Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1729/19.5T8STR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACORDO DE CREDORES
ABUSO DE DIREITO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Para que estejamos em presença de uma situação de abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium impõe-se a verificação de (i) um comportamento anterior do titular do direito susceptível de criar, em termos objectivos, uma situação de confiança por parte da contraparte; (ii) um comportamento posterior por parte do titular do direito manifestamente contraditório com o comportamento anteriormente adoptado; (iii) a imputabilidade de ambos os comportamentos ao titular do direito; (iv) um comportamento da contraparte assente na confiança gerada pelo primeiro comportamento adoptado pelo titular do direito; e (v) o nexo de causalidade entre a situação objectiva de confiança e o comportamento que essa situação gerou na contraparte.
II – Não é, assim, tutelada toda e qualquer situação de confiança gerada na contraparte, antes sim e apenas a situação objectiva e legítima de confiança, ou seja, a confiança tida por um destinatário normal colocado naquelas mesmas circunstâncias.
III – O credor que no processo executivo efectua uma proposta de aquisição do imóvel penhorado em montante inferior a metade do valor total do seu crédito não actua em situação de venire contra factum proprium quando no processo especial para acordo de pagamento vota contra a proposta de pagamento por parte do devedor apenas do exacto montante que o credor havia proposto para a aquisição do imóvel no processo executivo, pagamento esse a ser efectuado em doze anos.
IV – O processo especial para acordo de pagamento encontra-se especificamente regulado nos arts. 222.º-A a 222.º-J do CIRE, pelo que a tal processo não se aplicam as normas constantes dos arts. 17.º-A a 17.º-J do CIRE previstas para o processo especial de revitalização de empresas.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1729/19.5T8STR.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
(…) apresentou processo especial para acordo de pagamento (PEAP), nos termos do art. 222.º C do CIRE, assinado por si e pelo credor (…), formulando o pedido que, em virtude de a requerente não ser uma empresa e se encontrar em situação económica difícil, o presente processo especial para acordo de pagamento deve ser procedente, devendo ser dado início às negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento e nomeado, por despacho, como administrador judicial provisório (…).
Admitido o presente processo especial para acordo de pagamento, foi dado início ao mesmo, tendo sido nomeado como administradora judicial provisória (…).
Em 30-07-2019, foi elaborada a lista provisória de créditos, na qual constava como 1.º crédito, o crédito no valor de € 895.693,30, equivalente a 98,42% dos créditos, a favor do Banco Comercial Português, S.A.”; e, como segundo, o crédito no valor de € 14.400,00, equivalente a 1,58% dos créditos, a favor de (…).
Por não ter sido efectuada qualquer impugnação, a lista de créditos tornou-se definitiva.
Em 04-10-2019, por requerimento assinado pela devedora, através do seu mandatário judicial, e pela administradora judicial provisória, foi concedido o prazo adicional de um mês para a conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de uma proposta para pagamento dos montantes em dívida.
Em 04-11-2019, a requerente apresentou o seguinte plano para pagamento dos seus créditos:
1) Propôs a redução do crédito reclamado pelo Banco Comercial Português para a quantia de € 310.000,00, a qual seria paga em três períodos distintos e por formas distintas, a saber:
a. Nos primeiros 2 anos, seriam pagos os juros calculados à taxa anual de 1%, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória.
b. Nos 9 anos e 11 meses seguintes ao período referido no número anterior, seria paga a quantia de € 150.000,00, em prestações mensais e sucessivas de igual valor, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês a que corresponder cada prestação.
c. Findos os períodos de pagamento acima referidos, seria pago o remanescente do preço no valor de € 160.000,00, numa única prestação, que se vence no último dia do mês a que corresponde a prestação.
d. Perdão da totalidade dos juros vencidos, dos juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano;
e. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados;
2) Relativamente a todos os outros credores propôs:
a. Pagamento de 5 % do capital em 16 anos, 192 prestações mensais, e iguais, de capital, com início após um ano sobre o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;
b. Perdão de 95% do capital, da totalidade dos juros vencidos, dos juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano;
c. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados;
d. Perdão total de quaisquer penalidades legais, contratuais, acordadas, ou resultantes de sentença judicial, quaisquer multas, coimas e respetivos juros, bem como custas de parte.
Em 18-11-2019, procedeu-se à contagem dos votos relativos à votação do plano apresentado, tendo relativamente aos 100% dos créditos reconhecidos resultado a seguinte votação:
- votos a favor: 0;
- votos contra: 98,42% dos créditos;
- Abstenções: 1,58% dos créditos.
Em virtude da não aprovação do plano apresentado, o tribunal a quo, nos termos dos arts. 222.º-F, n.º 5 e 222.º-G, ambos do CIRE, por não aprovação, determinou o encerramento do presente processo especial para acordo de pagamento, fixando as custas do encerramento a cargo da devedora/requerente.
Inconformada com este despacho, veio a requerente (…) recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
A. Antes da entrada do PEAP, o Banco Comercial Português, S.A., figurava como exequente no processo executivo que corre sob o n.º 524/11.4TBCTX.
B. A Devedora deduziu embargos de executado no âmbito do referido processo executivo. Os embargos foram considerados procedentes em primeira instância.
C. O Banco Comercial Português, S.A., para o Tribunal da Relação e foi revogada a sentença da primeira instância. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
D. Nesta senda, a acção executiva prosseguiu os seus termos normais.
E. Acontece que no dia 14 de Maio de 2019 foi a Devedora notificada para se pronunciar “quanto à proposta de aquisição do imóvel, apresentada pela Exequente no valor de € 310.000,00.”, conforme documento que se junta sob o n.º 1 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
F. Contudo, ficou surpreendida com o voto negativo do Banco Comercial Português, S.A., sem qualquer justificação. O que frustrou por completo as expectativas da Devedora.
G. Caso o Banco Comercial Português, S.A., tivesse manifestado a sua intenção de não aprovar o plano nos termos nele exarados, certamente que a Devedora teria apresentado proposta diferente, dentro das possibilidades que tivesse.
H. Não é lícito que o Banco Comercial Português, S.A., num momento refira que pretende adjudicar o bem imóvel para liquidação das responsabilidades da Devedora pelo valor aproximado de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros) e quando lhe é proposto o pagamento da quantia já não aceitar o valor proposto.
I. Em face dos factos constantes das presentes alegações, verifica-se que o Banco Comercial Português, S.A., agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, ao ter manifestado que pretendia a adjudicação do bem imóvel para liquidação das responsabilidades da Executada pelo valor aproximado de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros), criou a expectativa que aprovaria o plano proposto pela Devedora, em função das declarações proferidas no âmbito do processo executivo.
J. Os referidos comportamentos são imputáveis ao Banco Comercial Português, S.A., e são contraditórios entre o que haviam declarado no processo executivo antes da entrada do PEAP e o voto contra a aprovação do plano que foi nos termos negociados.
K. Ademais, o encerramento do processo sem que o Banco Comercial Português, S.A., tenha manifestado as circunstâncias susceptíveis de levar à não homologação do plano, deveria a Devedora ter sido informada desse facto para propor alterações ao plano.
L. Aliás, o PEAP tem a mesma finalidade do PER.
M. Assim, sendo as normas do PER aplicáveis ao PEAP com as devidas adaptações e, por conseguinte, foi negada a possibilidade de a Devedora propor alterações ao plano, nos termos analogicamente aplicáveis do n.º 2 e 3 do artigo 17.º-F do CIRE.
N. Face ao exposto, a decisão de encerramento do PER é precoce e viola dos direitos da Devedora, motivo pelo qual deve a decisão de encerramento ser anulada e substituída por outra que conceda à Devedora o prazo previsto no n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE para propor alterações ao Plano para ser submetido novamente a votação.
O. Nestes termos, deve a decisão de encerramento ser anulada e repetido o acto de junção do plano com novo prazo para votação, permitindo assim que o Banco Comercial Português, S.A., haja de acordo com as expectativas que criou e, por conseguinte, aprove o plano de pagamentos para ser posteriormente homologado.
Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve julgar o presente recurso procedente por provado e, por conseguinte, deve anular o despacho de encerramento do processo, substituindo esta decisão pelo despacho convite para a Devedora fazer alterações ao Plano para ser submetido posteriormente a votação dos credores.
O requerido “Banco Comercial Português, S.A.” veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A) As presentes contra-alegações surgem no âmbito do recurso interposto pela Devedora da douta Sentença que ordena o encerramento do PEAP em consequência da não homologação do Acordo de Pagamento apresentado;
B) A decisão ora em crise deverá ser mantida uma vez que aplicou de forma criteriosa o direito.
C) No que concerne ao efeito do presente recurso, a Apelante pretende que o mesmo tenha efeito suspensivo, no entanto, e de acordo com o disposto no art. 14.º n.º 5 do CIRE, o recurso tem efeito meramente devolutivo, pelo que o requerido não deve ser atendido por falta de fundamento legal.
D) Alega a Apelante, que o Apelado ao ter apresentado, no âmbito de uma ação executiva que intentou contra a Devedora, uma proposta de aquisição do imóvel sobre o qual detém garantia real, no valor de € 310.000,00 criou em si a expectativa de que ao apresentar um Acordo de Pagamento em valor correspondente num PEAP o mesmo seria votado favoravelmente pelo Apelado e consequentemente aprovado.
E) Sentindo, assim, a Apelante que as suas expectativas resultaram frustradas quando verificou o voto negativo do Apelado ao Acordo de Pagamento apresentado no PEAP, afirmando assim que o Apelado atuou de forma ilícita agindo em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
F) Por mais que se esforce o Apelante não consegue alcançar o raciocínio feito pela Apelante que a levou a concluir, de forma absolutamente surpreendente, que a apresentação de uma proposta de aquisição no âmbito de uma ação executiva correspondia inequivocamente à vontade de aceitar uma proposta de pagamento apresentada no âmbito do PEAP, sendo este entendimento certamente mais um expediente dilatório utilizado pela Apelada.
G) A Apelada, subvertendo as mais elementares regras de direito, vem através do presente recurso submeter à decisão do douto Tribunal a apreciação de uma questão só existente na sua mente já que se supõe que a Apelada conhece, e bem, as normas que regulam a ação executiva, bem assim como as normas que regulam o PEAP.
F) Não obstante o facto de o Banco ter apresentado, no âmbito da ação executiva, uma proposta de aquisição do imóvel sobre o qual detém garantia real pelo valor de € 310.000,00, a Apelante tinha pleno conhecimento que tal valor seria insuficiente para liquidar a quantia exequenda pelo que o processo prosseguiria para a eventual penhora de outros bens para satisfazer os valores ainda em dívida.
G) Nunca o Apelado informou a Apelante que seria perdoado qualquer valor em dívida.
H) Pelo que é absolutamente inverosímil que a mesma criasse no seu espírito a convicção de que o Banco, simplesmente e sem qualquer razão, iria perdoar um valor superior a metade da dívida considerando-se integralmente ressarcido apenas com o produto da venda do imóvel.
I) Apesar de não se poder esperar que um homem médio pudesse ter esse tipo de entendimento, a verdade é que é nesta teoria que a Apelante sustenta o seu recurso, alegando que foi devido à atuação do Banco que criou esta convicção, que carece em absoluto de razoabilidade, afirmando que o Apelado agiu em abuso de direito na figura de venire contra factum proprium.
J) A atuação do Apelado não se enquadra na figura acima indicada uma vez que a sua atuação sempre se pautou pela estrita observância dos princípios da boa-fé e nunca atuou com o intuito de criar qualquer tipo de expetativa no espírito da Apelada no que concerne a à votação a ocorrer num eventual PEAP, pelo que não houve qualquer violação do princípio da confiança.
