Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2611/15.0T8STR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
APOIO JUDICIÁRIO
ACESSO AO DIREITO
NULIDADE DA SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário:
I - A decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono a que alude a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei do Apoio Judiciário, só pode reportar-se à decisão final de indeferimento quando exista impugnação judicial, podendo esta decisão final ser quer a proferida pela Segurança Social, que revogue a decisão anterior nos termos do artigo 27.º, n.º 3, da Lei do Apoio Judiciário, quer a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal, caso a Segurança Social mantenha o indeferimento e, em conformidade com o referido preceito, remeta os autos para apreciação do tribunal competente.
II - De facto, para cumprir os princípios ínsitos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, suportarem os honorários decorrentes do mandato forense para assegurarem a respectiva defesa, sob pena de inconstitucionalidade, por desrespeito do processo equitativo e de violação da proibição de indefesa
III - Efectivamente, distinguindo a Lei do Apoio Judiciário as várias modalidades de que o requerente pode beneficiar para lograr conseguir um efectivo acesso à tutela jurisdicional efectiva, quando está em causa o pedido de nomeação de patrono, em acções em que é obrigatório o patrocínio judiciário, tal pedido assume-se como essencial ao exercício do direito de acção ou de defesa, consoante a fase processual em causa.
IV - Tendo a sentença que declarou a insolvência do devedor sido proferida quando ainda se encontrava em curso o prazo para o requerente impugnar judicialmente a decisão administrativa, e evidentemente não esgotado o prazo de dez dias que só depois daquele começaria a contar para o Requerido deduzir oposição, mesmo que não tivesse procedido à impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido inicialmente formulada pela Segurança Social, a mesma enferma de nulidade por excesso de pronúncia, impondo-se a respectiva anulação e concedendo-se ao ora Recorrente a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, a partir da notificação ao patrono nomeado e ao requerente da revogação da decisão de indeferimento inicialmente proferida pela Segurança Social, nos termos previstos no artigo 24.º, n.º 5, alínea a) da Lei do Apoio Judiciário, na interpretação efectuada pelo Tribunal Constitucional.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – RELATÓRIO
1. AA, Requerido/Insolvente nos autos acima identificados, notificado da Sentença que declarou a sua Insolvência, e não se conformando com a mesma por ter sido proferida antes de terminar o decurso do prazo para o Recorrente deduzir a sua oposição, mas tendo-se considerado naquela que “o Requerido não deduziu qualquer oposição, não identificou os seus cinco maiores credores nem formulou pedido de exoneração do passivo restante”, interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da Sentença que declara a Insolvência do ora Recorrente, proferida em 18 de agosto de 2016, porquanto proferida antes de terminar o decurso do prazo para o Recorrente deduzir a sua oposição.
2. Entendeu o Tribunal a quo que o artigo 24.º, n.º 5, da Lei de Apoio Judiciário quando faz referência à “decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono” se refere à decisão proferida pela Segurança Social, independentemente da possibilidade de apresentação de impugnação judicial que revogue tal decisão.
3. A interpretação pugnada pelo Tribunal é, no entender do Recorrente, inconstitucional por violação dos direitos de defesa e tutela jurisdicional efetiva consagrados no artigo 20.º da CRP.
4. Na verdade, o Tribunal limita-se a efetuar uma interpretação literal e acrítica do disposto no artigo 24.º, n.º 5, da Lei de Apoio Judiciário, descurando a necessária interpretação teleológica e sistemática do mencionado preceito legal.
5. O Tribunal a quo descura (i) que a ratio do instituto do apoio judiciário é precisamente a de obstar a que a insuficiência económica consubstancie causa de denegação de justiça, (ii) bem como o facto de o legislador ter previsto no artigo 24.º, n.º 4, da mencionada Lei um regime especial para o caso do pedido de apoio judiciário com nomeação de patrono ser requerido na pendência de uma ação judicial, determinando que o mesmo interrompe o decurso do prazo em curso que só se (re)inicia com (1) a notificação ao patrono nomeado da sua designação; ou (2) com a notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5 da Lei de Apoio Judiciário).
6. Pelo que o legislador ao se referir a “decisão de indeferimento” só pode ter em consideração a decisão final: (i) seja a administrativa, porque não foi alvo de impugnação judicial e transitou em julgado; (ii) seja a proferida na sequência de impugnação judicial e que já não admite recurso.
7. Certo é que o Tribunal não pode proferir uma decisão com base na notificação da decisão administrativa de indeferimento sem antes decorrer o prazo para impugnação da referida decisão, sob pena de tornar a mesma inútil.
8. Foi o que sucedeu no caso em apreço, em que foi proferida Sentença considerando que o Recorrente não apresentou oposição - quando nem lhe foi concedida oportunidade para o efeito - com as inerentes consequências pessoais e profissionais que uma sentença de declaração de insolvência acarreta!
9. Em face de todo o exposto, dúvidas não existem de que o prazo para a apresentação de oposição pelo ora Recorrente só se deveria ter (re)iniciado depois da notificação da decisão definitiva sobre o pedido de apoio judiciário, ou seja, só se deveria ter (re)iniciado com a decisão de revogação da decisão de indeferimento proferida pela Segurança Social em 30.08.2016.
10. O Tribunal a quo violou, assim, o disposto nos artigos 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei de Apoio Judiciário e o artigo 20.º da CRP, pelo que deverá este Venerando Tribunal revogar a Decisão ora Recorrida, substituindo-a por outra que conceda ao ora Recorrente a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, uma vez revogada a decisão de indeferimento inicialmente proferida pela Segurança Social».
2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, a única questão colocada pelo Recorrente é de saber se a sentença foi proferida antes de terminar o prazo para apresentação de oposição pelo Requerido.
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III – Fundamentos
III.1. – Tramitação processual
É a seguinte a tramitação processual relevante que resulta dos documentos juntos aos autos, com interesse para a decisão da questão colocada no presente recurso:
1. O ora Recorrente AA, foi citado para apresentar a sua oposição em 29.02.2016, tendo requerido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, ainda, com nomeação e pagamento de compensação de patrono junto do Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Santarém (doravante “Segurança Social”), no dia 08.03.2016.
2. O Recorrente deu conhecimento de tal pedido ao processo em 09.03.2016.
3. Em 20.07.2016, foi proferida decisão pela Segurança Social, indeferindo o pedido feito pelo Recorrente com fundamento em invocada falta de entrega de determinados documentos necessários para a prolação de decisão.
4. O Recorrente recebeu esta notificação da Segurança Social em 01.08.2016 [3].
5. A Segurança Social remeteu também ao processo tal decisão, tendo a mesma dado entrada no Tribunal em 22.07.2016[4].
6. Contudo, no dia 14.04.2016, o Recorrente tinha enviado à Segurança Social uma carta com os documentos por esta entidade considerados em falta.
7. Em 12.08.2016, o Recorrente recebeu uma carta da Segurança Social que acusou a recepção da referida documentação, mas que reiterou o indeferimento aduzindo que o Recorrente não teria enviado cópia da última notificação do tribunal relativa à acção/processo para a qual foi solicitado o apoio judiciário.
8. A Segurança Social informou o Recorrente de que o prazo para impugnar judicialmente a decisão proferida terminaria no dia 29.08.2016 [5].
9. No dia 25.08.2015, o Recorrente impugnou judicialmente a decisão de indeferimento proferida pela Segurança Social, nos termos do disposto nos artigos 26.º e 27.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
10. Nesse mesmo dia o Recorrente foi notificado da Sentença de que ora recorre declarando a sua insolvência e considerando que “O Requerido não deduziu qualquer oposição, não identificou os seus cinco maiores credores nem formulou pedido de exoneração do passivo restante”, e que havia sido proferida no dia 18.08.2016.
11. No dia 26.08.2016, o Recorrente apresentou requerimento ao processo informando que tinha impugnado judicialmente a decisão de indeferimento da Segurança Social, e aduzindo que o pedido de apoio judiciário se encontrava a aguardar a prolação de decisão definitiva.
12. Nesse Requerimento, o Recorrente requereu ao Tribunal que desse sem efeito a referida Sentença, ficando os autos a aguardar a comunicação da decisão final do pedido de apoio judiciário, em resultado do que viesse a ser decidido na impugnação judicial apresentada junto da Segurança Social.
13. Em 29.08.2016, foi proferido Despacho indeferindo o pedido do ora Recorrente, com o fundamento de que, “nos termos do art. 24.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o prazo interrompido por virtude do benefício do apoio judiciário, também na modalidade de nomeação de patrono, inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido”, e ainda de que “a impugnação desta decisão é irrelevante para efeitos de suspensão do prazo em curso – pelo que, no caso dos autos, tendo sido o requerido/insolvente notificado da decisão de indeferimento no dia 22/07/2016 (cfr. fls. 88), aquando da prolação da sentença (18/08/2016) já havia decorrido o prazo para dedução de oposição (10 dias – cfr. art. 30.º do CIRE), não sendo de atender à impugnação do indeferimento de benefício de apoio judiciário ora apresentada pelo requerido/insolvente para efeito de suspender tal prazo, que outrossim se terá de considerar reiniciado naquele dia 22.07.2016”.
14. Em 30.08.2016, o ora Recorrente recebeu a decisão da Segurança Social que revogou o indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, ainda, com nomeação e pagamento de compensação de patrono, decidindo que o Requerente enquadra os requisitos legais para a concessão do apoio judiciário requerido.
15. Nesse mesmo dia 30.08.2016, o Recorrente apresentou um requerimento ao processo dando conhecimento da referida decisão proferida pela Segurança Social e requerendo, atendendo ao referido facto superveniente, a reapreciação do requerimento apresentado no dia 26.08.2016, dando sem efeito a Sentença proferida.
16. Em 31.08.2016, foi proferido Despacho, dando por reproduzido o Despacho proferido em 29.08.2016, considerando que “a dedução de impugnação ao indeferimento do apoio judiciário não afeta o início do prazo processual anteriormente interrompido, sendo que também o não poderá afetar o superveniente deferimento desse apoio e nomeação de patrono”.
17. Na mesma data em que interpôs o presente recurso, o Recorrente apresentou também requerimento aos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aduzindo ter interposto o presente recurso e respectivas alegações a título subsidiário, para o caso de aquele requerimento não ser atendido.
18. No despacho que admitiu o presente recurso, o referido requerimento foi indeferido nos seguintes termos: “Pese embora o alegado, o certo é que a rectificação nos termos do art. 614º do CPC apenas se justifica em casos de erros de escrita, cálculo ou outras inexactidões devidas a omissões ou lapsos manifestos, sendo certo que, no presente caso, as decisões proferidas não resultaram de qualquer lapso, mas sim duma clara e deliberada interpretação do art. 24º, n.º 5 do CIRE de que a interrupção do prazo decorrente da dedução de pedido de nomeação de patrono cessa com a primeira notificação do indeferimento do pedido de nomeação de patrono (ou seja, sem qualquer lapso ou omissão por parte dos anteriores titulares do processo). Nesse sentido, vide os despachos de 29-8-2016 e 31-8-2016.
Nessa medida, não tendo as decisões proferidas partido de qualquer lapso ou omissão manifestos, não é admissível a rectificação requerida nos termos do art. 614º do CPC, pelo que se indefere o requerido a 9-9-2016, no requerimento com ref. 3164617».
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III.2. – O mérito do recurso
Pretende o Recorrente que seja revogada a decisão recorrida e a mesma seja substituída por outra que lhe conceda a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, uma vez que o prazo para a apresentação de oposição pelo ora Recorrente só se deveria ter (re)iniciado depois da notificação da decisão definitiva sobre o pedido de apoio judiciário, ou seja, no presente caso, só se deveria ter (re)iniciado com a decisão de revogação da decisão de indeferimento, proferida pela Segurança Social em 30.08.2016.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Conforme resulta da tramitação processual relevante supra elencada, apresentado o pedido de declaração de insolvência, o Requerido e ora Recorrente, em cumprimento do preceituado nos artigos 29.º e 30.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas[6], foi citado na qualidade de devedor para apresentar, querendo, a respectiva oposição ao requerimento de insolvência em 29.02.2016.
Assim, em face do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do CIRE, o devedor podia, no prazo de dez dias, deduzir oposição, nos termos definidos nos vários números do indicado preceito legal.
No decurso do prazo de que dispunha para deduzir oposição, o ora Recorrente requereu o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, ainda, com nomeação e pagamento de compensação de patrono junto do Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Santarém, dando desse facto conhecimento ao processo em 09.03.2016.
Deste modo, nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei de Apoio Judiciário, o decurso do prazo para apresentar a sua Oposição interrompeu-se, porquanto a nomeação de patrono foi requerida e comunicada ao processo antes de terminar o prazo para o requerido deduzir oposição ao pedido de declaração de insolvência.
De facto, estabelece o referido preceito legal que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Note-se que a interpretação desta imposição legal, no sentido de se considerar que a comunicação ao Tribunal do pedido efectuado, com a junção aos autos do respectivo comprovativo, como sendo um requisito de cumprimento obrigatório para que o prazo em curso se interrompa, tem sido objecto de repetida análise pelo Tribunal Constitucional que considera não ser «inconstitucional a norma que faz depender a interrupção do prazo em curso na ação judicial pendente da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, resultante do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho»[7].
Assim, cumprido tal requisito, a questão que se nos coloca nos presentes autos é a de saber quando termina a interrupção do prazo, o mesmo é dizer, a partir de que data se (re)inicia o prazo interrompido por via da referida comunicação.
A este respeito rege o n.º 5 daquele preceito legal, dispondo que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”.
Ora, se quanto ao prazo que foi declarado interrompido com a apresentação no processo do documento comprovativo de ter sido promovido o competente procedimento administrativo, tem sido entendido que começa a correr por inteiro a partir da notificação a que alude o referido n.º 5, alínea a)[8], quando e se o requerente tiver também conhecimento dessa notificação[9], a questão de saber quando ocorre o reinício do prazo no caso de indeferimento do pedido de nomeação de patrono pela Segurança Social, como aconteceu no caso vertente, não tem merecido unanimidade interpretativa quando do indeferimento é apresentada impugnação, caso em que se questiona se o reinício do prazo ocorre com a notificação ao requerente da nomeação de patrono da decisão administrativa impugnada, ou da decisão judicial que decidiu a impugnação apresentada pelo requerente, ou seja, qual é a decisão definitiva para os sobreditos efeitos.
Assim, num entendimento mais literal na norma, como o defendido no despacho proferido pelo Tribunal a quo, tem-se considerado, «tendo em conta a letra da lei que, ao invés do que ocorre na situação prevista no n.º 3 deste artigo, não se refere a decisão definitiva, e o interesse do autor no prosseguimento normal da causa, propendemos em considerar que o reinício do referido prazo ocorre com a notificação ao requerente da decisão administrativa»[10].
Porém, o mesmo Ilustre Autor, que como podemos ver pela formulação adoptada, se inclina no indicado sentido, logo realça que «todavia, sob o argumento de ser a interpretação que permitia dar conteúdo ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, apesar de não haver norma legal de atribuição de efeito suspensivo à impugnação, já foi decidido que, no caso da impugnação da decisão administrativa que indefira o pedido de apoio judiciário na modalidade de patrocínio, o prazo para contestar, interrompido em consequência daquele pedido, apenas se reinicia com a notificação da decisão judicial proferida no procedimento de impugnação»[11].
O sentido interpretativo propugnado no Acórdão citado, considerado como sendo a única interpretação do referido preceito conforme à Constituição da República Portuguesa[12], mormente aos respectivos artigos 13.º, n.º 2, e 20.º que garantem o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais, tem sido adoptado nos tribunais superiores, sendo exemplificativos desse entendimento o Acórdão que anteriormente àquele citado havia sido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 21.12.2004, no processo n.º 0426036[13], e o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.09.2016, proferido no processo n.º 1629/15.8T8MTS.P1[14].
Ora, também em Acórdão de 14.10.2010, proferido no processo n.º 3959/09.9TBOER.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça, admitiu o recurso de revista excepcional fazendo apelo aos direitos constitucionalmente consagrados e assim considerando que «a questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com saber se houve ou não violação dos seus direitos de defesa e de acesso ao direito, constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais, por não se ter atentado em eventual interrupção atendível do prazo para contestar determinada pelo pedido de nomeação de patrono, (…) originando que tenha de se considerar os interesses em causa como assumindo particular relevância social por a violação daqueles direitos poder implicar ultrapassagem dos precisos limites do caso concreto».
Assim, na decisão proferida no primeiro dos citados Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, considerou-se que «Mas de qual decisão de indeferimento se reinicia a contagem: Da decisão da entidade administrativa (Segurança Social), ou da do Tribunal?
Entendemos que a notificação da decisão de indeferimento se reporta inexoravelmente à da decisão administrativa se não houver recurso, porque, nesse caso, nos encontramos perante uma decisão definitiva; Mas só pode reportar-se à decisão Judicial, se existir recurso da decisão administrativa, porque é apenas em sede de recurso, com a decisão a ser proferida nessa sede, que ficam definitivamente decididas as pretensões formuladas.
Não pode aceitar-se, por inconstitucional e irracional, que o prazo para a defesa – interrompido por força da lei para a apreciação da insuficiência económica de um Requerente - se tenha de reiniciar antes que esteja definitivamente decidida essa questão, maxime, quando a decisão recorrida lhe tenha sido desfavorável.
Na verdade, a aceitar-se a interpretação dada no despacho recorrido, estar-se-ia a colocar uma barreira à defesa de quem refere insuficiência económica antes que em definitivo o Tribunal se pronuncie sobre a veracidade ou subsistência dessa alegação, pois que efectivamente pode vir a verificar-se a procedência do recurso do despacho que haja negado esses pedidos de apoio.
Ora, não faria sentido que, depois de vencido o recurso não pudesse então defender-se, pela simples e clara razão de já se haver esgotado o prazo para a sua apresentação! (…).
Seria pura incongruência, violação dos princípios constitucionais em razão da criação de barreiras para quem queira defender-se e porventura fique impedido disso por meras razões de situação económica, protegidos pelos art. 13.º-2 e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e estar-se-ia perante uma insanável contradição na hermenêutica utilizada (que não atendera ao seu elemento teleológico), ao exigir-se que o prazo para a defesa de quem alega (por alegadamente não ter possibilidades económicas para pagar a taxa de Justiça e os honorários de Advogado), se ter de reiniciar e eventualmente terminar (como foi o caso) antes ainda que o Tribunal tivesse tido a oportunidade de analisar os fundamentos de tal pretensão!
O recurso da decisão administrativa sobre o despacho de indeferimento administrativo do pedido de apoio judiciário só pode pois ter efeito suspensivo.
Desta forma, vimos a concluir que o prazo para a contestação da Ré só deveria reiniciar-se depois da notificação da decisão definitiva sobre o pedido de apoio judiciário nas modalidades pretendidas, ou seja, só se reiniciaria com a notificação da decisão de recurso do M.º Juiz sobre aquela decisão.”
Por seu turno, na decisão proferida no mais recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto citado, avançou-se na consideração de mais uma questão muito relevante na interpretação deste preceito, aduziu-se um outro elemento à interpretação já expressa no anteriormente citado acórdão quanto à contagem do prazo a partir da data da notificação da decisão administração quando não há impugnação judicial desta, sumariando-se nos seguintes termos: «I – O prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário – Lei nº34/2004 de 29.07 com as alterações introduzidas pela Lei nº47/2007 de 28.08, – a partir da notificação ao requerente da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial. II – Não havendo impugnação judicial, o prazo para contestar a acção judicial inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa».
Como referido supra as sobreditas interpretações têm sido efectuadas ponderando uma interpretação conforme à CRP, com a qual concordamos integralmente e em cujos fundamentos nos revemos, considerando que interpretação diversa é inconstitucional.
