Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2376/17.1T8EVR.E2
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
ARRENDAMENTO RURAL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o trânsito em julgado da decisão judicial por condição.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2376/17.1T8EVR.E2

Acordam os juízes da secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

(…) e mulher (…), residentes em Monte da (…) – Estrada dos (…), Redondo, intentaram acção de condenação sob a forma de processo comum contra (…), viúvo, professor, residente na Praça da (…), 21-1º, Dto., Amadora, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada, e o Réu condenado:

a) A reconhecer o direito de retenção dos prédios a favor dos Autores já no saneador;

b) A pagar aos Autores a quantia peticionada de € 399.999,00;

c) Bem como a juros de mora vincendos à taxa legal desde e até efectivo e integral pagamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a) absolver o Réu (…) dos pedidos formulados pelos Autores (…) e mulher, (…).

b) condenar os Autores (…) e mulher, (…), como litigantes de má-fé, na multa de 5 UC.

Inconformados recorreram os AA. tendo concluído nos seguintes termos:

1-O R. conhecia a existência da denúncia do contrato de arrendamento.

2-Bem como conhecia a existência da obrigação de pagar aos AA a compensação devida pela denúncia do contrato de arrendamento.

3-O R terá que assumir a responsabilidade de pagar aos AA a compensação referida, porque é responsável pelos actos do seu mandatário.

4-Os depoimentos das testemunhas e conforme constam da gravação da audiência de julgamento são verdadeiras, mostram especialmente a do (…), razão de ciência e é muito credível.

5-Terão assim que ser dados como provados, os factos não provados na douta sentença e que enumeramos nos pontos 1 a 7 da 1º parte destas alegações.

6-Todos os documentos juntos aos autos são idóneos, nomeadamente a certidão do proc. 1145/04, bem como o contrato de promessa de 5/12/2002.

7-A douta sentença não fundamenta os factos, não faz qualquer análise crítica, está incorreta.

8-Não há qualquer caso julgado, conforme se deixou alegado.

9-Não existe má-fé dos AA, pelo que também esta parte terá que ser revogada.

10-A douta sentença, pronunciou-se por factos que não devia, e escorou factos relevantes para a decisão da causa.

11-A douta sentença violou o disposto nos art.ºs 607.º, 154.º, 578.º, 581.º, 609.º e 615.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), todos do CPC. E ainda o disposto nos arts. 2.º, 13.º, 20.º e 202.º da CRP.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

Em 11 de Janeiro de 2001 foi celebrado entre os ora Autores na qualidade de primeiros contraentes e promitentes vendedores e o ora Réu na qualidade de segundo contraente e promitente comprador um contrato-promessa de compra e venda do qual consta o seguinte clausulado:

Cláusula Primeira

Os Vendedores são donos e legítimos possuidores do prédio misto denominado Herdade da (…), sito na freguesia de Santiago Maior, concelho de Alandroal, com a área de 163,4750 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/291190 e inscrito na respectiva matriz sob os artigos (…), rústica e (…), urbana e, ainda, o artigo (…) da parte rústica; prédio misto denominado Herdade da (…), sito na freguesia de Santiago Maior, concelho de Alandroal, com a área de 158,8863 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/291190 e inscrito na respectiva matriz sob os artigos (…), rústica e (…), urbana e, ainda, o artigo (…) da parte rústica.

Cláusula Segunda

Os Vendedores prometem vender, livre de ónus, encargos e devolutos de pessoas e bens os prédios mistos melhores identificados na cláusula anterior pelo preço de Esc. 110.000.000$00 (cento e dez milhões de escudos) ao Comprador, ou a quem este vier a indicar, até à data da outorga da escritura e este, reciprocamente, promete comprar.

Os Vendedores declaram que os prédios mistos objecto do presente contrato-promessa se encontram hipotecados a favor do Banco (…), S.A.

Cláusula Terceira

Nesta data, o Comprador entregou, a título de sinal e principio de pagamento a quantia Esc. 27.750.000$00 (vinte e sete milhões e setecentos e cinquenta mil escudos) que os Vendedores receberam, da qual dão integral quitação.

Cláusula Quarta

A competente escritura de compra e venda dos prédios mistos objecto do presente contrato será celebrada no prazo máximo de 2 (dois) anos, a contar da presente data.

Cláusula Quinta

Todas as despesas relativas à escritura, sisa e outras legais são da responsabilidade do comprador.

Cláusula Sexta

Os Vendedores e o Comprador, reconhecem, reciprocamente o direito de recurso à execução específica do presente contrato.

Cláusula Nona

Para efeitos deste contrato-promessa, as partes consideram-se domiciliadas nas residências supra indicadas.

Do presente contrato-promessa de compra e venda foram feitos dois exemplares, um para cada contraente.

Assim o disseram, aceitaram e vão assinar.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2001

Os Vendedores, O Comprador (seguem-se assinaturas ilegíveis, mas reconhecidas notarialmente).

2 - Em 7 de Março de 2002 no Oitavo Cartório Notarial de Lisboa foi celebrada a escritura de compra e venda dos prédios mistos prometidos vender, sendo interveniente como segundo outorgante e comprador o ora Réu, constando da escritura que os ora Autores então vendedores receberam a totalidade do preço, € 137.169,42 de venda dos imóveis.

3 - Através da Ap. (…) de 2001/10/29 foram aqueles prédios registados a favor do comprador e ora Réu.

4 - Nessa mesma data, 7 de Março de 2002 foi celebrado um contrato de arrendamento rural pelo prazo de 7 anos e a renda anual no valor de € 14.963,94 a pagar semestralmente nos meses de Setembro e Março, em que figura como senhorio o ora Réu e arrendatário o Autor marido.

5 - Com fundamento na falta de pagamento das rendas de 30 de Setembro de 2002 e as vencidas posteriormente, o ora Réu-senhorio instaurou, em 19. 2. 2004, contra os ora Autores-arrendatários, acção de despejo dos prédios arrendados, a qual correu termos sob o nº 1145/04.3TVLSB da 2ª Secção da 12ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa.

6 - Por sentença de 3.10.2015, confirmada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.2.2017, foi a acção julgada procedente e decretado o despejo imediato dos prédios mistos e a condenados os Réus a pagarem ao então Autor ora Réu as rendas vencidas desde 30 de Setembro de 2002 até à entrega efectiva dos dois prédios acrescidas dos juros de mora nos termos peticionados.

7 - Em 16 de Novembro de 2002 o Autor marido escreveu o seguinte texto:

Exmo. Senhor Professor Doutor João Tiago Praça Nunes Mexia

Em mão

Exmo. Senhor em referência ao contrato de arrendamento Rural, celebrado com V. Ex. no passado dia 7 de Março de 2002, respeitante aos prédios mistos denominados Herdade da (…), ambos citos na freguesia de Santiago Maior, concelho do Alandroal, venho informar V. Ex. que perdi interesse na continuação do dito contrato, pelo que me obrigo a entregar as ditas Herdades até ao próximo dia 15 de Fevereiro de 2003.

Nesta conformidade, considero desde o dia de hoje o referido contrato de arrendamento nulo e de nenhum efeito, por o ter expressamente denunciado.

Mais declaro que V. Ex. me entregou, a título de compensação pela presente denúncia bem como, pelas culturas em curso e benfeitorias realizadas nas herdades, a quantia de 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), de que dou inteira quitação.

8 - Os Réus mantém-se nos prédios até que lhes seja paga compensação pela denúncia do contrato de arrendamento rural.

Factos não provados

- Em final de Dezembro/início de Janeiro de 2001, o Autor e (…), foram acompanhados de (…), ao escritório do advogado (…), que tratava de empréstimos particulares em dinheiro.

Após negociações foi efectuado um primeiro empréstimo de Esc. 20.000.000$00, cuja importância foi entregue pelo advogado do Réu, Dr. (…) aos ora Autores no montante de Esc. 19.200.000$00, o restante no montante de Esc. 800.000$00 destinou-se a pagamento de juros.

- Para garantia do referido empréstimo os Autores fizeram a favor do Réu Mexia um contrato de promessa de compra e venda das duas propriedades dos Autores denominadas Herdade da (…), sita na freguesia de Santiago Maior, concelho do Alandroal uma descrita na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/2002031, resultante da anexação dos números …/291190 e …/020131, inscrita na matriz com os artigos (…), Secção (…) e (…), com a área de 156,5739ha e prédio descrito na mesma Conservatória sob o nº 441/19901129 e inscrito na matriz com o artigo (…), Secção (…), com a área de 158,8863ha.

- O cidadão espanhol de nome (…) tivesse emprestado dinheiro aos Autores.

- O Réu tenha tido conhecimento da denúncia do arrendamento.

- Os Autores receberam a quantia de € 250.000,00.

- Os Autores na sequência da sentença de despejo tenham entregue os prédios mistos ao Réu.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC).

Invoca o recorrente erro na apreciação da prova que determina alteração da matéria de facto julgada não provada, matéria essa relativa à declaração de denuncia do contrato de arrendamento que o recorrente alegou ter emitido, bem como o conhecimento que dela deu ao ora R.

Mais se discute a verificação da excepção de caso julgado e dos pressupostos de condenação do recorrente como litigante de má-fé.

Do documento a que alude o ponto 7 dos factos provados não resulta que o seu teor tenha sido dado conhecimento ao R. Inexiste qualquer rasto documental dessa comunicação.

Como infra referiremos ainda que este ponto da matéria de facto tivesse sido julgado provado sempre estaria o Tribunal impedido de retirar dele as consequências jurídicas pretendidas pelo recorrente.

Como refere Rui Pinto, in Revista Julgar, o caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o transito em julgado da decisão judicial por condição.

A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado. O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur. Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Neste sentido, veja-se o Ac. do TRG de 07-08-2014/Proc. 600/14TBFLG.G1 (Jorge Teixeira) enunciou que os “efeitos do caso julgado material projectam-se no processo subsequente necessariamente como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento a decisão de idêntico objecto posterior, ou como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação a decisão do distinto objecto posterior”; identicamente, veja-se o Ac. do TRG de 17-12-2013/Proc. 3490/08.0TBBCL.G1 (Manuel Bargado). Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior.

A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581º do CPC.

II - Por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo (Acórdão do TRP, de 11-10-2018, Proc. n.º 2320/17 disponível em www.dgsi.pt).

O caso julgado constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.

2 -A sua verificação depende do preenchimento da tríplice identidade a que o artigo 498º do Código de Processo Civil faz referência.

3 - Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas acções.

4 - A identidade dos pedidos é perspectivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.

5 - Existe identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas.

6 - Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil.

7 - O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva (Ac. TRC, de 6-9-2011, proc. n.º 816/09, disponível em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, está provado que com fundamento na falta de pagamento das rendas de 30 de Setembro de 2002 e as vencidas posteriormente, o ora Réu-senhorio instaurou, em 19.02.2004, contra os ora Autores-arrendatários, acção de despejo dos prédios arrendados, a qual correu termos sob o nº 1145/04.3TVLSB da 2ª Secção da 12ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, a qual veio a ser julgada procedente por sentença de 3.10.2015, confirmada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.02.2017 e na qual foi decretado o despejo imediato dos prédios mistos e os Réus condenados a pagarem ao então Autor ora Réu as rendas vencidas desde 30 de Setembro de 2002 até à entrega efectiva dos dois prédios acrescidas dos juros de mora nos termos peticionados.

A conclusão só pode ser a de que a sentença proferida naqueles autos que correram termos pelas Varas Cíveis de Lisboa constitui caso julgado material, pois tornou-se insusceptível de recurso ou reclamação e os seus efeitos produzem-se para além do próprio processo pois impedem que aquele mesmo tribunal ou outro possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada.

Os AA fundaram a acção numa alegada denúncia do contrato de arrendamento em causa, direito de denúncia esse que, segundo alegam, exerceram atempadamente.

O ponto de vista dos AA. enfrenta um obstáculo intransponível.

É que esta relação contratual, por decisão judicial já transitada, foi declarada extinta por efeito do exercício do direito de resolução, por parte do ora R. com fundamento na falta de pagamento da renda acordada e os ora AA condenados no despejo do locado.

Pela autoridade de caso julgado visa-se obstar a que a relação ou uma situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.

