Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1174/17.7T8PTM.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: REPARAÇÃO DOS DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE DA ACÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A impugnação da matéria de facto cinge-se, em primeira linha, à modificação dos factos julgados em 1ª instância (artº 662º, nº 1, do CPC) e supõe, pela própria natureza das coisas, uma primeira decisão sobre o facto, se esta não existe não se pode falar numa modificação da decisão proferida sobre a matéria por não haver então qualquer decisão proferida; por isso se exige que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, do CPC) e se o facto não foi julgado não pode ser concretamente especificado.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1174/17.7T8PTM.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…) – Indústria Hoteleira, S.A., com sede na Avenida (…), 92, Praia da Rocha, Portimão, instaurou contra (…) – Construções, Lda., com sede na Urbanização (…), nº 3, Parchal, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, que celebrou com a R. um contrato de empreitada destinada à criação de três suites na ala norte do estabelecimento hoteleiro denominado Hotel (…), que a R., na execução do contrato, verteu betão armado na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção, danificando-os, que solicitou à R. a reparação de tais defeitos, como é direito seu e esta não os reparou e que o custo da reparação foi orçado em € 6.500,00, acrescido de IVA.

Concluiu pedindo a condenação da R. a eliminar os defeitos, no prazo de trinta dias e, no caso desta não proceder à eliminação dos defeitos no referido prazo, a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 6.500,00, acrescido de IVA.

A R. contestou argumentando, em resumo, que o direito a que a A. se arroga já caducou, porquanto a A. denunciou os pretensos defeitos em 5/6/2014 e intentou a presente ação em 9/5/2017 e assim decorrido mais de um ano após a denúncia e que os defeitos, a existirem, não resultam dos trabalhos que realizou na obra, porquanto os trabalhos de betonagem não foram por si executados.

Concluiu, na procedência da exceção, pela sua absolvição do pedido e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

Respondeu a A. argumentando que em 27/5/2015, formulou, por via reconvencional, no procedimento de injunção que a R. lhe instaurou, pedido de eliminação dos defeitos, observando o prazo de um ano a contar da denúncia dos defeitos (5/6/2014), que o pedido reconvencional não foi admitido por despacho transitado em julgado em 28/3/2017 e que propôs a presente ação, em 9/5/2017, observando o prazo de dois meses, para o efeito previsto na lei, estando assim em tempo para exercer o direito.

Concluiu pela improcedência da exceção da caducidade.


2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância e relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da caducidade.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Nestes termos, julga-se a presente ação, intentada por (…) – Indústria Hoteleira, S.A., contra (…) – Construções, Lda., totalmente improcedente, e, em consequência:

Absolve-se a Ré do pedido.”


3. O recurso.
A A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“1 – O Tribunal a quo julgou a presente ação improcedente e absolveu a Ré do pedido com fundamento na caducidade do direito da Autora.

Nesta sua decisão, o Tribunal a quo fez uma errada seleção da matéria de facto, bem como uma interpretação e aplicação erradas do artigo 327º, n.º 3, do Código Civil.

É que

2 – O Tribunal a quo entendeu que tudo o que se passou no procedimento de injunção que antecedeu a presente ação (em que foram parte as aqui Partes e onde a aqui A. formulou pedido reconvencional contra a ali A., aqui Ré, com o mesmo teor do pedido que formulou na presente ação) não tinha qualquer relevância para a decisão da exceção de caducidade da presente ação, por entender que a absolvição da instância da aqui R. naquele procedimento de injunção é imputável à aqui A. (ali R./Reconvinte), não sendo, por isso, aplicável o disposto no art.º 327º, n.º 3, do Código Civil.

Entendeu mal.

3 – A definição do conceito de “motivo processual não imputável ao titular do direito” contido no n.º 3 do art.º 327º do Código Civil assenta, essencialmente, numa ideia de culpa e, como tal, este será aplicável quando o autor não tiver dado causa, por culpa sua, a tal absolvição.

Acresce que,

A questão da (in)admissibilidade de reconvenção naquele tipo de ação não isenta de controvérsia (até porque tal regra decorreu de uma alteração legislativa com poucos anos de vida) e, como resulta da própria Sentença recorrida e do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora nela citado (tirado em 2018), ainda hoje se discute a (in)admissibilidade de reconvenção em procedimento de injunção.

