Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
504/19.1T8CTB-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: NULIDADE DA CITAÇÃO
FORMALIDADES
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O envio da carta a que alude o art.º 233.º do CPC, com as menções nele enumeradas, é uma formalidade do acto de citação, pelo que a omissão ou irregularidade do mesmo constitui nulidade desde que a falta cometida seja susceptível de prejudicar o direito de defesa do R., nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art.º 191.º.
II. Tendo a secretaria omitido a data em que a citação se considera efectuada, remetendo para cópia de a/r pouco nítida, na qual se encontravam diversas datas e menções, susceptíveis de fazer o citado incorrer em erro quanto à data a considerar, foi cometida nulidade com aptidão para prejudicar o direito de defesa.
III. Tendo a contestação dado entrada no último dia do prazo contado da data do carimbo de entrada do a/r no Tribunal, que foi a considerada pelo citado, deverá ter-se por tempestivamente apresentada.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 504/19.1T8CTB-A.E1
Tribunal Judicial da comarca de Évora
Juízo Central Cível e Criminal de Évora – J4


I. Relatório
(…), Representações, Lda. instaurou contra (…), comércio de produtos alimentares, Unipessoal, Lda. e (…), acção declarativa de condenação, de que os presentes autos são apenso, no âmbito da qual foram expedidas cartas para citação dos RR.
Tendo ambos os RR contestado em peça única que deu entrada em juízo no dia 30 de Maio de 2019, afigurando-se ao Tribunal que o prazo consagrado no art.º 569.º do CPC, incluindo a dilação, se mostrava ultrapassado, sendo a contestação intempestiva, determinou a notificação dos contestantes para se pronunciarem, querendo (cfr. despacho de 5/6/2019, com Ref.ª 31233221, a fls. 32v.º-33v.º deste apenso).
Correspondendo ao convite, vieram os RR defender a tempestividade da apresentação, sustentando que tendo a secretaria dado irregular cumprimento ao disposto no art.º 233.º do CPC, designadamente no que se refere à indicação da data e modo pelo qual o acto da citação se considera realizado, uma vez que se limitou a remeter para o a/r cuja cópia juntou e no qual apenas a data de 11 de Abril, colocada defronte da assinatura da pessoa que recepcionou a carta, é legível, deverá ser esta a data a considerar para efeitos de início de contagem do prazo para contestar, pelo que a contestação foi apresentada em tempo.
A autora pronunciou-se em sentido contrário, defendendo a intempestividade da apresentação.
Foi de seguida proferido douto despacho (Ref.ª 29059053 – fls. 56 a 57v.) que, acolhendo os argumentos aduzidos pelos RR, julgou a contestação tempestiva e por isso a admitiu.
Recorre agora a autora do decidido e, tendo desenvolvido nas doutas alegações as razões da discordância com o decidido, formulou a final as seguintes necessárias conclusões:
“1. A citação dos réus foi feita na pessoa da sua funcionária (…), em 05-abril-2019, constando do AR de tal carta, nos campos de identificação da data e assinatura da pessoa que a recebeu, a seguinte informação escrita, clara e legível: “(…) 2019/4/5”;
2. Impugna-se, desde logo, por isso, o Despacho agora recorrido no sentido de perspetivar que a única data percetível aos réus no AR da citação era 11-Abril-2019;
3. O art. 233.º do CPCiv. foi devidamente cumprido na notificação com a ref.ª 31085059, com todas as informações devidas, segundo a prática corrente e cumprindo todos os requisitos legais;
4. Pese embora nenhuma irregularidade ou ilegibilidade ter ocorrido nessa comunicação da Secretaria do Tribunal, a verdade é que a carta de advertência prevista no art.º 233.º do CPC não é condição da citação nem do início da contagem do prazo da contestação, conforme jurisprudência acima indicada;
5. Por outro lado, os recorridos nada alegaram em sede de contestação – sua primeira intervenção processual –, quer quanto à citação, quer à comunicação do art. 233.º CPCiv., nem sequer invocaram ter recebido a carta de citação em data posterior àquela em que a sua funcionária assinou o respetivo AR;
6. É ao citando que compete alegar e provar que a carta de citação não lhe foi entregue no prazo que a lei lhe confere de dilação em razão da citação não ter sido efetuada na sua pessoa. Os recorridos não o alegaram na contestação, além de que nem posteriormente juntaram qualquer elemento de prova a respeito disso;
7. É inaceitável e totalmente desprovida de fundamento ou base legal, a eleição que o Despacho recorrido faz da data 11-abril-2019 como aquela em que se deve considerar ter sido a citação, apenas e só por ser a “mais recente” que constava daquele AR;
