Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/18.1GATVR-A.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: VEÍCULO AUTOMÓVEL
BUSCA
ESTRANGEIRO
INTÉRPRETE
MEDIDAS DE COACÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERIGO DE FUGA
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Tendo sido efetuada uma busca ao veículo automóvel, pertença do arguido, em momento anterior à organização do processo judicial, bem como ao da sua constituição como arguido, em plena estrada e no âmbito de uma intervenção policial por parte da GNR, busca esta autorizada pelo mesmo, em autorização escrita em castelhano, a língua materna do arguido – portanto tendo este pleno conhecimento e consciência do que se passava ao conceder a dita autorização –, não era legalmente exigível a interrupção da diligência policial pelo tempo necessário para fazer comparecer no local um advogado e um intérprete para o arguido.
II – Atento o perigo de fuga, justifica-se a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, natural e residente em Espanha, que declarou encontrar-se desempregado e já ter sofrido condenação por tráfico de estupefacientes, a quem no interior do veículo foi encontrada dividida e acondicionada, em locais dificilmente detetáveis, 10 placas de haxixe com o peso de 957,47g, 1 saco de plástico com 343,03g de Canábis e ainda 33 placas de Haxixe com o peso de 3.204,62g.
Decisão Texto Integral: Processo nº 10/18.1GATVR-A.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora


No âmbito dos autos de inquérito nº 10/18.1GATVR, do JIC de Faro - J2 - (Actos Jurisdicionais), por despacho de Mmª JIC, de 16-06-2018, proferido após a realização do 1º interrogatório de arguido detido, despacho este constante de fls. 34 e 35 dos presentes autos de recurso em separado, foi ordenado que o arguido BB, id. a fls. 32, aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, nos termos dos artigos 191º a 194º, 202º, nº 1, al. a) e 204º, al. a), por haver entendido existires indícios do mesmo haver incorrido na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Dec-Lei nº 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-C anexa, e sério perigo de fuga, dado o arguido não residir em Portugal.
Este despacho é do seguinte teor:
“Julgo válida a detenção do arguido BB efectuada em flagrante delito e tendo o mesmo sido apresentado no prazo a que alude o artigo 256, n.º 1, do CPP.
Indiciam os autos que:
O arguido foi detido na sequência de uma operação policial ocorrida no dia de ontem pelas 23:20 horas, quando conduzia o veículo Renault… de matrícula 24-94-…vindo de Espanha.
O arguido é de … e disse encontrar-se desempregado.
No interior do veículo encontrava-se dividida e acondicionada em locais dificilmente detectáveis quantidades divididas de haxixe a saber: 10 placas com o peso de 957,47g, 1 saco de plástico com 343,03g de Canábis e ainda 33 placas de Haxixe com o peso de 3.204,62g.
Mais disse o arguido que foi condenado em Espanha por prática de crime idêntico.
É certo que o arguido negou os factos e não se limitou a isso, tendo apresentado uma justificação para a presença do produto estupefaciente que foi encontrado acondicionado na viatura. Porém, a explicação é inverosímil e os dados objectivos que temos são os seguintes, o arguido é estrangeiro, deslocou-se a Portugal no seu veículo com haxixe acondicionado em vários recantos escondidos, numa quantidade total significativa, usando a sua família como disfarce para a operação que vinha fazer em Portugal de distribuição de estupefaciente.
Assim sendo, e perante estes indícios objectivos, os factos praticados pelo arguido indiciam a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p.pelo artigo 21, n.º 1, do Dl 15/93 de 22/01 por referência à tabela I-C anexa.
Quantos às medidas de coacção há a considerar, desde logo, a circunstancia do arguido não residir em Portugal e existir um forte perigo de fuga, pelo que, considerando o disposto nos artigos 191º a 194º, 202º, n.º 1, alínea a) e 204º, alínea a) todos do CPP, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito:
a) O termo de identidade e residência, artigo 196º, do CPP, já prestado;
b) A medida de coacção prisão preventiva (artigo 202º, n.º 1, aliena a), do CPP).
Passem-se os competentes mandados.
Cumpra-se o disposto 194 n.º 10 do CPP comunicando-se este despacho, caso o arguido o pretenda, a parente ou pessoa da sua confiança.
Remeta os autos ao DIAP de VRSA.
Notifique.”

Inconformado com o teor deste despacho, recorreu o arguido BB, nos termos constantes da sua motivação de fls. 6 a 32, pugnando pela aplicação de medida de coação não detentiva, concluindo nos seguintes termos:
A. Nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 64.° do Código de Processo Penal sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa é obrigatória a assistência do defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido.
B. Nos termos da alínea c) do artigo 119.° do Código de Processo Penal, a ausência do defensor em actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência, implica a nulidade insanável de conhecimento oficioso dos actos processuais, nos quais o defensor esteja ausente e seja exigida a sua presença rnü:; termos da lei.
C. Prevê o artigo 122.° do Código de Processo Penal, no seu número 1 que a nulidade torna o acto inválido, bem como os actos que dele dependerem e puderem ser afectados, e o artigo 120.° n.° 1 do Código de Processo Penal exclui expressamente as nulidades previstas no artigo 119.° do Código de Processo Penal da disciplina e das condições e termos e arguição de nulidades previstas nesse artigo 120.° do Código de Processo Penal.
D. Resulta da acta do Interrogatório Judicial realizado à ordem dos presentes autos, o ora recorrente é desconhecedor da língua portuguesa, uma vez que é patente a nomeação e a presença de interprete, sendo desconhecedor da língua portuguesa como o comprova também o facto dos elementos do orgão de policia criminal ter entendido lavrar auto de autorização de busca de veiculo em lingua castelhana, como resulta de fls. 7;
E. Como condutor alegadamente terá denotado no momento da abordagem alguns sinais de nervosismo, o que terá levantado suspeitas de algum ilicito poderia esta a ocorrer, uma vez que do interior da viatura provinha um odor a estupefaciente designado por canabis, e foi dada ordem a todos para que saíssem da viatura para verificação da situação, sem que tenha sido dada voz de detenção, não sendo comunicada a ocorrência de nenhum delito que fosse causa de detenção, nem isso resulta do auto de noticia em analise;
F. Se alegadamente o ora recorrente ensaiou a fuga ao volante da viatura, pelo que foi retirado da mesma e manietado, sem fosse dada voz de detenção, não foi comunicada a ocorrência de nenhum deíito que fosse causa de detenção, nem isso resulta do auto de noticia em analise;
G. O ora recorrente foi confrontado por elementos do orgão de policia criminal com a pergunta sobre o odor a produto de estupefaciente, sendo esta pergunta é passível de resposta, perfeitamente admissível de assunção de que o produto poderia ser do recorrente, e implicar a sua auto incriminação, e antes de puder responder o ora recorrente não foi constituído arguido, nem lhe foram lidos os direitos e os deveres, nem lhe informado que era suspeito de qualquer delito à luz da lei portuguesa, nem isso resulta do auto de noticia;
H. Foram entabuladas pelos elementos do orgão de policia criminal conversas informais com o ora recorrente, sem a presença de defensor e sem a presença de interprete, sendo estas conversas informais indicadas e transcritas no auto de noticia dos presentes autos, e não foi dada voz de detenção, não foi comunicada a ocorrência de nenhum delito que o orgão de policia criminal após as referidas conversas informais com estrangeiro desconhecedor da língua portuguesa e entabuladas sem a presença de defensor ou de interprete,
I. Não foi dada voz de detenção e não foi comunicada a ocorrência de nenhum delito, nem a suspeita de prática de crime que justificasse a constituição como arguido, como decorria da conjugação do previsto nas alíneas c) e d) do artigo 58.° do Código de Processo Penal com o previsto nos artigos 254.° a 261.° do Código de Processo Penal, porque os elementos do orgão de policia criminal entenderam solicitar a autorização de uma busca à viatura ao qual o ora recorrente assistiu;
J. Esta autorização de busca foi lavrada em folha de timbre do orgão de policia criminal e processada informaticamente ou dactilografada, donde já consta número de processo 10/18.1GATVR e donde consta que o Núcleo de Investigação Criminal de Tavira da GNR elaborou - a em língua castelhana, como resulta de fls. 7, o que é claramente demonstrativo do desconhecimento da ííngua portuguesa por parte do ora recorrente.
