Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
189/20.2PAPTM.S1.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: ROUBO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O crime de roubo só existe se houver o emprego de violência contra uma pessoa, sendo certo que a violência não pressupõe formas taxativas e específicas de manifestação, podendo ser física – emprego de força sobre o corpo da vítima, com ou sem lesão corporal – ou moral – se e enquanto estritamente indispensável à consumação do delito.

II – Todos os meios através dos quais o agente consiga dominar a sua vítima, para consumar o crime de roubo, sem usar de ameaça ou violência física – seja por força da mera apreensão física, seja sujeitando-a psicologicamente – integrarão, em regra e por exclusão, a noção de a colocar em impossibilidade de resistir.

III – Comete o crime de roubo o agente que, através de atos concludentes consubstanciados na exigência da entrega de bens realizada através de uma abordagem verbalmente agressiva – comportamento enquadrado num contexto global de vários atos sequenciais intimidatórios anteriormente praticados – manifestou à vítima a intenção de a ameaçar que se revelou idónea e adequada a intimidá-la, a constrangê-la e a viciar a sua liberdade de determinação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 210º do CP.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.
Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de Portimão - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 189/20.2PAPTM., foi o arguido (...), atualmente detido preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de Silves, condenado da seguinte forma:
A) Pela prática, em concurso real e na forma consumada de quatro crimes de roubo previstos e puníveis pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, nas penas de:
- 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime no qual é ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 26.04.2020, do crime no qual é ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 27.04.2020, do crime no qual é ofendido (...); e
- 2 (dois) anos de prisão, pela prática do último crime no qual é ofendido (...).
B) Na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares indicadas em A).
***
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“1º. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de 4 (quatro) crimes de roubo.
2º Em face de tudo o exposto e salvo o sempre devido respeito ao mui douto Acórdão recorrido, encontram-se verificados os requisitos legais para a retificação do Acórdão A Quo.
3º. Entende o aqui recorrente ser ilegal a sua condenação e, por consequência, desproporcionais as penas que lhe foram aplicadas individualmente a cada um dos quatro crimes de roubo pelos quais foi condenado e, bem assim, a pena única alcançada em cúmulo jurídico pelo que requer a sua reformulação.
Ab initio,
4º. E no que diz respeito ao crime praticado contra (...);
5º. Não foi feita prova de que as agressões a (...), assim como a subtração dos seus bens foram perpetradas pelo arguido, ora recorrente, (…).
6º. Assim sendo e em observância do princípio legal In dúbio pro Reu, deve o arguido ser absolvido do crime de roubo praticado contra (...).
7º. Não resulta provado que o aqui recorrente esteve sequer no “Bar” naquela noite.
8º. Muito menos resulta das declarações das testemunhas (…), supratranscritas que foi o arguido que praticou os factos ofensivos contra (...).
9º. As testemunhas não identificam o arguido como autor dos factos;
10º. As testemunhas presenciais dos factos fazem prova, sim, de que não sabem quem praticou o crime de roubo contra (...).
11º. As testemunhas, cujas transcrições comprovam isso mesmo, não identificam o arguido como autor do crime de roubo contra (...), nem o colocam no local do crime.
12º. As testemunhas fazem prova de que os autores dos factos eram 2 (dois) indivíduos encapuçados.
13º. Constata-se, assim, a violação do princípio da legalidade previsto no artigo 1º. do Código Penal.
14º. O Acórdão à Quo fere o nº. 2 do artigo 40º. do Código Penal, por não o observar.
15º. A sentença a quo é tomada sem atender ao princípio basilar do direito “In dúbio pro reu”.
16º. A convicção do Tribunal A Quo assentou unicamente no depoimento do ofendido e da sua ex-companheira, uma vez que nenhuma das testemunhas o comprovou.
17º. Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda o disposto no nº. 1. do artº. 355º. do Código de Processo Penal.
18º. Assim, de acordo com a norma supra, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na Audiência.
Mais,
19º. Não é possível perceber a facilidade com que se colocou o arguido no local do crime, já que não há provas que o situam no local ou o identificam como estando lá, ou mesmo no “Bar” na noite em questão.
20º. E, muito menos a praticar os factos, factos pelos quais foi condenado com uma pena demasiado pesada, considerando a ausência de prova, desproporcional, portanto e em manifesto incumprimento dos artigos 70º. e 71º. do Código Penal.
Bem assim,
21º. E no que diz respeito aos crimes de roubo contra (...)
22º. Da prova realizada pelas declarações prestadas pelo ofendido, única testemunha destes factos, as quais se encontram transcritas supra, Não se faz prova de que o arguido praticou 3 (três) crimes de roubo contra (…).
23º. Não há testemunhas que o colocam no local e o ofendido, logo, interessado direto no sucesso do pleito que encetou contra (…), não faz prova sequer de que tenha existido violência por parte do arguido.
24º. A convicção do Tribunal A Quo assentou unicamente no depoimento do ofendido, uma vez que não há testemunhas.
25º. Acontece que o depoimento do ofendido se revelou pouco claro, impreciso e incoerente.
26º. Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda o disposto no nº. 1. do artº. 355º. do Código de Processo Penal.
27º. Assim, de acordo com a norma supra, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na Audiência.
28º. Acresce, que o arguido foi condenado pela prática de três crimes de roubo contra (...).
29º. Ora, para além das declarações do ofendido, evidentemente interessado no desfecho da questão, não há qualquer outro elemento que coloque o arguido no local da prática dos factos,
30º. Nem tão-pouco, que faça prova da subtração dos objetos identificados pelo ofendido,
31º. Tal circunstância retira e prejudica a segurança e a certeza necessárias à condenação do ora recorrente.
32º. Não sendo, bem assim, possível preencher o tipo de crime p. e p. pelo nº. 1. do artigo 210º. do Código Penal.
33º. Caso assim não se entenda então deve dar-se ao menos a convolação para crime de furto, na parte referente à qualificação do tipo de crime como roubo.
Senão vejamos:
34º. Dispõe o artigo 210°, nº 1, do Código Penal, que "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de 1 a 8 anos de prisão."
35º. Ora, não é disso que se faz prova.
36º. A prova feita e realizada é a de que o interessado direto na questão, (...), informa o douto Tribunal a quo de que não houve testemunhas dos factos e de que os factos, a terem ocorrido, não envolveram violência.
Mais,
37º. Considerando os valores alegadamente subtraídos, e indicados pelo ofendido/testemunha, trata-se de crime de furto simples.
38º. O aqui recorrente foi condenado por ter alegadamente subtraído a (...), no dia 26 de abril de 2020 um maço de tabaco com dois cigarros e €50,00 em numerário, e no dia 27 de abril de 2020 uma mochila e medicação e uns ténis usados cujo valor indicado foi de €50,00, e numa terceira ocasião alegadamente subtraiu €2,00
ao ofendido.
39º. A ser considerado provado o furto deverá ser o crime p.e p. no artigo 203º. do Código Penal.
40º. Ora, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, que é o caso, o tribunal deverá dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por força do disposto no artigo 70º. do Código Penal.
41º. O que se verifica no caso em concreto.”

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que absolva o arguido da prática de 1 (um) crime de roubo na pessoa de (...) e de 3 (três) crimes de roubo na pessoa de (...), ou, subsidariamente, que se proceda à convolação destes últimos três crimes de roubo em crimes de furto, optando-se pela aplicação, relativamente aos mesmos, de penas não privativas da liberdade
*
O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1 – O arguido (...), vem recorrer do douto Acórdão proferido nos autos à margem referenciados, que o condenou, pela prática, em concurso real, na forma consumada de:
a) - 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de que é Ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 26.04.2020, do crime de que é Ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 27.04.2020, do crime de que é Ofendido (...); e
- 2 (dois) anos de prisão, pela prática do último crime de que é Ofendido (...).
Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido em a. e condená-lo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2 - A convicção do Tribunal Colectivo foi devidamente motivada, dando, assim, adequado e cuidadoso cumprimento ao dever de fundamentação.
3 - O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pretendendo que o tribunal dê como não provados os factos vertidos nos pontos 1 a 14 da matéria de facto provada no d. Acordão a quo sem que tal tenha resultado da prova produzida em audiência.
4 - Os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência, que o tribunal apreciou, como é livre de fazer, de acordo com o disposto no art. 127.º, do C.P.P. não existindo razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente.
5 - A decisão recorrida contém a menção de todos os factos provados e não provados que se consideraram relevantes para a decisão, encontrando-se fundamentada de facto com a indicação dos meios de prova e respectivo exame crítico, através dos quais imediatamente se conclui, pela existência de todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de roubo, pelo qual o arguido foi condenado.
6 - A pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativa ao julgamento sobre a matéria de facto.
7 - Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal.”
*
A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da procedência parcial do recurso, com manutenção integral da matéria de facto – por incumprimento dos requisitos estabelecidos pelo artigo 412º do CPP para a respetiva impugnação – e com “diminuição das penas concretas, com reflexo na pena única” aplicadas ao arguido.
*
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.
No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:
A) - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e com violação do princípio “in dubio pro reo”.

B) - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de direito por errada qualificação jurídica dos factos, ou seja, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de roubo pelos quais o arguido foi condenado.

C) - Determinar se a escolha e a determinação concreta das penas foram feitas com deficiente fundamentação e com violação dos princípios da legalidade e da adequação.
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II.II - A decisão recorrida.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados, com relevo para a apreciação da situação do arguido recorrente, os seguintes factos:
“1.No dia 13 de Fevereiro de 2020, pelas 02h35m, na Rua Dr. Estevão Vasconcelos, Portimão, o Arguido (...), conjuntamente com um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu-se a (...) que ali caminhava.
2. Nessa sequência, o Arguido (...) desferiu murros no Ofendido, e, em seguida, agarrou, por trás, o pescoço deste, colocando para tanto o seu braço à volta do seu pescoço e atirou-o ao chão enquanto dizia ao outro indivíduo de identidade desconhecida para lhe retirar a carteira e o telemóvel.
3. Após, o Arguido (...) e o indivíduo de identidade desconhecida, retiraram da carteira de (...) a quantia em numerário de cerca de € 470,00 e ainda o telemóvel de marca Samsung J5, de cor dourada, no valor de € 219,00 e abandonaram o local.
4. Em consequência da actuação do Arguido (...) e do indivíduo de identidade desconhecida, (...) sofreu hemorragia subconjuntival esquerda, edema e equimose periorbotária esquerda e no membro superior direito escoriação localizada no cotovelo, caiu ao solo sofrendo um ferimento na cabeça.
5. O Arguido (...) usou, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo violência física contra o (...) por forma a obstar a qualquer tipo de resistência por parte deste, tendo-o perturbado de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos acima referidos.
6. No dia 26 de Abril de 2020, em hora não concretamente apurada mas no período da tarde, na Rua Quinta do Bispo, Portimão, o Arguido (...) dirigiu-se a (...), encostou-o à parede, revistou-o e subtraiu-lhe dos bolsos um maço de tabaco com dois cigarros e € 50,00 em numerário.
7. Com a actuação descrita, o Arguido usou de violência psíquica e perturbou de modo sério (...) no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos atrás referidos.
8. No dia 27 de Abril de 2020, pelas 21 horas, na Alameda de Portimão, o Arguido (...) dirigiu-se a (...), o qual trajava um casaco propriedade de (...) e desferiu-lhe agressões.
9. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o Arguido (...) dirigiu-se também a (...) e tirou-lhe a mochila, a qual continha no seu interior um par de sapatilhas de marca Fila no valor de cerca de € 50,00 e a medicação relativa ao HIV.
10.Com a actuação descrita, o Arguido usou de violência física e psíquica e perturbou de modo sério o Ofendido (...) no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos atrás referidos.
11.Noutra ocasião, na Estação de Portimão, o Arguido (...) dirigiu-se a (...), o qual, após o Arguido lhe ter exigido a entrega dos bens que tivesse na sua posse, entregou ao Arguido a quantia de € 2,00 em numerário.
12.Com a actuação descrita o Arguido usou de violência psíquica e perturbou de modo sério o Ofendido no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão da quantia monetária atrás referida.
13.Ao assenhorear-se desses valores e objectos - € 470,00, telemóvel Samsung J5, maço de tabaco com dois cigarros, € 50,00, par de sapatilhas, medicação e € 2,00 - levando-os em seu poder, o Arguido (...) teve o propósito de os integrar no seu património, fazendo-os coisa sua, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que actuava, sem qualquer autorização, contra a vontade e em prejuízo dos seus legítimos donos, os Ofendidos (...) e (...).
14.O Arguido (...) agiu livre, consciente e deliberadamente, pois sabia que as suas condutas eram proibidas por lei e, ainda assim, não se coibiu de as praticar.
Da Contestação
15.O Arguido encontra-se em prisão preventiva desde 4 de Setembro de 2020.
Mais se apurou que
16.Natural da República Dominicana, (...) referiu ser o quinto de seis irmãos, filhos de um político/militar já reformado e de mãe professora, com uma situação económica e social estável. Estudou no país de origem e terá concluído o 12º ano de escolaridade, optando por uma carreira no desporto enquanto atleta velocista e treinador de jovens, o que referiu ter sido durante vários anos a sua fonte de rendimento. Tendo a família de origem e um filho menor de uma anterior relação a viver na República Dominicana, (...) mencionou ter apenas a residir na zona da Costa da Caparica uma tia e primos. Foi inicialmente junto destes familiares que se fixou em 2013 quando decidiu emigrar para Portugal de forma a “mudar de vida”. Trabalhador indiferenciado, viveu em Benavente (Ribatejo) entre o final de 2013 e meados de 2015 com (…), mas o abusivo consumo de bebidas alcoólicas ditou o fim da relação e a condenação do Arguido num processo de violência doméstica (autos nº 375/15.7GABNV) numa pena suspensa de 2 anos e 4 meses de prisão, sentença que apenas transitou em julgado em 03.09.2019 (medida que apenas vai terminar em 03.02.2022).
17.Habituado a grande mobilidade geográfica, mudou várias vezes de residência e referiu ter morado e trabalhado em Lisboa na construção civil antes de ter vindo para o Algarve em 2017, tendo sido apenas no sul do país que (...) iniciou o cumprimento do plano de reinserção social e obrigações do regime de prova fixada no processo acima mencionado. Entretanto também cumpriu, entre Outubro/2019 e Abril/2020, 133 dias de prisão subsidiária no EP de Silves à ordem do processo nº 583/14.8GCBNV por falta de pagamento de uma multa de 1.100 euros.
18.Entre Abril e Agosto de 2020, altura em que voltou a ser preso à ordem dos presentes autos, (...) viveu em Estômbar e nos últimos tempos na zona do Enxerim (Silves) com a amiga (…).
19.Ao longo dos meses de acompanhamento pela equipa da DGRS no âmbito do Processo nº 375/15.7GABNV (...) manteve contactos regulares com a técnica de reinserção social responsável pelo acompanhamento e foi fazendo alguns biscates limitados pelos tempos de pandemia, mas manteve consumo regular de bebidas alcoólicas, questão que admite ser o seu principal problema.