De facto, se em face da literalidade do preceito considerado por si só é possível concluir, como fez a decisão recorrida, que a “decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono” a que o mesmo se reporta é a decisão proferida pela Segurança Social, a diversa conclusão chegamos se efectuarmos uma interpretação de harmonia com o previsto no artigo 9.º do Código Civil, de acordo com o qual a interpretação de um preceito legal não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.
Ora, à luz duma interpretação sistemática da Lei do Apoio Judiciário, temos ainda que ter presentes, desde logo, os respectivos artigos 26.º a 39.º, o primeiro dos quais, sob a epígrafe “Notificação e impugnação da decisão”, estabelece nos seus n.ºs 1 e 2 que a decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados, não admitindo reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
Diz-nos o primeiro dos indicados preceitos, logo no seu n.º 1, que a impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado (…) e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão, acrescentando o n.º 3 que recebida a impugnação, o serviço da segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.
Por seu turno, o artigo 28.º rege sobre o tribunal competente para a decisão, estrutura, prazo e irrecorribilidade desta decisão judicial, seguindo-se o artigo 29.º que rege sobre o “Alcance da decisão final”, dispondo sobre o âmbito da decisão relativa ao pedido de protecção jurídica, e as consequências da sua concessão ou não.
Para a referida interpretação sistemática, importa-nos também atentar no respectivo n.º 5, que rege para o caso de não haver decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efectuado o pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo judicial, distinguindo nas suas várias alíneas o procedimento, consoante ainda não seja conhecida ou já seja conhecida a decisão do serviço da segurança social, sobretudo na respectiva alínea c), de acordo com a qual, tendo existido decisão negativa do serviço da segurança social, o pagamento é devido no prazo indicado, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão[15].
Ora, o facto de não existir norma semelhante no artigo 30.º que rege sobre o indeferimento pela segurança social do pedido de nomeação de patrono, leva-nos a concluir que, para cumprir o respectivo desiderato, a decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono a que alude a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei do Apoio Judiciário, só pode reportar-se à decisão final de indeferimento quando exista impugnação judicial, podendo esta decisão final ser quer a proferida pela Segurança Social, que revogue a decisão anterior nos termos do artigo 27.º, n.º 3, da Lei do Apoio Judiciário, quer a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal, caso a Segurança Social mantenha o indeferimento e, em conformidade com o referido preceito, remeta os autos para apreciação do tribunal competente.
Pensamos que esta é a única interpretação conforme aos princípios constitucionais supra referidos e para o efeito lembramos que o Tribunal Constitucional, já julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), com o sentido de que o prazo se inicia com a notificação ao patrono, quando o requerente do apoio judiciário desconheça tal nomeação, por da mesma não ter sido notificado[16], aduzindo para o efeito e designadamente que com aquela interpretação «persiste o risco, incompatível com o respeito pelo processo equitativo, na dimensão de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), de o interessado economicamente carenciado não poder defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo se poderá esgotar, quer porque disporá de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado».
Em nosso entender, é precisamente esse mesmo risco de desrespeito do processo equitativo e de violação da proibição de indefesa que existe na interpretação da alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei do Apoio Judiciário, no sentido propugnado pela primeira instância de que a decisão ali referida é a decisão administrativa, mesmo quando já haja conhecimento nos autos de que a mesma foi objecto de impugnação judicial.
Acresce ainda que, numa interpretação sistemática e conforme à CRP, há também que ter em conta que quando tal notificação da decisão administrativa de indeferimento do pedido de nomeação de patrono ocorre, inicia-se o prazo para que o requerente a possa impugnar judicialmente. Assim, veja-se a incongruência que seria não se adoptar o sentido interpretativo defendido no ponto II do citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, e esgotar-se o prazo de oposição ao pedido de declaração de insolvência, antes que se esgotasse sequer o prazo para que o requerente da concessão de nomeação de patrono que viu o seu pedido indeferido pela segurança social, impugnasse judicialmente essa decisão administrativa. Com tal interpretação, nos casos em que o prazo para a contestação ou para a oposição são inferiores àquele, a decisão judicial que viesse a revogar a decisão administrativa nunca teria qualquer efeito na defesa do requerente que, entretanto, havia já visto precludida a possibilidade de se defender pelo decurso do prazo peremptório para apresentar a contestação ou a oposição, sobrepondo-se assim inexoravelmente a decisão da segurança social à do tribunal. Não pode ser: mesmo não havendo impugnação judicial, tal prazo para contestar ou deduzir oposição só pode iniciar-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa.
De facto, não podemos na interpretação da Lei do Apoio Judiciário deixar de ter presente que, existindo o instituto do apoio judiciário para assegurar que a insuficiência económica não seja impeditiva para que os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais acedam à justiça, estabelece o artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, garantindo que todos têm direito, nos termos da lei, (…) ao patrocínio judiciário.
Ora, para cumprir tal imperativo constitucional, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, suportarem os honorários decorrentes do mandato forense para assegurarem a respectiva defesa.
