Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1281/13.5TBTMR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O direito constituído por acordo no processo de divórcio por mútuo consentimento, que tem por objecto a utilização da casa de morada de família, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação.
2 – A atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária e essa resolução pode ser alterada com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a modificação da situação vigente, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial já não acautele ou deixe de precaver, com equidade, os interesses de um dos ex-cônjuges.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1281/13.5TBTMR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Tomar – J1
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
(…) interpôs recurso da decisão que julgou procedente a acção de processo comum que lhe foi instaurada por (…) e (…).
*
Em sede de petição inicial, os Autores deduziram o pedido de condenação da Ré a proceder de imediato à restituição do 1º andar do prédio urbano identificado no artigo 4º da petição inicial por ser propriedade da Herança indivisa de (…), de quem aqueles são únicos e universais herdeiros.
*
Esta pretensão está fundada na circunstância da Ré habitar naquele imóvel e de, na sequência do divórcio, lhe ter sido solicitado que lhes devolvesse o imóvel, mas a mesma recusou-se a fazê-lo.
*
Foi ordenado o desentranhamento da contestação apresentada, por a mesma ser intempestiva. A referida decisão foi objecto de recurso de revista excepcional, que não foi admitido.
*
A sentença recorrida condenou a Ré (…) a proceder de imediato à restituição do 1º andar do prédio urbano sito na Avenida (…), em Tomar, composto por casa de habitação, com 120 m2 de área coberta, sendo r/c e cave, com 8 divisões no r/c e uma divisão na cave com 6 m2 e primeiro andar com 8 divisões e duas dependências e um logradouro com 480 m2, a confrontar do Norte com Av. (…), Sul com (…), Nascente com (…) e Poente com (…), inscrito na matriz predial sob o artigo … (antigo …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº (…) – aos Autores, por ser propriedade da Herança indivisa de (…), de quem aqueles são únicos e universais herdeiros.
*
A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Quanto à fixação do valor da causa, dispõe o artigo 302º do CPC que se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa, preceito legal que a sentença recorrida não respeitou, uma vez que, atribuiu à acção o valor indicado pelos Autores, quando se lhe impunha fixar à causa o valor patrimonial do prédio de € 49.746,67, constante da caderneta predial urbana, devendo este Tribunal revogar a decisão em apreço fixando à acção o mencionado valor.
2ª – Relativamente à condenação de restituição do imóvel, considerou esta sentença que "existindo um contrato de comodato celebrado entre o falecido (…) e a esposa, a Autora (…), que permitiram que o filho, o Autor (…) e a Ré utilizassem gratuita e temporariamente para sua habitação o 1º andar do prédio referido.
A mesma pressupunha, porém, o casamento da Ré com o co-Autor (…), que veio a cessar em 21 de Janeiro de 2009. Logo que a Ré foi instada a restituir o 1ª andar do prédio deveria ter procedido à sua restituição. E, não o tendo feito, vai agora condenada a fazê-lo, já que não dispõe de título para a ocupação do imóvel, julgando assim procedente esta acção”.
3ª – Esta sentença labora em erro, porquanto a Recorrente dispõe efectivamente de título para a ocupação deste imóvel – ou seja, quando a Recorrente e o Recorrido (…) se divorciaram, em 21 de Janeiro de 2009 – doc. 4 – junto com a Petição Inicial – celebraram um Acordo Quanto à Utilização da Casa de Morada de Família, junto aos autos pelos próprios Recorridos, em cumprimento de despacho com a referência 2720675 de 12/05/2014 ordenando-lhes essa junção.
4ª – Deste acordo consta que:
"Ambos os Outorgantes reconhecem que a casa de morada de família se encontra instalada, a título gratuito, no 1º andar da Vivenda (…) sita na Av. (…) / pertencente a (…) e à herança indivisa de (…).
O primeiro e a segunda outorgantes acordam que a casa de morada de família seja ocupada pela segunda outorgante, pelos filhos e pelo primeiro outorgante.
O primeiro outorgante declara que enquanto a 2ª Outorgante se mantiver a residir na casa de morada de família, não exercerá o seu direito de habitar a referida casa, sem prejuízo de, desde que ambos nisso acordem, a 2ª Outorgante passar a residir noutro local, mediante pagamento da renda respectiva pelo 1º Outorgante.
O primeiro outorgante obriga-se a pagar a energia eléctrica e a água que forem consumidas na casa de morada de família”.
5ª – Na decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os cônjuges, consta que estes mantiveram os acordos sobre o destino da casa de morada de família, sobre prestação de alimentos e as declarações prestadas no requerimento inicial,
A Senhora Conservadora apreciou os acordos sobre o destino da casa de morada de família e sobre a prestação de alimentos, considerando que ambos acautelam devidamente os interesses dos cônjuges, que, estavam reunidos todos os pressupostos legais e juntos todos os documentos legalmente previstos, em consequência e tendo presente os artigos 1775º e 1776º do Código Civil, 272º do Código do Registo Civil e art. 14º/3 do DL 272/2001, de 13/10, homologou os acordos sobre o destino da casa de morada de família, sobre a prestação de alimentos e decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes, declarando dissolvido o casamento.
6ª – Ora, a sentença recorrida não tomou em consideração esta decisão transitada em julgado, conforme lhe impõe o preceituado no artigo 512º do CPC, que, prevê que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Juiz o factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa.
7ª – Incorrendo assim na ofensa a caso julgado, violando o disposto nos artigos 619º, 622º e 625º do CPC, isto é, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 704º.
8ª – Nas questões relativas ao estado das pessoas, o caso julgado produz efeitos mesmo em relação a terceiros e, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, ou seja a decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil.
9ª – Considera ainda a Recorrente que a instauração da presente acção de reivindicação por parte do co-Autor (…) constitui abuso de direito, por desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, sempre que exista uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do Direito por parte do seu titular e as consequências nefastas para o respectivo sujeito passivo.
A consequência do abuso, por desequilíbrio no exercício é a inibição do exercício do direito, claramente desproporcionado ou desequilibrado ¬ Ac. RC de 18/03/2014: Proc. nº 3721111.9TBLRA.C1, in dgsi.net.
10ª – A causa, não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelos Autor por falta de contestação, tem de ser julgada conforme for de direito.
Mas uma sentença deve obedecer, na sua elaboração, ao estatuído no artigo 607º/3 CPC que manda descriminar os factos que o julgador considera provados, o que implica naturalmente uma selecção prévia dos factos articulados pelos Autores, só depois devendo a causa ser julgada conforme for de direito – Ac. RG de 03/07/2014: Proc. 4215/13.3TBBRG.G1.dgsi.net.
11ª – Na fundamentação da decisão deve o Tribunal tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela Lei ou pelas regras da experiência.
12ª – O Tribunal a quo não agiu em conformidade com a imposição legal constante do artigo 607º/4 do CPC, ao desconsiderar na factualidade provada, os factos constantes da certidão da decisão que decretou o divórcio entre a Recorrente e o Recorrido, já transitada em julgado - documento dotado de força probatória plena (interpretado a contrario sensu) – Ac. STJ de 16/10/2014: Proc. nº 411/11.6TBGMR-AGI.s l.dgsi.net.
13ª – Não se aplica o disposto no artigos 567º do CPC (Efeitos da revelia) quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter.
14ª – No caso particular da boa fé, a que se refere o preceito do artigo 334º do CC, esta traduz-se na regra de conduta segundo a qual "o sujeito do direito deve actuar como pessoa de bem, honestamente e com lealdade".
15ª – Trata-se no fundo, duma regra de conduta que impõe às pessoas o dever de agir com lealdade nas relações e procedimento honesto, evitando causar lesão na esfera jurídica alheia e colaborando na realização ou, ao menos, não frustrando a satisfação das legítimas expectativas de outrem que fundadamente confiou em determinada conduta e nela assentou a sua actuação e investimento (protecção da confiança), como se afere das normas contidas nos artigos 227°, 334° e 762°/2 do Código Civil.
Neste sentido entende-se que "há abuso do direito quando um comportamento, aparentando ser exercido de um direito, se traduz na não realização dos interesses sensíveis de outrem” (cfr. Coutinho de Abreu, in Abuso do Direito, Almedina, pág. 43).
16ª – Constitui, assim, uma situação de "venire contra factum proprium" quando uma pessoa, em termos que especificamente, a não vinculem, manifesta a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificadamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue – cfr. Acórdão do STJ de 7 de Junho de 2001, processo nº 1344/00.
A censura do "venire contra factum proprium" reside, portanto, no facto de o titular do direito assumir comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e dotados de carga ética, psicológica e sociológica negativa, como sucede no caso em que o titular do direito cria naquele com quem entra em relações jurídicas, através dum conjunto de actos e comportamentos, uma situação de confiança que vem frustrar por conduta posterior contrária à que motivou essa confiança.
17ª – Nos termos expostos supra, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 5º/2, 302º/1, 607º/3, 619º, 622º e 625º, 696º a 704º, todos do CPC, e ainda, os artigos 227º, 334º e 762º/2 do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, invocando o muito douto suprimento de V. Excelências, Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento a este recurso, revogando-se a sentença recorrida, em conformidade com as antecedentes conclusões, como é de Direito e de justiça!».
*
Não houve lugar a resposta dos recorridos. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum estava circunscrito à apreciação de:
i) erro na definição do valor da causa.
ii) nulidade por falta de pronúncia.
iii) nulidade por não discriminação dos factos.
iv) erro de julgamento na subsunção jurídica realizada, tendo presente o instituto do abuso de direito e a violação do caso julgado decorrente da homologação do acordo de atribuição da casa de morada de família estabelecido em sede de divórcio. *
Em decisão interlocutória foram decididos os pontos i), ii) e iii) e os autos baixaram ao Juízo Local de Competência Cível de Tomar para supressão da nulidade da falta de discriminação dos factos. Em função disso, a presente decisão incidirá sobre a apreciação do invocado erro de direito.
*
III – Dos factos apurados.
3.1 – Matéria de facto provada:
1 – No dia 3 de Maio de 2004 faleceu, em Tomar, (…), no estado de casado com a co-Autora (…) [artigo 1º da petição inicial].
2 – O co-Autor (…) é o único filho do falecido (…) com a co-Autora [artigos 2º e 3º da petição inicial].
3 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº (…) – freguesia de Santa Maria dos Olivais, o seguinte prédio: urbano, actualmente inscrito na matriz da União de Freguesias de Tomar sob o artigo … (sendo anteriormente sob o art.º … da freguesia de Santa Maria dos Olivais), situado na Avenida (…), em Tomar, composto por casa de habitação com 120m2 de área coberta, sendo de r/c e cave, com 8 divisões no r/c e uma divisão na Cave com 6 m2 e primeiro andar com 8 divisões e duas dependência e um logradouro com 480 m2, que confronta do Norte com Avenida (…), do Sul com (…), do Nascente com (…) e do Poente com (…) [cfr. certidão de teor de fls. 15 a 17 e certidão do registo predial de fls. 18] [artigo 4º da petição inicial].
4 – Sobre o prédio referido em 3, pela apresentação nº (…), de 18 de Janeiro de 1971, encontra-se inscrita a aquisição por compra a favor do falecido (…), casado com (…) no regime de comunhão geral, sendo sujeitos passivos (vendedores) (…) e (…), residentes em Tomar.
5 – O co-Autor (…) foi casado com a Ré (…), de quem se divorciou por decisão transitada em julgado em 21 de Janeiro de 2009, proferida no Processo de Divórcio por Mútuo Consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Tomar sob o nº 265/2009 [artigo 5º da petição inicial].
6 – Há alguns anos atrás, a co-Autora (…) e o seu marido, entretanto falecido, permitiram que o filho, ora co-Autor, (…), e a Ré (…) utilizassem gratuita e temporariamente para sua habitação o 1º andar do prédio referido em 3 [artigo 6º da petição inicial].
7 – Atendendo à previsibilidade de aquela utilização ser curta e temporária, e porque se tratava do seu filho e nora, a co-Autora (…) e marido não estipularam qualquer prazo a tal utilização [artigo 7º da Petição inicial].
8 – O co-Autor (…) e a Ré utilizaram o referido primeiro andar enquanto casados entre si, conforme fora pressuposto pela co-Autora (…) e seu falecido marido [artigos 8º e 11º da petição inicial].
9 – Após o divórcio mencionado em 5 foi várias vezes reclamada à Ré a restituição do primeiro andar referido [artigo 13º da Petição inicial].
10 – Através de Notificação Judicial Avulsa nº 918/l0.2TBTMR entrada em 15 de Julho de 2010 e que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, foi a Ré notificada em 13 de Setembro de 2010 para proceder à restituição do primeiro andar que ocupa até 30 de Setembro de 2010, sob pena de lhe vir a ser reclamado a título de indemnização o valor de 450,00 € por cada mês de utilização, até à efectiva restituição [artigos 14º e 15º da petição inicial].
11 – Não obstante a notificação, a Ré recusou-se a proceder à restituição [artigo 16º da petição inicial].
12 – A Ré devota má convivência à co-Autora (…), que vive no r/c do mesmo prédio, com inquietação e insegurança face às atitudes da Ré para consigo [artigo 17º da petição inicial].
13 – Em 23 de Novembro de 2012 os Autores, através do seu mandatário forense, enviaram à Ré carta registada com AR recebida em 05 de Dezembro de 2012, constante de fls. 49 e 50, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido [artigo 18º da petição inicial].
«(…) Recordará a notificação judicial avulsa por si recebida em 13-09-2010, pela qual lhe foi comunicada a pretensão dos m/clientes, no sentido de V. Exa. restituir livre de pessoas em bens o 1º andar do prédio sito na Av. (…), Vivenda (…), em Tomar, até 30 de Setembro de 2010, cessando então a utilização gratuita que dela vinha fazendo sem estipulação de prazo nem uso. Mais lhe foi comunicado por tal expediente judicial que, caso não viesse a proceder a tal restituição, ser-lhe-ia reclamado, a título de indemnização, o valor de 450,00 e por cada mês de utilização até à efectiva restituição do imóvel.
Apesar de ter sido notificada e ficar bem ciente, não proceder V. Exa. à restituição do imóvel.
A má convivência e falta de urbanidade que os meus clientes lhe atribuem, e que dia para dia sentem ter vindo a agravar-se, criam naqueles inquietação e até insegurança. Dai que desta vez não se permitem continuar a tolerar mais a sua permanência no prédio em causa.
Serve, pois, a presente para informar que tem prazo até ao final do corrente ano de 2012, para deixar o prédio de forma voluntária, retirando e levando consigo apenas os bens móveis que lhe foram adjudicados em sede de partilhas pós-divórcio. Os demais bens móveis deverão ficar no exacto estado em que actualmente se encontram (…)».
14. Apesar da notificação referida em 13, a Ré não restituiu o imóvel [artigo 19º da petição inicial].
*
3.2 – Matéria de facto provada por documento autêntico[1] [2]:
No âmbito do supra referido processo de divórcio de (…) e de (…) foi celebrado um acordo quanto à utilização da casa de morada de família com o seguinte clausulado:
«Ambos os Outorgantes reconhecem que a casa de morada de família se encontra instalada, a título gratuito, no 1º andar da Vivenda (…) sita na Av. (…) / pertencente a (…) e à herança indivisa de (…).
O primeiro e a segunda outorgantes acordam que a casa de morada de família seja ocupada pela segunda outorgante, pelos filhos e pelo primeiro outorgante.
O primeiro outorgante declara que enquanto a 2ª Outorgante se mantiver a residir na casa de morada de família, não exercerá o seu direito de habitar a referida casa, sem prejuízo de, desde que ambos nisso acordem, a 2ª Outorgante passar a residir noutro local, mediante pagamento da renda respectiva pelo 1º Outorgante.
O primeiro outorgante obriga-se a pagar a energia eléctrica e a água que forem consumidas na casa de morada de família».
*
3.3 – Matéria de facto não provada[3]:
Inexiste.
*
IV – Fundamentação:
O direito real pode definir-se como a afectação jurídico-privada de uma coisa corpórea aos fins das pessoas individualmente consideradas, caracterizando-se, assim, a relação de natureza real por um direito de domínio ou de soberania (total ou parcial) sobre a coisa em que incida, por um poder que todos os outros têm de respeitar [4] [5] [6] [7].
Prescreve o artigo 1305º do Código Civil que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Consagra o artigo 1311º, nº 1, do Código Civil, que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
A pretensão reivindicatória, conforme resulta do preceito agora referido, é integrada por dois pedidos entre si logicamente articulados:
1º – Reconhecimento judicial do direito de propriedade do autor da acção sobre a coisa reivindicada;
2º – Condenação do demandado a restituí-la ao seu proprietário.
Na acção de reivindicação, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade não goza de independência do pedido de restituição, sendo um mero pressuposto deste pedido[8] [9].
A jurisprudência dos tribunais superiores realça que a procedência de uma acção de reivindicação comporta dois requisitos subjectivos – que o autor prove ser proprietário da coisa que reivindica e que o réu a possua – e um pressuposto objectivo – a identidade da coisa que se reclama com a que é possuída pelo Réu[10].
Na acção de reivindicação pressupõe-se uma situação material incompatível com o direito, que se analisa na circunstância de a coisa se encontrar não na posse do seu proprietário, ou de quem a detenha com permissão deste, mas na de terceiro, sendo, pois, proposta pelo proprietário não possuidor, contra o detentor ou possuidor, não proprietário[11].
Assim, um dos requisitos necessários para a procedência da acção de reivindicação é a prova do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e, por isso, é «o reivindicante tem de provar o seu direito real»[12].
A causa de pedir neste procedimento são os factos concretos de que decorreu a aquisição pelo reivindicante do domínio sobre a coisa. Mas não bastará que se demonstre a aquisição meramente derivada, sendo necessário que se prove também a aquisição originária, como é entendimento largamente dominante na doutrina e jurisprudência.
Afirma Penha Gonçalves, posição que perfilhamos, que a procedência do primeiro pedido funciona como pressuposto do acolhimento do segundo, compreende-se que, desatendido aquele, este último deva naufragar necessariamente. Se o primeiro pedido for atendido, a sentença deve condenar o demandado a restituir a própria coisa reivindicada (ipsam rem), salvo se o demandado invocar e provar a titularidade de algum direito que o legitime a continuar a manter a coisa em seu poder – nº 2 do artigo 1311º) [13].
Em síntese, face a uma acção de reivindicação, se o autor demonstrar devidamente a existência do seu direito, o possuidor só pode evitar a restituição se conseguir provar uma de três coisas:
– que a coisa lhe pertence, por qualquer dos títulos admitidos em direito;
– que tem sobre a coisa outro qualquer direito que justifique a sua posse – e.g. usufruto, arrendamento ou retenção;
– que detém a coisa por virtude da existência de um direito pessoal de gozo;
Sobre o autor de uma acção de reivindicação impende apenas o ónus de alegar e provar que é proprietário da coisa que reivindica e que esta se encontra em poder do réu.
O réu, por sua vez, se quiser evitar a condenação terá de alegar e provar que a sua detenção é legítima e oponível ao autor. De modo que, comprovado o direito de propriedade do reivindicante, a restituição da coisa reivindicada só pode ser recusada se o seu detentor tiver título que legitime a recusa.
*
Apesar de não constar do elenco dos factos provados contidos na decisão tomada pela Primeira Instância, como ressalta da leitura do documento número 4 junto com a petição inicial, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Tomar sob o nº 265/2009, (…) e (…) subescreveram um acordo quanto à atribuição da casa de morada de família.
A decisão proferida na Conservatória do Registo Civil de Tomar tem um valor análogo ao de uma sentença judicial e a certidão junta aos autos constitui um documento autêntico que, face ao seu valor probatório, poderia ser incluída nos factos provados, por via da interacção entre a disciplina prevista no artigo 5º[14], 567º[15], e 607º[16] – embora não se tenha realizado julgamento este artigo encerra um princípio geral de actuação quanto à valoração dos factos admitidos por acordo, provados por documento ou obtidos através de confissão reduzida a escrito – do Código de Processo Civil, quando conciliados com a disciplina prevista nos artigos 363º[17] e 371º[18] do Código Civil.
Deste modo, não obstante a contestação ter sido desentranhada por intempestividade, o Tribunal estava vinculado a tomar em consideração o documento número 4 junto com a petição inicial, denominado “Acordo Quanto à Utilização da Casa de Morada de Família”, onde consta o seguinte clausulado:
«Ambos os Outorgantes reconhecem que a casa de morada de família se encontra instalada, a título gratuito, no 1º andar da Vivenda (…) sita na Av. (…) / pertencente a (…) e à herança indivisa de (…).
O primeiro e a segunda outorgantes acordam que a casa de morada de família seja ocupada pela segunda outorgante, pelos filhos e pelo primeiro outorgante.
O primeiro outorgante declara que enquanto a 2ª Outorgante se mantiver a residir na casa de morada de família, não exercerá o seu direito de habitar a referida casa, sem prejuízo de, desde que ambos nisso acordem, a 2ª Outorgante passar a residir noutro local, mediante pagamento da renda respectiva pelo 1º Outorgante.
O primeiro outorgante obriga-se a pagar a energia eléctrica e a água que forem consumidas na casa de morada de família».
Feita a análise global do processo verifica-se que a Ré mantém residência no imóvel em discussão contra a vontade dos Autores, mas, em contraponto, também não se pode ignorar que a habitação em causa lhe foi atribuída no âmbito do processo de divórcio – ao contrário do defendido pela recorrente, não se vislumbra a existência de violação do caso julgado, uma vez que não se está perante uma identidade de causa.
A jurisprudência mais autorizada entende que o direito constituído por acordo feito no processo de divórcio por mútuo consentimento entre a ré e o seu ex-marido que teve por objecto a utilização da casa de morada de família, destinando esta à habitação da ré tendo em conta (e por medida) as suas necessidades e da sua família ao tempo em que o divórcio foi decretado, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação[19].
A noção, a constituição, extinção e regime do direito de uso e habitação estão provisionadas pelos artigos 1484º[20] e 1485º[21], sendo que é aplicável o regime legal do usufruto por via da remissão operada pelo artigo 1490º[22] do Código Civil, quando conforme à natureza daqueles direitos.
Por isso, numa acção de reivindicação, é legítima a recusa de entrega da casa de morada de família por parte do ex-cônjuge a quem a mesma foi atribuída por acordo celebrado em divórcio por mútuo consentimento, devidamente homologado, por este constituir um verdadeiro direito de habitação[23].
O acordo sub judice foi homologado por uma decisão da Conservatória do Registo Civil mas nada se dispôs acerca do seu tempo de duração ou dos factos conducentes à respectiva extinção.
Um dos pressupostos da presente atribuição da casa de morada de família foi o da existência de filhos menores, a que se alia a necessidade da agora Ré (traduzida na alocução contratual «enquanto a 2ª Outorgante se mantiver a residir na casa de morada de família»).
Contudo, face à não estipulação das causas extintivas, a título meramente exemplificativo, a circunstância de algum filho atingir a maioridade – o que se desconhece, face à carência de factos de suporte –, só por si, poderá não constituir motivo para a extinção do direito real de uso e de habitação. Na verdade, hipoteticamente, sempre que o descendente continuar a viver com o progenitor a quem foi atribuída a anterior casa de morada de família, a simples maioridade poderá não significar autonomia habitacional e assim esse quadro poderá justificar a manutenção do referido acordo[24].
Isto não significa que o direito em causa seja perpétuo ou imutável e valida apenas a interpretação que a simples modificação do domínio da propriedade ou da intenção do proprietário não determina ipso facto a extinção do aludido direito de uso e habitação.
Com efeito, perante a alteração das circunstâncias, admite-se a modificabilidade da decisão homologatória do acordo de atribuição da casa de morada de família no âmbito de processo de divórcio[25].
O regime fixado pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária ou através de outra acção com objecto distinto que vise a eliminação do direito de uso e de habitação. Na realidade, a atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária e essa resolução pode ser alterada com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a modificação da situação vigente, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial já não acautele ou deixe de precaver, com equidade, os interesses de um dos ex-cônjuges [26].
É de recordar que, à data da celebração do divórcio por mútuo consentimento, o Autor (…) já assumia a posição de herdeiro de (…) e, ao abrigo das regras da administração da herança, face ao tempo decorrido e à situação de vizinhança, é de presumir a aquiescência ou, pelo menos, a não oposição da co-autora à constituição daquele direito de uso e de habitação, caso se entendesse que o ex-cônjuge da Ré não estava legitimado a onerar parte do imóvel em discussão nos termos em que o fez.
E, assim, neste horizonte valorativo, a detenção da casa de morada de família é legítima e oponível aos Autores e obsta à procedência do pedido de restituição formulado. E, deste modo, por existir uma causa que impede a devolução nos termos pretendidos, o Autor deve previamente promover a modificação do acordo anteriormente firmado e, caso isso se verifique, passará então a dispor de um título que habilita a herança indivisa representada por todos os herdeiros [27] – ou o herdeiro a quem vier a ser atribuído o direito real – a retomar a propriedade plena do imóvel.
Em suma, face à existência do acordo de atribuição da casa de morada de família, o direito de habitação não se extinguiu e é oponível aos Autores, legitimando a recusa da restituição, ao abrigo do disposto no artigo 1311º, nº 2, do Código Civil.
*
V – Sumário:
1 – O direito constituído por acordo no processo de divórcio por mútuo consentimento, que tem por objecto a utilização da casa de morada de família, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação.
2 – A atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária e essa resolução pode ser alterada com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a modificação da situação vigente, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial já não acautele ou deixe de precaver, com equidade, os interesses de um dos ex-cônjuges.
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, julga-se procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que ordena a restituição do imóvel em causa.
Custas a fixar a cargo dos apelados, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 23/11/2016

José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio que até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio é possível alterar a base factual e essa filosofia estava vertida na argumentação fundamentadora do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 26/05/1994, cuja aplicação se mantém e até é reforçada à luz da nova legislação processual civil.
[2] Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2014, in www.dgsi.pt, «na fundamentação do seu acórdão deve a Relação tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência».
[3] Ficou consignado na decisão que «é conclusiva, de direito ou meramente argumentativa a demais matéria constante da PJ., designadamente: artigos 9º, 10º, 12º, 13º e 20º da PI. Não se considerou qualquer factualidade alegada em sede contestação-reconvenção, em face do desentranhamento a que foi sujeita esta peça processual. E, concomitantemente, também não se considerou o teor da resposta à reconvenção que os Autores apresentaram».
[4] Pires de Lima, Lições de Direitos Reais, pág. 50.
[5] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pág. 351.
[6] Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 10.
[7] Oliveira Ascensão, Direitos Reais, pág. 72.
[8] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/10/2009, in www.dgsi.pt.
[9] No mesmo sentido, podem consultar-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/2004 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/06/2012.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2003 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/05/2006, ambos in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa de 21/06/2012, in www.dgsi.pt.
[12] A prova do direito de propriedade pode ser feita através da alegação de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, excepto se se verificar a presunção legal da propriedade, resultante da posse ou do registo [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/10/2009, in www.dgsi.pt].
[13] Curso de Direitos Reais, pág. 358-359
[14] Artigo 5º (a que correspondia os artigos 264º e 664º do CPC de 1961) (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal):
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[15] Artigo 567º (a que correspondia o artigo 484º do CPC de 1961) (Efeitos da revelia):
1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2 - O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
[16] Artigo 607º (a que correspondiam os artigos 655º, 658º e 659º do CPC de 1961):
Sentença 1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respectiva responsabilidade.
[17] Artigo 363º (Modalidades dos documentos escritos):
1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.
3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.
[18] Artigo 371º (Força probatória):
1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
2. Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória.
[19] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013, in www.dgsi.pt.
[20] Artigo 1484º (Noção):
1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.
2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação.
[21] Artigo 1485º (Constituição, extinção e regime)
Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293.º, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.
[22] Artigo 1490º (Aplicação das normas do usufruto):
São aplicados aos direitos de uso e de habitação as disposições que regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos.
[23] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/12/2012, in www.dgsi.pt.
[24] Na mesma linha de raciocínio pode ser encontrado o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/05/2005, in www.dgsi.pt.
[25] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/03/2007, in www.dgsi.pt.
[26] Em sentido próximo pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/02/2013, in www.dgsi.pt.
[27] Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 7 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt, «enquanto uma herança se mantiver indivisa, cada um dos herdeiros é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo, e não de um direito “individual” – no sentido de um direito de que é único titular ou co-titular, mas relativamente a um bem ou direito especificado – sobre cada um dos bens que a integram. Essa situação de indivisibilidade do património colectivo, que, como regra, impõe que os direitos a ela relativos só possam “ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” (nº 1 do artigo 2091º do Código Civil), e que impede um co-herdeiro de dispor de bens determinados, só cessa com a liquidação e partilha, como resulta do artigo 2074º do mesmo Código Civil.»