20.No estabelecimento prisional (...) tem mantido bom comportamento e frequenta um curso de competências básica (de português) e aulas de TIC, sendo também o barbeiro da prisão. Tem contactos telefónicos com a amiga Cristina e com familiares no estrangeiro.
21.Do Certificado de Registo Criminal do Arguido constam as seguintes condenações:
- no Processo Comum Singular nº 1796/13.5GCALM, por decisão de 30.06.2015, transitada em julgado em 28.01.2016 pela prática de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, em 16.12.2013, na pena de 90 dias de multa;
- no Processo Sumaríssimo nº 583/14.8GCBNV, por decisão transitada em julgado em 30.10.2015, pela prática de crimes de Furto e de Burla Informática, em 13.11.2014, na pena única de 200 dias de multa; e
- no Processo Comum Singular nº 375/15.7GABNV, por decisão de 22.09.2017, transitada em julgado em 03.09.2019, pela prática, em 06/2015, de um crime de Violência Doméstica, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova e com as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e de não se aproximar do local de residência e do trabalho desta.
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B. Factos Não Provados
Não se provou que:
a) Os factos indicados em 6. ocorreram no dia 24 de Abril de 2020 e o Arguido agarrou (...).
b) Os factos descritos em 8. ocorreram na Rua Quinta do Bispo.
c) Nessas mesmas circunstâncias, o Arguido subtraiu do bolso do referido casaco a quantia de € 5,00 em numerário pertença de (...).
d) Nas circunstâncias descritas em 9. o Arguido disse a (...) que lhe batia se não lhe desse os seus bens.
e) As sapatilhas referidas em 9. tinham o valor de € 110,00.
f) Os factos descritos em 11. ocorreram no dia 18 de Agosto de 2020, pelas 12h30m, junto à Igreja do Amparo.
Da Contestação
g) O Arguido encontra-se sem consumir bebidas alcoólicas desde 4 de Setembro de 2020.
h) Desde essa data iniciou um percurso curativo a fim de combater o seu vício por bebidas alcoólicas.
i) Sente-se um homem regenerado, satisfeito por cada conquista diária e consciente de que é nesse percurso que pretende enveredar.
j) O Arguido pratica o ofício de barbeiro com orgulho e honra.
k) O Arguido é cidadão de bem.
***
II.III - Apreciação do mérito do recurso.
O recorrente impugna a prática dos factos que determinaram a sua condenação e, subsidiariamente, questiona a qualificação jurídica dos mesmos e a escolha e determinação concreta das penas que lhe foram aplicadas.
Analisemos.
A) – Do erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e com violação do princípio “in dubio pro reo”.
Sabendo-se que os recursos são soluções de natureza jurídico processual, que se encontram vocacionados para verificar a existência e, sendo caso disso, para corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, «o tribunal ad quem não julga de novo (…)como se inexistisse uma decisão de primeira instância. E a sindicância dessa decisão (…) não inclui ainda a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar (…).»[1]
No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento.
Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”.
A impugnação da matéria de facto em sentido amplo, ou a invocação de um erro de julgamento – com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 acima transcritos – não se confunde com a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e invocados no recuso, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
A este propósito, preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:
“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c ) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Na situação dos autos, encontramo-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada com respeito pelo disposto no artigo 412.º do CPP. Relativamente à satisfação de tais requisitos, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação à referida norma, no Comentário do Código de Processo Penal “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”[2]
Verificamos assim que para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis.
Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso.[3]
E foi isso que a recorrente fez nos presentes autos – pese embora tenha redigido as suas conclusões de forma prolixa e repetitiva, sem ter logrado sintetizar, como era dever, o objeto do recurso – tendo assinalado não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes aos crimes de roubo pelos quais foi condenado.
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Previamente à incursão que se impõe realizar sobre as provas concretas produzidas nos autos e que sustentaram a decisão recorrida, importa fazer uma breve referência ao princípio da livre apreciação da prova, a que acima nos reportámos e que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP.
Assim, caberá reter que, segundo tal princípio processual penal, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio.
Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável.
Como assinala Figueiredo Dias[4], a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Deste modo, importa reter que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.
*
O arguido, que nos presentes autos assume a qualidade de recorrente, afirma não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes aos crimes de roubo pelos quais foi condenado. Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, o recorrente observou suficientemente as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas – embora só o tenha feito no corpo da motivação, sem ter tido o cuidado de consignar, por síntese, nas conclusões do recurso, como lhe competia, os elementos identificadores da sua pretensão impostos por tal norma legal – pois que:
- Indicou os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos 1 a 14 da matéria de facto provada;
- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu na sua motivação de recurso;
- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida.
Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento.
Importa em primeiro lugar atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto à parte que se impugna. Assim, no que tange à motivação da convicção probatória, ajuizou a sentença recorrida da seguinte forma:
“C. Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada assentou no conjunto de prova produzida, apreciada criticamente e de acordo com as regras da experiência comum.
Assim, o Arguido reconhece ter problemas de alcoolismo, mas traça de si próprio uma imagem positiva, de pessoa afável que obtém bebidas e dinheiro oferecidos sem que tenha que recorrer à violência.
Declara não se recordar dos factos porquanto, na altura, andava alcoolizado, mas sabe que não os praticou pois nunca foi uma pessoa violenta.
Já (...) descreve, de forma assertiva as circunstâncias e o modo como foi abordado pelo Arguido, os factos praticados por este e os bens e valores que lhe foram subtraídos nessa sequência. Esclarece que (...) encontrava-se acompanhado por outros dois indivíduos, um dos quais identifica (mas que se manteve afastado, não tendo tido qualquer intervenção nos factos) e um terceiro indivíduo que actuou conjuntamente com o Arguido, mas cuja identidade desconhece.
É peremptório ao indicar as agressões levadas a cabo pelo Arguido e ao afirmar que foi este quem o prendeu pelo pescoço enquanto mandava o indivíduo de identidade desconhecida tirar-lhe os seus bens.
Identifica, de forma segura, o Arguido como o autor dos factos em causa, o que, aliás, já havia feito por reconhecimento constante do Auto de fls. 127.
(…), ex-companheira de (...), relata, circunstanciadamente, como ouviu barulho na rua, espreitou pela janela, tendo avistado pessoas à volta daquele a pontapeá-lo.
Tendo referido que o Arguido dizia ao outro indivíduo para tirar a carteira a (...), esclarece que falava com sotaque espanhol.
Ainda quanto à identificação do Arguido, esta testemunha mostra-se verdadeira, respondendo que este tinha outro aspecto na altura, mais magro e mal encarado (o que é comum suceder em julgamentos em que os arguidos se encontram presos).
A diferença assinalada por esta testemunha resulta clara do confronto com as fotografias do Arguido constantes de fls. 28 do Apenso 423/20.9PAPTM.
As testemunhas (…) atestaram, de forma consonante, as circunstâncias em que os factos ocorreram e em que se encontravam acompanhadas de (...), referindo-se a um indivíduo de tez clara e a outro indivíduo de tez escura como os autores das agressões levadas a cabo contra aquele. São igualmente unânimes ao referirem que tais indivíduos desferiram pontapés quando (...) já se encontrava caído no chão.
Mais explicam que, tendo tentado ajudar (...), (…) foi também agredida e caiu, após o que abandonaram o local com medo.
(...) e (...) identificam o indivíduo de tez mais escura como o que desferiu o soco a (...), e (...) conseguiu aperceber-se que o mesmo tinha um sotaque espanhol.
Estas duas testemunhas são igualmente coerentes ao afirmarem que (...) foi agarrado pelo pescoço, sendo que (...) especifica que foi o “mulato” quem lhe fez a “gravata”.
(...) confirma ainda que, tendo gritado, pedindo ajuda, veio alguém à janela (assim se atestando a versão da testemunha (...)) e que levaram o telemóvel e a carteira de (...).
A mesma testemunha juntamente com (...), menciona a presença de um terceiro indivíduo que se encontrava mais afastado e sem intervenção nos factos.
As supra referidas testemunhas são sinceras ao responder não se recordarem de ter avistado o Arguido no Bar onde haviam estado nem o reconhecerem como sendo um dos autores dos factos e (...) explica que seguia mais à frente e tem défice auditivo, motivo porque não se apercebeu de toda a acção.
E qualquer disparidade ou lapsos nos pormenores apenas revelam a sua espontaneidade e o facto inerente à individualidade humana de que quer a perspectiva quer a memória de cada pessoa não são, naturalmente, completamente coincidentes.
Da Reportagem Fotográfica de fls. 27/28 realizada em 13.02.2020 e do Relatório Pericial de fls. 10/11, resulta óbvio que (...) foi vítima de agressões.
Por seu turno, (...), narra as três situações em que foi abordado pelo Arguido e em que este lhe levou bens e/ou valores.
Assim, conta que uma das situações ocorreu na Alameda de Portimão, onde, após ter agredido (...), o Arguido puxou a mochila de (...) onde este tinha um par de sapatilhas e a medicação do HIV. Explica não ter reagido porquanto tinha assistindo às agressões perpetradas contra (...), temendo que o Arguido o agredisse também.
Mais relata que, noutra ocasião, o Arguido jogou-lhe a mão ao bolso, levando-lhe € 50,00 e umas moedas e tabaco.
Por fim, faz alusão a uma outra vez em que se encontrava na Estação e o Arguido limitou-se a pedir-lhe dinheiro, tendo a ora testemunha entregue € 2,00 que tinha consigo.
(...) mostra-se verdadeiro ao responder desconhecer se o Arguido retirou alguma coisa a (...) (facto não provado c)), que o Arguido não o ameaçou nem agrediu - factos não provados em a), segunda parte e em d) - e que as sapatilhas que se encontravam na mochila que o Arguido lhe tirou já eram usadas, devendo valer, por isso, cerca de € 50,00 (facto não provado em e)).
Esclarece, porém, de forma credível que, apesar do Arguido não o ter agredido ou ameaçado, tinha uma postura de agressividade, sendo que, da vez que lhe retirou os € 50,00 encostou-o à parede e jogou-lhe a mão ao bolso e que nas circunstâncias que refere ter tido lugar na Estação, (...) falou-lhe de forma brusca, sendo certo que, então, já “tinha sido roubado por ele duas vezes”, pelo que, “se não lhe desse” ele “tirava-lhe”.
Sentiu-se, pois, intimidado pelo Arguido, em todas as referidas ocasiões.
Embora haja dissonâncias relativamente à sequência temporal dos factos indicados no despacho acusatório, esta testemunha é assertiva na sua descrição. Tais dissonâncias são ultrapassadas considerando a data do Auto de Denúncia de fls. 12 do Apenso nº 423/20.9PAPTM (facto não provado em a) primeira parte), bem como com a exposição circunstanciada que (...) faz dos factos (factos não provados em b) e f)).
Esta mesma testemunha já havia identificado o Arguido como o autor dos factos (cfr. Auto de Reconhecimento de fls. 36 do Apenso nº 423/20.9PAPTM) e, em julgamento continuou a indicar o mesmo.
Todas as referidas testemunhas prestaram depoimento de forma credível, não se denotando nenhuma animosidade contra o Arguido ou esforço em implicá-lo nos factos em discussão ou em agravar a sua participação nos mesmos, nem qualquer interesse no desfecho dos presentes autos.
Aliás, o próprio Arguido não apresenta motivos para que (...) e (...) venham expor os factos contra si, nem versão que suscite quaisquer dúvidas no espírito deste Tribunal.
Em declarações finais, acrescenta que a testemunha (...) não tem estatura para se deixar intimidar. A este respeito, cumpre dizer que (...) tem uma estatura média/alta, mas está longe de ter uma compleição forte ou, sequer, uma presença segura. Antes pelo contrário, apresenta uma atitude derrotada e de falta de confiança, transmitindo alguma fragilidade. Não olvidemos também que se trata de pessoa que, na data dos factos, era sem abrigo (segundo o próprio Arguido) e doente de HIV, resultando claro que o Arguido praticou os factos explorando, reiteradamente, o temor e a falta de oposição de (...).
Por seu turno, a testemunha de Defesa (…), companheira do Arguido, claramente comprometida com este, limita-se a afirmar que o mesmo é pessoa trabalhadora e, procurando desculpabilizá-lo, refere que, quando bebia, falava muito e brincava, nunca o tendo visto agressivo.
Tal depoimento, contudo, é vago e não ensombram a versão dos factos acima mencionada.
Deste modo e da conjugação da supra referida prova testemunha, documental e pericial com as regras da experiência comum, não subsistem quaisquer dúvidas a este Tribunal quanto aos factos que se dão como provados em 1. a 12..
De resto e quanto ao eventual estado de embriaguez em que o Arguido se pudesse encontrar, explica-nos o Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2007, disponível na Internet in www.dgsi.pt que «a embriaguez, enquanto “actio libera in causa“, prevista no art.º 20.º n.º 4 , do CP, não isenta de qualquer responsabilidade penal.»
Significa isto que, tendo o Arguido ingerido bebidas alcoólicas voluntariamente e ainda que se encontrasse alcoolizado, tal circunstância não afasta a convicção deste Tribunal que o mesmo actuou de forma livre, deliberada e consciente, sendo certo que nada indicia que o Arguido padeça de qualquer incapacidade intelectual ou psíquica. Assim e considerando a forma de actuação dada como provada e as regras da normalidade da vida, não subsistem quaisquer dúvidas quanto à sua intenção e ao conhecimento da ilegitimidade e proibição da sua conduta (factos 13. e 14.).
Os factos relativos à situação pessoal do Arguido assentaram no Relatório Social junto.
Por fim, consideraram-se os demais documentos juntos aos autos, designadamente, o Certificado de Registo Criminal do Arguido.
De resto, nenhuma prova produzida sustenta as declarações do Arguido, sendo certo que, como resulta da análise acima feita, este não se revela verdadeiro. Com efeito, o Relatório Social não faz menção a qualquer tratamento ao alcoolismo e a falta de sinceridade demonstrada não nos permite concluir por uma capacidade de auto-censura essencial para uma regeneração, tanto mais, em tão curto espaço de tempo.
Acresce que as anteriores condenações sofridas e as irregularidades no cumprimento das penas aplicadas também se opõem à ideia de “cidadão de bem” invocada pelo Arguido.
Donde decorrem, pois, os factos que se dão como não provados em g) a k).
O Tribunal não considerou na matéria de facto provada e não provada o demais alegado na Contestação, por conclusivo, meras considerações ou por se referirem a factos negativos..”
***
Em primeiro lugar, cabe referir que, analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a motivação transcrita, no que diz respeito ao que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes, arguido, ofendidos e testemunhas, está alinhada com o que foi efetivamente dito por cada um deles.
De facto, o arguido não assumiu, em nenhum dos seus aspetos, a prática dos factos que lhe vêm imputados, tendo afirmado não se lembrar de os ter praticado e tendo ainda dito que, pese embora conheça os ofendidos, dos cafés e da rua, não é uma pessoa violenta, nem teria sido capaz de se apropriar de coisas que lhe não pertenciam.
O ofendido (...) e as testemunhas (...), em depoimentos pormenorizados, consentâneos e absolutamente credíveis, descreveram o sucedido, nos termos que vieram a ser julgados provados, tendo confirmado os factos objetivos relativos ao crime que vitimizou (...).
