patrimónios.
***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da Autora e improcedente o recurso interposto pelo Réu CC e reduzem para €26.030,21 (vinte seis mil e trinta euros e vinte um cêntimos) a quantia em que a Autora vai condenada a pagar ao Réu, mantendo no mais o aí decidido.
Custas da apelação interposta pela Autora, por esta e pelo apelado na proporção de 3/4 e 1/4 respetivamente.
Custas da apelação interposta pelo Réu, a cargo deste.

Évora, 2018/06/28
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro


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[1] Cf. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 72 e Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 252.
[2] A Acão Declarativa Comum à luz do CPC de 2013”, 3.º ed., pág. 307 a 309.
[3] Disponível em www.dgsi.pt (processo 138599/13.2YIPRT.C1).
[4] ) Onde se pode ler: “I. Quando a ampliação do pedido, nos termos da 2ª parte do nº2 do art. 273º do CPC, não implique a alegação de factos novos (v. g., o pedido de juros ou de atualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente, em audiência de julgamento.
II – Já quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo nº2 do art. 506º do CPC e se forem alegados nos termos e nos prazos previstos no nº3 do mesmo preceito”.
[5] Como defende Remédio Marques, Ação Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641, criticando a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto.
[6] ) Código de Processo Civil, anotado, Vol. III, 247.
[7] Neste sentido pode ainda ver-se os Acórdãos do STJ de 3/4/1984, BMJ, 336º-420, de 6/2/2007, Proc. n.º 06A4036, e de 10/7/2008, Proc. n.º 08A249, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.