8. Essa data, defendida posteriormente pelos recorridos, nada mais serve do que de mecanismo para obterem uma contagem tempestiva face à data em que apresentaram a contestação;
9. Defender tal posição e considerar a tempestividade da contestação significaria subverter os princípios associados à certeza, segurança jurídica e estabilidade processual e à imperatividade dos prazos processuais peremptórios, visto ter sido praticada fora de prazo;
10. O Despacho recorrido invoca a necessidade de proteger os interesses dos réus e evitar prejudicar os mesmos com erros judiciais, mas nenhuma circunstância existiu que justifique tal tolerância ou bonificação, sendo que da aceitação do Despacho recorrido resultaria, isso sim, o prejuízo da Autora, face à concessão aos réus do exercício de um direito (deduzir contestação) que aqueles já deixaram extinguir, por exclusiva culpa e responsabilidade;
11. Este mesmo Tribunal da Relação de Évora já se debruçou, no Acórdão de 22-03-2018, quanto à eventualidade de a comunicação do art. 233.º CPCiv. não ser expedida no prazo de dois dias úteis, situação que o Despacho recorrido agora invoca para considerar que no caso concreto os réus mereceram mais tempo para contestar;
12. Só no caso do citado Acórdão se concederia que – e provando o destinatário que a carta de citação não lhe foi entregue antes da comunicação seguinte de advertência – que, recebendo determinado réu a comunicação de advertência fora do prazo de contestar, se poderia falar de erro do sistema judicial prejudicial para o seu direito de defesa;
13. Tal não foi o caso dos presentes autos, já que como os recorridos admitem, receberam a comunicação de advertência em 16-abril-2019, muito antes do fim do prazo de contestar, que terminava a 24-maio-2019;
14. Mas mesmo numa eventual situação como a do ponto 12. destas conclusões, que não é o caso dos autos, – aquilo que por eventuais razões de justiça e boa-fé do sistema judicial se poderia permitir aos réus – seria terem vindo arguir quaisquer irregularidades a tal citação ou comunicação de advertência no prazo legal supletivo, o que não fizeram;
15. Qualquer vício que os recorridos entendessem apontar à citação ou à comunicação do art. 233.º do CPCiv. teria de ser alegado, no máximo, no prazo e até ao momento da contestação, sempre no momento da primeira intervenção processual, ex vi art.º 191.º do CPCiv., ou, seguindo o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2018, no prazo de 10 dias após a receção da carta de advertência, o que os réus não fizeram;
16. Só no prazo referido no ponto anterior é que podiam suscitar a ilisão da presunção de oportuna entrega da carta de citação ou de arguir a falta de citação, alegando que o terceiro não cumpriu o seu dever de pronta entrega;
17. Os recorridos não alegaram na sua contestação, nem provaram até hoje, terem direito a um prazo superior de dilação do que aquele que já lhes foi concedido pelo facto de a carta de citação ter sido recebida por terceira pessoa;
18. Não o fizeram, bem sabendo os recorridos, e concretamente os respetivos mandatários, que tendo contestado sem arguir o que quer que fosse acerca do procedimento que envolveu a citação, nem invocado terem recebido a carta de citação da parte da funcionária em data posterior à constante da assinatura do A/R, a mesma se considera automaticamente sanada nos termos do CPCiv.;
19. No Despacho recorrido, o Tribunal a quo, em vez de aplicar tal regra constante do art. 191.º do CPCiv. – em virtude de toda e qualquer nulidade ou irregularidade da citação já estar sanada com a contestação dos recorridos, – veio agora apontar omissões ou erros à notificação do art. 233.º do CPCiv., que, para além de não existirem, já não podem ser suscitadas, porque do silêncio dos réus na sua primeira intervenção a esse respeito, resultou a sua sanação. Assim já decidiu este Tribunal da Relação de Évora, em 20-dezembro-2018;
20. De acordo com a lei processual aplicável, a jurisprudência já proferida sobre a questão em apreço e inclusive conforme consta do despacho inicial dos autos, de 05-junho-2019, torna-se impossível aceitar a subsistência do Despacho ora recorrido, que aqui se impugna, devendo por isso tal Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça ter a contestação dos réus sido apresentada fora de prazo, com todas as consequências legais, desde logo, ser os factos articulados pela autora na PI considerados confessados, nos termos do art.º 567.º do CPC.
Conclui pela procedência do recurso e consequente revogação do despacho recorrido.
Contra-alegaram doutamente os RR., defendendo naturalmente a manutenção do despacho recorrido.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a apresentação da contestação foi – ou não, conforme defende a recorrente –, tempestiva.
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É a seguinte a factualidade a atender, tal como resulta dos autos:
1. A ora apelante sociedade “(…) – Representações, Lda.” instaurou contra a sociedade “(…) – Comércio de Produtos Alimentares, Unipessoal, Lda.” e (…), tendo a petição dado entrada no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco no dia 26.03.2019.
2. A citação dos Réus – com sede e residência em Estremoz – foi realizada por via postal mediante cartas enviadas no dia 27.03.2019, sob registo e com aviso de recepção.
3. Após recepção nesse mesmo dia do a/r devolvido, a secretaria remeteu em 11.04.2019 ao Réu (…) uma carta registada, com o seguinte teor:
«(…) Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa
Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.
O Prazo para contestar é de 30 Dias.
Àquele prazo acresce uma dilação de:
· 0 dias por a citação ter sido efectuada em comarca diferente daquela onde correm os autos;
· 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa.
A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo (s) Autor(es).
O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. (…)».
4. A acompanhar a comunicação a que se refere o ponto anterior seguiu uma cópia do a/r.
5. Do a/r consta a assinatura legível de (…) no quadro inferior do lado esquerdo, a seguir a um sinal de x e, no final da mesma linha, menos legível, uma data manuscrita – 2019/4/5 – seguida de um carimbo, que se sobrepõe parcialmente àquela data, com dizeres vários e a data impressa “11 ABR 2019”.
6. Do a/r consta ainda um carimbo, ilegível, e sensivelmente a meio uma assinatura e a data 05/04/2019.
7. A carta enviada para citação do R. (…) foi recebida pela dita (…) no dia 5 de Abril de 2019.
8. A contestação deu entrada em juízo em 30 de Maio de 2019.
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De Direito
Da tempestividade da contestação apresentada.
Conforme se anota na decisão impugnada, tendo os RR a sua sede e residência fora da área da comarca sede do Tribunal, ao prazo de contestação de 30 dias consagrado no art.º 569.º, n.º 1, do CPC acresce uma dilação de 5 (cinco) dias, conforme previsto no art.º 245.º, n.º 1, al. b), do citado diploma legal. E porque o aviso de recepção aqui em causa foi assinado por pessoa diversa, o Réu pessoa singular beneficia também da dilação de 5 (cinco) dias prevista na al. a), do n.º 1 do citado art.º 245.º, a qual deverá acrescer à prevista na citada al. b), conforme previsto no n.º 4, dispondo portanto do prazo de 40 dias para contestar (art.ºs 142.º e 569.º, n.º 2, também do Código do Processo Civil)[1].
Não existindo litígio quanto ao prazo a aplicar, divergem as partes quanto ao momento em que o mesmo deverá iniciar a contagem, defendendo a recorrente, ao invés do que foi entendido, que tendo a carta sido recebida em 5 de Abril de 2019 – menção que tem por inequívoca face à cópia do a/r enviada ao réu sendo certo que, argumenta, ainda a admitir a existência de dúvida, tivessem o contestante e os seus Ils. advogados actuado com a diligência exigível e a mesma teria sido esclarecida, designadamente pelo rastreamento da carta no sítio disponibilizado pelos CTT – a citação tem-se por regularmente efectuada naquele mesmo dia, iniciando-se a contagem do prazo no dia seguinte.
Vejamos da razão que assiste, ou não, à recorrente.
Conforme resulta do disposto no art.º 230.º, a citação efectuada por via postal considera-se feita no dia em que se mostre assinado o a/r e tem valor de citação pessoal mesmo quando a assinatura é de terceira pessoa presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao seu destinatário. Ocorre, portanto, que na impossibilidade de ter a certeza de que ao R. foi dado conhecimento efectivo da instauração da acção e demais elementos essenciais à sua defesa, o legislador presume esse conhecimento, admitindo a sua ilisão.
Reconhecendo a importância fulcral da citação, pelo qual o réu é chamado para se defender (art.º 219.º, n.º 1), e porque, conforme explica o Prof. Lebre de Freitas[2], “o direito de defesa postula o conhecimento efectivo do processo instaurado, a concessão dum prazo suficientemente amplo para a oposição e o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da falta de contestação”, exige a lei que no acto lhe sejam transmitidos os elementos essenciais para que a defesa possa ter lugar, tendo tomado particulares cautelas por forma a assegurar que assim ocorre nos casos em que a carta para citação é recebida por terceira pessoa, contexto em que se inclui a formalidade prescrita no art.º 233.
Nos termos desta disposição legal,
“Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.»
Trata-se de uma “diligência complementar e cautelar”, “um acréscimo de garantia de defesa (…), de modo que assim advertido o citando poderá, se ainda não tiver conhecimento da nota de citação ou se o terceiro não lhe tiver ainda transmitido os elementos recebidos, tomar pleno conhecimento do acto ou, sendo caso disso, ilidir a presunção dos art.ºs 233.º/4 e 238.º [art.º 230.º/1 em vigor]”[3].
Não distinguindo hoje a lei entre formalidades essenciais e secundárias, não estando em causa uma situação de falta de citação (de que se ocupa o art.º 188.º), a inobservância das formalidades prescritas na lei determinam a nulidade da citação, a arguir no prazo que tiver sido indicado para a contestação, só podendo/devendo ser atendida quando a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (art.º 191.º, nos seus n.ºs 1, 2 e 4).
Atento o regime legal vindo de descrever e sendo o envio da carta a que alude o art.º 233.º, com as menções nele enumeradas, uma formalidade imposta pela lei, parece não poder deixar de se entender que a omissão ou irregularidade do mesmo constitui nulidade desde que a falta cometida seja susceptível de prejudicar o direito de defesa do R. (citado n.º 4 do art.º 191.º).
No caso dos autos verifica-se que a secretaria, ao invés de fazer a indicação, conforme impõe a lei, da data em que a carta fora recepcionada, remeteu para a cópia do a/r que enviou ao citando. Não importa que, conforme alega a recorrente, se trate de prática corrente e aceite, subsistindo a evidência que não observa o comando legal. A ausência da indicação precisa, conforme impõe a lei, da data em que a citação se considera efectuada constitui, portanto, a omissão de uma formalidade que, a provar-se que prejudica a defesa, produz a nulidade do acto de citação.
Analisada a cópia do a/r remetida ao réu (…) impõe-se o reconhecimento, contrariando a posição assumida pela recorrente, de que para um declaratário normal, colocado na posição do destinatário, é tudo menos evidente que a data sumida colocada na mesma linha da assinatura devesse ser considerada, ao invés daqueloutra, mais legível, constante do carimbo que, para além do mais, se sobrepõe em parte à primeira. Admite-se que se o a/r tivesse sido apresentado ao advogado constituído ou a um colaborador forense, este facilmente concluiria que o aludido carimbo respeita à data da entrada do a/r no tribunal, mas o destinatário da carta a que se refere o citado art.º 233.º é a parte, não valendo aqui considerações quanto à diligência ou, mais exactamente, quanto à falta dela, da actuação dos Ils mandatários dos RR, quando não se sabe por que modo estes foram contactados e que informação lhes foi prestada. E ao citando, salvo melhor opinião, não é exigível que perscrute o aviso de recepção, em ordem a localizar e identificar qual a data em que o mesmo foi assinado, numa altura em que bem pode acontecer que não tenha ainda sido contactado pelo terceiro ou, tendo-o sido, que este não se encontre em condições de indicar com precisão a data em que a carta para citação foi recebida, uma vez que, como se sabe, o a/r é devolvido ao tribunal. E, salvo melhor opinião, também não lhe é exigível que proceda à consulta do sítio dos CTT em ordem a assegurar-se da data de recepção, fazendo uso do código de rastreamento, por duas ordens de razões essenciais: primeiro, nem todas as pessoas estarão habilitadas ou disporão dos meios para tal; depois, porque nada na lei confere garantia de autenticidade à informação ali disponibilizada. E foi precisamente para obviar a todas estas dificuldades que o legislador impôs, e o de 2013 manteve, de forma clara, que a data em que a citação se considera efectuada constasse da carta a enviar ao citado.
Na verdade, e conforme se sublinha no acórdão do TRC de 12/4/2018, proferido no processo 207/17.1 T8LSA-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, citado pelos apelados, que se ocupa de um caso em que no a/r não tinha sido mencionada a data da recepção da carta, para que funcione a presunção do conhecimento efectivo pelo citando dos elementos essenciais ao exercício do seu direito de defesa, importará não existirem dúvidas quanto ao recebimento da carta pelo terceiro e quanto ao momento em que tal ocorreu, porque se é verdade que aquele que goza de uma presunção não tem de provar o facto a ela conduz (n º 1 do artigo 350.º CC), não se encontra dispensado de provar o facto base, relativamente ao qual não poderá haver dúvidas. E acrescenta-se “(…) caso subsistam dúvidas quanto à data em que deve ser tida em consideração para o início da contagem do prazo da contestação, dever-se-á atender à data que for mais favorável ao réu.
A parte não pode ficar prejudicada pela circunstância de os dados que lhe foram transmitidos não fornecerem elementos seguros sobre a data de início do prazo para apresentação da contestação, considerando-se inaceitável que se faça recair sobre o citando o ónus de ser ele próprio a ter de pesquisar em que data a carta terá sido entregue ao terceiro, através de elementos que, além do mais, só poderá obter fora do processo”.
Recorrendo aos ensinamentos do Prof. Lebre de Freitas em “Data da citação postal quando não conste do aviso de recepção o dia em que ele for assinado”, artigo publicado in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia”, Vol. III, Edição da FDUL, Coimbra Editora 2010, p. 773, diz-se ainda, com pertinência para o caso que nos ocupa:
“Segundo o referido autor, a clara indicação da data da citação do réu é de tal modo importante que, quando a citação é feita na pessoa de terceiro ou mediante afixação de nota de citação, é ainda enviada ao réu uma carta registada que, entre outros elementos, comunica a data em que o ato se considera realizado, a essencialidade da menção formal da data da citação resulta da exigência da indicação do prazo para a defesa, não bastando dizer que o réu tem o prazo de 30 dias para contestar: a não se indicar o terminus ad quem do prazo, o que só é possível quando a citação é feita por solicitador de execução ou funcionário judicial, mediante contacto com o citando ou terceiro, ou no caso de citação promovida por mandatário judicial, há que indicar o seu terminus a quo, isto é, o dia em que a citação se tem por feita, bem como, em caso disso, o prazo da dilação”., sendo certo que “Nenhuma norma impõe ao réu a consulta do sítio dos CTT na Internet; nenhuma norma lhe impõe que cuide de saber da data que formalmente conste na lista de distribuição dos CTT como sendo a da entrega da carta registada remetida para a sua citação. Os deveres de averiguação do réu, no âmbito da observância do ónus da contestação, circunscrevem-se aos documentos que a lei impõe como forma do acto, não lhe sendo exigido o recurso a elementos exteriores a esses para a determinação da data da citação Artigo citado, p. 779”.
Em suma, a indicação precisa da data em que a citação se considera efectuada é uma formalidade destinada a conferir certeza à entrega e data em que ela teve lugar, pelo que quaisquer ambiguidades nessa indicação, ainda que resultantes da mera remissão para cópia de má qualidade do a/r no qual se encontram apostas datas diversas, tem valor de nulidade capaz de prejudicar a defesa do citando.
Sustenta a recorrente que, a ter sido cometida irregularidade com valor de nulidade, a mesma se encontra sanada, uma vez que os RR intervieram no processo sem a arguir.
É certo que o artigo 191.º, n.º 2 estabelece como prazo para a arguição da nulidade o que tiver sido indicado para a contestação e que na contestação apresentada os RR nada arguiram. No entanto, tendo o R. considerado como data da citação a que constava do carimbo – 11 de Abril –, entendimento que se afigura compreensível, na ausência da indicação clara e precisa que devia constar da carta enviada e face à má qualidade da cópia e profusão de elementos que constavam do a/r – a contestação era tempestiva, logo, na perspectiva do citado a falta cometida não tinha prejudicado a sua defesa. Por outras palavras, a irregularidade cometida -omissão da indicação da data em que a citação se considerava efectuada – era uma mera irregularidade sem valor de nulidade. Todavia, não deixaram de o fazer depois de alertados pelo Tribunal para a data em que a carta fora efectivamente recepcionada e da eventual prolação de decisão a ordenar o desentranhamento da peça, pelo que, no assinalado contexto, a arguição da nulidade sempre teria de ser tida como tempestiva.
Apesar da nulidade verificada, podendo ser aproveitada a contestação apresentada e a subsequente tramitação, não há que repetir o acto nem proceder à anulação do processado.
Confirma-se, pelo exposto, a decisão recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Sumário:
(…)
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Évora, 25 de Junho de 2020
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Mário Rodrigues da Silva

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[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.

[2] “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais”, 2.ª edição, reimpressão, páginas 92-93.

[3] Prof. Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. I, anotação ao então artigo 241.º em vigor, a que corresponde actualmente o artigo 233.º.