Por seu turno, (...) relatou com espontaneidade as três situações nas quais assumiu a qualidade de ofendido, nos termos constantes dos factos provados.
O recorrente sustenta a impugnação da matéria de facto na pretensa ausência de prova demonstrativa do seu envolvimento pessoal na factualidade firmada no acórdão recorrido. Afirma não haver qualquer prova demonstrativa de ter sido ele a praticar os factos descritos na acusação.
Entendemos, porém, não lhe assistir razão.
Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar toda a prova produzida nos autos – prova que inclui as declarações arguido, os depoimentos dos ofendidos e das restantes testemunhas, o auto de denúncia constante de fls. 12 do apenso nº 423/20.9, o auto de reconhecimento constante de fls. 36 do apenso nº 423/20.9, o relatório social e o CRC – articulá-la de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar o juízo probatório que lhe permitiu chegar à autoria dos factos por parte da arguido.
É através da motivação que o julgador torna clara a razão pela qual se convenceu da verificação dos factos que teve por provados, com base no juízo crítico da prova produzida, para além de qualquer dúvida razoável, legitimando desse modo a sua decisão.
E foi isso que fez o tribunal “a quo” na sentença recorrida, não nos merecendo a mesma, a este propósito, qualquer censura. Todas as questões colocadas pelo arguido encontram na fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida resposta cabal, lógica, convincente e alinhada as regras da experiência comum. Naturalmente que as explicações constantes do acórdão recorrido se não mostram do agrado da recorrente. É certo que, conforme o mesmo refere na sua motivação, as testemunhas (…), pese embora tenham identificado um indivíduo de tez morena que falava espanhol, não identificam o arguido como autor dos factos (uma vez que estava escuro e o indivíduo estava encapuçado). Porém, e reiterando o que acima deixámos já explanado, a convicção probatória do tribunal “a quo” não se sustentou apenas em tais depoimentos. Outras provas, que o recorrente parece não valorar, tais como os depoimentos dos ofendidos, o depoimento da testemunha (...), o auto de denúncia e o auto de reconhecimento, foram tidas em consideração no processo de convencimento do julgador, tendo-se a sua conjugação e a sua apreciação crítica revelado manifestamente suficientes para sustentar a convicção probatória que conduziu à decisão agora sindicada.
Bem andou, assim, o tribunal “a quo” em decidir como decidiu, inexistindo qualquer erro de julgamento e nada havendo a alterar a tal respeito.

Da alegada violação do princípio “in dubio pro reo”.
Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais o direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1) e o princípio da presunção de inocência dos arguidos, plasmado nos artigos 32.º, nº 2.º e 27.º, nº 1.º.
O princípio da livre apreciação da prova, com a abrangência e significado a que acima nos reportámos, e a que se refere o artigo 127.º CPP, constitui uma concretização do princípio da presunção de inocência – maxime na sua dimensão in dubio por reo – que encontra referência normativa expressa no artigo 6.º, nº 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º, nº 2.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Retenhamos, porém, que «o princípio da presunção de inocência excede em significado e consequências o princípio in dubio pro reo, constituindo este apenas um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos.[5]» ou seja, uma «regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos»[6].
De acordo com tal regra, que inevitavelmente se conexiona com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, determina-se que a dúvida seja resolvida a favor do réu. O seu âmbito reconduz-se, pois, à valoração pelo julgador de toda a prova produzida. Se o resultado desse processo de valoração for uma dúvida – uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos – o juiz terá que decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Voltando ao caso em apreciação nos presentes autos, verificamos que os princípios explanados se mostram devidamente observados. Efetivamente, analisada a sentença recorrida, constata-se que, após o processo de valoração da prova não subsistiu ao julgador qualquer dúvida razoável que impusesse a aplicação do princípio do in dubio pro reo.
Levando em conta as razões descritas na motivação da decisão recorrida e as considerações que deixámos expostas, somos a concluir que a da valoração da prova produzida não surgiu o non liquet, que, por aplicação do aludido princípio, determinaria que os factos considerados provados devessem ser julgados não provados.
Nesta conformidade, inexiste qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.

B) – Do erro de julgamento da matéria de direito por errada qualificação jurídica dos factos, ou seja, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de roubo pelos quais o arguido foi condenado.
Subsidiariamente, alega o arguido que relativamente aos crimes praticados contra o ofendido (...), inexiste prova do uso de violência, razão pela qual, segundo o recorrente, não se encontra preenchido o crime de roubo, previsto e punido no artigo 210°, nº 1, do Código Penal.
Vejamos.
Encontramos a previsão do crime de roubo artigo 210°, nº 1, do Código Penal, que dispõe da seguinte forma:
“Artigo 210.º
Roubo
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”
O tipo incriminador do crime de roubo, não obstante apresentar um carácter uno, protege quer bens jurídicos do foro patrimonial (como o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), quer bens jurídicos pessoais (como a liberdade individual de decisão e de ação, a integridade física e, em certos casos, a vida), integrando na sua estrutura vários factos que podem constituir, em si mesmos, outros crimes, pelo que pode concluir-se pela sua complexidade.
São os seguintes os elementos objetivos do crime de roubo:
- Subtração de coisa móvel alheia ou constrangimento para a sua entrega;
- Exercício de violência contra uma pessoa, ameaçando-a com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir.
Por subtração de coisa móvel alheia deve entender-se a passagem da coisa móvel da esfera de domínio do seu detentor para uma nova área de comando contra a vontade do proprietário.
Constranger significa coagir, obrigar, pressionar o detentor da coisa a entregar-lha, afetando-se, desta forma, a liberdade do coagido.
Os meios para a subtração de coisa móvel alheia ou para o constrangimento à sua entrega estão especificados no tipo, a saber:
- O emprego de violência contra uma pessoa;
- A ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou, a colocação da vítima na impossibilidade de resistir;
O objeto do crime de roubo é sempre uma coisa móvel, corpórea, material, suscetível de ser apreendida, que pertence a outra pessoa que não o agente e é dotada de um valor juridicamente relevante.
Por seu turno, a violência põe em causa a liberdade da pessoa e a integridade física do ofendido e tem que ser exercida contra pessoas e não contra coisas (a menos que a violência exercida diretamente contra coisas atinja por via reflexa bens de natureza pessoal).
A violência física, a ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir constituem um mero meio de atingir a subtração e impedir ou neutralizar a reação do visado, sendo o furto (no sentido de subtração), nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques, o crime-fim do roubo.
Do exposto se conclui que o crime de roubo só existe se houver o emprego de violência contra uma pessoa, sendo certo que a coação não pressupõe formas taxativas e específicas de manifestação, podendo ser física – emprego de força sobre o corpo da vítima, com ou sem lesão corporal – ou moral – se e enquanto estritamente indispensável à consumação do delito.
E quer se trate de violência física ou de coação moral, não se exige que tenha uma intensidade absolutamente comprometedora da capacidade de reação, bastando que seja suficiente para que o agente se apodere do bem, conquanto a vítima não esgote a sua capacidade de resistência.
No que respeita a ameaça, como elemento típico do crime de roubo, esta terá que visar a prática de um mal futuro que consubstancie perigo iminente para vida ou para a integridade física, ofendendo-se assim a liberdade individual de decisão e de ação do ameaçado.
A distinção entre a ameaça e o exercício de violência prende-se com o facto de a ameaça se reportar a um mal futuro e de a violência exigir a prática imediata de atos que violem a liberdade de ação ou a integridade física do ofendido.
Finalmente, no que respeita a noção de impossibilidade de resistir, importa salientar que esta se refere às situações em que, apesar de a vítima se encontrar num estado de sujeição relativamente ao agente criminoso, a conduta deste não integra o exercício de violência nem consubstancia uma ameaça, intervindo, assim, a impossibilidade de resistir como mecanismo subsidiário face a violência ou ameaça.
