Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1800/17.8T8PTM.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL
GUARDA DOS MENORES
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O artigo 1906.º, n.º 5, do Código Civil, ao preceituar que o tribunal estabeleça a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, não exclui a solução da residência alternada, nem manifesta preferência por solução diversa.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1800/17.8T8PTM.E1

Tribunal Judicial da comarca de Faro
Juízo de Família e Menores de Portimão – Juiz 1


I. Relatório
(…) instaurou a presente ação de regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos (…) e (…), sendo requerido o progenitor (…).
Teve lugar conferência de pais no dia 17 de Outubro de 2017 e, na falta de acordo, foi fixado regime provisório que determinou como segue:
Os menores ficam a residir uma semana com a mãe, outra com o pai e assim sucessiva e alternadamente, com transição de um progenitor para o outro, à sexta-feira de cada semana, na escola, iniciando a próxima semana com o pai;
O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores incumbe ao progenitor que tem consigo os menores no momento a decidir;
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta.
Procedeu-se à audição técnica especializada e, a 10 de Janeiro de 2018, realizou-se nova conferência de pais, finda a qual foi prolongado o período da audição técnica para acompanhamento da situação das crianças.
A 18 de Abril de 2018 teve lugar nova conferência de pais e nela, persistindo a falta de acordo mas tendo os progenitores declarado que pretendiam submeter-se a mediação familiar, foram os autos suspensos até Setembro desse ano.
Realizou-se nova conferência de pais no dia 9 de Outubro de 2018 e, constatada mais uma vez a ausência de acordo, foi mantido o regime provisório em vigor, tendo os autos prosseguido para julgamento.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, no termo da qual foi proferida sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais como segue:
a) Os menores ficam confiados aos cuidados de ambos os pais, passando a residir em semanas alternadas com cada um dos progenitores; para o efeito um dos progenitores deixa os menores no equipamento educativo na sexta-feira e o outro recolhe-o, nesse mesmo local, no final das actividades lectivas desse dia, passando com este a semana seguinte;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores são exercidas por aquele com quem os menores se encontrem, sem prejuízo da obrigação de informação ao outro, especialmente das questões relativas às actividades escolares e saúde dos filhos;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores são decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta;
d) Os pais deverão decidir de comum acordo as actividades extracurriculares e lúdicas que as crianças deverão frequentar, obrigando-se a cumprir com as actividades acordadas nas respectivas semanas;
e) A função de encarregado de educação das crianças junto do equipamento educativo que frequentem deverá ser exercida um ano lectivo por um dos pais, no seguinte pelo outro e assim, sucessiva e alternadamente.
2. Épocas festivas:
a) Os menores deverão passar os dias do Natal com um dos progenitores e os dias da passagem do ano com o outro, alternando estes períodos anualmente;
b) No dia de aniversário dos menores estes deverão tomar uma refeição principal (almoço/jantar) com cada um dos progenitores, almoçando um ano com um e jantando com o outro e, no ano seguinte, o inverso;
c) Os menores passarão com o pai o dia do pai e o aniversário deste, e com a mãe o dia da mãe e o aniversário desta, ainda que esteja na semana do outro progenitor.
3. Férias escolares do Verão:
No período das férias escolares do Verão os progenitores poderão passar períodos de férias com os filhos superiores a uma semana, devendo para o efeito contactar o outro até ao final de Maio de cada ano
4. Alimentos:
a) Cada um dos pais assegurará as despesas das crianças no tempo que os tem consigo, repartindo na proporção de ½ as despesas médicas e escolares e despesas com actividades extracurriculares em que inscrevam os filhos de comum acordo, devendo acertar as contas relativas a estas despesas no final de cada mês.
*
Inconformada, apelou a progenitora e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
A) Por sentença de 10-04-2019 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais dos menores (…) e (…), tendo sido fixado o regime de residência alternada semanal com cada um dos progenitores.
B) Com esta decisão não pode a recorrente conformar-se, porquanto foi proferida em erro de julgamento (de facto e de direito), não só porque os factos que a sustentam não correspondem à realidade, mas porque mesmo que correspondessem impunha-se uma decisão contrária àquela de que se recorre.
C) O Tribunal a quo deu como provado no ponto 4 dos factos provados que a conflituosidade entre os progenitores foi motivada pela separação conjugal de ambos.
D)Tal é falso. A conflituosidade entre o ex-casal apenas se iniciou com a instituição do regime provisório de residências alternadas semanais, dado que até ele existir, mesmo vivendo na mesma casa, não havia qualquer ocorrência de conflitos.
E) Pelo que, naquele ponto 4 dos factos provados pelo tribunal, deverá ler-se o seguinte:
4. Desde que foi instituído o regime provisório de residência alternada, [requerente e requerido] estão em conflito constante, que se foi acentuando ao longo do tempo.
F) Durante o período em que ainda residiam na mesma casa e já na vigência do regime provisório, o Recorrido impedia o contacto dos menores com a mãe (o que se mantém), mesmo sabendo que não tem disponibilidade para exercer aquelas responsabilidades nos moldes determinados pelo Tribunal a quo, passando a hospedar os seus pais (avós paternos dos menores) na casa onde morava com a Recorrente.
G) Durante esse período foram protagonizadas pelo Recorrido diversas agressões, físicas e psicológicas, sobre a Recorrente, provadas no processo e que deram azo a um processo-crime por ofensa à integridade física, cujo despacho de acusação foi junto com as alegações da mãe.
H) Desse despacho consta que o Recorrido admitiu ter mudado a fechadura da caixa de correio que serve a casa que é dos dois, impedindo-a de aceder livremente à correspondência que lhe viesse endereçada.
I) Nas declarações tomadas ao Recorrido foi por si admitido ter, no dia 7 de Novembro de 2018, agarrado e impedido o acesso da Recorrente à sua mala, onde se encontravam os seus bens pessoais e profissionais.
J) Mais, admitiu ter removido, em 9 de Novembro de 2017, a mangueira do chuveiro da casa de banho, impedindo a Recorrente de levar a cabo os mais básicos cuidados de higiene.
K) Admitiu, ainda, nesse mesmo dia ter retirado a porta do quarto da Recorrente, o que fez sem o seu consentimento, expondo e invadindo a sua privacidade, na sua casa, o que fez sob o pretexto de olear as dobradiças da porta.
L) Por fim, admitiu que desligou as tomadas do quarto da Recorrente, igualmente sem o seu consentimento, por alegadamente estarem em curto-circuito.
M) Num processo de regulação de responsabilidades parentais é imprescindível atestar da capacidade de cada um dos pais para exercerem essas responsabilidades, pois só dessa forma pode um Tribunal, em consciência, determinar se cada um deles tem capacidade para exercê-las.
N) Apenas o primeiro episódio relatado figura como assente na factualidade provada, pelo que a douta sentença recorrida carece de ser complementada com estes factos.
O) Assim, no ponto 6 da factualidade provada deverá ler-se:
6. Neste contexto, foram protagonizadas agressões físicas pelo Requerido contra a Requerente, na frente dos filhos de ambos.
P) E, bem assim, devem ser aditados os seguintes pontos àquela factualidade provada:
7. Em 7 de Novembro de 2018, agarrou e impediu o acesso da Recorrente à sua mala, onde se encontravam os seus bens pessoais e profissionais, tendo-lhe dito que apenas lha devolvia se esta devolvesse uns dossiês que continham documentação do património comum do casal e que esta havia retirado do seu quarto;
8. Em 9 de Novembro de 2017 o Requerido removeu a mangueira do chuveiro da casa de banho.
9. Nesse mesmo dia, o Requerido retirou a porta do quarto da Requerente, o que fez sem o seu consentimento, expondo e invadindo a sua privacidade, sob o pretexto de olear as dobradiças da porta.
10. O Requerido desligou as tomadas do quarto da Requerente, igualmente sem o seu consentimento, por alegadamente estarem em curto-circuito.
Q) Foram estes comportamentos do Recorrido, aliados aos alertas do Tribunal a quo para a necessidade de porem termo à convivências comuns, que levaram a mãe a abandonar a casa de morada de família e a procurar uma outra para fazer vida.
R) Nunca o Recorrido concebeu a possibilidade de abandonar a casa, nem mesmo após alertas do Tribunal, tendo ao invés pressionado a Recorrente e tornado intolerável a sua permanência na casa de morada de família.
S) Contrariamente ao que consta da douta sentença recorrida, o pai não é autónomo na prestação de cuidados, nem evidencia competências suficientes para criar, proteger e estimular as crianças.
T) Resulta das declarações do Recorrido que os seus pais se deslocam ao Algarve semanalmente e que ficam consigo na sua semana para prestar todos os cuidados aos netos.
U) Pretendeu o Recorrido fazer crer que se trata de uma mera situação de apoio ocasional prestado pelos seus pais, mas a verdade é que estamos perante uma verdadeira substituição na prestação dos cuidados aos menores, passando os avós a substituir o pai no exercício dessas responsabilidades.
V) A dependência do Recorrido face ao apoio prestado pelos seus pais e pela sua companheira na educação dos menores é tal que aquele se exime completamente do exercício das suas responsabilidades – o que é tanto mais grave quando estamos perante um poder-dever.
W) Facto esse corroborado pelo depoimento da atual companheira do Recorrido, ao afirmar ser ela a ir buscar os menores às sextas-feiras, a tratar deles quando chega a casa, a brincar com eles e a confecionar as suas refeições porque o pai não pode.
X) O progenitor não passa tempo sozinho com os filhos, estando sempre dependente de terceiros para as tarefas mais básicas do dia-a-dia dos menores.
Y) Donde, resulta que o pai não é autónomo no exercício das responsabilidades parentais.
Z) Nenhum destes factos, embora carreados para os autos, foi tido em conta pelo Tribunal a quo.
AA) Acresce que o progenitor não tem um horário de trabalho que se coadune com as rotinas de dois filhos de tenra idade, que exigem constante atenção, cada um à sua maneira.
BB) Naturalmente que os menores, principalmente nesta faixa etária em que começam a sentir as grandes alterações na sua vida, tanto a nível formativo como de personalidade, necessitam de pais presentes, capazes de responder prontamente às suas necessidades.
CC) Em face disso, deve naquele ponto 18 dos factos provados ler-se:
18. A mãe é autónoma na prestação de cuidados e evidencia as competências necessárias para cuidar, proteger e estimular as crianças.
DD) E, por sua vez, também o ponto 19, nele passando a constar que:
19. O pai não é autónomo na prestação desses cuidados, estando depende de terceiros, em especial dos avós paternos e da companheira, para levar a cabo as tarefas quotidianas necessárias e indispensáveis para o cuidado, proteção e estimulação das crianças.
EE) Devendo ainda ser aditado um outro ponto no qual fique assente que:
São os avós paternos, que semanalmente se deslocam da sua residência em Lisboa e passam a residir na casa do ex-casal, quem entrega e recolhe as crianças da escola e, em sua substituição, a companheira do pai.
FF) Além disso, o progenitor considera os contactos dos menores com a mãe inoportunos, usando de todos os artifícios e expedientes para evitar que os menores falem com a mãe ou a vejam na semana em que estão consigo, o que já acontecia quando o ex-casal vivia na mesma casa.
GG) A esse propósito, a mãe chegou a pedir que fosse fixada uma hora para que esses contactos se realizassem, o que foi sempre recusado pelo Recorrido.
HH) Ao passarem semanas sem contactar com o outro progenitor, os telefonemas são uma forma de propiciar a continuidade das relações afetivas, cuja relevância foi realçada pela técnica, nas suas declarações ao Tribunal a quo.
II) Pelos depoimentos transcritos, bem como nos demais prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta evidente que o Recorrido pretende afastar a Recorrente da vida dos menores nas semanas em que estes se encontram a residir consigo.
JJ) Razão pela qual deve ser aditada à factualidade provada que:
Em virtude da tenra idade dos menores, estes não conseguem, autonomamente, contactar com nenhum dos pais, quando estão a residir com o outro.
E que: O pai obstaculiza o contacto dos menores com a mãe na semana em que estes residem consigo, impedindo ou dificultando gravemente todos os contactos telefónicos efetuados pela mãe.
KK) Mais, o Tribunal a quo, deu como provado que as crianças ficam felizes com a presença dos pais na escola.
LL) Sucede que apenas a mãe visita as crianças na escola, o que acontece em virtude de o pai impedir que os menores contactem com a mãe por outra via.
MM) Foi aliás esse o sentido das declarações prestadas pela professora dos menores, do qual resulta claro que o pai não frequenta a escola dos menores, nem lá se desloca.
NN) Pelo que, da matéria assente não pode resultar que as crianças ficam felizes com a presença dos pais na escola, quando apenas a mãe visita os menores no infantário.
OO) Assim, naquele ponto 21 dos factos provados deve constar que: As visitas da mãe às crianças no infantário de início eram perturbadoras para as estas, pois choravam quando a mãe ia embora, atualmente não dão qualquer sinal de instabilidade, despedem-se com naturalidade e ficam felizes com a presença da mãe.
PP) Resultou provado que o ambiente de conflituosidade existente entre o ex-casal é causado pela postura adotada pelo Recorrido perante a Recorrente e que inclusivamente esses conflitos comportaram agressões físicas e morais – tanto mais graves que é arguido num processo de ofensa à integridade física.
QQ) Mais se demonstrou que o Recorrido não promove nem propicia, como lhe é exigido, o contacto dos filhos com a mãe.
RR) Bem pelo contrário, o Recorrido evita e desencoraja esse contacto de forma tão clara que o transmite aos próprios menores, conforme resultou da audição das testemunhas no processo.
SS) E ainda ficou demonstrado, pelas declarações do próprio Recorrido e da sua companheira, bem como do parecer da técnica, que o pai não tem a disponibilidade para exercer as responsabilidades parentais a que está obrigado por força do regime instituído.
TT) O regime contido no art.º 1906º do CC tem em linha de conta, entre outros aspetos, a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover as relações habituais do filho com o outro, bem como o superior interesse do menor na fixação da residência deste.
UU) Subsumindo todos estes factos às normas jurídicas aplicáveis só pode concluir-se que o Tribunal a quo decidiu mal.
VV) A repartição aritmética do tempo dos menores entre os progenitores não é uma imposição legal e não é condição para o exercício pleno da parentalidade. Muitas vezes ela acaba mais imediatamente por satisfazer o progenitor que se sente preterido face ao outro do que propriamente o interesse dos menores.
WW) Cientificamente uma residência alternada não tem de assumir uma divisão 50/50 do tempo entre progenitores, sendo considerada residência alternada uma divisão de tempo com cada um dos pais entre 30% a 50%.
XX) Com a solução ora imposta, os menores (…) e o (…) vêem os cuidados serem prestados pela mãe na sua semana e podem livremente contactar com o pai; na semana que estão supostamente com este, têm como cuidadores de primeira linha os avós paternos, a namorada e só esporadicamente ele próprio.
YY) Ademais, com esta solução, os menores só poderão contactar com a mãe 15 dias por mês, já que se veem privados pelo pai e pela família paterna de encetar quaisquer contactos com a figura materna durante a semana que lhe cabe.
ZZ) O superior interesse dos menores ficará acautelado ao residirem mais tempo com aquele progenitor que fomenta, facilita e garante o contacto com o outro, mesmo quando tem os menores a seu cargo.
AAA) É do superior interesse dos menores conviverem com pai e mãe na mesma semana, não tendo pais em part-time semana sim, semana não.
BBB) Impunha-se pois ao Tribunal a quo a prolação de uma sentença que acautelasse amplos contactos dos menores com ambos os progenitores, e que não se limitasse a instituir um regime de residências alternadas semanais, contando que isso só por si não garante esses contactos, ou sequer o exercício consciente da parentalidade.
CCC) Estando em causa o bem-estar de duas crianças de tão pequena idade, e conforme resulta das mais elementares regras de experiência, estas não têm a noção temporal do adulto e, para cada um deles, uma semana inteira sem estabelecer contactos com o outro progenitor é tempo de mais.
DDD) O Tribunal a quo reconhece que as visitas da mãe à escola são benéficas, contudo, não se dignou a regular quaisquer contactos dos menores com os pais.
EEE) O Tribunal a quo preocupou-se, única e exclusivamente, em proferir uma decisão que promove a igualdade cronométrica entre os pais, mas que é prejudicial para as crianças, dado que (no sentido para que aponta a matéria de facto tida por provada, bem como à prova produzida) estes menores são órfãos de mãe metade do mês.
FFF) A fixação de um regime de residências alternadas, só deverá ser estabelecida quando se encontrem acautelados, de entre outros, os seguintes vetores: o superior interesse do menor, a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro, a possibilidade de a criança manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, e a disponibilidade de os pais para manterem contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe.
GGG) Os menores possuem uma grande relação afetiva com a progenitora e reclamam como demasiado o tempo que passam afastados da mesma.
HHH) É incontestável a importância da existência de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores para a formação psíquica e social dos menores, o que não implica uma divisão aritmética do tempo dos menores com cada um dos pais.
III) No caso em apreço, um regime que preveja convívios alargados e alternados de um dos progenitores de quinta a segunda-feira com uma pernoita a meio da semana em casa do outro, e com menção expressa que a guarda tem de ser compartilhada, dá mais equilíbrio aos menores e acima de tudo contribuirá para que o pai abandone a ideia que na semana dele as crianças não podem ter mãe.
JJJ) Por todo o exposto o regime provisório deve ser alterado, por outro adequado à idade e vontade das crianças, à disponibilidade efetiva dos progenitores, mantendo amplos convívios e contactos com ambos, mas sem que isso implique uma divisão da vida destas crianças ao meio e estanque em que são proibidas de ter mãe 15 dias no mês!
Com tais fundamentos requereu a final a revogação da sentença e sua substituição por outra que decida sobre o regime de responsabilidades parentais nos termos pugnados nas alegações.
A D. Magistrada do M.P. contra alegou e, opinando que o recurso sobre a matéria de facto não se encontra em condições de ser conhecido, por inobservância do disposto no art.º 640.º do CPC, defendeu a manutenção da decisão.
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Questão prévia: da admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto:
Conforme se enunciou, a D. Magistrada do MP pronunciou-se no sentido do recurso dever ser, nesta parte, rejeitado, por inobservância dos ónus prescritos no art.º 640.º do CPC. Impõe este preceito que o impugnante da decisão proferida sobre a matéria de facto especifique, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (vide n.º 1).
Nos termos do n.º 2 do preceito, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considera relevantes.
No caso em apreço a recorrente indicou, no corpo das alegações, os meios de prova, designadamente as passagens dos testemunhos que, em seu entender, foram indevidamente desconsiderados, devendo conduzir às pretendidas modificações, tendo do mesmo passo indicado quais os factos que pretende ver aditados e/ou modificados, indicação que reproduziu nas conclusões que a final formulou. Conforme se refere no aresto do STJ de 1/10/2015, processo 824/11.3 TTLRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt e constitui jurisprudência constante do mesmo STJ, “(…) II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III. Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação”.
Assim sendo, e porque a apelante deu cumprimento aos ónus impostos pelo art.º 640.º do CPC, inexiste fundamento para rejeitar o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
i. Do erro de julgamento quanto aos factos;
ii. Do erro de direito: a divisão dos tempos na guarda partilhada com residência alternada.
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i. Impugnação da matéria de facto
A recorrente impugna, como se vê do teor das conclusões, a decisão proferida sobre os factos, pretendendo que seja alterado o ponto 4, dele passando a constar que
“Desde que foi instituído o regime provisório de residência alternada, [requerente e requerido] estão em conflito constante, que se foi acentuando ao longo do tempo”, devendo ainda ser aditados os seguintes, que tem por relevantes, tendo resultado igualmente demonstrados:
O ponto 6 deverá, em seu entender, ser igualmente ser alterado, de modo a dele constar que:
6. Neste contexto, foram protagonizadas agressões físicas pelo Requerido contra a Requerente, na frente dos filhos de ambos.
E devem ser aditados os seguintes:
7. Em 7 de Novembro de 2018 agarrou e impediu o acesso da Recorrente à sua mala, onde se encontravam os seus bens pessoais e profissionais, tendo-lhe dito que apenas lha devolvia se esta devolvesse uns dossiês que continham documentação do património comum do casal e que esta havia retirado do seu quarto;
8. Em 9 de Novembro de 2017 o Requerido removeu a mangueira do chuveiro da casa de banho.
9. Nesse mesmo dia, o Requerido retirou a porta do quarto da Requerente, o que fez sem o seu consentimento, expondo e invadindo a sua privacidade, sob o pretexto de olear as dobradiças da porta.
10. O Requerido desligou as tomadas do quarto da Requerente, igualmente sem o seu consentimento, por alegadamente estarem em curto-circuito.
Os pontos 18 e 19 devem, em seu entender, passar a ter a seguinte redacção:
18. A mãe é autónoma na prestação de cuidados e evidencia as competências necessárias para cuidar, proteger e estimular as crianças.
19. O pai não é autónomo na prestação desses cuidados, estando depende de terceiros, em especial dos avós paternos e da companheira, para levar a cabo as tarefas quotidianas necessárias e indispensáveis para o cuidado, proteção e estimulação das crianças.
Devendo ainda ser aditado um outro ponto, no qual fique assente que:
São os avós paternos, que semanalmente se deslocam da sua residência em Lisboa e passam a residir na casa do ex-casal, quem entrega e recolhe as crianças da escola e, em sua substituição, a companheira do pai.
Devem também ser aditados os seguintes factos:
Em virtude da tenra idade dos menores, estes não conseguem, autonomamente, contactar com nenhum dos pais, quando estão a residir com o outro.
E que:
O pai obstaculiza o contacto dos menores com a mãe na semana em que estes residem consigo, impedindo ou dificultando gravemente todos os contactos telefónicos efetuados pela mãe.
O ponto 21 deve ser alterado de forma a dele constar que:
As visitas da mãe às crianças no infantário de início eram perturbadoras para as estas, pois choravam quando a mãe ia embora, atualmente não dão qualquer sinal de instabilidade, despedem-se com naturalidade e ficam felizes com a presença da mãe.
Apreciemos, pois, a pretensão modificativa da recorrente.
No que respeita ao ponto 4, afirmando a progenitora e agora apelante que é falso quanto dele consta, afirmando que a conflituosidade apenas se iniciou com a fixação do regime provisório, a verdade é que não indica nenhum elemento probatório que corrobore a sua afirmação. Em sentido contrário porém, pode apontar-se o requerimento inicial por si apresentado, no qual dá conta que tendo inicialmente chegado a acordo com o requerido para regular as responsabilidades parentais dos filhos de ambos, esse acordo não estaria a ser cumprido, justificando o recurso a tribunal. Deste modo, e nenhum meio de prova tendo sido indicado pela recorrente no sentido de contrariar o referido facto, é o mesmo mantido.
Quanto ao ponto 6, que pretende ver alterado no sentido que deixou expresso, e aditamento dos factos acima descritos sob os n.ºs 7 a 10, apela a recorrente ao teor do despacho de arquivamento/acusação – prova documental portanto, sem valor de confissão –, na qual a D. Magistrada titular do inquérito faz referência às declarações prestadas pelo arguido, agora reproduzidas pela recorrente. Sucede, porém, que o arguido circunstanciou os factos e justificou as suas relatadas condutas com outras perpetradas pela recorrente as quais, pelo menos em certa medida, justificariam aquelas. Deste modo, a querer a recorrente aproveitar-se de tais declarações como confessórias, teriam que se ter igualmente por assentes, dada a indivisibilidade da confissão (art.º 360.º do CC), as condutas que lhe são imputadas, dado que não foi demonstrada a sua inveracidade, o que nada acrescentaria àquilo que tristemente já resulta dos pontos 6 e 7 dos factos provados, que assim se mantêm imodificados.
A alteração proposta aos pontos 18 e 19, tendentes a afirmar a autonomia da requerente mãe para prestar cuidados aos filhos e a inaptidão do pai para o fazer por si só, encontraria suporte, segundo a recorrente, nas declarações do progenitor e da companheira, nas passagens que indicou. Mas não tem razão, porquanto, se resultou evidenciado que os avós paternos se deslocam a casa do filho quando os menores estão presentes e ajudam nos cuidados a prestar-lhes, tal não significa que o pai não tenha autonomia para tal, sendo com certeza salutar a manutenção de um convívio estreito com os avós paternos, como também será com a avó materna.
Identicamente, se o pai tem uma companheira, é natural que esta auxilie nos cuidados a prestar aos menores (tal como normal seria no caso de se tratar do companheiro da mãe), designadamente confeccionando as refeições, uma vez que lhe dá prazer, sem que daí resulte a incapacidade do progenitor para, com autonomia, cuidar dos filhos. Irrelevante é, neste contexto, o ponto pretendido aditar no sentido de que são os avós paternos ou a companheira (esta, aliás, referiu que o faz, ou sozinha ou com o pai dos menores) quem entrega e recolhe as crianças na escola, tal como irrelevante seria a menção de que nos impedimentos da recorrente é a avó materna quem assegura tal tarefa. Se os pais dispõem do apoio dos avós, tal traduz-se certamente em ganhos para as crianças, sendo certo que a lei permite expressamente que o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente – e é o progenitor com quem o menor se encontra – delegue esse exercício (cfr. art.º 1906.º, n.º 4, do CC). Improcede pois, também neste segmento, a impugnação deduzida.
Tem todavia razão a recorrente quando pretende que fique assente que o progenitor obstaculiza o contacto dos menores com a mãe na semana em que estes residem consigo, impedindo ou dificultando gravemente todos os contactos telefónicos efetuados pela progenitora. Tal tinha sido já denunciado pela Dr.ª (…) quando os progenitores ainda residiam na mesma casa (cfr. fls. 19), tendo-se mantido, conforme resulta evidente da correspondência trocada entre requerente e requerido e que se encontra junta aos autos.
Deste modo, e porque o facto descrito em 13 só se encontra demonstrado na medida em que o ali referido é alegado pelo pai, altera-se a sua redacção, que passará a ser a seguinte:
13. O progenitor obstaculiza o contacto dos menores com a mãe na semana em que estes residem consigo, impedindo ou dificultando gravemente todos os contactos telefónicos efetuados pela mãe, alegando que esses contactos não são oportunos, convenientes e perturbam a estabilidade das crianças;
No que respeita ao ponto 21, do qual a recorrente pretende que seja suprimida a menção ao pai, o extracto do testemunho prestado pela professora indicado e transcrito pela recorrente não abona a sua pretensão, uma vez que aquela foi perguntada quanto a eventuais visitas do pai nas semanas em que os menores residem com a mãe, contexto diferente do referido no ponto em causa.
Atento o exposto, e com a assinalada excepção no que se refere ao ponto 13, mantém-se a decisão proferida sobre a matéria de facto.
*
II. Fundamentação
De facto
São os seguintes os factos a considerar com relevo para a decisão:
1. (…) e (…), nascidos 14 de Outubro de 2013, em Portimão, são filhos da requerente e do requerido;
2. A requerente e o requerido viveram em união de facto durante cerca de oito anos, durante a qual nasceram as crianças supra referidas;
3. Em data indeterminada, essa relação entrou em rutura, tendo a requerente e o requerido passado a fazer vidas separadas, embora se tenham mantido a viver na mesma casa, por ambos pretenderem manter a utilização desta;
4. Desde então, e enquanto se mantiveram na mesma casa, estavam em conflito constante, que se foi acentuando ao longo do tempo;
5. Após o tribunal ter instituído o regime de residência alternada, e vivendo ainda ambos os pais na mesma casa, o requerido procurou suprimir qualquer intervenção da mãe na vida das crianças e forçar a requerida a sair de casa, e a requerida forçar o contacto com as crianças tentando contrariar aquele propósito;
6. Neste contexto protagonizaram cenas de disputa acesa na frente dos filhos com agressões físicas e verbais;
7. O requerido encontra-se acusado por crime de ofensa à integridade física contra a requerente por a 6 de Novembro de 2017, cerca das 21H35, porque a requerida se dirigiu ao quarto dos filhos para lhes dar um beijo de boa noite o requerido agarrou-a por um braço e empurrou-a, e de seguida empurrou a porta do quarto, procurando fecha-la embatendo com a porta no braço e perna da requerida, que resistiu em abandonar o quarto colocando o corpo entre a porta para que o requerido não a fechasse, provocando-lhe diversas equimoses;
8. Os comportamentos dos pais supra descritos acabaram por interferir no dia-a-dia das crianças que ficaram sob stress emocional;
9. As crianças começavam a dar sinais de instabilidade que se manifestava em alterações de comportamento e dificuldades no cumprimento de regras;
10. Na conferência de 10 de Janeiro de 2018, o tribunal alertou os pais para a necessidade de porem fim a vivência conjunta, tendo a requerente acabado por aceitar sair de casa;
11. Durante os meses que se seguiram, os menores mantiveram-se em regime de residência alternada com ambos os pais, tendo a situação estabilizado;
12. Os desentendimentos entre os pais persistem relativamente à manutenção de contactos com os filhos na semana que estão com o outro progenitor, porquanto a mãe pretende contactos com os filhos na semana do pai, deslocando-se para o efeito ao infantário que eles frequentam, telefona diariamente e acusa o pai de não atender os telefonemas impedindo-lhe os contactos com os filhos;
13. O progenitor obstaculiza o contacto dos menores com a mãe na semana em que estes residem consigo, impedindo ou dificultando gravemente todos os contactos telefónicos efetuados pela mãe, alegando que esses contactos não são oportunos nem convenientes e perturbam a estabilidade das crianças;
14. A propósito da escolha da escola a frequentar pelos filhos o pai tomou a iniciativa de fazer a inscrição, sem o acordo da mãe quanto à escolha das escolas e assumiu-se como encarregado de educação;
15. Em temos educacionais a progenitora apresenta uma atitude educacional mais permissiva e o pai mais exigente em termos de imposição de regras às crianças;
16. As crianças actualmente estão estáveis, têm os cuidados assegurados junto do cada um dos pais, e apresentam-se no infantário em condições de higiene e alimentação adequados em ambas as semanas;
17. Ambos os pais fazem acompanhamento próximo das actividades escolares e têm instituídas rotinas diárias às crianças;
18. Quer a mãe quer o pai são autónomos na prestação de cuidados e evidenciam competências suficientes para cuidar, proteger e estimular as crianças;
19. Durante as semanas que os menores estão em casa do pai este beneficia do apoio dos avós paternos, que se deslocam da sua residência para o efeito e que entregam e recolhem os menores na escola quando o pai está impedido;
20. A progenitora, por sua vez, beneficia do apoio da avó materna;
21. As visitas da mãe às crianças no infantário de início eram perturbadoras para as estas, pois choravam quando a mãe ia embora, actualmente não dão qualquer sinal de instabilidade, despedem-se com naturalidade e ficam felizes com a presença dos pais;
22. A progenitora é técnica de marketing e trabalha no Hotel dos (…), com um horário entre as 9H00 e as 18H00;
23. Por essa actividade aufere mensalmente o valor de € 1.500,00;
24. Explora 2 unidades de alojamento local com que aufere o valor anual de € 8.000,00;
25. Vive sozinha com os filhos;
26. O pai trabalha como vendedor de vinhos para a Garrafeira (…) e não tem horário definido, gere o seu próprio horário;
27. Com esta actividade aufere cerca de € 1.100,00, mensais;
28. O pai ainda trabalha como comerciante de café por conta própria de onde retira proventos não apurados;
29. Ambos os pais dispõem de condições habitacionais para acomodar os menores, dispondo estes, em ambas as habitações, de quarto que partilham entre si.
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De Direito
Do regime da guarda conjunta com residências alternadas
Sem colocar propriamente em causa o regime fixado no que respeita à residência alternada, a recorrente alega que a sentença errou quando fixou que os menores ficarão a residir uma semana com cada um dos progenitores, alegando que o seu superior interesse determinaria que uma divisão dos tempos diferente, devendo passar mais tempo com a progenitora.
Acusa ainda a sentença de ser omissa quanto a um aspecto que se impunha regular, a saber, assegurar o contacto do progenitor com os menores na semana em que residem com o outro – questão que, parece-nos, perderia muita da sua acuidade se, como pretende, o progenitor passasse a ter os menores a residir consigo durante períodos mais reduzidos.
Para o que aqui releva, dispõe o, nesta matéria nuclear, art.º 1906.º do CC, que
“As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
(…)
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada pro cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e partilha de responsabilidades entre eles”.
Conforme tivemos já oportunidade de referir[1], à luz do assim preceituado, afigura-se relevante destacar dois aspectos que cremos essenciais: em primeiro lugar, o normativo em apreciação ao prever, no seu n.º 5, que o tribunal estabeleça a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, não exclui a solução da residência alternada nem manifesta preferência por solução diversa; depois, e decisivamente, o critério do superior interesse do menor cumpre-se, no dizer da lei, com a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores que inclua a partilha de responsabilidades entre eles (cfr. o n.º 7), impondo ao tribunal que aceite acordos ou tome decisões nesse sentido (aqui prescindindo do acordo dos progenitores), desiderato que o exercício comum das responsabilidades com a residência alternada surge como especialmente apto a alcançar.
Harmonicamente com o art.º 1906.º, o art.º 40.º do regime geral do processo tutelar cível (anexo à Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro), estatui que “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”.
É indiscutível, portanto, que o interesse superior da criança é o critério orientador essencial que há-de nortear o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais, conforme impõe, aliás, o art.º 3.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, e que no entender do legislador a partilha de responsabilidades e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores será, em regra, a solução que melhor serve o seu interesse, não assumindo deste modo qualquer relevância para efeitos decisórios o interesse/vontade individual de cada um dos progenitores.
No caso vertente, conforme os autos evidenciam, resultou demonstrado que em benefício dos menores (…) e (…) ambos os progenitores se apresentam como capazes de satisfazerem as suas necessidades, dispondo ainda do apoio dos familiares chegados, vivenciando agora uma situação estabilizada. E este aspecto é, a nosso ver, relevante, porquanto, vigorando a solução da residência alternada nos moldes agora fixados na sentença desde 2017, data em que foi fixado o regime provisório, com registo de uma evolução favorável, encontrando-se os menores estáveis e equilibrados, afigura-se inexistir fundamento bastante para instituir uma solução diferente, quebrando as rotinas já instituídas, não se vendo, pois, razão, para dispor de forma diferente quanto ao período de residência com cada um dos progenitores.
Mas se se entende manter o decidido na fixação da residência alternada com tempos de permanência idênticos, impõe-se reconhecer a razão da recorrente quando se bate pela necessidade de ver assegurados os contactos com os filhos na semana em que residem com o progenitor, afigurando-se de todo injustificada e irrazoável a rigidez/inflexibilidade que este vem revelando, parecendo entender que os filhos lhe pertencem em exclusivo na semana em que residem consigo. Não havendo nenhuma evidência que os contactos com a mãe sejam um factor desestabilizador quando se encontram com o pai – como, com certeza, os contactos com o pai quando se encontram com a mãe não o serão – urge regular este aspecto que, para além do mais, se tem erigido como fonte privilegiada de conflitos.
Deste modo, em aditamento ao regime fixado, determina-se que:
- o progenitor com quem os menores não se encontram a residir poderá contactá-los após o horário escolar, mediante contacto telefónico estabelecido com o outro ou com a pessoa com quem as crianças na altura se encontrem, sem prejuízo do repouso destes (sendo conveniente que cada um dos progenitores seja informado da hora de deitar dos menores, que deverá ser idealmente a mesma, independentemente do progenitor com quem se encontrem);
- às 3.ªs feiras o progenitor com quem os menores não se encontram a residir poderá ir buscá-los à escola e levá-los a jantar, entregando-os na casa do outro para pernoitar.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela requerente mãe, (…) e, em consequência, alteram a sentença recorrida, aditando a seguinte cláusula:
- o progenitor com quem os menores não se encontram a residir poderá contactá-los após o horário escolar, mediante contacto telefónico estabelecido com o outro ou com a pessoa com quem as crianças na altura se encontrem, sem prejuízo do repouso destes (sendo conveniente que cada um dos progenitores seja informado da hora de deitar dos menores, que deverá ser idealmente a mesma independentemente do progenitor com quem se encontrem);
- às 3.ªs feiras o progenitor com quem os menores não se encontram a residir poderá ir busca-los à escola e levá-los a jantar, entregando-os na casa do outro para pernoitar, mantendo-se quanto ao mais o decidido.
Custas a cargo de requerente e requerido, na proporção de metade para cada um.
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Évora, 11 de Julho de 2019
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
José Manuel Barata
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[1] No processo n.º 147/16.1T8PTM-B.E1, por nós relatado.