Assim, distinguindo a Lei do Apoio Judiciário as várias modalidades de que o requerente pode beneficiar para lograr conseguir um efectivo acesso à tutela jurisdicional efectiva, quando está em causa o pedido de nomeação de patrono, em acções em que é obrigatório o patrocínio judiciário, tal pedido assume-se como essencial ao exercício do direito de acção ou de defesa, consoante a fase processual em causa.
Ora, no processo de insolvência, nada referindo o artigo 30.º do CIRE quanto à necessidade de constituição de mandatário pelos interessados que pretendam apresentar oposição, há que encontrar a resposta na regra subsidiária prevista no artigo 17.º do CIRE, de acordo com a qual o processo de insolvência se rege pelo CPC em tudo o que não contrarie as disposições daquele código, cabendo apelar para integrar a regulamentação do processo de insolvência à aplicação das normas do processo comum de declaração, no tocante a quaisquer dos seus incidentes, apensos e recursos, e só ficando excluída tal aplicação subsidiária quando se verifique que a mesma é contrária a regra expressamente consagrada no CIRE.
Como vimos, não existindo qualquer regra específica no CIRE quanto à necessidade de representação do devedor que pretenda deduzir oposição, por mandatário, há que aplicar subsidiariamente o disposto a esse respeito no CPC, de cujo artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, resulta que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário.
Por seu turno, no processo de insolvência, independentemente do respectivo valor, em face do disposto no artigo 42.º do CIRE, é sempre lícito ao devedor interpor recurso. Deste modo, da conjugação das duas referidas normas deve concluir-se que é sempre obrigatória a constituição de advogado para o devedor deduzir oposição ao requerimento de insolvência.
Acresce que, de acordo com a tramitação processual aplicável, de acordo com o previsto no artigo 29.º do CIRE, quando o devedor não for o requerente, o juiz manda citá-lo pessoalmente para, querendo, deduzir oposição, sendo nesse momento advertido, de que a não apresentação de oposição implica a confissão dos factos alegados pelo requerente e a sua declaração de insolvência, nos termos do artigo 30.º, n.º 5, do CIRE.
Deste modo, o devedor só pode obstar à referida cominação se deduzir oposição no prazo de 10 dias, oferecendo todos os meios de prova de que disponha e apresentando testemunhas (artigos 30.º, n.º 1 e 25.º, n.º 2 do CIRE), designadamente com vista a provar a sua solvência, cujo ónus lhe cabe, por via do disposto no n.º 4 do artigo 30.º do CIRE.
Ora, em face do que vimos expondo mostra-se claramente afirmada na lei a gravidade das consequências para o devedor da não dedução de oposição, tal qual, aliás, foram consideradas na sentença: a confissão dos factos invocados pelo requerente e a declaração de insolvência que diz a lei deve ocorrer no dia útil seguinte ao termo do prazo de dez dias para deduzir oposição.
Devidamente enquadrados, é tempo de volver à tramitação processual relevante nos presentes autos tendo presente que, numa interpretação da Lei do Apoio Judiciário conforme à Constituição, «o procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa», e ainda que «quando o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo defender (ou defender adequadamente) os seus direitos e interesses»[17].
Por isso que, efectuada uma interpretação sistemática do já citado artigo 24.º, n.º 5, alínea b) da Lei do Apoio Judiciário, com os artigos seguintes, e com o artigo 20.º da CRP, não possamos deixar de concluir que existindo impugnação judicial da decisão da segurança social que indeferiu o pedido de nomeação de patrono, o prazo para contestar ou deduzir oposição apenas se (re)inicia a partir da notificação da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono que revista natureza final.
No caso dos autos, como vimos, no decurso do prazo para deduzir oposição, o devedor comprovou no processo ter solicitado a nomeação de patrono para aquele efeito, assim se interrompendo o prazo em curso.
Ilidindo a presunção de ter sido notificado da decisão administrativa de 20 de Julho de 2016, que indeferiu o respectivo pedido, nos três dias seguintes, o requerente comprovou que apenas foi notificado da mesma em 1 de Agosto de 2016, dispondo então do prazo de quinze dias para impugnar judicialmente tal decisão administrativa, em face do disposto no artigo 27.º, n.º 1, da Lei do Apoio Judiciário.
Conforme ensina Salvador da Costa[18], «o referido prazo de quinze dias, porque não deve ser praticado em juízo, não é de natureza judicial, mas de estrutura substantiva. Por isso, corre continuadamente a partir do dia seguinte ao conhecimento da decisão pelos interessados, suspende-se nos sábados, domingos e feriados, e, se terminar no dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato (artigos 72.º do Código do Procedimento Administrativo[19] e 37.º desta Lei)».
Assim, o requerente podia impugnar judicialmente a decisão que indeferiu o respectivo pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono até ao dia 23 de Agosto de 2016.
Como vimos, ainda que não o fizesse, só após o decurso daquele prazo para a impugnação judicial da decisão administrativa começaria a contar o prazo de dez dias para deduzir oposição.
Portanto, tendo a sentença que declarou a insolvência do devedor sido proferida em 18 de Agosto de 2016, tal prolação ocorreu quando ainda se encontrava em curso o prazo para o requerente impugnar judicialmente a decisão administrativa, e evidentemente não esgotado o prazo de dez dias que só depois daquele começaria a contar para o Requerido deduzir oposição, mesmo que não tivesse procedido à impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido inicialmente formulada pela Segurança Social.
Nestes termos, com a interpretação que sufragamos, sempre a sentença teria sido proferida sem que ao devedor tivesse sido dada a possibilidade de deduzir oposição, mesmo constituindo mandatário para o efeito.
O caso em apreço tem, porém, e ainda uma particularidade que importa referir. É a que decorre do facto de ter existido uma “reclamação” informal do requerente quanto aos motivos da primeira decisão de indeferimento, a qual foi aceite pela segurança social, tanto assim que profere nova decisão de indeferimento, a partir da qual conta o prazo para o requerente deduzir impugnação judicial.
Ora, pese embora esta tramitação não conste da descrita no artigo 26.º da Lei do Apoio Judiciário, atentos os princípios ínsitos no Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, em vigor à data dos factos supra descritos, mormente os da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4.º), da proporcionalidade (artigo 7.º), da justiça e da razoabilidade (artigo 8.º), da boa-fé (artigo 10.º), da colaboração com os particulares (artigo 11.º), e da decisão (artigo 13.º), aplicáveis por via do disposto no artigo 2.º do referido Código, à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza (n.º 1), designadamente aos institutos públicos (n.º 4, alínea d), e aplicando-se subsidiariamente as disposições daquele Código, designadamente quanto às garantias nele reconhecidas aos particulares, aos procedimentos administrativos especiais (n.º 5), não podemos deixar de concluir que tendo a Segurança Social considerado atendível a referida «reclamação» do interessado, respondendo-lhe e decidindo sobre a mesma, é desta decisão que se conta o prazo para a impugnação judicial de tal decisão administrativa pelo requerente[20].
Finalmente, importa ainda efectuar uma referência quanto à repercussão da interpretação que sufragamos nos processos em que tenha sido indeferida a pretensão do requerente e comunicada ao processo pela segurança social, já que da mesma resulta um lapso temporal superior para que decorra o prazo de que o requerente dispõe para apresentar a impugnação da decisão administrativa e seguramente se decida sobre a inexistência de contestação ou oposição nos autos em que aquele benefício foi requerido.
Tal, porém, não pode deixar de considerar-se como consequência da necessidade de existência de um processo equitativo em que a ambas as partes possa ser assegurado o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva.
Ainda assim, usando os princípios do Código de Processo Civil, mormente o princípio da cooperação previsto no respectivo artigo 7.º, nada obsta, antes aconselha com vista a uma maior brevidade na justa composição do litígio que, recebida a referida comunicação nos autos, o juiz profira despacho ao abrigo deste princípio, para que o requerente que viu negada a respectiva pretensão, informe nos autos se deduziu ou pretende deduzir impugnação judicial daquela decisão administrativa, ou que o requerente informe os autos ao abrigo deste princípio, já que a Lei do Apoio Judiciário não lhe impõe o ónus de comunicar que estabelece para a formulação do requerimento inicial.
Usando adequadamente este princípio, certamente se obstará à prolação de decisão pelo tribunal, que venha a ter que ser anulada, por se terem postergado, sem conhecimento, direitos de defesa constitucionalmente consagrados.
Nestes termos, sendo evidente que a prolação da sentença de insolvência, sem que à parte fosse dado o direito de apresentar oposição, configura uma nulidade processual susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, quando, como acontece na situação presente, tal nulidade processual se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto, neste caso, o tribunal conhece de questão que não podia conhecer, por outras palavras, “o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão”[21].
Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida e, de harmonia com o preceituado no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, a sua substituição por este tribunal de recurso, concedendo-se ao ora Recorrente a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, a partir da notificação ao patrono nomeado e ao requerente da revogação da decisão de indeferimento inicialmente proferida pela Segurança Social, nos termos previstos no artigo 24.º, n.º 5, alínea a) da Lei do Apoio Judiciário, na interpretação efectuada pelo Tribunal Constitucional.
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II.3. Síntese conclusiva:
I - A decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono a que alude a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei do Apoio Judiciário, só pode reportar-se à decisão final de indeferimento quando exista impugnação judicial, podendo esta decisão final ser quer a proferida pela Segurança Social, que revogue a decisão anterior nos termos do artigo 27.º, n.º 3, da Lei do Apoio Judiciário, quer a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal, caso a Segurança Social mantenha o indeferimento e, em conformidade com o referido preceito, remeta os autos para apreciação do tribunal competente.
II - De facto, para cumprir os princípios ínsitos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, suportarem os honorários decorrentes do mandato forense para assegurarem a respectiva defesa, sob pena de inconstitucionalidade, por desrespeito do processo equitativo e de violação da proibição de indefesa
III - Efectivamente, distinguindo a Lei do Apoio Judiciário as várias modalidades de que o requerente pode beneficiar para lograr conseguir um efectivo acesso à tutela jurisdicional efectiva, quando está em causa o pedido de nomeação de patrono, em acções em que é obrigatório o patrocínio judiciário, tal pedido assume-se como essencial ao exercício do direito de acção ou de defesa, consoante a fase processual em causa.
IV - Tendo a sentença que declarou a insolvência do devedor sido proferida quando ainda se encontrava em curso o prazo para o requerente impugnar judicialmente a decisão administrativa, e evidentemente não esgotado o prazo de dez dias que só depois daquele começaria a contar para o Requerido deduzir oposição, mesmo que não tivesse procedido à impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido inicialmente formulada pela Segurança Social, a mesma enferma de nulidade por excesso de pronúncia, impondo-se a respectiva anulação e concedendo-se ao ora Recorrente a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, a partir da notificação ao patrono nomeado e ao requerente da revogação da decisão de indeferimento inicialmente proferida pela Segurança Social, nos termos previstos no artigo 24.º, n.º 5, alínea a) da Lei do Apoio Judiciário, na interpretação efectuada pelo Tribunal Constitucional.
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III - Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, anulando-se a decisão recorrida, e ordenando-se o prosseguimento dos autos, concedendo-se ao ora Recorrente a possibilidade de apresentar a sua Oposição ao pedido de declaração de insolvência, com a consequente tramitação posterior.
Sem custas.
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Évora, 17 de Novembro de 2016
Albertina Pedroso [22]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Francisco Xavier;
2.º Adjunto: Maria João Sousa e Faro.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[3] Assim o documento junto atesta, e não em 20-07-2016, conforme o requerente mencionou no requerimento que dirigiu ao tribunal, e que é a data da própria decisão e não da respectiva recepção.
[4] Esta data foi assumida na decisão a que se refere o ponto 13. como data da notificação da decisão de indeferimento.
[5] Ilação que pode retirar-se do facto 7, porquanto certamente a mesma não poderia ter sido proferida sem ter havido a alegada deslocação do Requerente à Segurança Social, para dar conta de que tinha enviado os documentos referidos em 6.
[6] Doravante abreviadamente designado CIRE.
[7] Cfr. o recente Acórdão do TC do passado dia 03.11.2016 proferido no processo n.º 585/2016, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[8] Cfr. neste sentido, Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 9.ª edição actualizada e ampliada, Almedina 2013, pág. 155.
[9] Pensamos que assim deve ser entendida a alínea a), porquanto o Tribunal Constitucional no recente Acórdão n.º 461/2016, de 14.07.2016, proferido no processo n.º 507/15 publicado na II Série do DR de 12.10.2016, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt, declarou inconstitucional a interpretação de que o prazo se inicia nos termos literalmente estabelecidos no preceito, quando o requerente do apoio judiciário desconheça tal nomeação, por da mesma não ter sido notificado
[10] Cfr. Autor e obra citada, pág. 156.
[11] Citando o Ac. da Relação de Coimbra, de 12.04.2005, CJ, Ano XXX, Tomo 2, pág. 20, cujo sumário é o seguinte: «e cujo sumário é o seguinte: I – No caso de impugnação da decisão administrativa que indefira o apoio judiciário, o prazo para contestar que tenha sido interrompido em consequência do pedido de apoio apenas se reinicia com a notificação da decisão judicial definitiva tomada naquela impugnação. II – É essa a melhor interpretação que permite dar conteúdo ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, não obstante não haver disposição legal expressa atribuindo efeito suspensivo à impugnação judicial da decisão administrativa».
[12] Doravante abreviadamente designada CRP.
[13] Ainda que tirado no domínio da Lei n.º 30-E/2000, mantém actualidade porquanto quer as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, quer as levadas a cabo pela Lei n.º 34/2004, não alteraram substancialmente nesta matéria a redacção anterior.
[14] Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Note-se que conforme sublinha Salvador da Costa, obra citada, pág. 185, nota 198, também «a norma extraída do artigo 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro – similar à que aqui está em análise – e dos artigos 486.º-A, n.ºs 2 a 5 do Código de Processo Civil foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos dez dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento sancionado com multa processual (Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 182/2007, de 8 de Março 2007, Diário da República, 2.ª série, n.º 85, de 3 de Maio de 2007)».
[16] Cfr. o já referido Acórdão n.º 461/2016, de 14.07.2006, proferido no processo n.º 507/15 publicado na II Série do DR de 12.10.2016, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[17] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 181 e 182.
[18] Obra citada, pág. 168.
[19] Corresponde actualmente ao Artigo 87.º do DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/2014, de 11 de Julho, aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo, e rege sobre a contagem dos prazos nos termos citados.
[20] Neste sentido de que a actuação da Segurança Social não pode prejudicar o requerente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 24.02.2011, que julgou o recurso de revista excepcional a que supra aludimos, Revista n.º 3959/09.9TBOER.L1.S1, do qual apenas se encontra publicado o respectivo sumário, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, Boletim anual – 2011, Assessoria Cível, pág. 163
[21] Cfr. posição expressa pelo Professor Miguel Teixeira de Sousa neste sentido, no blog do IPPC.
[22] Texto elaborado e revisto pela Relatora.