K. Já existindo um processo 10/18.IGATVR, e tendo o documento sido elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal de Tavira da GNR, pelo que o documento de autorização de busca de fis. 7 já é um acto processual, elaborado por orgão de policia criminal, e à compreensão e assinatura deste acto processual de fls. 7 a que corresponde a autorização de busca cie fls. 7 assinada pelo ora recorrente, não compareceu defensor, porque o mesmo não vem assinado por defensor, e porque o auto de noticia não menciona a presença de defensor aquando da prestação de autorização para a realização da busca,
L. Teve inicio o acto processual de busca no âmbito do processo 10/18.1GATVR e foi realizada a busca, na presente do recorrente, mas sem que estivesse presente defensor, como resulta do auto de noticia em analise, onde nunca se menciona a presença de defensor durante a realização da busca ao veiculo em analise;
M. Durante a busca ao dito veiculo, que se iniciou por causa de uma autorização lavrada em castelhano e assinada pelo ora recorrente que por isso não conhecia a língua portuguesa como decorre do reconhecimento e da necessidade da mesma ser elaborada em castelhano sem a presença de defensor, os elementos do orgão de policia criminal procedem ao achamento de produto suspeito no sitio onde assentam os pés do passageiro do banco dianteiro direito e debaixo do assento do passageiro do banco dianteiro direito, sem a presença de defensor como resulta claramente do auto de busca e apreensão de fls. 8 a 10 dos presentes autos, em que o mesmo se mostra rubricado e assinado peio o ora recorrente, mas não se mostra rubricado e assinado por nenhum defensor;
N. Como resulta bem claro do teor do auto de noticia em analise, foi só depois do achamento do produto estupefaciente nos termos acima descritos, e necessariamente só depois da prestação de autorização para a realização de busca em castelhano pelo recorrente que desconhece a língua portuguesa e só após a realização da respectiva busca autorizada naqueles termos, e sempre sem a presença de defensor, só depois de concluído o acto processual de busca, é que foi dada voz de detenção ao ora recorrente pelos elementos do orgão de policia criminal, e que lhe são lidos e explicados os direitos e deveres na qualidade de arguido pelos mesmos elementos, é isso mesmo resulta inequivocamente do auto de noticia em analise;
O. O acto de processual de apreensão do produto estupefaciente, da viatura automóvel acima identificada e de telemóvel foi realizado sem a presença de defensor, como decorre do auto de noticia em analise, e do auto de apreensão de fls. 8 a 10 dos presentes autos, em que o mesmo se mostra rubricado e assinado pelo o ora recorrente, mas não se mostra rubricado e assinado por nenhum defensor, do auto de noticia resulta claro que só após o acto processual de apreensão dos itens descritos no presente processo, é que foi dada voz de detenção e que foram lidos os direitos e deveres do recorrente enquanto arguido;
P. Então, a parte do auto de noticia que transcreve conversas informais, o acto de autorização de busca ao veiculo acima identificado, o acto de busca ao veiculo acima identificado, o acto de apreensão dos itens identificados no respectivo auto, são actos processuais nulos, de forma insanável, e como tal inválidos.
Q. Se estes actos processuais praticados à ordem do presente processo de inquérito são inválidos, de forma insanável, então não podem produzir efeitos processuais no presente processo de inquérito, nem em mais nenhum processo de inquérito distinto do presente, se não pode decorrer a produção de efeitos processuais destes mesmos actos sub «ir judice. então não existem indícios alguns da prática de crime pelo o ora recorrente.
R. Se não existem indícios alguns da prática de crime pelo o ora recorrente, então não existem nos presentes autos fortes indícios de prática de crime com pena de prisão de máximo superior a cinco anos por parte do ora recorrente, e se não existem indícios de prática de crime com pena de prisão de máximo superior a cinco anos, ou de crime algum por parte do ora recorrente, então não podia ser aplicada a prisão preventiva ao ora recorrente.
S. O despacho ora recorrido, ao não ter conhecido das nulidades insanáveis dos actos processuais que dizem respeito a parte do auto de noticia que transcreve conversas informais, ao acto de autorização de busca ao veiculo acima identificado, ao acto de busca ao veiculo acima identificado, e ao acto de apreensão dos itens identificados no respectivo auto, violou o disposto nos artigos 64.° n.° 1 alínea d), 119.° n.° 1 alínea c) e 120.° n.° 1 a contrario todos do Código de Processo Penal.
T. E o despacho recorrido ao ter julgado existirem indícios objectivos da prática de crime punível com pena de prisão com máximo superior a cinco anos, quando os mesmos não existem pela invalidade insanável dos actos processuais que sustentariam a existência de tais indícios, aplicando a medida de coacção de prisão preventiva incorre na violação do disposto no artigo 202.° N.° 1 do Código de Processo Penal.
u. Salvo o devido respeito, o haxixe vinha acondicionado aos pés do passageiro CC e debaixo do seu assento de passageiro dianteiro, como resulta do teor do auto de noticia, ou seja, o haxixe não se encontrava acondicionado em vários recantos do interior da viatura automóvel como resulta do despacho recorrido, o que resulta do auto de noticia é que o haxixe estava todo acondicionado e concentrado na proximidade mais recôndita da pessoa do passageiro CC.
V. Note-se que CC não foi sequer ouvido nos presentes autos nem como arguido, nem como testemunha, o que não deixa de levantar dúvidas, é que à luz cja normalidade, não percebe como é que se constata os lugares onde o condutor e os passageiros vinham a circular no interior da referida viatura, como é efeito no auto de noticia, e quando se constata que o produto estupefaciente está todo debaixo dos pés do passageiro CC e debaixo do assento do mesmo, não procede à tentativa de compreender o que é que a pessoa que circula mais próxima de todo o produto estupefaciente não é inquirida, nem constituída arguida.
W. Mas se os autos não permitem perceber se o produto estupefaciente era de CC, certo é que os autos também não permitem que se saiba que o produto estupefaciente é do condutor e ora recorrente, porque nenhum facto resulta dos presentes autos de como o produto estupefaciente era do ora recorrente, e não do passageiro CC que viajava com o produto estupefaciente debaixo dos seus pés e debaixo do seu assento.
X. Não existe facto nenhum dos presentes autos que permita que julgue ou se presuma que o ora recorrente sabia que o haxixe era transportado na referida viatura, e se não existe nada nos presentes autos que demonstre que o ora recorrente sabia que a viatura que conduzia transportava haxixe acondicionado e oculto, então também carece de base factual o dizer-se que o ora recorrente usava a sua família fosse para o que fosse.
Y. Sendo certo que nada resulta dos presentes autos aquando da realização do interrogatório judicial que permita dizer-se que o ora recorrente vinha a Portugal com a família em vésperas de fim de semana, para uma operação de distribuição de haxixe, o que resulta dos presentes autos é o facto do haxixe estar acondicionado debaixo do local onde o passageiro CC apoiava os seus pés, e debaixo do assento onde seguia o mesmo CC, e isto é verosímil e conjuga-se com as declarações prestadas pelo recorrente em sede de interrogatório judicial e documentadas em suporte informático? Salvo o devido respeito por entendimento contrário, estamos em crer que sim.
Z. O facto do haxixe estar acondicionado debaixo do local onde o passageiro CC apoiava os seus pés, e debaixo do assento onde seguia o mesmo CC, à luz da experiência comum e da natureza das coisas, não leva à presunção deste produto estupefaciente ser do condutor, pelo contrário, à luz da experiência comum e da normalidade, o produto estupefaciente é de quem o tem mais cerca de si ( debaixo dos seus pés e do seu assento).
AA. O facto do haxixe estar acondicionado debaixo do local onde o passageiro CC apoiava os seus pés, e debaixo do assento onde seguia o mesmo CC, é um indicio contraditório e contrário à presunção de que o haxixe é do condutor da viatura, e era transportado com o conhecimento do condutor da viatura, e como tal não permite inferir que seja o condutor e ora recorrente o dono da mercadoria ou que a mesma era transportada com o seu conhecimento, pelo contrário infere-se c}ue o produto estupefaciente era do passageiro CC.
BB. Analisando as declarações prestadas pelo o ora recorrente vislumbra-se que as mesmas são verosímeis à luz do que resulta da posição dos passageiros e da situação do produto estupefaciente, pelo que se impugna o juízo de analise realizado sobre as declarações prestadas em primeiro interrogatório pelo o ora recorrente, conjugado com os elementos sobre a situação donde se encontrava o haxixe dentro da dita viatura, e á luz de quem era transportado mais próximo do mesmo produto.
CC. E impugna porquanto se realiza a presunção de que indiciação do ora recorrente quanto à autoria do crime, sem que resulte dos presentes autos indícios sustentáveis e inequívocos á luz da experiência comum, que sustentem o juízo constante do despacho recorrido, violando-se assim as regras que presidem à livre apreciação da prova.
DD. Porquanto decorre do processo que não existem factos que permitam sustentar a presunção de culpabilidade do ora recorrente, tal qual como vem sustentada no despacho recorrido, pelo contrário existem sim indícios contraditórios, à luz do que se aludiu, termos em que se impugna a analise da prova constante dos presentes autos á data do primeiro interrogatório, impugna-se a analise das declarações do ora recorrente, por violação das regras de livre apreciação de prova que preside à analise da mesma, concluindo-se pela ausência de indícios diferentes quanto ao ora recorrente daqueles que ditaram a libertação de Juan Redondo.

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 33 a 39 dos presentes autos de recurso em separado, manifestando-se pela improcedência do recurso, e concluindo nos seguintes termos:
A) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar a 16 de Junho de 2018, no qual ao arguido foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva por ter sido considerado como fortemente indiciada a prática, por esse, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro e considerados como verificados os perigos de fuga;
B) O recorrente entende que sendo nulas as provas em que se baseou tal despacho para considerar o aludido crime como fortemente indiciado, deverá o mesmo ser revogado, como revogada deverá ser a medida de coacção de prisão preventiva;
C) De acordo com o recorrente, tal indiciação decorre exclusivamente dos autos de busca e de apreensão realizados nos autos, os quais considera estarem feridos de nulidade insanável visto que em tais actos o recorrente devia ter sido obrigatoriamente assistido por defensor por ser desconhecedor de língua portuguesa;
D) Ora, a questão foi já objecta de análise jurisprudencial, tendo vindo a ser considerado que no momento em que o requerente consente na busca, ainda não existe qualquer imputação que determine a sua condição de arguido, pelo que não é obrigatória a presença de defensor;
E) Consequentemente, no acto de fiscalização a que foi sujeito e no acto de busca em que consentiu, sendo certo que ainda não existia motivos para suspeitar que o mesmo havia cometido um crime e que devia ser constituído como arguido, ainda não se tornara obrigatória a assistência por defensor;
F) Mais alega o recorrente que, da prova produzida não resulta fortemente indicada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, visto que, na sua versão dos factos agora apresentada, o produto estupefaciente apreendido se encontrava acondicionado debaixo do local onde o passageiro CC estava e, desta feita, a este pertencia;
G) Não lhe assiste razão;
H) Desde logo porque o alegado não corresponde à verdade, porquanto o produto estupefaciente não se encontrava acondicionado exclusivamente debaixo do local onde se encontrava o passageiro CC mas sim em vários locais da viatura conduzida pelo arguido, tal como resulta do auto de notícia;
I) A isto se acrescente que existem vários outros elementos que permitem concluir que o recorrente cometeu o crime de tráfico de estupefacientes, designadamente:
- A percepção afirmada no auto de notícia que os militares da GNR tiveram do nervosismo apresentado pelo recorrente (que não foi notado em qualquer outro dos ocupantes do veículo);
- O facto de todos os ocupantes, com excepção do recorrente terem de imediato acatado a ordem de saída do veículo aquando da fiscalização pelos militares;
- O facto de o recorrente, quando lhe foi solicitado pelos militares que saísse do veículo, ter tentado encetar fuga, o que apenas não logrou conseguir por ter sido impedido pelos referidos militares;
- O facto de ter sido o recorrente quem indicou aos militares os locais onde se encontrava oculto o estupefaciente; e - O facto de o próprio ter transmitido aos militares que o produto estupefaciente era seu e que os ocupantes do veículo não tinham qualquer relação com a situação e que desconheciam o facto de o recorrente transportar droga na viatura.
j) Perante estes elementos não restam dúvidas da forte indiciação do cometimento, por parte do arguido, do crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL 15/93
K) E, nessa sequência, atentos os perigos verificados e devidamente indicados e fundamentados no despacho judicial recorrido, a medida de coacção de prisão preventiva deverá ser mantida, julgando-se improcedente o recurso interposto.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, n qual se pronuncia, igualmente, pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo, no entanto, cingir-se ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao arguido recorrente no que respeita às pretensões que formulou nas conclusões do presente recurso, quais sejam:
- A nulidade dos meios de prova;
- A inexistência de indícios da prática do crime p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

Vejamos então:

Entende o arguido que os meios de prova que levaram à obtenção da prova indiciária se encontram feridos de nulidade, nos termos preceituados nos artigos 64º, nº 1, al. d), 119º, al. c), 120º, nº 1 e 122º, todos do Código de Processo Penal, já que o arguido, desconhecedor da língua portuguesa, não beneficiou da presença de defensor, nem da nomeação de intérprete, aquando da sua detenção.
Ora, conforme consta do auto de notícia de fls. 55 a 58 dos presentes autos de recurso em separado, o veículo conduzido pelo arguido foi mandado parar em operação policial próximo da fronteira do concelho de Castro Marim.
Dadas as circunstâncias que já constam do despacho recorrido, às quais adiante aludiremos, foi efetuada uma busca ao dito veículo automóvel, pertença do arguido, busca esta autorizada pelo mesmo, em autorização escrita em castelhano, a língua materna do arguido, conforme se verifica da cópia de fls. 59.
Portanto, o mesmo teve conhecimento e consciência do que se passava ao conceder a dita autorização, sendo que a mesma foi dada em momento anterior à organização desde processo judicial – cfr. artigo 92º, nº 1, do Código de Processo Penal – bem como ao da sua constituição como arguido, em plena estrada e no âmbito de uma intervenção policial por parte da GNR.
Assim, muito embora o mesmo tenha como língua materna o castelhano, não deixou de ter conhecimento e compreensão do que se estava a passar, não sendo exigível a interrupção de uma mera diligência policial pelo tempo necessário para fazer comparecer no local um advogado e um intérprete para o arguido, tanto mais que tal nem é exigível aquando da constituição de arguido, ato este de maior dignidade processual, pelos direitos e deveres que acarreta – cfr. artigos 64º, nº 1, al. d) e 58º, ambos do Código de Processo Penal.
Tratando-se, como se tratou, de um mero ato policial, e podendo o arguido contraditá-lo em momento oportuno, qual seja, o interrogatório judicial de arguido detido, no qual foi assistido por intérprete e defensor, e devidamente informado das provas indiciárias que já impendiam contra si, não se vislumbra que tenha sido postergado qualquer direito material ou processual do arguido, digno de relevo em termos de nulidade ou de mera irregularidade, e mormente não resultou prejudicado o necessário contraditório – cfr. artigo 174º do Código de Processo Penal.
Assim sendo, improcede a arguida nulidade dos meios de prova apresentados.

Vejamos, agora, a segunda questão que se nos suscita, a inexistência de indícios da prática do crime p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.
Como bem diz o despacho recorrido e disso existem provas nos autos, a maioria das quais solicitámos:
- O arguido foi detido na sequência de uma operação policial ocorrida no dia de ontem pelas 23:20 horas, quando conduzia o veículo Renault … de matrícula 24-94-…vindo de Espanha.
- No interior do veículo encontrava-se dividida e acondicionada em locais dificilmente detetáveis quantidades divididas de haxixe a saber: 10 placas com o peso de 957,47g, 1 saco de plástico com 343,03g de Canábis e ainda 33 placas de Haxixe com o peso de 3.204,62g.
Muito embora o arguido tenha referido que o haxixe em causa não lhe pertencia, o que é certo é que referiu, igualmente, ser natural de Huelva, encontrar-se desempregado, e já ter sofrido condenação por tráfico de estupefacientes.
Mais, aquando da paragem do veículo, ordenada pela GNR, e como do mesmo se inalasse a presença de haxixe, foi ordenado pelos elementos daquela força policial que todos os ocupantes saíssem, o que foi feito prontamente por todos eles, menos pelo arguido, que conduzindo o veículo e aparentando nervosismo, tentou encetar a fuga daquele local.
Por outro lado, e como acima se referiu, o haxixe encontrava-se acondicionado em várias porções, estas espalhadas por vários compartimentos do veículo, não havendo quaisquer indícios que pertencessem a qualquer outro dos passageiros em particular.
Assim sendo, e atentas as regras da normalidade, cumpre concluir pela existência de fortes indícios quanto à autoria por parte do arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes, crime este previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, punível com prisão de 4 a 12 anos – atenta a extensão do tipo.
Entende o arguido que a prisão preventiva se revela desadequada, sendo suficiente e ajustada ao seu caso, a aplicação de medida de coação não detentiva.
O artigo 193º do CPP, estabelece o princípio da adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coacção e garantia patrimonial, segundo o qual, " as medidas de coacção e garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas".
Estabelecendo o nº 2, deste mesmo preceito, que "A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só pode ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção".
E o seu nº 3, “Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ele se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
Referindo o seu nº 4 que, "A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer".
Estes princípios decorrem do direito fundamental à liberdade e segurança, do qual a prisão preventiva constitui uma excepção, constantes dos artigos 27º e 28º da nossa Lei Fundamental.
Resultam, igualmente, do artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 9º do Pacto Internacional para a protecção dos direitos civis e políticos.
Em sede de medidas de coacção, cumpre ter em atenção, ainda, os seus requisitos gerais de aplicação, constantes do artigo 204º do CPP, segundo o qual nenhuma medida de coacção à excepção do TIR, pode ser aplicada se em concreto se não verificar: Fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Por conseguinte, é à luz destes normativos, e atenta a matéria de facto apontada, que cumpre averiguar se a prisão preventiva é a medida proporcional e adequada a aplicar, ou, se seria suficiente, tão só, a aplicação da medida de coação não detentiva, como o pretende o arguido.
Ora, pelas próprias declarações do arguido, o mesmo já não é primário neste tipo de conduta delituosa, terá a sua residência e, consequentemente, apoios legísticos, em Huelva, muito próximo da fronteira portuguesa.
A partir daí, e dada a facilidade de circulação no espaço Schegeen, facilmente conseguiria encetar a fuga, pelo que o perigo da mesma se afigura como real, com a consequente dificuldade de uma futura captura.
Como tal, qualquer medida de coação não detentiva revelar-se-ia, em concreto, desadequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s, com os legais acréscimos, e a procuradoria no mínimo.

Évora, 18 de outubro de 2018
Maria Fernanda Palma (relatora)
Maria Isabel Duarte