Todos os meios através dos quais o agente consiga dominar a sua vítima, sem usar de ameaça ou violência física, seja por força da mera apreensão física, seja sujeitando-a psicologicamente, integrarão, em regra e por exclusão, a noção de colocar em impossibilidade de resistir.
O crime de roubo e um crime de dano e de resultado. Assim é necessário que se verifique um nexo de imputação entre o apossamento da coisa móvel alheia e os meios utilizados, que deverão provocar um efetivo constrangimento na pessoa da vítima.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo. O tipo prevê ainda uma intenção ilegítima de apropriação para si ou para outrem, pelo que o crime de roubo é um delito de resultado cortado[7]. O elemento intelectual apresenta duas vertentes: no que respeita à intenção de apropriação, esta corresponde à vontade motivada do agente de se comportar relativamente à coisa móvel, que sabe não ser sua, como se fosse o seu proprietário, manifestando a intenção de a integrar no seu património (ou no património de terceiro), associada a intenção correlativa de desapropriar outrem.
Quanto ao constrangimento à entrega de coisa móvel alheia, bem como quanto aos meios usados para esse constrangimento, o agente terá que representar o resultado lesivo da sua conduta, pelo menos a título eventual. Com efeito, para se apurar do elemento subjetivo da conduta do agente, é suficiente que este esteja consciente de que a violência ou a ameaça são adequadas a constranger a vítima à tolerância da subtração do bem, conformando-se com tal resultado.
No caso concreto, importa considerar que o conceito de violência a que se refere o tipo legal se mostra concretamente integrado, quer pelas agressões físicas, que consubstanciam uma forma ostensiva de violência física (no caso do crime praticado contra o ofendido (...)), quer pela violência física e psíquica (no caso dos crimes praticados contra o ofendido (...) nos dias 26 e 27 de Abril de 2020), quer apenas pela violência psíquica, com a especificidade de constranger através do medo, gerando inquietação e insegurança e afetando a liberdade de decisão e de ação da vítima (no caso do último crime praticado contra o ofendido (...)).
A propósito da subsunção dos factos provados ao tipo penal de roubo, pronunciou-se o acórdão recorrido da seguinte forma: “No caso em apreço, apurou-se que, no dia 13 de Fevereiro de 2020, pelas 02h35m, o Arguido (...), conjuntamente com um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu-se a (...) que ali caminhava, tendo o Arguido desferido murros no Ofendido, e, em seguida, agarrou, por trás, o pescoço deste, colocando para tanto o seu braço à volta do seu pescoço e atirou-o ao chão enquanto dizia ao outro indivíduo para lhe retirar a carteira e o telemóvel. Após, o Arguido (...) e o individuo de identidade desconhecida retiraram da carteira de (...) a quantia em numerário de cerca de € 470,00 e ainda o telemóvel de marca Samsung J5, de cor dourada, no valor de € 219,00 e abandonaram o local.
Em consequência da actuação do Arguido (...) e do indivíduo de identidade desconhecida, (...) sofreu hemorragia subconjuntival esquerda, edema e equimose periorbotária esquerda e no membro superior direito escoriação localizada no cotovelo, caiu ao solo sofrendo um ferimento na cabeça.
O Arguido (...) usou, pois, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo violência física contra o (...) por forma a obstar a qualquer tipo de resistência por parte deste, tendo-o perturbado de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos acima referidos.
Mais resultou provado que, no dia 26 de Abril de 2020, o Arguido (...) dirigiu-se a (...), encostou-o à parede, revistou-o e subtraiu-lhe dos bolsos um maço de tabaco com dois cigarros e € 50,00 em numerário. Com a actuação descrita, o Arguido usou de violência psíquica e perturbou de modo sério (...) no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos atrás referidos.
Também no dia 27 de Abril de 2020, pelas 21 horas, na Alameda de Portimão, o Arguido (...) dirigiu-se a (...) e desferiu-lhe agressões e, de seguida, dirigiu-se a (...) e tirou-lhe a mochila, a qual continha no seu interior um par de sapatilhas de marca Fila no valor de cerca de € 50,00 e a medicação relativa ao HIV. Com tal actuação o Arguido usou de violência física e psíquica e perturbou de modo sério o Ofendido (...) no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão dos objectos atrás referidos.
Por fim, provou-se que, noutra ocasião, o Arguido dirigiu-se novamente a (...), o qual, após o Arguido lhe ter exigido a entrega dos bens que tivesse na sua posse, entregou-lhe a quantia de €2 em numerário. Com esta actuação, o Arguido usou de violência psíquica e perturbou de modo sério o Ofendido no seu sentimento de segurança, de tal forma que o mesmo ficou intimidado e não ofereceu qualquer tipo de resistência, sendo coagido a abrir mão da quantia monetária atrás referida.
Dúvidas não temos, pois, que, tendo agido em superioridade numérica e tendo agredido (...) do modo supra referido, o Arguido recorreu ao uso da força e violência física, colocando este Ofendido na impossibilidade de lhe oferecer resistência.
Do mesmo modo, tendo agredido outro indivíduo à vista de (...) e tendo puxado a mochila que este trazia consigo; tendo assumido uma postura agressiva e metido a mão no bolso e daí retirado bens e valores que trazia consigo; e, após tais situações, tendo-se dirigido novamente ao mesmo Ofendido e exigido a entrega de dinheiro, (...) usou também de força e de violência perturbando, de modo sério, este (...) no seu sentimento de segurança.
Assim e tendo-se provado ainda que o Arguido (...), em todas as quatro ocasiões acima descritas, agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de se apoderar do dinheiro e objectos acima mencionados, bem sabendo que os mesmos lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo dos seus legítimos proprietários, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, mostram-se preenchidos objectiva e subjectivamente, os elementos do tipo legal dos quatro crimes de Roubo, previstos e puníveis pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal de que vem acusado.
Assim e não se verificando quaisquer causas que justifiquem a ilicitude dos factos ou excluam a culpa do agente, deverá o Arguido ser condenado pela prática de tais crimes de que vem acusado.”
Nenhum reparo nos merece a sentença no que tange às considerações expendidas no excerto transcrito. As dúvidas que poderia suscitar a integração dos factos praticados contra o ofendido (...) no crime de roubo, deverão, em nosso entender resolver-se no sentido em que decidiu o Tribunal “a quo”.
Efetivamente, pese embora nas situações que vitimizaram (...) o arguido não o tenha agredido fisicamente, em qualquer uma das referidas ocorrências o arguido atuou por forma a constranger o ofendido a entregar-lhe ou a permitir que aquele lhe retirasse bens de sua propriedade. O constrangimento resultou ostensivamente do medo e do sentimento de insegurança causado ao ofendido pela postura agressiva adotada pelo arguido. Cabe realçar que as duas primeiras situações referentes a (...) ocorreram em dias seguidos, 26 e 27 de Abril de 2020, sendo certo que na primeira o arguido encostou o ofendido à parede, revistou-o e retirou-lhe dos bolsos um maço de tabaco com dois cigarros e € 50,00 em numerário – o que consubstancia claramente uma situação de violência física – e na segunda agride fisicamente outra pessoa à frente do ofendido – o que não poderá deixar de entender-se como uma forma de intimidação e constrangimento pela via da violência psíquica – após o que lhe retirou a mochila.
Perante tal sequência de situações, é perfeitamente compreensível que a última abordagem ao ofendido, mais uma vez realizada com a postura agressiva que caracterizou todos os ilícitos – postura perfeitamente descrita pelo mesmo no depoimento que prestou em julgamento – se tenha revelado idónea e adequada a intimidar e a constranger a vítima nos termos e para os efeitos previstos no artigo 210º do CP. Em tal situação, a ameaça implícita que teve por efeito intimidar a vítima de forma a conseguir viciar a sua liberdade de determinação realizou-se através de atos concludentes consubstanciados na exigência da entrega de bens, sendo que tal exigência se realizou através de uma abordagem verbalmente agressiva, comportamento que, enquadrado num contexto global de vários atos sequenciais intimidatórios anteriormente praticados – quer com uso de violência física, através de violência psíquica – manifestou à vítima a intenção de ameaçar.[8]
Bem andou, assim, a nosso ver, o Tribunal “a quo” ao decidir condenar o arguido pela prática de quatro crimes de roubo, improcedendo a argumentação apresentada pelo recorrente no sentido de que os elementos de tal crime se não encontrariam presentes no que diz respeito às condutas que vitimizaram (...).
C) - Determinar se a escolha e a determinação concreta das penas foi feita com deficiente fundamentação e com violação dos princípios da legalidade e da adequação.
O arguido põe em causa as medidas concretas das penas parcelares e da pena única que lhe foram aplicadas, medidas que considera exageradas, o que vale por dizer que, no seu entender, uma boa aplicação do direito ao caso determinaria a aplicação de penas mais reduzidas.
Analisemos então se lhe assiste razão.
Incidindo os recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria. Tal reapreciação não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada»[9].
Importa, assim, ter em conta que «o tribunal ad quem não julga de novo, não determinando concretamente a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância. E a sindicância dessa decisão (…) não inclui ainda a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar, sendo que a margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.»[10]
Será ainda importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise.
Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator.
A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP.
Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial.
Assim, dentro da moldura abstrata da pena deverá encontrar-se a medida da culpa, que fixará o seu limite máximo. Após o que, entre o mínimo legal e o limite máximo dado pela medida da culpa se formará a “moldura da prevenção geral de integração”em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos – dentro da qual a medida da pena será concretizada em função das exigências de prevenção especial: prevenção positiva ou de socialização e, excecionalmente, prevenção negativa de intimidação ou de segurança individuais[11].
“A decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese. (...) A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão", isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.” [12]
A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção especifica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico.
Realizado o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de escolha e de determinação da pena concreta realizado pelo tribunal a quo.
Pela prática dos crimes de roubo a sentença recorrida optou pela aplicação ao arguido das seguintes penas:
- 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime no qual é ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 26.04.2020, do crime no qual é ofendido (...);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 27.04.2020, do crime no qual é ofendido (...); e
- 2 (dois) anos de prisão, pela prática do último crime no qual é ofendido (...).
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Sobre a matéria da determinação das medidas das penas que agora nos ocupa, discorreu a sentença recorrida nos seguintes termos: “Aos crimes de Roubo pelos quais vai o Arguido condenado correspondem molduras penais abstratas de prisão de 1 a 8 anos.
Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".
Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10.04.96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168).
Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, será de considerar o seguinte:
As necessidades de prevenção geral são prementes, atendendo ao aumento deste tipo de criminalidade contra o património, mormente com recurso à violência e o receio e o alarme social que provoca, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade da norma violada.
O grau de ilicitude dos factos mostra-se relevante, atendendo aos objetos subtraídos em cada um dos casos, ao seu valor, ao modo de execução dos factos (mormente, a violência empregue contra (...) e o abuso da fragilidade e falta de oposição de (...)), aos danos provocados e a circunstância dos bens não terem sido recuperados, sendo o dolo intenso.
Socialmente, as fragilidades do Arguido são evidentes, encontrando-se em Portugal há cerca de 8 anos, sem que ainda tenha estabilizado a sua vida no plano pessoal e laboral, sendo a segunda vez que se encontra privado da liberdade. Revela igualmente problemas com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e ausência de autocensura, indiciadores do risco de voltar a praticar factos criminosos.
Acrescem os antecedentes criminais do Arguido, nomeadamente, pela prática de crime contra o património e um crime de Violência Doméstica.
Assim e apesar do bom comportamento institucional que vem manifestando no Estabelecimento Prisional, são manifestas as exigências de prevenção especial.”
Atentemos na factualidade provada relativa à situação pessoal do arguido que extraímos dos factos provados:
- O arguido é natural da República Dominicana, estudou no país de origem, tendo concluído o 12º ano de escolaridade; a sua família vive na República Dominicana, com exceção de uma tia e primos, que residem na zona da Costa da Caparica.
- Em 2013 emigrou para Portugal; entre o final de 2013 e meados de 2015 foi trabalhador indiferenciado e viveu em Benavente com uma companheira, mas o abusivo consumo de bebidas alcoólicas ditou o fim da relação e a condenação do arguido num processo de violência doméstica.
- Habituado a grande mobilidade geográfica, mudou várias vezes de residência antes de ter ido para o Algarve em 2017.
- Cumpriu, entre outubro/2019 e abril/2020, 133 dias de prisão subsidiária no EP de Silves à ordem do processo nº 583/14.8GCBNV por falta de pagamento de uma multa de 1.100 euros.
- Entre abril e agosto de 2020, altura em que voltou a ser preso à ordem dos presentes autos, (...) viveu em Estômbar e nos últimos tempos na zona do Enxerim (Silves) com (…), tendo mantido sempre o consumo regular de bebidas alcoólicas.
- Do Certificado de Registo Criminal do arguido constam as seguintes condenações:
- No Processo Comum Singular nº 1796/13.5GCALM, por decisão de 30.06.2015, transitada em julgado em 28.01.2016 pela prática de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, em 16.12.2013, na pena de 90 dias de multa;
- No Processo Sumaríssimo nº 583/14.8GCBNV, por decisão transitada em julgado em 30.10.2015, pela prática de crimes de Furto e de Burla Informática, em 13.11.2014, na pena única de 200 dias de multa; e
- No Processo Comum Singular nº 375/15.7GABNV, por decisão de 22.09.2017, transitada em julgado em 03.09.2019, pela prática, em 06/2015, de um crime de Violência Doméstica, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução com regime de prova e com as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e de não se aproximar do local de residência e do trabalho desta.
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Para a fixação do quantum da pena correspondente a cada um dos crimes praticado, no que se refere à culpa, que estabelece o limite máximo de pena a aplicar, ressaltam as circunstâncias atinentes às condutas ilícitas, nomeadamente as circunstâncias concretas que envolveram a prática dos crimes.
Não podemos aqui deixar de considerar a circunstância de no crime praticado contra o ofendido (...) o arguido ter atuado com outro indivíduo, com tarefas repartidas e planeadas em conjunto, de madrugada, numa rua da cidade de Portimão, com recurso a violência física que causou ao ofendido lesões que necessitaram de tratamento hospitalar (ferimento na cabeça, hemorragia subconjuntival esquerda, edema e equimose periorbotária esquerda e, no membro superior direito escoriação localizada no cotovelo), e que o impossibilitaram de resistir, tendo-lhe ademais causado perturbação e medo. De igual modo, nos três crimes praticados contra o ofendido (...), o arguido usou de violência física contra um terceiro em frente daquele, por forma a causar-lhe medo, tendo em todas as ocasiões adotado uma postura agressiva física ou verbal, tendo criado uma situação global de intimidação e constrangimento causadora de forte sentimento de insegurança que determinou a ausência de resistência por parte de (...).
Verificamos, assim, que em todas as situações o arguido agiu com desconsideração pela ordem pública pelos valores mais básicos que regem a vida em sociedade, tais como o respeito pelo património, pela integridade física e pela autodeterminação de terceiros, aproveitando-se na situação de vulnerabilidade em que se encontravam, circunstâncias que não poderão deixar de agravar a sua culpa.
No que concerne às exigências de prevenção geral, relativas à estabilização das expectativas comunitárias, das quais decorre um patamar mínimo, importa considerar que na situação em análise são elevadas as necessidades de prevenção geral positiva destes comportamentos, dada a forte incidência que estes tipos de crime apresentam na sociedade, exigindo tutela acrescida a situação de pessoas mais desprotegidas.
As finalidades de prevenção geral assumem especial acuidade na vertente da prevenção geral negativa, incutindo a sociedade a necessidade de responsabilização criminal efetiva do arguido, mas também na vertente positiva, visando-se assegurar a confiança geral na garantia da boa e eficiente realização da justiça.
Registamos que os valores dos objetos furtados no que diz respeito aos crimes praticados contra o ofendido (...) são reduzidos, o que torna, nestas três situações, menos intensa a ilicitude dos crimes.
Relativamente às necessidades de prevenção especial, ou de integração, importa considerar que o arguido tem antecedentes criminais – nomeadamente por crimes contra o património e por um crime de violência doméstica – não tem atualmente ocupação profissional, sendo que tinha hábitos de consumo de bebidas alcoólicas antes de ingressar no estabelecimento prisional, devendo ainda ter-se em consideração que o arguido tem atualmente uma companheira, com quem continua a manter contactos desde que ingressou no estabelecimento prisional, no qual tem mantido bom comportamento.
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Neste contexto, as medidas das penas ajustadas à culpa do arguido, às exigências de prevenção geral e às necessidades de prevenção especial situam-se, quanto ao crime praticado contra (...), sensivelmente a meio da moldura abstrata da pena e quanto aos crimes praticados contra (...) ligeiramente abaixo do meio da referida moldura abstrata, afigurando-se-nos ajustado graduá-las respetivamente em 4 anos e seis meses (relativamente ao crime praticado contra (...)), em 3 anos (relativamente aos dois primeiros crimes praticados contra (...)) e em 2 anos de prisão (relativamente ao último crime praticado contra (...)), mantendo-se assim as penas parcelares fixadas pelo tribunal “a quo”.
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Do cúmulo Jurídico.
Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.” E ainda o seu nº 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão, outras de multa, a diferente natureza destas mantêm-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”
O pressuposto essencial para a efetuação do cúmulo jurídico de penas parcelares é a prática de diversas infrações pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer delas.
Ou seja, para se proceder ao cúmulo jurídico é necessário que se verifiquem requisitos de ordem processual e material, nomeadamente:
- Que se trate de penas relativas a crimes praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles;
- Que se trate de crimes cometidos pelo mesmo arguido;
- Que se trate de penas parcelares da mesma espécie.
Ora, é precisamente esta situação que se verifica nos presentes autos quanto ao concurso efetivo e real de quatro crimes de roubo, pelo que importa apurar a pena única a aplicar ao arguido, tomando em consideração para a medida da pena os factos e a personalidade do agente.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material “é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.”[13]
Assim, considerando que o legislador penal não adotou o sistema de acumulação – que consistiria na soma das penas com mera limitação do limite máximo – cumpre realizar um juízo que não se limite a um mero cúmulo material.
Tudo deverá passar-se “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências especiais de socialização).”[14]
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.[15]
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A fixação da moldura penal do concurso efetivo e real, de acordo com as regras doutrinarias e jurisprudências, no caso subjudice encontra-se possibilitada pela igual natureza das penas a considerar no concurso – quatro penas parcelares de prisão – devendo ter como limite mínimo a pena parcelar mais grave – 4 anos e seis meses – e como limite máximo a soma aritmética das penas parcelares – 12 anos e 6 meses.
Os crimes em concurso real e efetivo de roubo preenchem o mesmo tipo objetivo e afetam o mesmo bem jurídico. Os crimes de roubo ora imputados ao arguido foram cometidos num espaço de tempo de menos de três meses, dois deles em dias seguidos, portanto, em evidente conexão temporal. Nos três últimos crimes o modus operandi é comum, a vítima é a mesma e o meio de execução revela similitudes, subsistindo uma resolução criminosa reiterada.
Tais circunstâncias revelam um quadro global de ilicitude e gravidade, que se manifesta numa atuação do arguido criminógena e persistente, superior a uma mera e coincidente ocasionalidade no cometimento dos crimes.
Pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas”.[16]
Assim, atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados, à natureza dos crimes e à personalidade refletida nos mesmos e no mais que evidencia o percurso de vida do arguido, consideramos adequada a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada no acórdão recorrido.
*
De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 50.º do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão assenta no pressuposto formal de não ser aplicada pena de prisão superior a 5 anos, o que não sucede na situação dos autos, pelo que nada haverá a ponderar a tal respeito, encontrando-se vedada a aplicação da suspensão da pena pretendida pelo arguido.
***
Nesta conformidade, somos a concluir que a sentença recorrida realizou uma correta e equilibrada ponderação de todas as circunstâncias relevantes, tendo cumprido os critérios legalmente estabelecidos para a determinação das medidas das penas dos crimes de roubo, encontrando-se adequadamente fundamentada, pelo que se manterá.
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III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 16 de dezembro de 2021.
Maria Clara Figueiredo
Maria Margarida Bacelar

Sumário
I – O crime de roubo só existe se houver o emprego de violência contra uma pessoa, sendo certo que a violência não pressupõe formas taxativas e específicas de manifestação, podendo ser física – emprego de força sobre o corpo da vítima, com ou sem lesão corporal – ou moral – se e enquanto estritamente indispensável à consumação do delito.
II – Todos os meios através dos quais o agente consiga dominar a sua vítima, para consumar o crime de roubo, sem usar de ameaça ou violência física – seja por força da mera apreensão física, seja sujeitando-a psicologicamente – integrarão, em regra e por exclusão, a noção de a colocar em impossibilidade de resistir.
III – Comete o crime de roubo o agente que, através de atos concludentes consubstanciados na exigência da entrega de bens realizada através de uma abordagem verbalmente agressiva – comportamento enquadrado num contexto global de vários atos sequenciais intimidatórios anteriormente praticados – manifestou à vítima a intenção de a ameaçar que se revelou idónea e adequada a intimidá-la, a constrangê-la e a viciar a sua liberdade de determinação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 210º do CP.

[1] Decisão Sumária de 20.02.2019, proferida nesta Relação pela Desembargadora Ana Brito, no proc. 1862/17.8PAPTM.E1.
[2] 3.ª edição, página 1121.
[3] Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.
[4] Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 204 e ss.
[5] Helena Bolina, Razão de Ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de inocência, Boletim da Faculdade de Direito, 70, 1994, pp. 433.
[6] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pp. 215.
[7] Neste sentido, vide José António Barreiros, Crimes contra o Património, Lisboa: Universidade Lusíada, pag. 22
[8] A propósito da violência e do constrangimento no crime de dano, vide, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 13.04.2011; Acórdão da Relação do Porto de 4.07.2012; Acórdão da Relação do Porto de 21.06.2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 03.04.2013, CJ, 2013, T2, pág.212.
[9] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 197, Aequitas – Editorial Notícias, 1993.
[10] Decisão Sumária de 20.02.2019, proferida nesta Relação pela Desembargadora Ana Brito, no proc. 1862/17.8PAPTM.E1.
[11] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 3.ª ed., pp. 96 e Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 114 e segs.
[12] Fernanda Palma, in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pág. 35).
[13] Ac. STJ de 18 de Novembro de 2009, proc. nº 702/08.3GDGDM.P1.S.
[14] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 291.
[16] Ac. STJ, de 10.09.2009, proc. nº 6/05.8 SOLSB-A.S1, disponível em dgsi.pt).