Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3369/21.0T8STR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: DESPEDIMENTO DE FACTO
DECLARAÇÃO TÁCITA
REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O despedimento exige uma declaração de vontade da entidade empregadora inequívoca e concludente pela qual se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro, sem eficácia retroactiva.
2. A apresentação, pela empregadora, de uma minuta de acordo de revogação do contrato de trabalho, traduz, apenas, uma proposta negocial, que o trabalhador pode ou não aceitar – como não aceitou, no caso dos autos.
3. De uma proposta apresentada nesses termos não se pode retirar uma declaração de vontade da empregadora, inequívoca e concludente, no sentido de fazer cessar, de forma unilateral, o contrato de trabalho.
4. A negociação destinada à formação de acordo de cessação do contrato de trabalho não fica concluída enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.
5. Mesmo depois de assinado, o trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, nos termos regulados no art. 350.º do Código do Trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, AA demandou Centro Comercial ... de S..., Lda., pedindo a declaração de ilicitude do despedimento efectuado pela Ré e a sua condenação no pagamento de € 30.790,25 a título de indemnização, as prestações que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, e ainda a quantia de € 2.085,70 a título de créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho, e € 610,65 por formação profissional não ministrada.
Na sua petição inicial, o A. argumenta que, perante o fecho da loja da Ré, esta procurou fazê-lo aceitar um acordo de revogação do contrato de trabalho, no qual não constava o valor da indemnização devida e créditos salariais, o que não aceitou.
Na contestação, a Ré conclui não ter procedido ao despedimento do trabalhador.
Após julgamento, a sentença julgou a acção parcialmente procedente, condenando nos seguintes termos:
“A. Declara-se ilícito o despedimento do qual o autor AA foi alvo.
B. Condena-se a ré Centro Comercial ... de S..., Lda.. no pagamento ao autor:
1. da quantia de € 30.790,25 (…), a título de indemnização em substituição da reintegração;
2. das retribuições que o autor deixou de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, devendo descontar-se:
a) o tempo decorrido entre o dia 7 de Janeiro de 2021 e o dia 22 de Novembro de 2021;
b) bem como as importâncias que o autor auferiu com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente, a título de retribuição.
3. da quantia de € 79,90 (…), a título de retribuição do mês de Dezembro de 2020, indevidamente descontada);
4. da quantia de € 584,10 (…), a título de créditos por formação profissional não prestada.”

Apresenta-se a Ré, apresentando conclusões que, por longas e prolixas, aqui se resumem ao seguinte:
Impugnação da matéria de facto:
O ponto 28 deveria declarar como provado que: “O autor não assinou o acordo de revogação do contrato de trabalho por não concordar com o teor das suas cláusulas, isto apesar de numa primeira ocasião ter concordado com os termos do acordo e, posteriormente, apesar de não assinar o documento, ter feito saber que não queria voltar a trabalhar na R..”
O ponto 29 deveria declarar como provado que: “Em data não concretamente apurada mas no início do mês de Janeiro de 2021, a legal representante da ré, telefonou ao autor, perguntando-lhe quando iria à loja da empresa para resolver o assunto pendente.”
O ponto 30 deveria declarar como provado que: “Tendo o autor referido expressamente à ré que não o assinaria porque não concordava com o seu teor.”
O ponto 31 deveria declarar como provado que: “Ao que a representante da ré disse ao autor que não haveria qualquer problema e que retomasse o seu trabalho.”
O ponto 33 deveria declarar como provado que: “Em data não concretamente apurada mas no início do mês de Janeiro de 2021, o autor referiu expressamente à ré que não o assinaria porque não concordava com o seu teor, ao que a gerente da Ré retorquiu que não haveria qualquer problema e que retomasse o seu trabalho.”
Deverão ser dados como provados os factos constantes das als. a) e c) dos factos não provados: “a) O autor disse que queria ir-se embora da empresa, até porque tinha uma oferta de emprego para o início de Janeiro de 2021”, e “c) O autor aceitou então e, por esse motivo, foi pedida a elaboração dos documentos, nos termos acordados, ficando então a gerente BB de apresentar documentação, para ser assinada no dia 22 de Dezembro de 2020.”
Impugnação de Direito:
Conforme resulta de toda a prova, o recorrido aceitou e recebeu na sua mão, tendo declarado o seu recebimento em 31/12/2020, a declaração modelo 5044 para efeitos de atribuição de desemprego, preenchida no ponto 15 (e não no ponto “13” como por lapso é referido na douta sentença).
Também resulta da prova que, recebido o documento o recorrido deu entrada desse documento nos serviços competentes, solicitando a atribuição de subsídio de desemprego.
Nunca a recorrente afirmou ao recorrido que este estava despedido, sob qualquer forma.
Foi, de forma expressa e cabal, proposta a continuidade do recorrido ao serviço da recorrente, contrariamente ao que é afirmado na douta fundamentação.
A afirmação de que a recorrente cessou a sua actividade, o que não corresponde à realidade, visto que a empresa mantém a sua actividade, apenas, isso sim, tendo encerrado o estabelecimento onde laborava anteriormente.
Não corresponde à realidade que o recorrido tivesse deixado de ter local onde trabalhar, porquanto e desde logo encerrado o estabelecimento a empresa continuou a laborar, primeiro, naquele local, para efectuar inventário, arrumações, entre outros e, posteriormente, transferindo a sua actividade para outro local, conhecido, onde poderia o recorrido continuar a exercer a sua actividade profissional, não fora a sua decisão de não mais retomar o trabalho, por sua única e exclusiva opção.
Dos autos é impossível retirar qualquer manifestação de vontade da recorrente, ainda que de forma “informal” da qual se possa retirar a intenção de se proceder ao despedimento do recorrido.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Produziu a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Évora parecer no sentido da confirmação do decidido.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Ponderando que se encontram reunidos os pressupostos do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e consignando que se procedeu à audição da prova gravada, procedamos à análise da impugnação fáctica deduzida pela Recorrente.
A impugnação da matéria de facto respeita, no essencial, às condições de cessação do contrato de trabalho discutidas entre as partes e aos motivos pelos quais o A. recusou assinar a proposta de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo.
As negociações decorreram entre os dois gerentes da Ré, CC e BB (pai e filha) e os dois trabalhadores que ali exerciam funções, o aqui A. e a testemunha DD, tendo todos prestado depoimento em julgamento. Porém, nos actos ocorridos em 31.12.2020 e no início de Janeiro de 2021, o CC não teve intervenção directa.
Todos prestaram depoimento na audiência de julgamento, e as versões apresentadas pelos gerentes e pelo A. coincidem quanto à proposta inicial que foi formulada: uma vez que o estabelecimento iria encerrar, sendo a actividade continuada na outra empresa que os gerentes detêm, a ..., propuseram a transferência dos trabalhadores para essa empresa ou, em alternativa, a revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, embora neste caso sem pagamento de qualquer compensação, uma vez que a empresa não dispunha de recursos financeiros para o efeito e a actividade laboral podia ser mantida na outra empresa.
A discordância do A. respeitava ao seguinte: não pretendia continuar a trabalhar na outra empresa (vide o seu depoimento, entre 37m45s e 38m25s) e pretendia receber indemnização de antiguidade.
Quanto ao primeiro ponto da discordância, o A. apresentou duas justificações para a sua recusa: primeiro, porque não era serralheiro (não justificando melhor em que medida as tarefas que iria desempenhar na outra empresa eram incompatíveis com a sua categoria profissional) e, depois, porque não lhe seria reconhecida a antiguidade que tinha ao serviço da Ré (no que foi contrariado pela testemunha DD, o qual declarou que a antiguidade seria mantida, no que é confirmado pelo contrato de trabalho que veio a celebrar com a ... em 29.01.2021, junto aos autos, do qual consta uma cláusula que lhe reconhece a sua antiguidade a 31.12.1990).
Tendo-lhe sido apresentada pela gerente BB uma minuta do acordo de revogação do contrato de trabalho, acompanhada de um cheque no valor de € 1.646,62 e as declarações para obtenção do subsídio de desemprego (onde era invocado como motivo do desemprego, acordo de revogação do contrato de trabalho), o A. adoptou a seguinte atitude: recusou a assinatura do acordo de revogação do contrato de trabalho, mas descontou logo o cheque e utilizou as declarações que a Ré lhe entregou para requerer, de imediato, a atribuição de subsídio de desemprego, apesar de saber que o motivo de desemprego ali invocado (acordo de revogação) não existia.
As circunstâncias que rodearam a recusa do A. em assinar a minuta que lhe foi apresentada, de revogação por acordo do contrato de trabalho, foram expostas no depoimento da testemunha DD, transcrevendo-se a seguinte passagem, que pela sua clareza se mostra de especial relevo para explicar o comportamento das partes:
“Pronto, esse documento foi feito e depois quando ele foi lá nesse dia pediu para levar o documento para ler ou para mostrar ao advogado. Ou para mostrar a alguém. Ou para ler. Pronto. Ok, levou o documento, fez o que tinha a fazer lá, foi-se embora, e um dia ou dois depois, a BB perguntou-me se o AA…, se me tinha dito alguma coisa. Eu disse a mim não me disse nada. Ah, ficou de trazer o papel, vou-lhe ligar. Ligou-lhe, ele depois passada meia hora chegou lá, depois aí…, o que aconteceu foi que quando ele chegou à loja, levava o documento e disse: Olhe, tá’ aqui o documento mas eu não vou assinar o documento. Mas não vai assinar porquê? Não vou assinar porque há coisas aqui que eu não concordo. Mas não concorda com o quê? Este documento é igual ao outro. A única coisa diferente é a data que já está certa. Não. Há coisas que eu não concordo, não vou assinar, fui aconselhado a não assinar, não assino, pronto e depois gerou-se ali um certo atrito. E ele disse: Ah, não vale a pena também estar-se a chatear, porque se não me arranjarem problemas a mim eu também não arranjo a ninguém, nem com tribunais nem com nada, só não vou assinar o documento porque não concordo com coisas que estão aí no documento. E a BB disse ao AA, então se você não assina esse documento tem de vir trabalhar, porque a loja tá’ aqui tem…, pronto, precisa de ser desmanchada, há inventário para fazer, há uma série de coisas para fazer. E o AA disse que não que já tinha mentalizado que não ia para a loja, que já não voltava, que se ia embora, e foi-se embora” – extracto do seu depoimento, entre 9m10s a 10m50s.
Deste depoimento, de maior relevância porque a testemunha DD era colega de trabalho do A. e foram-lhe propostas as mesmas condições, decorrendo os diálogos na presença dos dois trabalhadores, podemos retirar as seguintes conclusões fundamentais: o A. recusou assinar o acordo de revogação do contrato de trabalho (mas requereu o subsídio de desemprego invocando precisamente esse fundamento); ao A. foi proposto continuar a trabalhar, com transmissão do vínculo contratual para a outra empresa e com manutenção da antiguidade, o que recusou; tendo comunicado à gerente da Ré que recusava assinar o acordo de revogação do contrato, recusou retomar o trabalho, como aquela lhe solicitou; o A. pretendia receber uma indemnização de antiguidade.
Face a estas circunstâncias de facto, entendemos que a matéria de facto carece das seguintes alterações:
- no ponto 28, é conclusiva a referência “a que tinha direito” a uma compensação pecuniária – se tem direito a essa compensação é o objecto da discussão jurídica que adiante será realizada; aceita-se que o A. não pretendeu prescindir de compensação pecuniária, pelo que este ponto do elenco fáctico passará a ter a seguinte redacção: “O A. não assinou o acordo de revogação do contrato de trabalho por não concordar com o teor das suas cláusulas, pois não pretendia prescindir de compensação pecuniária nem dar qualquer quitação”;
- no ponto 29, o telefonema da gerente BB destinou-se a pedir a passagem do A. pela loja, para entregar o acordo assinado; importando retirar qualquer ideia de imposição de assinatura – o A. era livre de assinar o acordo, ou não, e certo é que não o assinou – passará este ponto a ter a seguinte redacção: “No dia 7 de Janeiro de 2021 (quinta-feira), a legal representante da Ré telefonou ao A., pedindo-lhe para passar pela loja para entregar o acordo assinado”;
- no ponto 30, quando foi à loja no dia 7, o A. não explicou claramente à gerente da Ré porque não assinava o acordo de revogação do contrato de trabalho, utilizou apenas uma resposta genérica: “não vou assinar o documento porque não concordo com coisas que estão aí”. Deste modo, este ponto ficará com a seguinte redacção: “Tendo o A. ido à loja nesse dia, disse expressamente à gerente da Ré que não assinaria a minuta do acordo porque não concordava com o seu teor”;
- no ponto 31, a atitude da gerente não foi de imposição da assinatura do acordo, mas antes de dizer ao A. que, se não assinava, retomava o trabalho – e tal é bem claro no depoimento da testemunha DD, acima transcrito no seu trecho essencial. Deste modo, este ponto ficará com a seguinte redacção: “Ao que a gerente da Ré respondeu ao A. que, se não assinava, devia retomar o trabalho”;
- no ponto 33, o A. não especificou nem concretizou o que entendia por “meus direitos”, apenas que não assinava a minuta do acordo por não concordar com o seu teor. Deste modo, este ponto ficará com a seguinte redacção: “No dia 8 de Janeiro de 2021 (sexta-feira), o A. dirigiu-se às instalações da Ré para dizer à gerente, uma vez mais, que não aceitava os termos constantes da minuta do acordo de revogação do contrato de trabalho e que não o assinaria”;
- quanto à al. a) do elenco de factos não provados, do depoimento prestado pela testemunha DD resulta que o A. declarou expressamente à gerente da Ré que se ia embora e foi isso mesmo que fez – e fê-lo com a intenção de não retomar o trabalho, apesar de tal lhe ter sido solicitado. Deste modo, será aditado um novo ponto ao elenco de factos provados, com o n.º 38 e a seguinte redacção: “O A. disse à gerente da Ré que se ia embora da empresa”;
- quanto à al. c) do elenco de factos não provados, dos depoimentos prestados não resulta que o A. alguma vez tenha expressamente aceite sair da empresa sem receber uma indemnização de antiguidade, pela que esta parte da decisão de facto não será alterada.
Em resumo, procede-se à alteração dos pontos 28, 29, 30, 31 e 33 do elenco de factos provados e adita-se um novo ponto com o n.º 38, nos precisos termos supra expostos.

Corrige-se, também, no ponto 20 a referência ao número do quadrado assinalado com uma cruz no modelo 5044: é o n.º 15 e não o n.º 13, como por lapso material se escreve na sentença.

O elenco fáctico provado fica assim organizado:
1. A Ré explora uma empresa que se dedica ao comércio por grosso de tabacos, combustíveis líquidos, gasosos e sólidos, bebidas não alcoólicas e cervejas, comércio a retalho de combustíveis líquidos, gasosos e sólidos, electrodomésticos, ferragens, tintas, vidros, vernizes e produtos similares, materiais de construção, motores diversos, material de bricolage artigos de desporto e campismo, produção e comércio por grosso e a retalho de barcos de recreio. Comércio e reparação de máquinas agrícolas e industriais.
2. E tem o NIF ... e CAE 46350 – Comércio por grosso de tabaco; CAE 47784 – Comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados.
3. O A. foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho escrito, a certo, pelo prazo de três meses para, com início em 1 de Fevereiro de 1988 e términus em 1 de Maio de 1988, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e no interesse da Ré, exercer as funções inerentes à categoria de semiespecializado químico.
4. Por força das suas renovações legais, o contrato de trabalho converteu-se em contrato de trabalho sem termo.
5. À data da contratação, o A. trabalhava na produção de barcos de recreio que à data a Ré desenvolvia tinha fabrico próprio, bem como as reparações em armazém que a Ré possuía em S....
6. A partir do ano de 2005, a Ré fechou o armazém onde produzia e reparação os barcos de recreio e os seus trabalhadores, entre os quais o A., passaram a exercer as suas funções na loja com o n.º 43/45, propriedade da Ré, sita na Av.ª..., S..., loja de venda e revenda ao público de tabaco, gás em garrafas, electrodomésticos, materiais de construção.
7. Passando o A. a exercer funções de vendedor, efectuando ainda a distribuição de gás em garrafas, para os clientes da Ré, no concelho ..., conduzindo um veículo, propriedade da Ré.
8. Não obstante a Ré lançar no recibo de salário do A., a categoria profissional de semiespecializado.
9. Ao serviço da Ré, tinha o A. um horário de trabalho de 44 horas semanais, distribuídas de segunda a sábado sendo que de segunda a sexta-feira tinha o seguinte horário: das 9h 00m às 19h 00m com intervalo para almoço das 13h00m às 15h 00m, sendo ao sábado das 9h 00m às 13h 00 a com descanso semanal ao domingo.
10. O A. encontra-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), o qual por sua vez, se encontra filiado na Federação de Transportes e Comunicações (FECTRANS) que sucedeu à Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos (FESTRU).
11. Auferia, o A., ultimamente ao serviço da Ré, o vencimento mensal base de € 920,00 acrescido do subsídio de alimentação no montante de € 3,00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, bem ainda como o montante de € 15,40 a título de diuturnidades.”
12. Em final de Novembro de 2021/início de Dezembro de 2021, face aos sucessivos maus resultados financeiros da Ré, nomeadamente na distribuição de gás e venda de tabaco, foi dito por um dos gerentes desta, CC, que a sociedade não poderia continuar a laborar na área da distribuição de gás.
13. Sendo que apenas se manteriam a trabalhar com os equipamentos da marca “Sthil” e mudar-se-iam para as instalações de uma outra empresa sua pertença, a “...”, sita na EN ...18, Km 46, em S..., sita a 1.5km do local da anterior sede e local de trabalho do A..
14. Esta conversa foi efectuada perante o A. e perante o outro trabalhador da empresa, DD.
15. Alguns dias mais tarde, foi pela gerente BB dito, a estes mesmo dois trabalhadores, que a situação era conforme lhes tinha sido transmitida e que, face, às enormes dificuldades financeiras da Ré, haveria duas hipóteses de resolução da situação laboral de ambos.
16. A primeira seria acompanharem a mudança da empresa para as instalações onde a Ré passaria a ter a sua sede, sendo que seriam, posteriormente, integrados na “...”, com todos os direitos, nomeadamente a antiguidade, salvaguardados.
17. Ou então a cessação do contrato por acordo entre as duas partes, porém, com a menção de que a empresa não tinha hipótese de fazer face ao pagamento de indemnizações, visto não ter capital para tal.
18. O A. e o outro trabalhador, ficaram então de pensar no assunto e depois dariam as suas respostas.
19. O trabalhador DD passados alguns dias deu a sua resposta e optou por continuar ao serviço da Ré, noutras instalações e mais tarde ser integrado na “...”, o que veio efectivamente a suceder.
20. A 4 de Janeiro de 2021, o A. foi ao estabelecimento da Ré, que havia encerrado a 31 de Dezembro de 2020, onde a representante legal da Ré, entregou ao A. os seguintes documentos, todos eles previamente elaborados e totalmente preenchidos:
- Modelo 5044 e uma cópia do mesmo, dizendo-lhe: “este documento é para entregar no fundo de desemprego, assina a cópia para comprovar que o recebeu. No referido modelo, a Ré tinha sido aposto uma cruz no ponto 15: “Acordo de revogação fundamentado em motivo que permita o despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho tendo em conta a dimensão da empresa e o numero de trabalhadores, em que foi dado conhecimento ao trabalhador, para efeitos de atribuição de prestações de desemprego, de que a cessação do contrato respeitou os limites de quota estabelecidos n.º 4 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de Novembro”.
- Declaração elaborada e subscrita pela Ré – dizendo a sua legal representante ao A., que tal declaração era para ser entregue no Centro de Emprego e para o A. assinar uma cópia, comprovativa de que lhe tinha sido entregue, o que o A. fez.
- certificado de trabalho com cópia pedindo ao A. para assinar dizendo que recebeu e a data, certificado de trabalho na qual para além da identificação tem aposto que o A. foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Fevereiro de 1988, cessando as suas funções no dia 31 de Dezembro de 2020 e que a sua categoria profissional era de distribuidor.
- documento (composto de três folhas, todas com o verso em branco) que a legal representante da Ré entregou ao A. com uma cópia, dizendo-lhe que teria que assinar na terceira página, no local onde consta o segundo outorgante.
21. Neste último documento pode ler-se:
“É celebrado o presente acordo de revogação de contrato de trabalho entre as outorgantes, nos termos do art. 10.º n.º 1 e 4 do Decreto-Lei nº 220/2006 de 3 de Novembro, porquanto:
A primeira outorgante no âmbito da sua actividade, face às dificuldades generalizadas na nossa economia, sentiu ao longo do ano de 2018, 2019, situação agravada ao longo do ano de 2020, um decréscimo de procura e, subsequentemente, um decréscimo acentuado nas vendas referentes à sua actividade, nomeadamente no que se refere à venda e distribuição de tabaco aos diversos clientes que consigo deixaram de contratar ou deixaram de ter actividade comercial, assim como uma redução acentuada na venda de gás em botija, o que lhe tem vindo a causar gravíssimas dificuldades económicas. Por via dessa constatação, a fim de evitar danos irremediáveis para a continuidade da actividade e da própria empresa, empreendeu-se diversas acções, das quais releva a proposta ao segundo outorgante de cessação do contrato de trabalho, o que foi aceite pelas partes e, em consequência, foi celebrado um acordo, escrito, de revogação do contrato de trabalho. Verifica-se assim a existência de motivo, por razões económicas, para extinção do posto de trabalho do segundo outorgante.
Foi dado conhecimento ao trabalhador, para efeitos de atribuição de prestações de desemprego de que a cessação do contrato de trabalho respeitou os limites de quotas estabelecidos n.º 4 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de Novembro.
Assim:
1º A entidade empregadora e o trabalhador, tendo esta actualmente a categoria profissional de “distribuidor”, respectivamente primeira e segundo outorgante, declaram revogar por mútuo acordo, nos termos do diploma legal supra indicado, o contrato de trabalho celebrado entre ambos que teve o seu início no dia 1 de Fevereiro de 1988.
2º O trabalhador declara que, atenta a natureza do presente acordo, prescinde de qualquer compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
3º Na data de produção de efeitos do presente acordo, para lá do salário referente ao mês de Dezembro de 2020, serão pagos ao trabalhador todas as verbas que lhe são devidas, sujeitas a todos os descontos legais, e este dará a respectiva quitação.
4º Da quantia que consta do presente acordo, no seu artigo 3º, dará o trabalhador quitação, sendo que paga a totalidade nada mais haverá, reciprocamente, a exigir, seja a que título for.
5º O presente acordo é celebrado no dia 22 de Dezembro de 2020 e produzirá os seus efeitos a partir do dia 31 de Dezembro de 2020, altura a partir da qual cessam todos os direitos, deveres e garantais das partes, emergente do referido contrato de trabalho.
O presente acordo, que representa a expressão fiel da vontade dos outorgantes consta de dois exemplares.
S..., 22 de Dezembro de 2020”
22. O A. pediu à representante da Ré para levar cópia deste acordo de revogação para casa, a fim de o poder ler.
23. Ao que a legal representante da Ré anuiu.
24. Tinha ainda, a legal representante da Ré, entregue ao A. o recibo de salário relativo ao mês de Dezembro de 2020, bem como o cheque n.º ...41 sacado sobre a Caixa Crédito Agrícola à ordem do A., datado de 5 de Janeiro de 2021 no montante de € 1.646,62.
25. O A. saiu das instalações da Ré, sem ter assinado o acordo de revogação do contrato de trabalho.
26. Nesse mesmo dia 4 de Janeiro de 2021, o A. requereu atribuição de subsídio de desemprego, tendo remetido, via mail, simultaneamente para o Centro de Emprego e para a Segurança Social, o modelo 5044, a Declaração e o Certificado de Trabalho.
27. Pretensão que veio a ser deferida ao A., tendo-lhe sido concedido o subsídio de desemprego.
28. O A. não assinou o acordo de revogação do contrato de trabalho por não concordar com o teor das suas cláusulas, pois não pretendia prescindir de compensação pecuniária nem dar qualquer quitação.
29. No dia 7 de Janeiro de 2021 (quinta-feira), a legal representante da Ré telefonou ao A., pedindo-lhe para passar pela loja para entregar o acordo assinado.
30. Tendo o A. ido à loja nesse dia, disse expressamente à gerente da Ré que não assinaria a minuta do acordo porque não concordava com o seu teor.
31. Ao que a gerente da Ré respondeu ao A. que, se não assinava, devia retomar o trabalho.
32. O que o A. não fez.
33. No dia 8 de Janeiro de 2021 (sexta feira), o A. dirigiu-se às instalações da Ré para dizer à gerente, uma vez mais, que não aceitava os termos constantes da minuta do acordo de revogação do contrato de trabalho e que não o assinaria.
34. A Ré proporcionou formação ao A. em 2019, de um dia, entre as 09:00h e as 19:00h.
35. Ao salário do A. de Dezembro de 2021 foi descontado o valor de € 135,00 por fornecimento de tabaco ao A. por parte da Ré, o qual não havia sido pago.
36. Bem como a quantia de € 79,90, referente a um valor que foi entregue ao A. por uma cliente, de nome EE e que o A. tinha perdido, mas que entregou posteriormente à Ré.
37. O A. não consentiu nestes descontos.
38. O A. disse à gerente da Ré que se ia embora da empresa.

APLICANDO O DIREITO
Do despedimento unilateral e sem procedimento
O despedimento é uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho, da iniciativa da entidade patronal, que se consubstancia numa declaração dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho.
A propósito deste tema, Pedro Romano Martinez[1] afirma que «o despedimento é uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho em que a iniciativa cabe ao empregador. Exige-se uma declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro, sem eficácia retroactiva. Esta declaração de vontade é receptícia (art. 224.º do Código Civil), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a mesma ser recebida pelo trabalhador e, a partir desse momento, como qualquer declaração negocial, é irrevogável (art. 230.º do Código Civil).»
Essa declaração tem sempre de ser inequívoca no sentido de colocar termo ao contrato, e deve ser interpretada segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador. Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.[2]
Note-se, também, que o despedimento pode resultar de uma declaração de vontade tácita, traduzido num comportamento concludente do empregador do qual se possa deduzir, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.

Expostos os aspectos jurídicos essenciais da questão, a primeira instância entendeu que ocorria despedimento de facto, sob a seguinte argumentação:
«(…) sabendo a ré que pretendia fazer cessar a sua actividade, por falta de viabilidade económica, deveria ter procedido ao despedimento do autor por extinção do posto de trabalho.
No entanto, decidiu apresentar, como únicas soluções (vd. factos 15 a 17):
- a revogação do contrato prescindindo o autor de qualquer indemnização, ou
- a celebração de novo contrato de trabalho, com outra empresa, mas mantendo as condições de trabalho e antiguidade.
Nunca foi proposta a continuidade do autor ao serviço da ré, pese embora o fecho da loja.
Ora, em face desta situação, constata-se que o trabalhador não tinha a obrigação legal (ou outra) de optar por qualquer destas soluções, as quais foram apresentadas como as únicas condutas que a ré estava na disposição de adoptar.
Sucede, porém, que tendo a ré cessado a sua actividade, de facto, a ré impediu o autor de desempenhar as suas funções e de receber vencimento e essa conduta configura uma declaração não verbal, de despedimento do autor.
Estamos, portanto, perante um despedimento informal.
Mesmo que se tivesse provado que o autor já tinha em vista outro emprego e, por isso, não queria passar a integrar a equipa da ..., tal não o obrigaria a aceitar o acordo de revogação do contrato prescindindo da indemnização.
O autor deixou de ter onde trabalhar, esclareceu a ré que não aceitava a revogação do contrato e também não aceitava a transição para a ... e a ré, não querendo promover o seu despedimento de acordo com o procedimento legal, e pagando a respectiva indemnização, procedeu ao despedimento informal e de facto do autor.»

Exercendo a nossa apreciação crítica, diremos que a revogação do contrato de trabalho por acordo do empregador e do trabalhador é uma das modalidades de cessação da relação laboral, como tal regulada no art. 349.º do Código do Trabalho.
Basta a mera vontade das partes para o contrato de trabalho cessar, embora o acordo de revogação deva constar de documento assinado por empregador e trabalhador (n.º 2 do art. 349.º), e podendo ainda ser reguladas outras matérias, como a estipulação de uma compensação pecuniária global para o trabalhador, na qual se presumirá estarem incluídos os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta (n.ºs 4 e 5).
O acordo pode – e é prudente que assim se faça – envolver uma fase de formação e negociação, na qual são acertadas todas as matérias que as partes entendam relevantes para fazer cessar o contrato de trabalho por essa via, devendo proceder nessa fase segundo as regras da boa fé (art. 227.º n.º 1 do Código Civil).
Finalmente, como em qualquer negociação, esta não fica concluída enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo – art. 232.º do Código Civil.
No caso dos autos, a empregadora apresentou ao trabalhador uma minuta de acordo de revogação do contrato de trabalho, que este recusou assinar.
Mas, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, a apresentação de uma minuta como a reproduzida no ponto 21 traduz, apenas, uma proposta negocial por parte da empregadora, que o trabalhador podia ou não aceitar – e certo é que, livremente, não a aceitou.
Dessa proposta não se pode retirar uma declaração de vontade da empregadora, inequívoca e concludente, no sentido de fazer cessar, de forma unilateral, o contrato de trabalho. Os próprios termos da minuta apresentada revelam que o contrato de trabalho apenas cessaria se houvesse o acordo das duas partes, trabalhador e empregadora, pelo que não estranha que, comunicando o trabalhador a sua intenção de não assinar a minuta, a gerente da Ré lhe tenha comunicado que deveria retomar o trabalho, sinal evidente que esta entendia que a relação laboral não estava finda.
Note-se, ainda, que mesmo depois de assinado, o trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração, nos termos que expressamente estão regulados no art. 350.º do Código do Trabalho, o que bem revela a amplitude da protecção que a lei confere ao trabalhador.
Se a entrega da minuta do acordo de revogação do contrato de trabalho não traduz uma declaração, inequívoca e concludente, de cessação da relação laboral, mas uma mera proposta negocial para fazer cessar o contrato por acordo de ambas as partes, também diremos que a entrega dos demais documentos mencionados no ponto 20 não permite obter uma conclusão diversa, uma vez que os mesmos destinavam-se somente a instruir o acordo de revogação do contrato e a permitir o cumprimento das obrigações legais da empregadora nestas situações, como a entrega do certificado de trabalho e a declaração para o subsídio de desemprego.
Concluímos, pois, que a sentença recorrida, na parte que declarou a ocorrência de um despedimento ilícito, não se pode manter.

DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença recorrida na parte que declarou a ocorrência de um despedimento ilícito do A. e condenou a Ré no pagamento de indemnização substitutiva da reintegração e de salários de tramitação.
Da sentença apenas se mantém a condenação em € 79,90, a título de parte da retribuição do mês de Dezembro de 2020, e em € 584,10 por formação profissional não ministrada.
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 30 de Março de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] In Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 951.
[2] Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016 (Proc. 216/14.2TTVRL.G1.S1), de 07.09.2017 (Proc. 2242/14.2TTLSB.L1.S1) e de 11.04.2018 (Proc. 19318/16.4T8PRT.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.