K) Acresce que, o Apelado jamais poderia ter conhecimento que a Apelada estava silenciosamente a criar expectativas irreais e a depreender segundos sentidos através da análise dos atos processuais praticados pelo Apelado numa execução em curso, atuando segundo as teorias por si criadas.
L) Pelo que os pressupostos do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium não estão preenchidos uma vez que as expetativas que a Apelante pretende afirmar que foram defraudadas não foram legitimamente e razoavelmente criadas nem resultaram de qualquer atuação do Apelado.
M) Depreende-se assim do pedido de Apelante que a mesma pretende a anulação da decisão de encerramento do PEAP tendo em vista a apresentação de um novo Acordo de Pagamento e uma votação positiva ao mesmo por parte do Apelado, sob pena de vir alegar novamente que este agiu em abuso de direito, o que restringe em absoluto a liberdade de votação do Apelado e a garantia e proteção dos seus interesses, o que é ilegal e não deve ser atendido pelo douto Tribunal.
N) Pode-se retirar desta pretensão, que quem está a agir em abuso de direito é a Apelante uma vez que pretende utilizar a referida figura legal, excedendo manifestamente os limites da boa-fé, para atingir o fim por si pretendido, isto é, o perdão de um avultado montante em dívida ao Apelado, atuação essa que claramente consubstancia má-fé processual.
O) Não obstante a Apelante alegar que o Apelado deveria ter manifestado as circunstâncias que levaram à votação negativa do Acordo, a verdade é que apesar de ter havido uma comunicação nesse sentido por parte do Apelado, a Apelante não apresentou nenhuma alternativa de Acordo passível de aprovação.
P) Pelo que, não subsiste qualquer razão válida para anular a decisão de encerramento ordenada pelo Tribunal a quo, uma vez que a mesma foi tomada de acordo com o resultado da votação e na estrita observância do disposto na lei (art. 222.º-G CIRE), a mesma deve manter-se devendo o Recurso da Apelada ser julgado totalmente improcedente por manifesta falta de fundamento legal, traduzindo-se o mesmo numa mera manobra dilatória da Apelante que apenas se quer escusar às responsabilidades assumidas perante o Apelado.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, por via dele, ser mantida na íntegra a Sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Se houve abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium pelo requerido “Banco Comercial Português, S.A.”; e
2) Se existe obrigatoriedade de notificar a devedora, no PEAP, do prazo previsto no n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do relatório.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) houve abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pelo requerido “Banco Comercial Português, S.A.”; e (ii) se existe obrigatoriedade de notificar a devedora, no PEAP, do prazo previsto no n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE.
1 – Abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium pelo requerido “Banco Comercial Português, S.A.”
No entender da Apelante, o “Banco Comercial Português, S.A.” actuou em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao ter votado negativamente o plano de pagamentos que a Apelante apresentou neste processo, reduzindo a dívida para € 310.000,00, depois de ter sido o próprio Banco a apresentar, no processo executivo relativo ao crédito que detém sobre a Apelante, uma proposta de aquisição do imóvel penhorado nesse mesmo exacto montante, tendo, desse modo, criado na Apelante a expectativa de que aprovaria o plano por si proposto, em função das declarações proferidas no âmbito desse processo executivo.
Dispõe o art. 334.º do Código Civil que:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Cumpre decidir.
Nos termos do citado artigo, apenas se verifica uma situação de abuso de direito se o seu titular o exercer de forma manifestamente ofensiva dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Integra uma das modalidades deste abuso de direito o venire contra factum proprium, proibindo-se, desse modo, o comportamento contraditório, em defesa do princípio da confiança, exigindo-se às partes que actuem de forma a não defraudarem legítimas expectativas que, com o seu comportamento, criaram.
Para que estejamos em presença de uma situação de venire contra factum proprium impõe-se, assim, a verificação dos seguintes pressupostos:
- um comportamento anterior do titular do direito susceptível de criar, em termos objectivos, uma situação de confiança por parte da contraparte;
- um comportamento posterior por parte do titular do direito manifestamente contraditório com o comportamento anteriormente adoptado;
- a imputabilidade de ambos os comportamentos ao titular do direito;
- um comportamento da contraparte assente na confiança gerada pelo primeiro comportamento adoptado pelo titular do direito;
- o nexo de causalidade entre a situação objectiva de confiança e o comportamento que essa situação gerou na contraparte.