4 – “A adoção de um ato processual, em concreto, determinado por uma interpretação particular do âmbito de aplicação do diploma legal, num caso caracterizado por questões jurídicas controversas, não permite, por si só, fundar um juízo de censura do titular do direito, imputando-lhe a absolvição da instância.

A não aplicação do regime previsto no n.º 3 do art. 327º não pode ser dissociada da demonstração da imputabilidade (subjetiva) do ato ao titular do direito” (in “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. III, págs. 35 e seguintes).

5 – A absolvição da instância da injunção não se deveu a facto imputável à aqui Autora, pelo que, ao caso dos autos e ao contrário do que se entendeu na Sentença recorrida, é aplicável o n.º 3 do art.º 327º do Código Civil.

Como tal,

6 – São relevantes os factos alegados e demonstrados na resposta da A. À exceção com a Ref.ª Citius 26264958 e nos documentos com ela juntos (factos e documentos que não foram impugnados pela Ré) que, por terem sido erradamente omitidos na Sentença recorrida, devem ser aditados como provados. A saber:

i) no âmbito do procedimento de injunção que a aqui Ré moveu contra a aqui Autora, esta apresentou Oposição em 27/05/2015 e, nela, deduziu contra a ali Autora e aqui Ré pedido reconvencional onde alegou a existência dos defeitos que constituem a causa de pedir da presente ação, invocou a responsabilidade da aqui Ré e pediu a sua eliminação e, subsidiariamente e em alternativa, a indemnização pelos danos causados;

ii) por decisão proferida naquele procedimento de injunção em 17 de Fevereiro de 2017 e transitada em julgado em 28 de Março de 2017, o Tribunal entendeu que, por força do disposto no art.º 1º do Diploma Preambular do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (com a redação que entretanto lhe fora dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) conjugado com o disposto no art.º 10º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, e tendo em conta o valor daquela ação, deixou de ser legalmente admissível a formulação de pedido reconvencional naquele tipo de ação, determinado, assim e nesta parte, a absolvição da aqui Ré daquela instância.

7 – Destes (novos) factos conjugados com os que já constavam dos Pontos 1, 3, 7 e 8 da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida decorre, necessariamente, que, antes de decorrido um ano sobre a data da denúncia dos defeitos (5 de Junho de 2014), a aqui Autora exerceu judicialmente o seu direito (a eliminação dos defeitos e, subsidiariamente, a indemnização) e que, tendo a referida decisão de absolvição da instância sido proferida em 17 de Fevereiro de 2017 e transitada em julgado em 28 de Março de 2017, quer a instauração da presente ação no dia 9 de Maio de 2017 e quer a citação da aqui R. no dia 12 de Maio de 2017, ocorreram antes de decorrido o prazo de dois meses referido no art.º 327º, n.º 3, do Código Civil.

E, como tal,

A exceção de caducidade da presente ação tinha (e tem) de ser julgada totalmente improcedente por não ter decorrido o prazo de caducidade previsto.

8 – Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu dar como não provado que: “Durante os trabalhos de betonagem realizados pela Ré, esta verteu betão armado na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção atingindo-as ao longo de todos os pisos em que elas estão instaladas (e não apenas nos pisos 6 e 7 que constituíam o objeto da empreitada).”

Entendeu o Tribunal a quo que não foi produzida prova alguma que permitisse firmar certeza sobre a sua ocorrência.

9 – Ao decidir como decidiu, cometeu um erro na fixação e apreciação da matéria de facto.

É que,

Das faturas emitidas pela Ré à Autora com a descrição dos trabalhos que executou e que foram juntas com a Petição Inicial como Doc.s 1 a 6, das Declarações de Parte da Legal Representante da A. (em particular, 0:06:40 a 0:07:45, 0:11:50 e 0:19:55), do Depoimento prestado pela Testemunha (…), trabalhador da A. que esteve presente na obra (em particular, a 00:49:50 e 00:53:07), do Depoimento prestado pela Testemunha (…), funcionário da mencionada … (em particular, a 01:07:40 e 01:13:40), do Depoimento prestado pela Testemunha (…), administrador da A. ao tempo e arrolado pela R. (em particular, a 01:28:56), resulta, necessariamente, que: i) entre Fevereiro e Abril de 2014, a Ré foi a única empreiteira para a obra em causa nos autos; ii) foi a Ré quem aplicou o betão e o cimento naquela obra e fez os rebocos; iii) além da Ré, executavam trabalhos naquela obra, apenas e só, trabalhadores da A.; iv) os trabalhadores da A. Não mexiam em betão, nem executaram trabalhos que implicassem o manuseamento de betão.

Pelo que

10 – A prova produzida nos presentes autos impõe que, na Sentença Recorrida, se considere como provado que, “Durante os trabalhos de betonagem realizados pela Ré, esta verteu betão armado na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção atingindo-as ao longo de todos os pisos em que elas estão instaladas”.

11 – O Tribunal a quo decidiu dar como provado o facto constante do ponto 4 da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida – “A reparação dos danos referidos em 7 custa um total de € 6.090,00 (já com IVA)”, fundando tal decisão na perícia realizada nos autos.

Mas,

12 – Dos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito na audiência final (em particular, a 00:10:57 a 00:14:05), resulta que ele não sabe, em concreto ou com uma exatidão, se os trabalhos de reparação que preconizou no seu relatório são os necessários ou suficientes para reparação das escadas em causa, nem qual será o tipo e a extensão dos trabalhos necessários para a efetiva reparação das escadas e, consequentemente, se o valor a que chegou no relatório será o suficiente para reparar as escadas e que até poderá ser menos dispendioso substituir algumas peças do que repará-las.

E, por isso, não podia ter sido dado como provado o valor da reparação das escadas com base na perícia.

Diferentemente,

13 – O orçamento dos trabalhos de reparação das escadas junto com a P.I. como Doc. 11 (não foi posto em causa pela Ré, nem por qualquer testemunha que prestou depoimento e nem mesmo com o Senhor Perito quando confrontado com ele), conjugado com o depoimento da testemunha … (a 01:13:40), impõe dar-se como provado que a reparação das escadas tem o valor de € 7.995,00 (IVA incluído).

Assim sendo, como é,

14 – A obra em causa foi realizada pela R. com defeitos, o que determina que a empreitada foi cumprida defeituosamente, pelo que nos termos do disposto no artigo 1221.º, n.º 1, do Código Civil, a Ré está obrigada a eliminar, definitivamente, os danos por ela provocados, devendo ser condenada a fazê-lo no prazo (mais do que razoável) de 30 dias ou, caso não proceda à eliminação dos danos que causou no indicado prazo de 30 dias, ser condenada pagar à A. a quantia de € 7.995,00 para realização das obras de eliminação dos defeitos por ela provocados.

Termos em que

Deverá ser o presente recurso julgado inteiramente procedente e, em consequência, ser substituída por Acórdão que:

i) julgue improcedente a exceção de caducidade do direito da A. deduzida pela Ré;

e

ii) por provada, julgue totalmente procedente a presente ação.

Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, são as seguintes as questões colocadas: (i) impugnação da decisão de facto, (ii) a tempestividade no exercício do direito, (ii) o direito à reparação dos defeitos.

III. Fundamentação

1. Factos
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados:

1. Entre Fevereiro e Abril de 2014, a pedido e no interesse da Autora, a Ré executou obras de remodelação da ala norte do estabelecimento hoteleiro denominado Hotel (…), sito na Praia da Rocha, em Portimão, de que a Autora é proprietária.

2. Tais obras consistiam na criação de 3 suites na ala norte dos pisos sexto e sétimo (últimos pisos) daquele Hotel.

3. A Autora solicitou à Ré por cartas datadas de 05/06/2014, 11/07/2014 e 04/06/2015, que constam de fls. 16, 18 e 19 e que aqui se dão por reproduzidas, que procedesse à remoção de betão armado existente na serralharia da escada de emergência e da guarda de proteção (na globalidade dos pisos que a compõem).

4. A reparação dos danos referidos em 7 custa um total de € 6.090,00 (já com IVA).

5. A Ré não o limpou o betão referido em 7, que secou e, até hoje, lá permanece.

6. Em 28/04/2014 a Autora remeteu à Ré um mail que consta de fls. 40 (v.) e que aqui se dá por reproduzido, onde entre o mais se lê que: “Caro Sr. (…) Foi decidido que a (…) terminava, por agora, a 30 de Maio, a sua prestação de serviços, nas obras em curso. Em início de Maio, será a (…), S.A. que ficará o Empreiteiro Geral. (…) Agradeço que providencie junto da (…), para amanhã termos uma reunião conjunta a fim de se programar a sua retirada total (…)”.

7. A presente ação foi instaurada em 05/05/2017 – cfr. fls. 22.

8. A Ré foi citada para esta ação em 12/05/2017 – cfr. fls. 30.

Factos não provados:

9. Durante os trabalhos de betonagem realizados pela Ré, esta verteu betão armado na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção atingindo-as ao longo de todos os pisos em que elas estão instaladas (e não apenas nos pisos 6 e 7 que constituíam o objeto da empreitada).

1.2. Impugnação da decisão de facto

1.2.1. Com fundamento na descrição dos trabalhos efetuados pela R., nas faturas juntas aos autos, nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…) e nas declarações de parte dos legais representantes da R. e da A. considera esta que se mostra provada o facto julgado não provado pela decisão recorrida.

A matéria impugnada – durante os trabalhos de betonagem realizados pela Ré, esta verteu betão armado na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção atingindo-as ao longo de todos os pisos em que elas estão instaladas (e não apenas nos pisos 6 e 7 que constituíam o objeto da empreitada) – constitui a essência do litígio.

A prova pessoal que fundamenta a impugnação é a mesma que motivou a decisão recorrida e a A. defende que o resultado dela é precisamente o oposto do juízo recorrido.

Ouviram-se as gravações e pondo de parte as respetivas declarações de parte dos legais representantes da A. e da R., em tudo concordantes com as posições já expostas nos articulados que documentam os termos e contornos do litígio, a prova testemunhal não só não impõe uma decisão diversa quanto à matéria impugnada – como exige o juízo modificativo da decisão de facto neste 2º grau de jurisdição (artº 662º, nº 1, do CPC) – como justifica, a nosso ver, a decisão impugnada.

A escada salpicada de betão é uma escada de emergência que servia de serventia à realização de várias obras no hotel e, entre elas, à construção das suites a cargo da sociedade R. e o depósito dos materiais de construção (areias, cimentos, etc.) mostrava-se localizado no seu início.

Nenhuma das testemunhas declarou, de forma inequívoca, que o betão vertido nas escadas resultou dos trabalhos realizados pela R.; resulta de tais depoimentos que os salpicos de betão na escada tanto podem ter resultado dos trabalhos executados pela R., como podem ter resultado do trabalho realizado pela empresa que fornecia o betão mediante uma mangueira que era levantada ao longo das escadas até aos andares do hotel em que a R. construía as suites.

A obra foi executada por administração direta e foi a testemunha (…) quem dirigiu a obra (depoimentos de …, à data administrador da A. e …, então funcionário da A).

(…) dava as ordens e as empresas e funcionários da A. que trabalhavam na obra executavam; segundo o depoimento desta testemunha a R. fazia o que lhe era pedido, numa relação de prestação de serviços que durou mais de dez anos, procedendo a limpezas quando tal lhe era solicitado, uma vez que, em regra, as limpezas era feitas pelo pessoal da A.; concretamente quanto à limpeza das escadas, continuamente utilizadas pelos funcionários da várias empresas que trabalhavam em obra, designadamente funcionários da A., declarou: “aquilo só podia ser limpo depois de acabar a obra”.

Prova que não permite, a nosso ver, afirmar que o betão vertido nas escadas haja resultado dos trabalhos levados a efeito pela R., como não permite afirmar que a limpeza das escadas constituía obrigação da R no âmbito do acordo de prestação de serviços celebrado com a A.

As faturas juntas aos autos pela R., na parte em que discriminam serviços de limpeza corroboram o depoimento da testemunha (…) – a R. fez serviços de limpeza na obra – mas não permitem ir além disto, ou seja, não permitem concluir, como parece supor a argumentação da A., que a R. se obrigou a limpar as escadas em questão.

A prova produzida adequa-se à resposta impugnada, não se encontrando razões para a sua alteração.

1.2.2. Com fundamento nos esclarecimentos prestados em audiência pelo Exmº perito que produziu o relatório pericial, juntos aos autos de fls. 137 a 146, e no orçamento que juntou com a petição inicial, a A. impugna o ponto 4 dos factos provados – a reparação dos danos custa um total de 6090 € (já com IVA) – considerando que se prova ascender o custo da reparação a € 7.995,00.

A decisão recorrida motivou a sua resposta na prova pericial (fls. 137 a 146) que quantificou em € 6.090,00 o custo da limpeza/reparação do corrimão e guarda da escada de emergência.

Com a petição inicial a A. juntou aos autos um orçamento sobre o custo da reparação das escadas de emergências no valor de € 6.500,00 sem IVA; a R., ao invés do afirmado pela A., impugnou expressamente o orçamento (artº 65º da contestação), o que obsta à prova da matéria por acordo das partes.

Nos esclarecimentos prestados em audiência o Exmº perito admitiu a possibilidade poderem vir a carecer de substituição alguns componentes da escada mas, em termos de valores, não alterou o parecer documentado no relatório.

Assim, sobre o custo da reparação apenas foi produzida prova pericial que serviu de motivação à decisão recorrida e esta conforma-se com ela.

Por ser assim, a prova produzida não impõe, a nosso ver, decisão diversa quanto a esta matéria.

1.2.3. Com fundamento em documentos juntos aos autos com a resposta à contestação, não impugnados pela R., pretende a A. que se adite o seguinte aos factos provados:

i) no âmbito do procedimento de injunção que a aqui Ré moveu contra a aqui Autora, esta apresentou Oposição em 27/05/2015 e, nela, deduziu contra a ali Autora e aqui Ré pedido reconvencional onde alegou a existência dos defeitos que constituem a causa de pedir da presente ação, invocou a responsabilidade da aqui Ré e pediu a sua eliminação e, subsidiariamente e em alternativa, a indemnização pelos danos causados;

ii) por decisão proferida naquele procedimento de injunção em 17 de Fevereiro de 2017 e transitada em julgado em 28 de Março de 2017, o Tribunal entendeu que, por força do disposto no art.º 1º do Diploma Preambular do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (com a redação que entretanto lhe fora dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) conjugado com o disposto no art.º 10º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, e tendo em conta o valor daquela ação, deixou de ser legalmente admissível a formulação de pedido reconvencional naquele tipo de ação, determinado, assim e nesta parte, a absolvição da aqui Ré daquela instância.

Esta matéria foi alegada pela R. na resposta à contestação e a decisão recorrida não se pronunciou sobre ela.

É matéria relevante; embora a decisão recorrida haja considerado que o direito à eliminação dos defeitos exercido em reconvenção não admitida no processo de injunção não teve efeitos interruptivos no prazo de caducidade que estava então em curso [consignou a propósito: “Tudo leva, pois, à conclusão de que o direito invocado pela Autora está caduco improcedendo, logo aqui, a ação, salientando-se que a tal conclusão não obsta (segundo cremos), a dedução de reconvenção não admitida na outra ação, por via da aplicação do preceituado no art. 327.º, n.º 3, do CC, ex vi art. 332.º, n.º 1, do CC, uma vez que a absolvição da instância ali concretizada é imputável à aqui Autora por ter deduzido em processo que (quer legalmente, quer jurisprudencialmente) não a admitia a Reconvenção invocada como causa de suspensão da caducidade], tal juízo não é totalmente seguro por força da duvidas interpretativas que suscita o nº 3 do artº 327º do CC, segundo o qual, “(s)e, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.

O sentido e alcance do primeiro segmento da norma – se por motivo processual não imputável ao titular do direito o réu for absolvido da instância – não é isento de dificuldades uma vez que resultando a absolvição da instância de vicissitudes processuais (artº 278º, nº 1, do CPC) que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa (artº 576º, nº 2, do CPC), serão, em última análise, imputáveis àquele que, pretendendo fazer valer o direito, não faz um uso da técnica processual tida por adequada para o efeito.

Por isso a ciência jurídica tem vindo a pronunciar-se sobre o sentido de tal expressão por forma a considerar, designadamente, que a imputabilidade ao autor do efeito da absolvição da instância, relevante para o preenchimento da previsão da norma, tem que ser exclusiva e, como tal não ocorre, v.g., nos casos em que a absolvição da instância envolve a apreciação de questões jurídicas controversas [cfr. Ac. STJ de 7-12-2016 (proc. 366/13.2TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt)].

E é precisamente este o ponto que a A. esgrime no recurso; a questão da (in)admissibilidade da reconvenção na injunção era, à data, uma questão jurídica controversa, razão pela qual a absolvição da instância, no referido procedimento, não lhe é exclusivamente imputável e, assim, defende, interrompido o prazo de caducidade (um ano) que estava em curso à data da reconvenção e beneficiando do prazo de dois meses, após o trânsito em julgado da decisão, para propor nova ação, exerceu o direito tempestivamente.

Tudo isto no pressuposto, que temos por certo, de constituir a inadmissibilidade da reconvenção uma exceção dilatória inominada que gera a absolvição da instância, uma vez que obsta a que o tribunal conheça do mérito do respetivo pedido [neste sentido, Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. II, 2ª edição, págs. 339 e 357].

Razões justificavas de um juízo em 1ª instância dos factos relevantes para o conhecimento da exceção, segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito, o que não se verifica.

A A. visa agora o seu aditamento.

A impugnação da matéria de facto cinge-se, em primeira linha, à modificação dos factos julgados em 1ª instância (artº 662º, nº 1, do CPC) e supõe, pela própria natureza das coisas, uma primeira decisão sobre o facto, se esta não existe não se pode falar numa modificação da decisão proferida sobre a matéria por não haver então qualquer decisão proferida; por isso se exige que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, do CPC) e se o facto não foi julgado não pode ser concretamente especificado.

Ainda assim, a Relação não esta está impedida de tomar em consideração factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (artºs 607º, nº 4, ex vi do disposto no artº 663º, nº 2, do CPC), o que já não será processualmente lícito é abrir um espaço de discussão visando a prova de factos designadamente com recurso a documentos que não se mostram juntos pelas partes à data da elaboração do acórdão.

Nestas circunstâncias, isto é, verificando a existência de factos relevantes para a decisão que não foram objeto da decisão em 1ª instância e cuja existência não pode asseverar por vias daqueles meios processuais (admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito) deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão da 1ª instância por ser então evidente a indispensabilidade da ampliação da decisão de facto (artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC).

A prova documental junta aos autos pela A. (fls. 52 a 57) e não impugnada pela R. permite, no caso, concluir que a A. formulou um pedido para eliminação dos defeitos, por via reconvencional, no procedimento de injunção que a R. lhe moveu e que a reconvenção foi objeto de despacho de não admissão em 17/2/2017, mas não existe qualquer prova sobre a data do trânsito em julgado de tal decisão, designadamente se esta ocorreu em 28/3/2017, como assevera a A.

Data indispensável para averiguar se a presente ação foi interposta nos dois meses subsequentes ao referido trânsito em julgado, por forma a beneficiar da interrupção do prazo da caducidade que estava em curso quando formulou o pedido reconvencional, caso se viesse a considerar que a absolvição da instância não é imputável à A..

Ordenar, porém, a ampliação da base instrutória, para os identificados fins, na concreta ponderação dos autos comportaria um ato inútil, porquanto ainda que se houvesse que concluir pela tempestividade do exercício do direito, a A não demonstra a existência deste e, como tal, ainda que se lhe houvesse que dar razão quanto à tempestividade do exercício do direito a ação improcederia a final.

2. Se a A. demonstra o direito à reparação dos defeitos

A decisão recorrida absolveu a R do pedido por duas ordens de razões; julgou procedente a caducidade do exercício do direito e não reconheceu a existência deste, por falta de prova, ou seja, como A. a não demonstrou que o betão armado existente na serralharia da escada de emergência e na respetiva guarda de proteção do Hotel (…) resultou dos trabalhos levados a efeito pela R. na obra, a ação improcederia ainda que direito não se houvesse extinguido por caducidade.

A A. impugnou a decisão de facto quanto à matéria – falta de prova dos factos constitutivos do direito – mas não obteve êxito; mantendo-se inalterada a decisão de facto, improcede a solução de direito preconizada pela A. no recurso – a condenação da R. a eliminar os defeitos – porquanto exclusivamente fundada, na lógica recursiva, numa alteração da base factual do litígio que não se reconhece.

Solução que prejudica, o conhecimento da exceção perentória da caducidade, seja na dimensão de facto, como supra já referido, seja na perspetiva do direito, porquanto este conhecimento, seja qual for o seu resultado, não influi na decisão final.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas

Vencida no recurso, incumbe à A. o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


IV. Dispositivo:
Delibera-se pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora, 26/9/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho