Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4505/11.0TBPTM.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA CONJUNTA
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Sumário:
1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. Mas esta solução apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro, porquanto os menores em idade escolar não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Portimão, procede-se à regulação de responsabilidades parentais em relação à menor (…), nascida a 22.07.2010, filha de (…) e de (…).
Realizada a conferência de pais, na qual não foi possível o acordo, estabeleceu-se um regime provisório – posteriormente adaptado em virtude de diversas intercorrências processuais suscitadas pelos pais – e realizou-se julgamento.
A sentença decidiu que a menor ficaria a residir com a mãe, a quem caberia o exercício das responsabilidades parentais no que concerne às questões relativas à gestão do seu quotidiano, enquanto nas questões de particular importância para a vida da menor tais responsabilidades seriam exercidas em comum por ambos os progenitores.
Mais decidiu que a menor continuaria a frequentar determinado colégio – identificado nos autos – e fixou um regime de visitas e de alimentos.

Recorre o pai, pretendendo a fixação de guarda partilhada entre os progenitores, colocando nas suas conclusões as seguintes questões:
- O Recorrente solicitou a guarda conjunta, com residência alternada, sendo esta a sua vontade, a fim de ser um Pai presente e poder acompanhar a sua filha, conforme resultou das suas declarações gravadas.
- O regime de visitas livres com aviso, fixado na primeira regulação provisoria não funciona por culpa exclusiva da Recorrida.
- Esse reconhecimento resulta da prova testemunhal produzida e evidenciou-se antes desta, levando o Tribunal à fixação de dias (terça e quinta) para o Recorrente estar com a menor durante a semana.
- O Tribunal Recorrido avaliou mal, sem fazer um juízo crítico, sobre o porquê do regime de visitas ser objecto de tanta conflitualidade, e repetiu na sentença o mesmo regime de visitas que não funcionou.
- Não valorou a atitude permanente da Mãe, de que a filha era só sua, e punha e dispunha do tempo da sua filha como bem entendesse.
- Tal resulta das suas próprias declarações e das testemunhas (…) e (…).
- Deveria ter sido dado como provado que o Recorrente não deu autorização, nem acordou com a escolha do colégio de matrícula da menor.
- Ao invés de ser dado como não provado que a menor frequentasse o colégio com aquiescência do Recorrente.
- A recorrida sempre tomou decisões sobre a vida da menor, nomeadamente a escolha da escola, ao arrepio do progenitor, facto reconhecido e sabido pelo tribunal, que aceita como facto consumado.
- Aliás não foi de espantar a decisão proferida na Sentença, por que é o corolário de um processo de seis anos, em que o Tribunal Recorrido ou não compreendeu a realidade da Menor e dos Pais, ou não quis compreender.
- Sendo certo, que toda a prova realizada na audiência de julgamento, e a prova documental e pericial junta aos autos, só foi usada na convicção para impedir o Recorrente de poder conseguir uma residência partilhada no interesse superior da Menor.
- A Recorrida tentou sempre impedir o Recorrente de ser Pai.
- Como consta dos artigos 13 e 14 e 15 da fundamentação de facto, a Recorrida tentou imputar ao Recorrente um crime de abuso sexual, que se veio a não comprovar.
- O Tribunal Recorrido não valorou esta postura da Recorrida.
- O Tribunal Recorrido deu como provado no ponto 41 que a Menor foi baptizada sem o acordo ou informação da Recorrida, tese esta que foi contrariada pela testemunha (…).
- As testemunhas da Recorrida, (…) e (…) desconheciam que esta fez uma cirurgia e que tinha um defeito ortopédico visível no pé esquerdo.
- Estas testemunhas pouco ou nada sabiam em concreto da vida da menor para fundamentar a sua convicção para a decisão.
- Acerca da alegada não entrega da menor na Páscoa de 2014, resultou das declarações da testemunha (…) e das SMS juntas aos autos que o Recorrente estava em Portugal, sendo 1 hora mais que suficiente para ir de Portimão a Ayamonte.
- O Tribunal não valorizou todas as condições económicas, pessoais, sociais e familiares para negar a residência conjunta.
- No entanto, a melhor solução para a menor é uma residência alternada.
- O Tribunal Recorrido não invoca uma única razão ponderosa para que não se concretize a residência alternada.
- Dá apenas como fundamento que a menor está nesta situação há vários anos e perturbar-lhe-ia as rotinas.
- Ora, se assim está há vários anos, deve-se ao tribunal recorrido que nunca compreendeu a factualidade dos presentes autos, dando tudo como facto consumado – a escola da menor e a sua residência.
- O Tribunal deveria ter decidido pela residência alternada, bem como pela mudança da menor para um estabelecimento de ensino público, nomeadamente a afectividade entre o Recorrente e a Menor e as suas condições pessoais, familiares e económicas.
- A Constituição da República Portuguesa consagra como princípio geral a igualdade dos pais na educação dos filhos (artigo 36.º, n.º 5) o que implica que, seja qual for a relação familiar entre os progenitores (matrimónio, união de facto ou mesmo sem qualquer coabitação), numa situação de dissociação familiar, o exercício das responsabilidades parentais continua a ser exercido em conjunto por ambos (artigos 1901.º, 1906.º, n.º 1, 1911.º e 1912.º do Código Civil).
- Havendo conflito entre os progenitores, a residência exclusiva agrava-o, consolida-o, aumentando-o muitas vezes, gerando um grande número de abandonos, de “órfãos de pais vivos”, que, quando não ocorrem, por força da exposição da criança a este stress tóxico, permanente e intenso, gera nelas profundos problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo, que são na sociedade actual um problema grave de saúde.
- Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro.

Nas respostas – da mãe e do Ministério Público – sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Da análise das conclusões, ressalta que o Recorrente discute três questões da decisão de facto: 1.ª – o seu desacordo quanto à frequência pela menor do Colégio (…), em Portimão; 2.ª – a realização dos preparativos do baptizado sem o acordo da mãe, que nem sequer foi informada desse facto; 3.ª – o atraso na entrega da menor na Páscoa de 2014.
Quanto à 1.ª questão, o desacordo do pai foi já declarado no ponto 7 do elenco fáctico, dando-se até como provado que a menor foi matriculada em dois colégios em simultâneo, um em Portimão (pela mãe) e o outro em Ayamonte (pelo pai). Logo, não se vislumbra nesta questão o motivo de censura tecido pelo Recorrente.
Sobre a 2.ª questão a decisão recorrida fundamentou longamente a sua convicção, em cerca de catorze parágrafos. Não é função deste tribunal repetir essa argumentação, mas tão só verificar a sua razoabilidade e se a prova produzida impõe decisão diversa. A alegação de recurso funda-se essencialmente no depoimento da testemunha (…), padrinho de baptizado da menor, mas esse depoimento não pode ser dissociado da demais prova produzida nos autos, e essa análise foi efectivamente realizada na decisão recorrida. Notando, de todo o modo, que a testemunha (…) confirmou que a mãe e a família materna não esteve presente no baptizado, e ponderando ainda que a mãe sempre revelou empenho em conhecer e participar em todos os momentos importantes da sua filha, sendo por isso anormal que se dissociasse do baptizado da sua filha, resta-nos concluir que a convicção manifestada na decisão recorrida tem efectivo respaldo na prova produzida, pelo que também nesta parte improcede a impugnação.
Finalmente, a questão acerca do atraso na entrega da menor na Páscoa de 2014 – pontos 29 a 35 da matéria de facto. O Recorrente não discute que a menor não foi entregue na data acordada, o Domingo de Páscoa, dia 20 de Abril – de resto, todos estão de acordo que essa entrega ocorreu apenas a 22 seguinte. Sobre se no dia 20 de Abril o pai se dirigiu à casa da mãe para efectuar a entrega, a qual só não ocorreu por esta não se encontrar presente, temos apenas o depoimento de (…). Mas para além das discrepâncias detectadas nessa parte do seu depoimento – afirmava ter acompanhado o seu amigo num domingo, desconhecia era que se tratava do Domingo de Páscoa – estranha-se que o pai tenha esperado apenas 10 minutos pela chegada da mãe, e logo regressasse a Ayamonte, não tomando providências de maior empenho na entrega acordada, que nem sequer foi realizada no dia seguinte, e só se realizou dois dias depois e isto porque a mãe foi buscar a filha a Ayamonte.
Em resumo, a decisão da matéria de facto tem o devido suporte na prova produzida, pelo que improcede a respectiva impugnação.

Os factos ficam assim estabelecidos:
1. A menor (…) nasceu no dia 22 de Julho de 2010, e é filha de (…) e de (…).
2. Os progenitores da menor mantiveram uma relação afectiva, como se marido e mulher se tratassem, no decurso da qual nasceu a (…).
3. Após o nascimento da (…), os progenitores e a criança viveram em Ayamonte, numa casa pertença do requerido.
4. A criança foi matriculada no infantário “El (…)”, em Ayamonte, o qual frequentou de 01 de Setembro de 2011 a Novembro desse mesmo ano.
5. Os progenitores separaram-se quando a criança tinha cerca de um ano de idade e, na sequência da separação, a progenitora e a criança vieram para Portimão.
6. A criança foi, então, matriculada no Colégio (…), sito em Portimão, o qual frequenta desde Novembro de 2011.
7. Entretanto, os progenitores não chegaram a acordo sobre a frequência escolar da criança, e esta chegou a estar matriculada em dois colégios em simultâneo, o “El (…)”, Ayamonte e o Colégio (…), Portimão.
8. Os progenitores, ao longo de todo este tempo, nunca conseguiram falar sobre as questões essenciais da vida da filha, como sucedeu com a inscrição no infantário, mas também quanto às visitas, locais e horas de entrega/recolha, mantendo uma relação conflituosa, apresentando queixas junto da autoridade policial ou do tribunal sempre que surgem desentendimentos, designadamente, relativos às visitas, entregas /recolha da menor (hora / local), documentação da criança, etc.
9. A comunicação entre ambos é feita através de e-mails ou telefonemas, sendo que estes nem sempre são atendidos / respondidos atempadamente, ou não são sequer respondidos de todo, sendo frequente cada um imputar ao outro faltas de comparência nos locais combinados, atrasos, falta de documentos da criança, de agressões e ofensas verbais.
10. Como sucedeu no dia 31.08.2012, em que numa das entregas da menor ao pai, este alega ter sido agredido pela progenitora quando a menor estava ao seu colo, tendo esta sofrido “abanões”, tendo a menor, assim como o progenitor, sido observados no CHBA nesse mesmo dia.
11. A menor, vista pelo médico, apresentava um eritema na perna direita, com cerca de ½ cm e outra no braço esquerdo, com cerca de 1/1,5 cm, sem dor, apresentava “bom estado geral” e estava “bem-disposta ao colo do pai”.
12. O progenitor, visto por médica, apresentava escoriação cutânea na coxa esquerda, face posterior.
13. Também no dia 08.01.2015, a menor foi às urgências do CHBA, tendo a progenitora informado a médica que, ao dar banho à criança, esta a informou que o pai lhe terá metido os dedos na vagina.
14. Sucede que após exame, constatou-se que a criança apresentava eritema vaginal e hímen intacto.
15. Nenhuma das situações descritas em 10 e 12 (que a mãe terá dado abanões à menor ou agredido o pai, ou que o pai lhe tenha metido os dedos na vagina) foi comprovada.
16. Os demais registos clínicos e médicos da criança respeitam a gastroenterite, varicela, infecções, febre, tosse.
17. A pedido da progenitora, a menor foi sujeita a uma avaliação psicológica, com vista a averiguar o seu estado emocional, a qual foi levada a cabo pela psicóloga (…), tendo esta concluído em 11.03.2013 que a (…) era uma criança de “fácil relação e trato” (sic).
18. Na avaliação feita, constatou ainda que a criança tinha “um conceito de família idealizado em que vê a sua família com pai/mãe/filha a coabitarem no mesmo espaço. No entanto, como a separação dos pais é angustiante, a (…) afasta-se e coloca-se como mera observadora em relação às figuras parentais”, concluindo que a criança ainda não tinha aceitado a separação dos pais e “perante situações angustiantes (conflitos e discussões entre os pais) a criança aliena-se no seu mundo como forma de se proteger do conflito” (sic).
19. O progenitor foi contactado pela psicóloga, tendo transmitido a esta que a progenitora era uma pessoa “desestruturada e agressiva (…), no entanto não referiu incompetência ao nível dos cuidados maternos” (sic).
20. O progenitor apresentou-se disponível para ir à consulta com a filha, “no entanto mostrou-se indisponível para qualquer tipo de acção em que a progenitora estivesse presente. O discurso proferido pelo pai centrou-se em acusações para com a figura materna. Em relação à menor referiu que não observa qualquer instabilidade emocional” (sic).
21. Por sua vez, a progenitora referiu-se ao progenitor como uma pessoa “manipuladora e egocêntrica” (sic).
22. A progenitora mostrou “total disponibilidade para qualquer tipo de intervenção, como por exemplo, terapia familiar, no sentido de minimizar o conflito existente entre os progenitores (sic).
23. Uma das preocupações manifestadas pela progenitora tinha a ver com o facto de a criança, sempre que ia passar os fins-de-semana com o pai, lhe ser entregue na segunda-feira, às 18h00, faltando ao infantário, nomeadamente, às aulas de psicomotricidade.
24. A psicóloga sugeriu aos progenitores que procurassem ajuda profissional para resolverem os seus conflitos como ex-casal, como forma de melhorar o seu relacionamento para o bem-estar da criança.
25. Apesar do conflito entre os pais, a (…) é uma criança com um desenvolvimento adequado para a idade, vindo a adquirir gradualmente conhecimentos e competências, mostrando-se integrada no Colégio (…), onde a educadora ou a Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação não detectaram comportamentos que indiciem a necessidade de intervenção psicológica.
26. Por iniciativa do tribunal, e como forma de ultrapassar o conflito entre ambos, foi sugerido a ambos os progenitores que fossem acompanhados em sessões de mediação familiar, o que foi aceite pelos progenitores.
27. A intervenção iniciou-se no dia 04 de Outubro de 2014 e nesse mesmo dia foi concluída, sem possibilidade de acordo entre os progenitores.
28. Ao longo de todo este tempo, a comunicação entre os progenitores continua a ser feita através de e-mails ou telefonemas, que nem sempre são atendidos / respondidos atempadamente, ou não são sequer respondidos de todo, o que continua a originar mal entendidos e contratempos entre ambos.
29. A pedido do pai, a mãe concordou que a (…) passasse o período compreendido entre 23 a 30 de Dezembro de 2013 com aquele, o mesmo acontecendo na Páscoa de 2014, tendo ficado combinado que a menor passava com o pai o período entre 14 de Abril a 20 de Abril de 2014.
30. Sucede que na Páscoa de 2014, a criança não foi entregue pelo pai no dia determinado, ou seja, a 20 de Abril de 2014, o que levou a que esta apresentasse mais uma participação na Polícia de Segurança Pública – Portimão, a dar conta da situação.
31. E, no dia 22.04.2014, sem que a criança lhe tivesse sido entregue, a progenitora deslocou-se a (...), localidade onde o progenitor trabalhava no Centro de Saúde, com vista a trazer consigo a menor.
32. Contudo, a menor não se encontrava com o progenitor, mas sim em Huelva, com familiares.
33. Ficou, então combinado entre os progenitores que a criança seria entregue junto da residência da progenitora nesse mesmo dia (22 de Abril), pelas 15h00.
34. Sucede que a criança não foi entregue como combinado, tendo o progenitor sido contactado pela GNR de (...), informando que a entrega afinal seria feita nos termos acordados entre os mandatários, nesse dia, entre as 17h00 e as 18h00, o que também não veio a suceder.
35. A criança apenas veio a ser entregue à mãe no dia 22 de Abril, em Ayamonte, onde a mãe se deslocou propositadamente para o efeito.
36. No dia 16.01.2015 o progenitor compareceu na CPCJ de Portimão, dando conta da conflitualidade existente com a progenitora, com reflexos nas dificuldades das visitas, imputando àquela comportamentos agressivos (com agressão ao próprio, que terá sido presenciada pela criança), cuidados negligentes (deixando que a criança ande com unhas longas e sujas, cabelo e roupa pouco cuidados).
37. No dia 26.03.2015 o Colégio (…) informou a CPCJ de Portimão que a criança frequentava o colégio desde Novembro de 2011, sendo assídua, faltando apenas quando os pais estavam de férias ou por motivos de doença, tratando-se de uma criança que se apresentou sempre com uma aparência cuidada, não revelando dificuldades de interacção com pares e adultos, é meiga, alegre e bastante participativa nas diversas actividades propostas diariamente.
38. A CPCJ de Portimão concluiu que a conflitualidade entre os progenitores era susceptível de colocar em risco a estabilidade da criança.
39. A criança foi baptizada em 07 de Maio de 2016, juntamente com a sua irmã, (…).
40. O baptizado ocorreu em Ayamonte, ao qual não compareceu a progenitora nem qualquer familiar ou amigo do lado materno da criança.
41. A data e local do baptizado, assim como todos os preparativos, foram tratados pelo progenitor e sem o acordo da progenitora.
42. Aliás, a progenitora não foi informada sequer que o baptizado da filha estava tratado e organizado pelo pai da criança.
43. Os padrinhos da (…) foram escolhidos pelo progenitor, e foram os mesmos da sua irmã (…), (…) e a sua mulher.
44. A (…), assim como os progenitores, foram sujeitos a avaliação psicológica, tendo o perito constatado que, em relação à criança, esta “quando questionada (…) sobre o regime que considera melhor para si, responde “Gostava de 1 semana com o pai e 1 semana com a mãe”. Na exploração desta situação (…) responde espontaneamente “O meu pai é que me disse para eu dizer isso”, referindo por diversas vezes ter tido indicações do seu progenitor para referir que preferia uma guarda partilhada semanalmente. Após (…) a menor refere “gosto de passar mais [tempo] com a mãe” (sic).
45. A (…) tem consciência do conflito entre os progenitores, tanto assim que o perito constatou “(…) atitudes de protecção a ambos os progenitores relativamente ao conflito entre os dois, gerindo o seu discurso de forma a que, na sua opinião, não os comprometesse de qualquer forma”, salientando que “(…) esta atitude aparenta ser o seu funcionamento habitual e devido à boa relação que mantém com ambos, embora com um pendor preferencial para a sua progenitora”.
46. Na avaliação feita aos progenitores, o perito concluiu que ambos têm capacidade de fazer julgamentos morais das suas acções, revelando capacidade de autocritica, sendo que o progenitor revela uma capacidade de autocritica e análise das situações com uma componente mais objectiva (por oposição à afectiva).
47. A progenitora demonstrou algum receio sobre a mudança de pais por parte da menor, tendo presente, porém, a necessidade de manutenção de contactos regulares com o pai.
48. O progenitor demonstrou disponibilidade para as várias situações colocadas pelo perito relativamente à atribuição da menor a um dos progenitores, embora diminuindo as capacidades da mãe relativamente às suas (especialmente na questão da supervisão parental), mantendo, porém, sempre presente o bem-estar da menor.
49. De acordo com a avaliação feita, o perito concluiu que o progenitor aparenta ter uma estruturação de personalidade com características mais expansivas, com elevada capacidade argumentativa e loquacidade e um estilo tendencialmente manipulativo e auto-referencial, sendo que tais características não influenciam negativamente a sua capacidade para cuidar da menor.
50. Face à avaliação feita, o perito concluiu que “Ambos os progenitores são afectivamente significativos, ambos providenciando afecto, conforto, segurança e disciplina (…)”, embora a menor sinta a mãe como “mais estruturante” (sic).
51. Em termos de personalidade, na avaliação feita, conclui-se que a progenitora no domínio da extroversão, apresenta ser uma pessoa sociável, aprecia o convívio com os outros, é optimista e afectuosa e, no domínio da conscienciosidade, sugere ser uma pessoa de confiança e escrupulosa, com força de vontade, iniciativa, responsabilidade e determinada, pontual, trabalhadora, evidenciando um perfil de personalidade que sugere competências adequadas de comunicação.
52. Por sua vez, o progenitor possui um “(…) quociente de inteligência acima da média (média superior; QI: 117), com um funcionamento cognitivo médio quanto à memória”, e no que se refere “(…) aos indicadores psicopatológicos (BSI) as escalas encontram-se na média para a população. Quanto à personalidade foi possível apurar, no questionário de personalidade (MCMI-II) traços de personalidade obsessiva.”
53. O progenitor não sofre de qualquer perturbação de personalidade, manifesta ter “(…) traços de personalidade que evidenciam uma preocupação pelo detalhe, organização extrema e perfeccionismo, que embora estejam presentes em valores um pouco acima da média, tornam-se adaptativos e esperados para a profissão”.
54. Qualquer um dos progenitores manifesta competências e capacidades para exercer as responsabilidades parentais relativamente à filha, ou seja, cuidar e proteger a criança, diligenciando pelas questões diárias e rotinas, educação, etc.
55. A menor, por ser bilingue, frequentou a terapia da fala para auxiliar na construção semântica de cada uma das línguas faladas – portuguesa e espanhola – com evolução positiva.
56. Foi diagnosticada à menor um problema ortopédico nos pés, que carece para o tratamento o uso de palmilhas adequadas e algum exercício físico.
57. O progenitor é médico e exerce a sua actividade no Centro de Saúde, em (…).
58. Aufere rendimentos mensais que ascendem a 3.300 € a 3.600 €.
59. Reside em Ayamonte, Espanha, numa casa com dois andares, quatro quartos, quatro casas de banho, cozinha, sala, e onde a (…) dispõe de um quarto só para si, com brinquedos e equipamento adequado à sua idade.
60. O progenitor reside com a companheira e o filho desta, de 11 anos de idade e ainda com a filha do casal, (…), de 2 anos de idade.
61. A companheira é técnica de riscos laborais, e aufere o salário mensal de 1.200 € a 1.400 €.
62. O progenitor tem despesas mensais com empréstimo bancário, na ordem dos 557,98 €, a que acrescem despesas correntes com gastos e consumos de água, luz, da casa, no total de 260 € aproximadamente.
63. Tem ainda, despesas com combustível e portagens, que rondam cerca de 570 € mensais, e com a manutenção anual do veículo cerca de 1.000 €.
64. Tem despesas de telefone de cerca de 178,80 €.
65. Paga de quota sindical 30,59 €, mensais e 16,60 € pela quota mensal da ordem dos médicos.
66. Além destas despesas, acresce a mensalidade de 300 € fixada a título de alimentos à filha.
67. A criança mantém com o progenitor uma forte ligação afectiva, com demonstrações de carinho mútuas.
68. A progenitora quando conheceu o requerido trabalhava com delegada de propaganda médica, actividade que entretanto deixou de exercer, estando, neste momento a trabalhar num negócio de família, que contempla as áreas da restauração, alojamento local e supermercados, com rendimentos mensais na ordem dos 1.110 €.
69. Reside com a menor, num apartamento de tipologia T3, com adequadas condições de habitabilidade e de conforto, pois que dispõe de uma sala, dois quartos, um deles para a menor, com mobiliário adequado, designadamente, dispunha de grades de protecção na cama da menor, e fechadura de segurança nas janelas, à data em que a técnica da SS ali se deslocou para avaliar as condições da progenitora.
70. Além das despesas correntes (água, luz, gás, telefone, condomínio) que rondam os 200 €, paga ainda ao banco a mensalidade de 350 € para amortização do empréstimo contraído para aquisição de habitação própria, bem como a mensalidade do Colégio (…).
71. A (…) continua a frequentar o Colégio (…), onde se apresenta sempre com os cuidados básicos de higiene e alimentação feitos.
72. É uma criança alegre, sociável e activa, e não apresenta quaisquer sinais indicadores de ansiedade ou nervosismo.
73. Relaciona-se bem com as outras crianças e com os adultos.
74. A progenitora é interessada e participativa na vida escolar da filha e apresenta-se na escola sempre que solicitada a sua comparência.
75. Trata-se de uma mãe carinhosa e afectuosa, com manifestações de carinho para a menor, nomeadamente, participando nas brincadeiras / jogos, abraçando-a e dando-lhe beijos, sem deixar de a repreender e de lhe impor regras (horas de deitar/dormir).
76. Ambos os progenitores mantêm com a menor uma relação afectiva de grande proximidade, são ambos preocupados e amam a filha.
77. A menor, por sua vez, sente-se bem com ambos os progenitores, mantendo com ambos uma relação de afecto e proximidade, assim como junto da família alargada paterna.
78. Trata-se de um pai carinhoso e afectuoso, com manifestações de carinho para a menor, nomeadamente, abraçando-a e dando-lhe beijos, sendo repreensivo em determinadas situações.

Aplicando o Direito.
Do regime de guarda da menor
O tema essencial do recurso respeita à guarda da menor, pretendendo o Recorrente que se fixe um regime de guarda alternada.
O Relator do presente aresto interveio como Adjunto no Acórdão desta Relação de 09.11.2017 (Proc. 1997/15.1T8STR.E1, publicado no sítio da DGSI), ali decidindo que o art. 1906.º do Código Civil, na redacção actual, estabelece como regra o exercício em comum das responsabilidades parentais, tal como vigorava na constância do matrimónio, só excepcionalmente permitindo o seu exercício por um dos progenitores.
Com efeito, o interesse do menor constitui a pedra angular do regime legal, para cuja densificação concorre a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, e a promoção e aceitação de acordos ou a tomada de decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
Acresce, ainda, que a lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
Se é certo que a residência alternada, existindo acordo de ambos os progenitores, reúne melhores condições de sucesso, esta condição não é exclusiva da questão da guarda do filho e abrange todas as demais vertentes das responsabilidades parentais – como se afirma no mencionado aresto, “o acordo dos pais confere segurança aos filhos, o desacordo, quando deles conhecido, insegurança e instabilidade. Aos pais incumbe o desafio de responsavelmente ultrapassarem as divergências que se revelem contrárias ao interesse dos filhos.”
É, pois, ao regime de residência alternada com ambos os pais que se deve dar preferência, pois é ele que proporciona uma relação de grande proximidade com os dois progenitores e amplas oportunidades aos menores de contactar com ambos os pais.
Mas, como acima se escreveu, a solução deve ser encontrada de acordo com o interesse do menor e ponderando todas as circunstâncias relevantes. Se a melhor solução é a que proporciona a maior proximidade a ambos os progenitores, com amplas oportunidades de contacto, tal apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro – e nos menores em idade escolar esse pormenor tem importância, porquanto não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.
Acresce, ainda, que ambos os progenitores deverão possuir condições económicas e de habitabilidade para ter o filho consigo, e dar garantias de velar pela sua segurança, saúde, educação e desenvolvimento.
No caso dos autos, ambos os progenitores reúnem as necessárias condições económicas e de habitabilidade para ter a menor consigo, e não existem elementos de facto que permitam concluir que qualquer deles não pretenda velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento da sua filha.
O problema é o acentuado conflito que permanece entre ambos – e essa questão, do foro íntimo, só a eles compete resolver, embora, sendo adultos responsáveis, têm o dever de o fazer – e a distância a que residem um do outro, o pai em Ayamonte, a mãe em Portimão.
Não sendo praticável que a menor frequente um estabelecimento escolar numa cidade numa semana, para na semana seguinte alternar com outro estabelecimento escolar noutra cidade, ou sequer que a menor realize numa semana uma longa viagem diária para não faltar às aulas, ou ainda que seja colocada num estabelecimento de ensino a meia distância de ambas as cidades, retirando-a do meio escolar que já conhece e onde estabeleceu as suas amizades, considera-se que esta circunstância obsta decisivamente à solução preconizada pelo pai.
De resto, este nem sequer ofereceu, nas suas alegações, uma estratégia viável acerca do local e modo como a sua filha frequentaria o ensino escolar a que tem direito.
Se de facto se reconhece o amor que devota à sua filha – neste ponto, não temos dúvidas – a longa distância a que vive da mãe obriga a soluções de compromisso.
E aquela que foi encontrada na decisão recorrida é a que melhor serve os interesses da menor e lhe permite prosseguir os seus estudos de modo sereno e estável.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo pai.
Évora, 7 de Junho de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.