Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
288/13.7PBELV-A.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
ALTERAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Ainda que imperfeitamente expressa, deve ser considerada relevante, para o efeito do cumprimento do ónus previsto na al. c) do nº 3 do art. 196.º do CPP e no TIR prestado, a indicação da morada indicada no requerimento em que o arguido pediu o pagamento do remanescente da pena de multa em prestações.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I - Relatório
No processo comum nº 288/13.7PBELV, que correu termos no Juízo Local Criminal de Elvas do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, em que é arguido AA, pelo Exº Juiz titular dos autos foi proferido, em 22/4/2018, um despacho do seguinte teor:

«Por sentença transitada em julgado em 04-07-2014, foi o arguido condenado na pena de 240 dias de multa, á razão diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 1.200,00.

Em 06-06-2014 veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, o que foi deferido em 15-06-2015 e notificado ao arguido em 06-07-2015.

O arguido apenas cumpriu 46 horas de trabalho comunitário entre 21-04-2016 e 06-05-2016.

Por requerimento de 15-09-2016 veio o arguido requerer o pagamento do remanescente em prestações.

Por despacho de 25-01-2017 (notificado ao arguido em 06-02-2017) foi deferido o pagamento do remanescente (€ 970,00) em 18 prestações.

O arguido não procedeu ao pagamento de qualquer das prestações, tendo as mesmas sido declaradas vencidas e o arguido notificado (em 29-01-2018) para proceder ao pagamento da pena de multa.

Em 14-02-2018 veio o arguido invocar a irregularidade decorrente da sua não notificação do despacho que deferiu o pagamento prestacional, alegando que em 15-09-2016 informou nova morada, mais requerendo o pagamento da pena de multa em 18 prestações.

Cumpre apreciar.
O arguido prestou termo de identidade e residência (TIR) em 24-04-2014, nos termos do qual fixou a sua residência para efeitos de notificação.

Até esta data o arguido não alterou a referida morada, sem prejuízo de no requerimento de fls. 160 constar morada diversa. Com efeito, tal informação não tem o condão de alterar a morada prestada anteriormente em sede de TIR, nem o arguido menciona que as notificações posteriores devem ser remetidas para morada nova ou diferente.

Acresce que nos termos do 113.º n.º 10 do Código de Processo Penal “as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado”.

No tocante ao pagamento prestacional da pena de multa.

Nos termos do artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.

Para determinação das prestações não é estabelecido qualquer critério, além do limite temporal de dois anos subsequentes à data da condenação. O que foi caso pensado do legislador que, assim, faculta maior maleabilidade ao julgador, perante cada caso concreto (Cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 16.ª edição, Almedina, pág. 195).

De qualquer modo, o pagamento da multa em prestações não pode significar uma despenalização nem mesmo o esvaziamento dos fins das penas. Mesmo estando a pagar a multa em prestações, a prestação não pode ser tão baixa que leve o arguido a deixar de sentir que está a cumprir uma pena. A multa terá sempre que representar algum significado e sacrifício económico para o arguido, sob pena de, assim não sendo, se desprestigiar tal pena, que acabará por perder validade e deixará de assegurar a vigência da norma violada.

Ora, nos presentes autos o arguido não cumpriu com a prestação de trabalho a favor da comunidade e não cumpriu com o pagamento prestacional da pena de multa.

O arguido alheou-se da pena que lhe foi aplicada, inviabilizando o cumprimento da pena de multa e a substituição por trabalho a favor da comunidade.

Aliás, é patente em todo o desenrolar processual um desinteresse do arguido pelo cumprimento da pena a que foi condenado e um desrespeito pelas entidades envolvidas e pelo sistema de justiça.

Pelo exposto, indefiro a irregularidade invocada e o pagamento prestacional peticionado.

Notifique, devendo o arguido proceder ao pagamento da pena de multa no prazo de 10 dias sob pena de a mesma ser convertida em prisão subsidiária.

Do despacho proferido o arguido AA interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1.O douto Tribunal a quo não interpretou de forma precisa e rigorosa, as normas constantes do artigo 196.º, n.º 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal, ao concluir, como concluiu, que um requerimento elaborado, subscrito e entregue pelo próprio arguido na secretaria do Tribunal a quo, não tem condão de alterar a morada prestada anteriormente em sede de TIR, exigindo ao arguido (com 4.º ano de escolaridade - cfr. Relatório sentença fls.109), formalidades, que a própria lei não exige.

2.A notificação do arguido numa morada diversa da por si indicada traduz, na falta de previsão expressa de nulidade, uma irregularidade processual.

3.O arguido não se poderá assim considerar regularmente notificado do despacho de 25 de Janeiro de 2017, que autorizou o pagamento da pena de multa em dezoito prestações, com a advertência do n.º 5 do art.º 47.º do Código Penal.

4.Ao não valorar favoravelmente ao arguido toda a prova que se encontra junta aos autos e que permitem concluir que a falta de pagamento da multa não é imputável ao arguido, o tribunal violou o disposto no art.º 47º, n.º 3 e 4 do Código Penal e o art.º 32º da CRP.

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado TOTALMENTE PROCEDENTE, revogando-se o Despacho proferido pelo Tribunal Recorrido e substituindo-se o mesmo por decisão que determine a notificação ao arguido do despacho (datado de 25.01.2017, proferido a fls. 167e ss.), que autorizou o pagamento da pena de multa em dezoito prestações, por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 113.º do Código de Processo Penal para a morada indicada pelo arguido a fls. 160, assim fazendo Vossas Excelências a necessária e costumada JUSTIÇA!

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado, por sua vez, as seguintes conclusões:

1.A mudança de residência tem de ser comunicado pelo arguido por requerimento e, caso não cumpra esta formalidade imposta por lei continua a considerar-se notificado na morada que indicou quando prestou Termo de Identidade e Residência.

2. Tendo o Recorrente sido notificado do despacho que deferiu o pagamento do valor remanescente da multa em prestações, datado de 25-01-2017, para a morada do TIR bem como na pessoa da sua Ilustre Defensora, o mesmo deverá considerar-se regularmente notificado.

3. É ao arguido que incumbe a prova que o não pagamento da multa ocorre por motivo que não lhe é imputável.

Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão V.as Ex.as JUSTIÇA.

Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso em presença, no sentido da sua improcedência.

O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II - Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões do recorrente, resume-se à pretensão de reversão do juízo de indeferimento que recaiu sobre um requerimento em que arguiu a irregularidade da notificação que lhe foi feita do despacho, que lhe deferiu o pagamento em 18 prestações mensais do remanescente da multa em que foi condenado, e peticiona que lhe seja autorizado tal regime de pagamento.

Em matéria de pagamento da multa em prestações, dispõe o at. 47º do CP:

3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

4 - Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.

5 - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.

Com relevo para a questão a dirimir, o art. 196 do CPP, sob a epígrafe «Termo de identidade e residência», estatui:
(…)
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
(…)
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
(…)

A pretensão recursiva assenta, em síntese, na asserção de que o arguido não foi regularmente notificado do despacho que autorizou o pagamento do remanescente da multa em que foi condenado em 18 prestações mensais, na medida que a carta simples que lhe foi remetida para o efeito, foi endereçada para a morada que declarou ao prestar TIR, quando o arguido havia indicado uma outra residência, em requerimento que fez chegar ao processo em 15/9/2016.

Do processado dos autos principais, reproduzido na certidão que instrui o recurso, consta que o arguido prestou TIR, em 24/4/1014, contendo as menções prescritas pelas disposições do art. 196º acima transcritas (fls. 3) e, em 15/9/2016, fez entrar em juízo um requerimento por si subscrito, no qual explica razão por que suspendeu a prestação de trabalho a favor da comunidade e pede que lhe seja permitido pagar o restante da multa em prestações mensais, o qual continha na parte superior direita os seguintes dizeres. DE: AA… TERREIRO VASCO MARTINS, Nº X 7350-283 ELVAS (fls. 26).

Conforme justamente se salienta no despacho recorrido, o arguido, no requerimento em referência, não exprime qualquer declaração de vontade no sentido de as notificações que tenham de lhe ser feitas, no âmbito do processo, lhe sejam dirigidas para a morada enunciada na parte superior direita dessa peça processual.

A questão que se coloca é a de saber se o arguido se o arguido se convenceu, razoavelmente, sem culpa sua, de que a indicação que fez no requerimento entrado em 15/9/2016 era suficiente para se desincumbir do ónus de comunicação da nova residência, que lhe é imposto pelo TIR prestado e pela disposição da al. c) do nº 3 do art. 196º do CPP.

De acordo com matéria de facto provada, na sentença condenatória, o arguido possui como habilitações literárias o 4 ano de escolaridade e a forma como se encontra elaborado o requerimento por si subscrito reflecte algumas limitações de ordem cultural.

No entanto, tais limitações não foram óbice a que arguido tivesse conseguido exprimir a sua vontade, quer quanto aos motivos que o levaram a suspender a prestação de trabalho a favor da comunidade e quer em relação a pedir que lhe fosse permitido o pagamento do restante da multa em prestações, pelo que, em bom rigor, tão pouco deveria ter obstado a que ele tivesse solicitado que as cartas que lhe tivessem de ser enviadas pelo Tribunal fossem endereçadas para a morada agora indicada.

Ainda assim, poderemos aduzir em benefício do arguido que a disposição da al. c) do nº 3 do art. 196º do CPP e o TIR por ele prestado fazem referência ao ónus de «comunicar» a nova residência e não, por exemplo, de «requerer que as futuras notificações sejam efectuadas na nova residência».

Nesta conformidade, uma leitura «literalista», que é aquela que são propensas fazer as pessoas que não são profissionais do direito, pode incutir a ideia de que uma indicação «tout court» da nova morada, sem pedido expresso de consideração nas futuras notificações, seria suficiente para que o Tribunal passasse a endereçá-las para lá.

De resto, se fosse efectivamente propósito do arguido furtar-se ao cumprimento do remanescente da multa, não vislumbramos qual seria o interesse, do seu ponto vista, em indicar nova morada.

Consequentemente, teremos de concluir que a indicação da morada do arguido feita no requerimento entrado em 15/9/2016 deve ser considerada relevante, ainda que imperfeitamente expressa, para o efeito do cumprimento do ónus previsto na al. c) do nº 3 do art. 196º do CPP e no TIR prestado.

Assim sendo, deverá considerar-se de nenhum efeito a notificação pessoal ao arguido do despacho judicial de 25/1/2017, que autorizava o pagamento do remanescente da multa em 18 prestações mensais, já que a carta simples com prova de depósito, em que se concretizou, foi remetida para morada declarada em sede de TIR e não para a que foi indicada naquele requerimento.

Como tal, não pode ajuizar-se que o arguido tenha incorrido em incumprimento do pagamento fracionado da multa e tenha dado origem ao vencimento imediato de todas as prestações, previsto no nº 5 do art. 47º do CP.

Nesta ordem de ideias, terá o recurso de proceder, procedendo-se a nova notificação pessoal ao arguido do despacho proferido em 25/1/2017, desta vez endereçada para morada indicada no requerimento entrado a 25/9/2016, a menos que tenha comunicado, entretanto, nova morada.

III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene a notificação pessoal ao arguido do despacho judicial de 25/1/2017, que autorizou o pagamento pelo arguido do remanescente da multa em 18 prestações mensais, por carta simples com prova de depósito, endereçada para a morada indicada pelo arguido no requerimento entrado em juízo em 15/9/2015, a menos que ele tenha, entretanto, comunicado nova morada, para o efeito previsto na al. c) do nº 3 do art. 196º do CPP.

Sem custas.
Notifique.

Dado que o presente recurso foi admitido com efeito devolutivo, determino se comunique a presente decisão, por meio célere à primeira instância, devendo cessar imediatamente, caso se tenha iniciado, a execução coerciva da multa ou da prisão subsidiária.

Évora, 5/2/19 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)
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