Como refere a decisão recorrida não pode dar como provada a denúncia do contrato de arrendamento rural sobre os mesmos prédios em que em momento posterior foi decretado o despejo, sob pena de violação da autoridade de caso julgado.

Mas mesmo que se considerasse provada a denuncia do contrato de arrendamento rural estaria o Tribunal impedido de definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 586 «o caso julgado determina várias consequências: uma referida ao passado, que é a preclusão da invocação num processo posterior de questões não suscitadas no processo findo.

Quanto ao âmbito da preclusão que afecta o R., há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação pelo que ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação.

A relação contratual foi, por decisão judicial já transitada, declarada extinta por efeito do exercício do direito de resolução, por parte do ora R. com fundamento na falta de pagamento da renda acordada e os ora AA condenados no despejo do locado. Ora, os factos agora invocados como causa de pedir na presente acção constituiriam ali, defesa por excepção, pelo que não podem agora ser apreciados.

Como refere decisão recorrida na data da celebração daquele contrato de arrendamento rural vigorava o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 524/99, de 10 de Dezembro, sendo este o regime aplicável ao contrato de arrendamento rural dos autos por força do artigo 39.º do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, que veio revogar o anterior regime do arrendamento rural.

E aí se dispunha no artigo 18.º, sob a epígrafe Denúncia do contrato, que «Os contratos de arrendamento a que se refere este diploma consideram-se sucessiva e automaticamente renovados se não forem denunciados nos termos seguintes:

a) O arrendatário deve avisar o senhorio, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação, ou de seis meses, se se tratar de arrendamento a agricultor autónomo.

A denúncia consiste numa declaração de vontade unilateral e receptícia destinada a pôr termo a uma relação jurídica duradoura ao cabo de certo prazo e que apenas se torna eficaz quando levada ao conhecimento do destinatário, ou seja, aquele a quem é dirigida.

No caso dos autos os Autores não provaram que tal declaração de vontade de denúncia do contrato de arrendamento rural que haviam celebrado com o Réu chegou ao conhecimento deste, o que desde logo mantém o contrato em vigor para além da data em que a denúncia produziria os seus efeitos.

E tanto assim foi que conforme resultou provado com fundamento na falta de pagamento das rendas de 30 de Setembro de 2002 e as vencidas posteriormente, o ora Réu-senhorio instaurou, em 19.02.2004, contra os ora Autores-arrendatários, acção de despejo dos prédios arrendados, a qual correu termos sob o n.º 1145/04.3TVLSB, da 2ª Secção da 12ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, a qual veio a ser julgada procedente por sentença de 03.10.2015, confirmada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2017 e na qual foi decretado o despejo imediato dos prédios mistos e os Réus condenados a pagarem ao então Autor ora Réu as rendas vencidas desde 30 de Setembro de 2002 até à entrega efectiva dos dois prédios acrescidas dos juros de mora nos termos peticionados.

A conclusão só pode ser a de que, apesar do escrito que os Autores alegam e em que denunciam o contrato de arrendamento rural e o pagamento da quantia de € 250.000,00, a título de compensação, tal contrato se mantinha em vigor e apenas cessou com a sentença a decretar o despejo imediato dos prédios e o pagamento das rendas vencidas desde 30 de Setembro de 2002 até à entrega efectiva dos prédios.

Da má-fé

Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542.º, n.º 2, do CPC).

Ora, os Autores sabendo que na acção que correu termos pelo Tribunal de Lisboa tinha sido decretado o despejo dos prédios sobre os quais pretenderam ter existido uma denúncia do contrato de arrendamento rural e que esse despejo versava sobre esse mesmo contrato de arrendamento e a falta de pagamento de rendas, não se coibiram de intentar a presente acção, sabendo estar a mesma vontade ao insucesso pela decisão transitada em julgado na acção de despejo colocando o Tribunal em situação de poder vir a proferir decisão que pudesse vir a modificar uma situação jurídica anteriormente definida sobre a mesma relação jurídica.

Litigaram, pois, os AA com má-fé, mostrando-se adequada a multa correspondente a 5 UC.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Évora, 11 de Fevereiro de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso