Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
39/14.9T8CBA-F.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CULPA
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A disposição gratuita do bem porventura mais valioso do seu património, em vésperas da entrada em Juízo do PER não pode deixar de traduzir a culpa dos devedores no agravamento da situação de insolvência.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora




AA e mulher BB, casados no regime da comunhão de adquiridos apresentaram Plano Especial de Revitalização, sendo que o mesmo decorridas as negociações não foi aprovado, tendo a Senhora administradora provisória se pronunciado no sentido da declaração da insolvência.

Decretada que foi a insolvência os insolventes requereram a exoneração do passivo restante que foi liminarmente indeferido com fundamento no disposto no art.º 238.º, n.º 1, CIRE.

Inconformados recorreram os insolventes tendo concluído nos seguintes termos:

Os presentes autos tiveram o seu início em 24 de Abril de 2014, no seguimento de PER apresentado pelos aqui apelantes.

Não tendo sido possível concertação entre os credores, para a aprovação de um plano que permitisse aos aqui apelantes um novo começo, foi proferida douta sentença em 14 de Novembro de 2011.

Vieram posteriormente os apelantes requerer a exoneração do passivo restante, o que veio a ser liminarmente indeferido, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.° do CIRE.

Para fundamentar o indeferimento liminar, proferido em 22 de Outubro de 2015, o Mmo. Juiz a quo, por citando a norma legal atrás referida “constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º

Consta dos autos que, “por documento particular de 28 de Fevereiro de 2014, os insolventes doaram a seus filhos, metade do prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de três piso e logradouro descrito na l.ª CRP de Sintra, sob a ficha 3017 e inscrita na matriz predial urbana da união de freguesias de Sintra, sob o art.º 8504, a que corresponde um valor patrimonial de € 283.922,25 (duzentos e oitenta três mil novecentos e vinte e dois euros e vinte e cinco cêntimos.

“O PER deu entrada em juízo no dia 24 de Abril de 2014, concluído sem aprovação de plano por despacho de 12 de Novembro de 2014, pelo que se seguiu a declaração de insolvência dos devedores.”

Em face de a doação, o património dos devedores terá ficado substancialmente reduzido, sendo manifestamente insuficiente para fazer face ao passivo, havendo por isso culpa dos devedores “no agravamento da situação de insolvência”.

Não concordando com o dito despacho, interpõem os mesmos o presente recurso.

O negócio jurídico foi sempre do conhecimento do credor que detinha o direito real sobre o imóvel, e o seu direito garantido pela hipoteca.

O negócio jurídico foi igualmente comunicado à administradora de insolvência.

O negócio em causa, independentemente do entendimento que se tenha, foi celebrado antes da apresentação de PER.

Os aqui apelantes ao recorrerem ao PER, tinham ainda a convicção de, em conjunto com os credores, e mediante cedências de parte a parte, poderem estabelecer uma plataforma que permitisse o cumprimento de todas as obrigações,

A doação ao ser efectuada a favor dos filhos dos aqui apelantes, não impedia a negociação dos valores decorrentes da hipoteca, nem a obrigação do seu pagamento, ou impedia ou sequer dificultava que o credor hipotecário, fosse “buscar” o bem onde ele estivesse.

Há por isso, por parte dos aqui apelantes, quando efectuam a doação e vêm posteriormente apresentar o PER, a convicção de que a viabilização económica é ainda possível.

Não havia qualquer fito de esconder património ou de criar dificuldades aos credores em sede de insolvência, sendo que foram as negociações que ao se revelarem infrutíferas, desencadearam essa mesma insolvência.

Queriam os apelantes a sua viabilidade e acreditavam nela.

E conforme se referiu, após a declaração de insolvência e porque o negócio em causa era do conhecimento de credores e administradora de insolvência, veio o mesmo a ser resolvido a favor da massa insolvente, e deu nesse entretanto, a Sra. Administradora de Insolvência, a sua concordância a que se deferisse o passivo restante.

Refere a alínea e) do n.º 1 do art.º 238.° do CIRE, que deverá ser proferido despacho de indeferimento liminar, caso se apurem elementos que indiciem a existência de culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência, remetendo a referida norma, para o art.º 186.º do mesmo diploma legal.

Aplicando esta norma por remissão, terá de se aplicar ao caso concreto, o que ela própria determina, e no caso de insolvência culposa, e entendimento unânime, que o prejuízo para a massa deve ser “efectivo e concreto”.

Veja-se entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2010, de 19 de Abril de 2012, de 14 de Fevereiro de 2013 e de 21 de Março de 2013.

Se para se considerar a insolvência como culposa, o prejuízo tem de ser efectivo e concreto, do mesmo modo, ao remeter para esta disposição legal a alínea e) do n.º 1 do art.º 186.º do CIRE, terá de se concluir que o agravamento da situação de insolvência terá igualmente que ser efectivo.

O negócio jurídico em causa, foi celebrado antes da apresentação posterior de plano de revitalização e após o decretamento da insolvência o negócio jurídico foi resolvido a favor da massa insolvente, pela Sra. Administradora de Insolvência, pelo que, não há como poder considerar que efectivamente houve qualquer tipo de agravamento da situação de insolvência.

Os créditos reclamados são no montante de quase € 14.000.000,00 e o valor patrimonial do imóvel em causa é de quase € 300.000,00 (trezentos mil euros).

Não seria a doação efectuada a determinar ou não a impossibilidade de “cair” em insolvência, uma vez que em sede de PER a negociação com o credor hipotecário seria sempre necessária, independentemente do negócio realizado.

Veio então ser declarada a insolvência e nessa sede, ser o negócio da doação a ser resolvido a favor da massa insolvente.

Não houve qualquer dificuldade ou agravamento para a massa em virtude do negócio celebrado.

Não houve qualquer despesas ou atraso substantivo ou processual decorrente do dito negócio.

Não houve manifestamente qualquer agravamento da situação dos insolventes por decorrência da doação realizada.

Não se pode por isso entender ser de aplicar a referida disposição legal, e consequentemente deverá ser proferido despacho de deferimento do restante passivo.

Todos os demais critérios e requisitos legalmente estatuídos, estão cumpridos por parte dos aqui apelantes.

O instituto da exoneração do passivo restante, é como vem sendo entendido, uma excepção à regra, todavia, é de total vazio, em situações, como a do caso concreto, em que o valor do passivo excede largamente a dezena de milhões e cujo património/activo é de centenas de milhares, l1ão conceder essa mesma exoneração.

Excutido o património dos aqui apelantes, ficarão ainda milhões por liquidar, sendo que aqueles, finda a sua declaração de insolvência, não tendo como liquidar, o credor não tem como receber.

Os devedores e aqui apelantes, não têm como refazer a sua vida, porquanto, qualquer rendimento que viessem a obter era susceptível de lhes ser subtraído.

Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2012, em que se refere que “a exoneração do passivo restante, como medida específica da insolvência das pessoas singulares, constitui uma inovação do CIRE, tratando-se de um regime particular de insolvência que redunda em benefício das pessoas singulares.” Trata-se, de acordo com a filosofia inspiradora do diploma, de um benefício para o devedor, com o correspondente prejuízo para o credor, representando um desvio enorme no objectivo último do processo de insolvência, que se traduz na satisfação dos interesses dos credores, ao contrário do que acontecia, anteriormente, ao CIRE, em que o devedor insolvente se encontrava condenado a responder pela totalidade das dívidas contraídas no passado, as quais só se extinguiam, em virtude da ocorrência superveniente de qualquer causa legal, «maxime» o cumprimento. “

E só depois da satisfação do interesse do devedor, surge, em segundo lugar, como finalidade do instituto, a realização de um relevante interesse económico, ou seja, o da rápida reintegração do devedor na vida económico-jurídica.”

A concessão da exoneração está ligada a um padrão de ética e actuação de boa fé do insolvente – requerente que visa a libertação do passivo residual que lhe cabe cinco anos volvidos sobre a declaração de insolvência.


Assim, na lógica de que “uma segunda oportunidade” (fresh start ) ,só deve ser concedida a quem merecer; a lei exige uma actuação anterior pautada por boa conduta do insolvente, visando evitar que o prejuízo que já resulta da insolvência não seja incrementado por actuação culposa do devedor que, sabendo-se insolvente , permanece impassível, avolumando as suas dividas em prejuízo dos seus credores e, não obstante, pretende exonerar-se do passivo residual requerendo a exoneração.

Somos do entendimento face a tudo o exposto, que não se . verificaram os pressupostos que determinem que os aqui apelantes tenham agravado a situação de insolvência, e consequentemente não se considera preenchida, qualquer das alíneas constante do art.º 238.º do CIRE.

O credor Banco, S.A apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso
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Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
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Factualidade relevante:

Os ora recorrentes apresentaram Plano Especial de Revitalização sendo que o mesmo decorridas as negociações não foi aprovado. tendo a senhora administradora provisória se pronunciado no sentido da declaração da insolvência., o que veio a acontecer por sentença de 14-11-2014.

Os ora recorrentes doaram a seus filhos por documento particular de 28 de Fevereiro de 2014, metade do prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de três pisos e logradouro, descrito na 1 a CRP, sob a ficha 3017 e inscrita na matriz predial urbana da união de freguesias, sob o art.º 8504, a que corresponde um valor patrimonial de € 283.922,25 (duzentos e oitenta e três mil novecentos e vinte e dois euros e vinte e cinco cêntimos”

Este negócio veio a ser resolvido a favor da massa insolvente,

O PER deu entrada em juízo no dia 24 de Abril de 2014.
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É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso. (art.º 639.º, CPC).

Discute-se nuclearmente um dos fundamentos conducentes ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, mais precisamente o previsto no art.º 238.º, n.º 1, al. e) CIRE.

Dispõe a citada norma legal que tal pedido deve ser liminar mente indeferido se: ‘constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º CIRE.

Remissão que é feita para o artigo 186.º do CIRE não significa, que se esteja a proceder à qualificação da insolvência como culposa, mas sim que, que exista culpa dos devedores a aferir de acordo com os critérios definidos no n.º 2, do mencionado artigo do CIRE.

Defendem as recorrente que o acto de disposição gratuita do seu património não agravou a situação de insolvência porque a final por intervenção do Administrador, tal acto de disposição veio a ser resolvido a favor da massa insolvente.

Resulta dos autos que por documento particular de 28 de Fevereiro de 2014, os insolventes doaram a seus filhos, metade do prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de três pisos e logradouro, descrito na CRP, sob a ficha 3017 e inscrita na matriz predial urbana da união de freguesias sob o artigo 8504, a que corresponde um valor patrimonial de 283.922,25 Euros (duzentos e oitenta e três mil, novecentos e vinte dois euros e vinte cinco cêntimos), sendo que, o PER deu entrada em juízo no dia 24 de Abril de 2014, concluído sem aprovação de plano por despacho de 12 de Novembro de 2014, pelo que se seguiu a declaração de insolvência dos devedores.

A disposição gratuita do bem porventura mais valioso do seu património, em vésperas da entrada em Juízo do PER não pode deixar de traduzir a culpa dos devedores no agravamento da situação de insolvência.

Não colhe o argumento dos recorrentes quando afirmam que «no final das contas» não se verificou qualquer prejuízo para os credores dado que a doação foi resolvida em favor da massa insolvente.

Se tal aconteceu (e aconteceu) foi porque a lei faculta ao Administrador da Insolvência os mecanismos jurídicos que lhe permitem agir em defesa dos interesses dos credores, sendo certo que o acto de disposição patrimonial apurado nos autos e na data em que o foi não pode deixar de ser considerado gravoso para a situação económica dos insolventes

A conduta dos ora recorrentes é pois contrária a qualquer padrão de ética e de boa fé que estão na base da pretensão de alcançar a libertação do passivo residual que lhe cabe cinco anos volvidos sobre a declaração de insolvência.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam decisao recorrida.

Custas a cargo da massa insolvente.

Évora, 5 de Maio de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso