Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1675/17.7T8PTM.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
PROPRIEDADE PRIVADA
PROVA
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. A previsão do n.º 4 do art.º 15.º da Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro, exige a demonstração dos seguintes pressupostos: 1. Que os documentos anteriores a 1868 se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente; 2. Que se prove que os terrenos em causa, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
2. E resulta do seu n.º2 que o Autor que pretenda obter o reconhecimento da propriedade sobre parcela do domínio público marítimo tem apenas que provar, para além de ser o atual proprietário, e por documento com força bastante, que essa parcela de terreno era, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868, não se exigindo a prova das transmissões subsequentes dessa parcela de terreno desde essa altura até à sua atual propriedade.
3. A certidão de inscrição matricial de prédio só releva para efeitos tributários, constituindo presunção de propriedade para esse efeito, mas não atribui, nem faz prova plena da propriedade sobre qualquer prédio – cfr. n.º 5 do art.º 12.º do Código do IMI.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
1. BB, viúva, residente na Rua A…, n.º 74, 5º Esquerdo, Lisboa; CC, casada, residente na Rua A…, nº 3, 3º F, Carnide; DD, casado, residente na Rua D…, nº 20, 4º Esquerdo, no Lumiar, Lisboa; e EE, casado, residente na Avenida H… 6, B… 19, 1932 Bruxelas, Bélgica; intentaram a presente ação declarativa comum contra o Estado Português, aqui representado pelo Ministério Público, pedindo:
- Reconhecer-se e declarar-se judicialmente que, a parcela de terreno que constitui o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), com o número 4…, e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Lagoa-Carvoeiro, sob o número …, anterior número … da extinta Freguesia de Carvoeiro, que se encontra inserida numa área da margem das águas do mar; pertence aos Autores, por força do disposto na alínea c), do nº 5, do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro (na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto), ficando assim elidida a presunção juris tantum de dominialidade da referida parcela a favor do Estado Português;
- Reconhecer-se e declarar-se judicialmente que, a parcela de terreno que constitui o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), com o número 5…, e inscrito na matriz predial urbana sob o número …, da União das Freguesias de Lagoa-Carvoeiro, anterior número …, da extinta Freguesia de Carvoeiro, e que se encontra inserida numa área da margem das águas do mar, junto de Arriba Alcantilada; constitui propriedade privada dos Autores, por força do nº 4, do art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro (na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto), ficando assim elidida a presunção juris tantum de dominialidade desta parcela a favor do Estado Português.
Alegaram que os prédios urbanos de que são os atuais proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, encontram-se no domínio público marítimo, mas pertencem a particulares desde tempos remotos.
2. O Estado Português, representado pelo Magistrado do Ministério Público, contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores e concluiu pela improcedência da ação.
3. Entretanto, os autores vieram alegar facto superveniente quanto à titularidade atual dos prédios objeto dos autos.
4. Foi proferido saneador-sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu do pedido.
5. Desta sentença veio o Autor EE interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. O Recorrente não Replicou (artigo 584.º, do C.P.C.), a contrário do entendimento do Tribunal a quo;
2. Nem era intenção do ora Recorrente deduzir Réplica, porquanto, a menção de “Réplica”, ou de “replicar”, seria porventura expressa em alguma peça processual constante dos Autos, o que não se verifica;
3. Verifica-se, sim, que o ora Recorrente exerceu o princípio do contraditório, (em tempo oportuno e devido - art.º 149.º, nº1, do C.P.C.), nos termos do nº 3 do art.º 3.º do C.P.C., especificamente quanto ao parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, e disso é bem explícito o requerimento com a ref.ª 4921435, junto aos Autos;
4. Houve todo um encadeamento de requerimentos e de despachos, identificados no presente Recurso, que indicavam que o princípio do contraditório, exercido nos termos em que o foi, seria motivo de análise ponderada por parte do tribunal a quo, e contextualizado nos tramites processuais, com o tratamento devido, o que não se verificou, e que, no entendimento do ora Recorrente, o deveria ter sido,
5. Resultando numa «não pronúncia» por parte do tribunal a quo, sobre o princípio do contraditório exercido pelo ora Recorrente, com grave prejuízo para a prova documental apresentada, que, por consequência, não foi sujeita a qualquer análise, e que poderia elidir a presunção juris tantum de dominialidade da parcela de terreno do ora Recorrente a favor do Estado Português;
6. Prova documental que ficou excluída, «sem apelo nem agravo», e que o ora Recorrente estava em tempo de apresentar nos Autos (artigo 423.º, nº1, do C.P.C.);
7. E que poderia ter conduzido a uma decisão diferente daquela que foi tomada quanto ao prédio 4…, pois, assim sendo, já não constituiria impedimento os condicionalismos impostos na al. c), nº5, do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro (na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto), porquanto, haveria um recuo temporal a datas que remontam a 1834, o que afastaria o requisito, nomeadamente, de exclusão de zona de risco de erosão;
8. E, por repercussão, entende o ora Recorrente não terem sido garantidos os princípios da igualdade das partes e o princípio da cooperação - artigos 4º e 7.º, do C.P.C., respetivamente;
9. Não tendo havido pronúncia sobre o exercício do princípio do contraditório, em lugar e tempo próprio, e nos termos explanados no presente Recurso, suscita-se uma irregularidade processual que ficou por sanar e que, consequentemente, cumpre denunciar e requerer que a mesma seja suprimida pelo tribunal da primeira instância, com aproveitamento da prova documental, para efeitos de decisão final.
Normas jurídicas violadas:
- Artigo 3.º, n. 3, do Código de Processo Civil;
- Artigos 4.º e 7.º, do Código de Processo Civil;
- Artigo art.º 149.º, n. 1, do Código de Processo Civil;
- Artigo 423.º, n. 1, do Código de Processo Civil.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de Vossas excelências, deve a M. D. Sentença proferida em sede de primeira instância ser revogada, e alterada, no que concerne ao prédio 4…, da titularidade do ora Recorrente Paulo Tiago de Sousa Amorim Rocha Trindade, de forma ser atendido o exercício do princípio do contraditório nos precisos termos em que o foi feito, no requerimento com a ref.ª4921435, seguindo o processo os seus renovados termos até decisão final.
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6. O Autor DD recorreu igualmente desta sentença, formulando as seguintes conclusões:
I. O prédio descrito com o número 5…, e a atual inscrição matricial número … da união das Freguesias de Lagoa-Carvoeiro, anterior …, da extinta Freguesia de Carvoeiro, e que se encontra inserido numa área da margem das águas do mar, junto de Arriba Alcantilada, da titularidade do ora Recorrente DD, tem enquadramento legal na exceção prevista no nº 4 do Artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto;
II. Sustenta tal enquadramento legal a certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa, datado de dez de setembro do ano de 1969, que constitui documento autentico com força probatória plena;
III. Prova com força probatória plena que só pode ser elidida mediante prova em contrário judicialmente reconhecida;
IV. Igualmente, de grande relevância, o facto do registo na Conservatória do Registo Predial, no que aos imóveis concerne, durante séculos ter sido facultativo e de tratamento geo-territorial, diferenciado, sendo que,
V. Na falta desta obrigatoriedade, a titularidade dos imóveis era, e ainda hoje o é, atestada pela matriz predial e suas inscrições matriciais, que o tribunal a quo devia ter atendido e não o fez, (conforme referido no artigo 28.º, do presente Recurso);
VI. De facto, na atualidade, está bem presente no levantamento que se encontra a ser feito ao nível do território nacional, pelos particulares, donos de parcelas de terrenos que não estão registadas nas C.R.P. respetivas, mas que são possuidores de Caderneta Predial e que, com base neste documento oficial, suprimem o registo que está omisso;
VII. Na mencionada certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa é feito o encadeamento matricial do prédio do ora Recorrente, com a inscrição matricial atual nº …, até data recuada de 1 de janeiro do ano de 1880;
VIII. «No final do encadeamento matricial é atesta que, cite-se, “[…] o artigo matricial …, teve seu encerramento matricial em 1 de janeiro de 1880, não sendo possível confirmar outras inscrições com datas mais recuadas por já não existirem elementos que o possibilitem,»
IX. «Sendo no entanto possível que a data da posse particular do aludido prédio se reporte a tempos mais remotos», fim de citação;
X. Tudo levando a crer estar-se na presença de um terreno que se encontrava em posse particular em data que, de acordo com o que se pode apurar, remonta, ao ano de 1880, (data muito anterior à de 1 de dezembro de 1892, prescrita no nº 4, do artigo 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto), mais precisamente, de acordo com a certidão das Finanças de Lagoa, a 31 de Janeiro de 1880, por já não existirem elementos que possibilitem recuar mais na matriz;
XI. Sendo, inclusivamente, certificada a última inscrição matricial sob o artigo número … em nome de FF;
XII. Há pareceres da Comissão do Domínio Público Marítimo, que se encontram devidamente documentados nos autos, com referência expressa à destruição de documentos/dados, através, nomeadamente, da ocorrência de incêndio, como efetivamente aconteceu no concelho de Lagoa, e os Pareceres da CDPM atestam tal facto;
Posto isto, se finaliza dizendo que,
XIII. Atenta a exceção legal prevista no nº 4 do Artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto, e a certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa, constitui esta, pelos fundamentos explanados em todo o processo, prova suficiente para se elidir a presunção de ficando assim elidida a presunção juris tantum de dominialidade desta parcela a favor do Estado Português.
Normas jurídicas violadas:
- O nº 4 do Artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto;
- Os artigos 363º, nº 2 e 369.º e o nº1, do artigo 371º, todos do Código Civil.
Termos em que peticionou a revogação da sentença e que seja alterada de forma a ser reconhecida e declarada judicialmente que, a parcela de terreno que constitui o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), com o número 5…, e inscrito na matriz predial urbana sob o número …, da União das Freguesias de Lagoa-Carvoeiro, anterior número …, da extinta Freguesia de Carvoeiro, e que se encontra inserida numa área da margem das águas do mar, junto de Arriba Alcantilada; constitui propriedade privada do Recorrente DD, por força do nº 4, do art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro (na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto), ficando assim elidida a presunção juris tantum de dominialidade desta parcela a favor do Estado Português.
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7. O Estado, representado pelo Ministério Público, contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos, defendendo a bondade e a manutenção da sentença recorrida.
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8. Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais a decidir consistem em saber foi violado o princípio do contraditório e se deve, ou não, ser reconhecido aos recorrentes o direito de propriedade sobre as parcelas de terreno que identificaram.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
1.1. A factualidade provada pela 1.ª instância e que não vem questionada é a seguinte:
1. Constam do registo dois prédios urbanos localizados na Praia do Carvoeiro, do Concelho de Lagoa e da União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, no Algarve e que a seguir se identificam:
- Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), com o n.º 4… (de ora em diante designado por C… e correspondente à descrição anterior n.º …, do livro n.º 23 descrito como casas térreas com sete compartimentos, quintal, cisterna e eirado, e confronta do norte e sul com ruas, do nascente com herdeiros de Dr. Brites…, e do poente com D. Maria …, (com a casa da escola e quintal respetivo e ainda com quintal do armazém, na parte referente ao eirado deste prédio). Valor Venal, 6.000$00. Inscrito na respetiva matriz predial urbana sob 1/5 do artigo ….”), e inscrito na matriz sob o artigo ….º, com origem no ….º que provém do artigo …, o qual, teve origem em 1/5 do artigo …), sito na atual Rua do C…, n.º …, na Praia do Carvoeiro, em Carvoeiro, Lagoa (Algarve). O prédio nº …, foi transcrito sob o nº …, a fls. 179 vº do livro B-23.O Conservador, _________.” – fls. 34;
- Prédio descrito sob o n.º 5… (de ora em diante designado por R…, nome que lhe foi atribuído, e pelo qual é identificado, correspondente ao antes descrito sob o n.º …, do livro 20, e inscrito na matriz sob o artigo ….º, com origem no ….º) sito na atual Estrada do P…, nº …, na Praia do Carvoeiro, em Lagoa (Algarve) – fls. 32 v. a 39, 45 v. (arts. 1.º, 7.º, 8.º, 11.º a 13.º, 25.º da petição inicial)
2. Ambas as inscrições matriciais apresentavam como “Titular”, Armando … - Cabeça de Casal da Herança de, com o NIF … – fls. 37 e 39 (art. 9.º da petição inicial)

3. A composição e confrontações dos prédios surgem no registo da seguinte forma:
- Prédio descrito sob o número 4… (C…) – edifício de um piso com 9 divisões, quintal, cisterna e eirado e segundo informação anterior como casas térreas com 7 compartimentos, quintal, cisterna e eirado. Constam as seguintes confrontações: a norte e sul com ruas, nascente com herdeiros de Dr. Brites …, a poente com Maria … – fls. 32 v.
- Prédio descrito sob o número 5… (R…) – Edifício de um piso destinado a habitação, com duas divisões, terraço e açoteia. Confronta a norte com estrada; a sul com terreno da Hidráulica, a nascente com José … e a poente com Maria … – fls. 38 (art. 10.º da petição inicial)
Do trato Sucessivo do prédio descrito sob o número 4… (C…)
4. Por Escritura outorgada em 23 de abril de 1946, lavrada a fls. 66, do lv. nº 419, no Cartório Notarial Português da Comarca de Silves e do Concelho de Lagoa, tendo por Notária Licenciada Francisca Maria de Sousa Barra, Maria Augusta … declarou vender a João António…, o prédio urbano sito na Praia do Carvoeiro, freguesia e concelho de Lagoa, que consta de casas térreas, com sete compartimentos, quintal, cisterna e eirado, confronta de norte e sul com ruas, do nascente com herdeiros de Dona Brites … e do poente com Maria de Lourdes…, inscrito na respetiva matriz e caderneta predial urbana sob o artigo …, um quinto […] não está descrito na Conservatória do Registo Predial da Comarca de Silves, como consta da Certidão passada em dezoito de março do corrente ano pelo ajudante do respetivo conservador [….] Que a primeira outorgante declara e afirma sob sua responsabilidade que a cisterna é pertença exclusiva do prédio ora vendido, não havendo nela qualquer comunidade, nem sequer nas águas […]” – fls. 46 v. (arts. 14.º, 15.º e 17.º da petição inicial)
5. Antecedeu a celebração da Escritura de Compra e Venda, a “Promessa de Compra e Venda”, formalizada a 18 de setembro de 1945 – fls. 52 (art. 16.º da petição inicial)

6. No dia 9 de julho do ano de 1946, a transmissão da propriedade do prédio foi registada na Conservatória do Registo Predial, da comarca de Silves, passando a estar descrito com o número … [….], “a favor do Doutor João António…, [….] por o haver comprado [….] a Dona Maria Augusta … [….]– fls. 53: “------ DESCRIÇÃO PREDIAL ------ Numero …. Prédio urbano, na Praia do Carvoeiro, freguesia de Lagoa. Consta de casas térreas com sete compartimentos, quintal, cisterna e eirado, e confronta do norte e sul com ruas, do nascente com herdeiros de Dona Brites …, e do poente com Dona Maria de Lourdes … (com a casa da Escola e quintal respetivo, e ainda com quintal do armazém, na parte referente ao eirado deste prédio). Inscrito na matriz predial, sob um/quinto do artigo ….” “Conservatória do Registo Predial de Silves, em nove de Julho de mil novecentos quarenta e seis.” (arts. 18.º e 19.º da petição inicial).

7. Por óbito de João António …, aos vinte e oito dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e noventa e sete, sucedem-lhe como únicos herdeiros, sua mulher, Alda …, e sua filha Maria BB, aqui coautora – à data já casada com Armando …, no regime de comunhão geral de bens – fls. 56 (art. 20.º da petição inicial)
8. Da escritura de Partilha de 21 de dezembro de 2000, consta, entre outros bens patrimoniais, o seguinte: “[….] 2) Prédio urbano situado na Praia do Carvoeiro, freguesia do Carvoeiro, concelho de Lagoa, (Algarve), inscrito na respetiva matriz sob o art.º …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número …, do livro B-vinte e três, onde se mostra registada a sua aquisição a favor delas, outorgantes, em comum e sem determinação de parte ou direito, nos termos da inscrição número … do livro G-trinta e cinco, sendo de 230.591$00, o seu valor patrimonial, a que atribuem igual valor; [….]” , tendo sido adjudicado a BB – fls. 57 (art. 21.º da petição inicial)

9. Alda … faleceu no dia 20 de agosto de 2002, deixando a sua filha e coautora, BB, como única herdeira, sendo que, ao tempo da abertura da herança era casada com Armando …, no regime de comunhão geral – fls. 61 v. (art. 22.º da petição inicial)

10. Armando … faleceu no dia 28 de maio de 2009, deixando como herdeiros, sua mulher e três filhos, coautores nos presentes autos – fls. 63 (art. 23.º da petição inicial).

11. Com o óbito de Armando …, o prédio urbano em apreciação permaneceu na esfera jurídica dos coautores- fls. 64 (art. 24.º da petição inicial).

12. O prédio descrito sob o n.º 4… está agora registado em nome do autor EE por partilha da herança (Ap. 2533, de 1 de setembro de 2017) - fls. 137 v. e 145 v. e art.588.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (facto superveniente).

13. O prédio descrito sob o n.º 5… está agora registado em nome do autor DD por partilha da herança (Ap. 2524, de 1 de setembro de 2017) - fls. 137 v. e 147 v. e art.588.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (facto superveniente).

Do trato sucessivo do prédio descrito com o número 5571 (Refugio)

14. O prédio descrito sob o n.º 17… foi adquirido por José C…, casado com Aida C… (que também usava o nome de Aida P…) a António … e mulher Perpétua … – proprietários – através de escritura, no Cartório Notarial de Lagoa, a 7 de setembro de 1960, (lavrada de folhas trinta e três a folhas trinta e quatro verso do Livro de Notas número quatrocentos setenta e dois do Cartório Notarial de Lagoa), apenas como terreno (prédio rústico) – fls. 70 (arts. 26.º a 28.º da petição inicial).

15. Na certidão, o prédio apresenta a seguinte descrição predial: “Numero Dezassete …- Uma propriedade no sítio do Carvoeiro, freguesia de Lagoa, que confronta do norte com estrada, do sul com terreno da Hidráulica pertencente a fiscalização, do nascente com José … e do poente com Maria …. Inscrito na respetiva matriz sob o artigo três mil setecentos quarenta e oito.” – fls. 70 v. (art. 29.º da petição inicial).

16. José …, veio a falecer no dia 2 de julho de 1970, no estado de casado com Aida …, em primeiras núpcias de ambos e segundo o regime de comunhão geral de bens, não tendo havido lugar a inventário obrigatório, “[….] deixou por seus herdeiros legitimários, dois filhos legítimos: Maria …, casada com Francisco … no regime de comunhão geral de bens “[….] e Armando …, casado com BB (aqui coautora), no regime de comunhão geral de bens [….]” – fls. 73 (arts. 30.º a 32.º da petição inicial).

17. Aida … faleceu no estado de viúva, no dia 15 de maio de 1973: Não fez qualquer disposição de última vontade e deixou por seus herdeiros legitimários, dois filhos legítimos: Maria …, casada com Francisco …, no regime de comunhão geral e Armando …, casado com BB (coautora), no regime de comunhão geral – fls. 75 v. (arts. 33.º e 34.º da petição inicial).

18. Com o óbito de Aida …, procedeu-se à partilha dos bens, por escritura notarial datada de 7 de janeiro de 1974 – fls. 78: outorgaram a escritura de partilha os dois únicos herdeiros universais acima identificados, sendo que, o prédio em análise, foi adjudicado a Armando … constituindo a verba oitava da Relação de Bens, com a descrição que se transcreve: Fls. 8 – [….] OITAVO – MISTO, sito em Carvoeiro, freguesia e concelho de Lagoa, composto de terra de semear e casa de habitação, a confrontar norte, com estrada, do sul, com António …, do nascente, com José … e do poente com Maria …. Inscrito na matriz predial rústica sob o artigo três mil …, com o valor matricial de cento e vinte escudos, e na urbana sob o artigo numero dois … (vide doc. 21), com rendimento coletável de doze mil, novecentos e sessenta escudos e o valor matricial de duzentos e cinquenta e nove mil, duzentos escudos, com o valor matricial total de duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e vinte escudos. Descrito na Conservatória do registo Predial de Silves sob o número dezassete …, a folhas dezanove do livro quarenta e quatro.” – fls. 81 v. (arts. 35.º e 36.º da petição inicial).

19. Sob o artigo matricial nº … consta da Caderneta Predial Urbana: “Prédio urbano com a área coberta de 108 m2 e descoberta de 509 m2 confrontando do Norte com a Estrada, Sul com António …, Nascente com José … e Poente com Maria …, com a seguinte composição: Hall, sala, quarto, casa de banho, despensa, lavabo, arrumes, terraço, açoteia.” – fls. 85 .

20. Do artigo 589, da extinta Freguesia de Carvoeiro, provem o atual artigo matricial …, da União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro. O artigo ….º provem do 5….º e por sua vez do 3….º, atestando-se o encerramento matricial em 1 de janeiro de 1880 – fls. 70 v.
Localização
21. O prédio descrito sob o n.º 4… situa-se na faixa dos 50 metros, a contar da crista do alcantil – fls. 174 (art. 62.º da petição inicial).

22. Da mesma forma que o prédio urbano com a descrição registral 5… (Refugio), está situado junto à arriba alcantilada poente da Praia do Carvoeiro - fls. 174 (art. 63.º da petição inicial)

23. A Praia do Carvoeiro está situada na vila denominada por Carvoeiro, no concelho de Lagoa, no Algarve, localizada na baixa da vila que possui o mesmo nome que, foi sempre conhecida pelas tradições piscatórias, cujas atividades ligadas ao mar era o único sustento de quem, já em séculos passados, ali vivia, sendo que até um passado recente, era conhecida por receber no seu areal os barcos de madeira dos pescadores locais (arts. 88.º e 89.º da petição inicial).

24. É delimitada por dois maciços rochosos: naquele situado a nascente ergue-se a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, o situado a poente divide esta praia da denominada Praia do Paraíso (art. 90.º da petição inicial).

25. Os prédios objeto dos autos estão representados nas fotografias de fls. 16 e ss, 86 v. e fls. 174. Mostra povoado consolidado, em 1905 (art. 91.º da petição inicial).

Do processo administrativo
26. Decorreu processo administrativo apresentado por José … em 1969 o qual não teve decisão final – fls. 67 e ss. (arts. 102.º a 112.º da petição inicial).

27. Em diversos processos administrativos para delimitação com o domínio público marítimo é feita referência ao facto de ter sido junta “Certidão das Finanças do concelho de Lagoa, [...] da matriz urbana da freguesia de Carvoeiro - sublinhado nosso - [...]. Atesta ainda que não é possível certificar o ano de inscrição deste último artigo, em virtude de a respetiva documentação ter sido destruída” “Certidão da Repartição de Finanças do concelho de Lagoa (sublinhado nosso), que atesta terem sido destruídas as matrizes referentes aos anos de 1862 a 1890” – fls. 92 e ss. -“houve um incêndio no edifício onde estava instalada a secção de finanças, destruindo parte dos elementos de identificação.” – fls. 92 e ss.(arts. 123.º, 125.º a 130.º da petição inicial).

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2. O direito.
2.1 Do recurso do autor EE.
Diz o recorrente que, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, não Replicou nos termos do artigo 584.º, do C.P.C., antes “exerceu o princípio do contraditório, (em tempo oportuno e devido - art.º 149.º, nº1, do C.P.C.), nos termos do nº 3 do art.º 3.º do C.P.C., especificamente quanto ao parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, e disso é bem explícito o requerimento com a ref.ª 4921435.
E concluiu que “não tendo havido pronúncia sobre o exercício do princípio do contraditório, em lugar e tempo próprio, e nos termos explanados no presente Recurso, suscita-se uma irregularidade processual que ficou por sanar e que, consequentemente, cumpre denunciar e requerer que a mesma seja suprimida pelo tribunal da primeira instância, com aproveitamento da prova documental, para efeitos de decisão final”.
Depreende-se das alegações e conclusões do recorrente estar em causa, no relatório da decisão recorrida, o entendimento do tribunal a quo em não considerar o articulado de fls. 187v.º e seguintes apresentado pelos Autores.
Com efeito, aí se exarou:
Os autores responderam – fls. 187 v. – mas em termos que não se considerará, porque inadmissível – art.º 584.º do Código de processo Civil”.
Sustenta o recorrente que se limitou a exercer o direito ao contraditório quanto aos documentos apresentados pelo Ministério Público.
Ora, se assim é, não se compreende a afirmação de que foi violado o princípio do contraditório, visto ser o próprio recorrente a reconhecer que exerceu esse direito relativamente aos documentos apresentados pelo Ministério Público com a sua contestação.
Com efeito, de acordo com o n.º1 do art.º3.º, do CPC, “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”.
E o seu n.º 3 impõe ao juiz o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como é sabido, o princípio do contraditório traduz-se na imposição de que as decisões judiciais sejam consequência de um processo justo e equitativo – artigos 20.º [1], da CRP, e 3.º, n.º 3 [2], do C. P. Civil, e consubstancia-se na igualdade das partes na apresentação de argumentos a respeito dos pontos determinantes para a decisão a proferir e a da possibilidade de as partes “influenciarem” a decisão judicial argumentando quanto ao sentido que a mesma deve ter.
Como ensina o Professor Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, ob. Cit., pág. 48, “ o art.º 3.º, n.º3, 1.ª parte, “impõe ao juiz, de modo programático, o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório”, princípio que é corolário do princípio da igualdade das partes estabelecido no art.º 3.º-A.
E acrescenta que a violação deste princípio inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do art.º 201.º/1 do C. P. Civil (atual art.º 195.º), e que dada a sua importância é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é suscetível de influir no exame ou decisão da causa.
No caso dos autos não estamos, inquestionavelmente, perante qualquer violação do princípio do contraditório, na vertente da igualdade das partes na apresentação de argumentos e impugnar a prova documental junta, quer quanto à sua admissão quer quanto à sua força probatória, nos termos consentidos nos art.ºs 415.º/2 e 427.º do C. P. Civil, pois é o próprio recorrente a confirmar ter exercido esse direito.
Defende o recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou sobre esse contraditório, ocorrendo uma irregularidade processual.
Ora, é ponto assente que não estamos perante uma nulidade da sentença, cujos pressupostos são taxativamente elencados no art.º 615.º, C. P. Civil.
Tratar-se-ia, sim, de eventual irregularidade processual, sujeita ao regime do art.º 195.º e 199.º do C. P. Civil, devendo ser arguida no prazo legal de 10 dias após o seu conhecimento, que teve lugar com a notificação da sentença (parte final do n.º1 do art.º 199.º), ou seja, o recorrente deveria tê-la invocado no prazo legal de 10 dias, perante o tribunal recorrido (salvo no caso previsto no n.º3 do art.º 199.º, que não se verifica), sob pena de se considerar sanada, como é manifestamente o caso, já que apenas foi suscitada em sede de recurso e após o referido prazo legal de 10 dias.
Finalmente, dir-se-á que se o recorrente apresentou, com o mencionado articulado e na sequência do exercício do princípio do contraditório, prova documental, a qual não foi atendida na decisão sobre a matéria de facto, deveria tê-la impugnado, ao abrigo do disposto no art.º 640.º do CPC e cumprindo a respetiva exigência legal, nomeadamente identificar quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre os pontos de facto impugnados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, no caso, identificar a prova documental que impunha a demonstração de outra concreta realidade ou que infirmasse a que foi dada como assente.
Assim, não se vislumbra em que medida foram violadas as disposições legais citadas pelo recorrente.
E limitando o recorrente o objeto do recurso a esta concreta questão, improcede a apelação.
***
2.2. Do recurso do autor DD.
1. O recorrente discorda da decisão recorrida por entender que está demonstrado que o seu prédio com o número 5… tem enquadramento legal na exceção prevista no nº 4 do Artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 34/2014, de 19 de Junho e pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto, defendendo esse enquadramento na certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa, datado de dez de setembro do ano de 1969, que constitui documento autentico com força probatória plena, ou seja, só pode ser elidida mediante prova em contrário judicialmente reconhecida.
Entendimento que não foi partilhado na sentença recorrida, que exarou:
“Relativamente ao prédio n.º 5… a cadeia relativa aos artigos matriciais conduz-nos até 1888, permanecendo um hiato de cerca de 20 anos relativamente à exigência legal, 22 de março de 1868, sendo que mesmo aí não é feita prova por via de certidão predial emitida pela Conservatória do Registo ou por escrituras de que o prédio tenha sido objeto de aquisição por particulares ou que houvesse privados que o explorassem como foreiros, por exemplo, uma das vias comuns para fundamentar a posse a que alude o n.º 3 do art. 15.º: na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
E nem a existência de referências por parte das Finanças a que não há a possibilidade de recolha de documentos de 1862 a 1890 é suscetível de alterar o juízo formulado, visto que não cabia nem cabe às Finanças determinar a titularidade dos bens imóveis”.
2. Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
De acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 84.º da CRP, referindo-se ao domínio público hídrico, pertencem ao domínio público, entre outros bens, «as águas territoriais com os seus leitos e fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos».
A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, alterada pelas Leis n.ºs 78/2013, de 21/11/2013, 34/2014, de 19/6/2014, e 31/2016, de 23/8/2016, veio estabelecer o atual regime jurídico sobre a titularidade dos recursos hídricos, os quais compreendem as águas, abrangendo ainda os respetivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas, como flui do seu art.º 1.º, n.º1. E, em função da titularidade, prescreve o seu n.º2, que “os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares”.
Por sua vez, nos termos do seu art.º 2.º, n.º1, “O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas”.
De acordo com o disposto no n.º 12.º, alínea a), do citado diploma legal, são particulares, sujeitos a servidões administrativas, “Os leitos e margens de águas do mar e de águas navegáveis e flutuáveis que forem objeto de desafetação e ulterior alienação, ou que tenham sido, ou venham a ser, reconhecidos como privados por força de direitos adquiridos anteriormente, ao abrigo de disposições expressas desta lei, presumindo-se públicos em todos os demais casos”.
E no seu art.º 15.º vem estabelecida a possibilidade de reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos, nele se contemplando uma regra que dá corpo a “um dos pontos cruciais da problemática do domínio público hídrico, ou seja, o dos meios pelos quais podem os particulares obter o reconhecimento dos seus direitos de propriedade sobre parcelas de leitos ou margens públicos”[3].
Com efeito, o art.º 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2016, de 23/08, e que republicou esse diploma legal, sob a epígrafe “Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos”, prescreve o seguinte (desprezando-se aqui o seu n.º6, por irrelevante para o caso que nos ocupa):
1.Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2. Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3. Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5. O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos
termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do
artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
Como refere Gonçalo Bargado [4], “este regime é explicável pelo facto de até 31 de dezembro de 1864 não existir qualquer impedimento jurídico-público à aquisição do direito de propriedade sobre margens e leitos, uma vez que apenas na data indicada se procedeu, por decreto régio, à afetação dos leitos e das margens, prescrevendo o artigo 2.º desse diploma que são “do domínio público imprescritível, os portos do mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam”. Quanto às arribas alcantiladas, a norma ora em causa admite o reconhecimento da sua propriedade em virtude do disposto no Código Civil de 1867 – o Código de Seabra –, que entrou em vigor a 22 de março de 1868 e cujo artigo 380.º § 4.º dispunha que “as faces ou rampas e os capelos dos cômoros, valadas, tapadas, muros de terra ou de pedra e cimento erguidos artificialmente sobre a superfície do solo marginal, não pertencem ao leito ou álveo da corrente, nem estão no domínio público, se á data da promulgação do Código Civil não houverem entrado nesse domínio por forma legal”.
Esta matéria estava regulada no Dec. Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, que estabelecia a presunção de dominialidade das margens de águas públicas, definindo margem como sendo “a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas” ( art.º 3.º/1), estabelecendo-se no seu art.º 5.º que se consideravam do domínio público do Estado “os leitos e as margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos ou margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.”

Quanto ao reconhecimento da propriedade privada sobre estes terrenos, explicou-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 468/71 o seguinte:

«(…) Já quanto ao reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicas se tocou num aspeto mais relevante, que, sem envolver modificação profunda do direito vigente, beneficia contudo num ponto importante, aliás, com inteira justiça, os proprietários particulares: quando se mostre terem ficado destruídos por causas naturais os documentos anteriores a 1864 ou a 1868 existentes em arquivos ou registos públicos, presumir-se-ão particulares os terrenos em que relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. Aliviando deste modo o peso do ónus da prova imposto aos interessados, vai-se ao encontro da opinião que se tem generalizado no seio da Comissão do Domínio Público Marítimo, dada a grande dificuldade, em certos casos, de encontrar documentos que inequivocamente fundamentem as pretensões formuladas à Administração Dominial”.

Como esclarecem Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, ob. cit., pág. 124, o legislador admitiu a persistência dos direitos de propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens de águas públicas, ou seja, águas pertencentes ao domínio público hídrico, mas simultaneamente estabeleceu, na senda do que vinha propondo a Comissão do Domínio Público Marítimo, uma presunção ilidível de dominialidade. Dito de outro modo, fez impender sobre o particular o ónus de provar a titularidade da propriedade sobre tais parcelas de terreno e de, assim, as subtrair ao domínio público hídrico a que, de outro modo, pertenceriam, por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71.

O atual art.º 15.º da Lei n.º 54/2005 corresponde ao regime que vinha prescrito no revogado art.º 8º do Dec. Lei nº 468/71, que previa os meios conferidos aos particulares com vista a obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, provando documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.

Assim, de acordo com o regime previsto no n.º2 do citado art.º 15.º da Lei n.º 54/2005, competia ao autor alegar e demonstrar documentalmente que a parcela de terreno que constitui o prédio urbano com o n.º 5571 e que se encontra inserida numa área da margem das águas do mar, junto de Arriba Alcantilada, assim identificada na sua petição inicial e pedido formulado, pertencente ao domínio público hídrico, era, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de antes de 22 de março de 1868.

Não se exige no preceito legal que para ilidir a presunção juris tantum de dominialidade pública dos leitos e margens das águas do mar a demonstração da propriedade privada desse terreno nessa situação se ter mantido, ininterruptamente, desde antes de 22 de março de 1968 até à data atual, bastando comprovar, documentalmente, que essa parcela de terreno era, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes dessa data.
Na realidade, quer o seu elemento histórico, quer do espírito e letra do preceito legal, apenas se exige a prova documental da propriedade privada do terreno em causa, por título legítimo, antes de 22 de março de 1968, e não, também, que nessa situação se tem mantido ininterruptamente até à data atual.
E não pode ser extraído sentido e alcance diverso da norma legal em causa, já que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, como se exige no n,º2 do art.º 9.º do C. Civil.
E, como ensina Oliveira Ascensão, “O Direito”, 13.ª edição, 2005, pág. 396, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”.
No sentido de não ser exigível ao Autor, nesta circunstância, outra prova que não a documental, se pronunciam Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, ob. cit.
A mesma orientação foi seguida no Acórdão do STJ, de 4/6/2013, proc. n.º 6584/06.2TBVNG.P1.S1, onde se afirma:
Recordamos que na vigência do DL nº 468/71, os particulares deviam provar, documentalmente, que esses terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade privada ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 (ou de 22 de Março de 1868, em caso de arribas alcantiladas); na falta de documentos comprovativos da propriedade, deviam provar que, naquelas datas, tais terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa [25]; se a indisponibilidade desses documentos se devesse a se terem tornado ilegíveis ou terem sido destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, podiam provar que o terreno era objeto de propriedade ou posse privada antes de 1 de Dezembro de 1892; por fim, podiam provar que o terreno havia sido objeto de um ato de desafetação [26].
A Lei nº 54/2005 manteve esta exigência de regime de prova no seu art. 15.º, acrescentando no nº 3 que ao mesmo não ficam sujeitos os terrenos “que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião (…)”.
Assim também se pronunciou o Acórdão do STJ de 14/12/2014, proc. n.º 81/11.8TBVRS.E1A, podendo ler-se no seu sumário:
a) “A Lei 54/2005 apenas consagra uma presunção iuris tantum de dominialidade que os particulares podem ilidir intentando a respetiva ação prevista no nº 1 do art. 15º, como já antes o previa o DL 468/71 de 5/11 no seu art. 5º, nº 2.
b) Para que o particular obtenha o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas do domínio público marítimo tem que provar por documento com força bastante que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868;
c) A prova documental referida no número anterior só pode ser suprida quando se prove que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis (existem mas estão ilegíveis) ou não existem porque foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente”.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/10/2016, Proc. n.º 411/13.1TBPTS.L1-2, se reafirma esse entendimento, assim se pronunciando:
Pensamos que a letra da lei não exige do Autor da ação intentada ao abrigo do art.º 15/1 da Lei 54/05 a alegação e aprova do reatamento do trato sucessivo desde antes de 1864 até à data em que logrou inscrever o terreno em seu nome; na verdade, provando a Autora, pelos títulos, aquela propriedade privada, antes de 1864, estando o seu direito de propriedade inscrito no registo, não só goza da presunção do direito como logrou afastar a presunção iuris tantum da dominialidade do Estado referida na Lei 54/05, o que só não aconteceria se por qualquer outra razão a parcela tivesse regressado ao domínio público hídrico”.
Entendimento que foi igualmente sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/12/2014, proc. n.º 181/11.8TBVRS.E1, aí se concluindo: “Para que o particular obtenha o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas do domínio público marítimo tem que provar por documento com força bastante que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868” [5].
Resumindo, ao recorrente competia essa prova, ou seja, alegar e provar que a propriedade privada dessa parcela de terreno existia antes daquele período (22 de março de 1868) e não, também, a prova do reatamento de todo o trato sucessivo, ou seja, a prova das transmissões subsequentes do bem até à sua atual propriedade, de modo a poder a afastar a presunção de domininalidade.
Assim, compete ao interessado no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre terreno sujeito à presunção juris tantum de dominialidade, além da elisão desta presunção, nos termos legais expostos, provar os factos constitutivos do seu direito, a menos que goze da presunção do mesmo, decorrente do respetivo registo predial, caso em que está dispensado daquela prova.
E constituem justo título ou título legítimo de aquisição, entre outros, os expressamente indicados no artigo 1316.º do Código Civil: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão. Trata-se, porém, de uma enumeração exemplificativa, como resulta da utilização, na parte final do artigo, da fórmula “e demais modos previstos na lei”.
Caso o interessado não disponha dos documentos suscetíveis de comprovar a propriedade desses terrenos, o n.º3 do citado art.º 15.º, da Lei 54/2005, confere-lhe a possibilidade de comprovar a propriedade demonstrando que antes daquelas datas, “os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa”.
E na impossibilidade de fazer essa prova, porque “os documentos anteriores a 1864 ou 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente”, pode ainda provar que, antes de 1 de dezembro de 1892, os terrenos eram objeto de propriedade ou posse privadas, beneficiando de uma presunção iuris tantum a seu favor – n.º4 do art.º 15.º.
Finalmente, o interessado pode ainda obter o reconhecimento da propriedade privada sobre margens e leitos sem ter de cumprir com regime probatório mencionado sempre que estejam em causa os terrenos descritos no seu n.º5.
Ora, no caso concreto, o recorrente invoca a situação prevista no n.º4 do art.º 15.º da Lei n.º 54/2005.
Por isso, está afastada a situação prevista n.º2 do art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, pois que o recorrente não demonstrou, como lhe competia, mediante prova documental bastante, que essa parcela de terreno “era, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum” antes de 22 de março de 1868, por se situar em arribas alcantiladas [6].
E o mesmo se dirá, contrariamente ao defendido pelo recorrente, quanto ao seu enquadramento no n.º4 do art.º 15.º do citado diploma legal, sustentado na certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa, datada de dez de setembro do ano de 1969, por, em sua opinião, constituir documento autêntico com força probatória plena e suficiente para elidir a presunção iuris tantum da dominialidade da dita parcela a favor do Estado Português.
É que a certidão da matriz predial “é apenas o tombo de todos os prédios de uma freguesia ou zona da freguesia” (Vd. Ac. da R. do Porto de 10-03-1988. CJ Ano XIII (1988), tomo 2, pág. 196), pelo que as certidões emitidas pelas repartições de finanças apenas constituem presunção para efeitos fiscais, não efeitos civis, (A presunção do n.º 4 do art.º 8º do Cód. da Contribuição Autárquica) segundo a qual «presume-se proprietário ou usufrutuário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na data referida no n.º 1 (31 de Dezembro do ano que respeite a contribuição) ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio» [7] - Cfr. Ac. da R. de Lisboa de 22-05-1981: CJ Ano VI (1981), tomo 3, pág. 49; Ac. da R. do Porto de 10-03-1988: CJ Ano XIII (1988), tomo 2, pág. 196; Ac. da R. do Porto de 09-12-1998: CJ Ano XXIII (1998), tomo5, pág. 218; Ac. da R. de Évora de 10-05-1999: CJ Ano XIV (1999), tomo 3, pág. 267; Acórdãos do S.T.J., de 21.02.2006 (Revista n.º 59/06 - 1.ª Secção Moreira Camilo (Relator), e de 8/11/2005, (Revista n.º 3074/05 - 1.ª Secção Moreira Camilo (Relator), acessível em Sumários do STJ (Boletim); e Ac. T. Rel. de Coimbra, de 10/01/2006 (Helder Almeida), disponível em www.dgsi.pt, “A finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não tendo de modo algum potencialidades de atribuir o direito de propriedade sobre qualquer prédio”.
Como também sublinha Luís A. Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, Quid Juris, 4.ª edição, pág. 122, nota 1, “Assinale-se, a este respeito, que não beneficia de igual regime (referindo-se ao art.º 7.º do C. R. Predial) a inscrição dos prédios na matriz, para efeitos fiscais. A relevância dos elementos matriciais opera, porém, por via indireta, através do registo, pois se devem harmonizar com os nele inscritos ( cfr. art.ºs 28.º e segs. do C. R. Predial)”.
Por outro lado, a previsão do n.º 4 do citado art.º 15.º exige a demonstração dos seguintes pressupostos: 1. Que os documentos anteriores a 1868 se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente; 2. Que se prove que os terrenos em causa, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
E a verdade é que, independentemente de se rejeitar a tese do valor probatório (prova plena) da certidão emitida pelos Serviços de Finanças de Lagoa, no sentido de constituir prova suficiente para se elidir a presunção juris tantum de dominialidade dessa parcela a favor do Estado Português, é facto assente que o recorrente não alegou, nem demonstrou, por qualquer outro meio de prova, o segundo requisito, ou seja, que a parcela de terreno em causa, antes de 1 de dezembro de 1892, “era objeto de propriedade ou posse privada”.
Acresce que a certidão a que se faz alusão em 27 dos factos provados, apenas documenta não ser possível por parte destes serviços (Finanças) proceder a buscas com datas mais antigas (1880), atestando “não ser possível certificar o ano de inscrição deste último artigo, em virtude de a respetiva documentação ter sido destruída” e que foram “destruídas as matrizes referentes aos anos de 1862 a 1890”, tendo havido “um incêndio no edifício onde estava instalada a secção de finanças, destruindo parte dos elementos de identificação.”
Assim, sempre restaria provar que a impossibilidade de acesso a tais documentos se ficou a dever a incêndio ou facto equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, de acordo com a 1.ª parte do n.º4 do art.º 15.º do mencionado diploma legal.
Resumindo, a decisão recorrida deve ser mantida.
Improcedem, pois, as apelações.
Vencidos nos recursos, suportarão os apelantes as custas respetivas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. A previsão do n.º 4 do art.º 15.º da Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro, exige a demonstração dos seguintes pressupostos: 1. Que os documentos anteriores a 1868 se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente; 2. Que se prove que os terrenos em causa, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
2. E resulta do seu n.º2 que o Autor que pretenda obter o reconhecimento da propriedade sobre parcela do domínio público marítimo tem apenas que provar, para além de ser o atual proprietário, e por documento com força bastante, que essa parcela de terreno era, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868, não se exigindo a prova das transmissões subsequentes dessa parcela de terreno desde essa altura até à sua atual propriedade.
3. A certidão de inscrição matricial de prédio só releva para efeitos tributários, constituindo presunção de propriedade para esse efeito, mas não atribui, nem faz prova plena da propriedade sobre qualquer prédio – cfr. n.º 5 do art.º 12.º do Código do IMI.

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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações e manter a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Évora, 2018/11/08
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] É o seguinte o teor da norma: «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
[2] É o seguinte o teor da norma: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
[3] Cfr. Diogo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Público Hídrico (Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro), Coimbra, 1978, p. 124.
[4] “Temas de Direito da Água”, Coordenado por João Miranda e outros, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Centro de Investigação de Direito Público da FDUL, www.icjp.pt, e-book, Maio 2017, pág. 220.
[5] Em sentido oposto se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 19/05/2016 (Mata Ribeiro), e de 23/03/2017 (Tomé de Carvalho) e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/03/2017 (Inês Moura), onde se defende que o artigo 15º da Lei 54/2005 exige que sempre seja reconstituída a situação das parcelas em causa desde as datas previstas nesse normativo, cabendo ao demandante fazer a reconstituição de todo o historial referente à situação do bem, desde as datas aludidas no normativo até à data em que pede o reconhecimento do seu direito.
No mesmo sentido de pronunciam José Miguel Júdice e José Miguel Figueiredo, “A Ação de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos”, 2.ª edição, Almedina, 2015, pág. 97; e Manuel António do Carmo Bargado, E-Book do Centro de Estudos Judiciários, Novembro de 2016, “ A Interação do Direito Administrativo com o Direito Civil - O Domínio Público Hídrico”, pág. 111, que seguindo aqueles autores refere: “Na verdade, «a presunção de dominialidade terá que ser afastada relativamente a toda a “história” do bem, pois não há garantia de que o bem não tenha ingressado, depois daquelas datas, e por um qualquer motivo admissível, no domínio publico».
[6] Pois como confessa o recorrente e está assente no facto n.º 22, o prédio urbano com a descrição registral 5… (R…), está situado junto à arriba alcantilada poente da Praia do Carvoeiro.
[7] Assim também decorre do atual n.º 5 do art.º 12.º do Código do IMI: “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”.