Em face do exposto, verifica-se, portanto, que não é tutelada toda e qualquer situação de confiança gerada na contraparte, antes sim e apenas a situação objectiva e legítima de confiança, ou seja, a confiança tida por um destinatário normal colocado naquelas mesmas circunstâncias.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 12-11-2013, no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt[2]:
III - O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.

Importa ainda salientar que o vício de abuso de direito previsto no art. 334.º do Código Civil é de conhecimento oficioso[3], no entanto, na situação em apreço, foi, inclusive, invocado pela Apelante.
Atentemos, então.
Verifica-se, no caso concreto, que, segundo a versão apresentada pela Apelante (e não contraditada pelo Apelado), o Apelado, na acção executiva que intentou contra a Apelante apresentou uma proposta para a aquisição do imóvel penhorado no montante de € 360.000,00, tendo, a partir daí, a Apelante considerado que o Apelado pretendia reduzir a sua dívida (que em 30-07-2019 era de € 895.693,30) para aquela quantia (€ 360.000,00), sendo essa a razão pela qual efectuou a proposta de acordo de pagamento com o perdão da restante quantia em dívida (€ 535.693,30) e ainda com o pagamento da quantia de € 360.000,00 de modo faseado durante 12 anos.
Ora, desde logo, resulta que mesmo a quantia de € 360.000,00 que o Apelado pretendia abater no seu crédito com a aquisição do imóvel penhorado, implicaria um abatimento que apenas demoraria o tempo necessário à alteração do título de propriedade para seu nome, ou seja, quase de imediato, por isso, muito diferente dos 12 anos propostos pela Apelante, pelo que, mesmo só a atendermos ao montante relativo aos € 360.000,00, existe, para um destinatário normal colocado naquelas mesmas circunstâncias, uma enorme diferença entre a proposta efectuada pelo Apelado no processo executivo e a proposta apresentada pela Apelante neste processo. E, a ser assim, o voto contra do Apelado na proposta apresentada pela Apelante nunca poderia ser considerado como o defraudar de uma expectativa legitimamente criada na Apelante pelo Apelado.
No entanto, importará ainda acrescentar que o Apelado, ao apresentar a proposta de aquisição do imóvel penhorado (desconhecendo-se, inclusive, se era ou não o único bem penhorado) no montante de € 360.000,00, não assumiu, directa ou indirectamente, qualquer perdão do montante de € 535.693,30 ainda em dívida pela Apelante, nem é aceitável, para qualquer destinatário normal colocado naquelas mesmas circunstâncias, considerar legítima tal expectativa, apenas a partir do montante constante na proposta de oferta de aquisição efectuada pelo Apelado naquele processo executivo.
Na realidade, tal proposta, se fosse aceite (o que, aliás, não terá ocorrido), apenas implicaria para a Apelante a dedução daquele montante à totalidade da sua dívida e não a redução dessa dívida para aquele montante.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir que o Apelado, ao votar contra o plano de pagamento proposto pela Apelante, não actuou em situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, improcedendo, nesta parte, a pretensão da Apelante.
2 – Obrigatoriedade de notificar a devedora, no PEAP, do prazo previsto no n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE
Segundo a Apelante, o PEAP não poderia ter sido encerrado sem que o Apelado, previamente, tivesse manifestado as circunstâncias susceptíveis de levar à não homologação do plano e, seguidamente, sem que a Apelante tivesse sido informada desse facto para propor alterações ao plano, nos termos do art. 17.º-F, nºs. 2 e 3, do CIRE, visto que o PEAP tem a mesma finalidade do PER.
Concluiu, ainda, que, por violação dos direitos da Apelante, a decisão de encerramento proferida deve ser anulada e substituída por outra que conceda à Apelante o referido prazo para fazer alterações ao plano a fim de o mesmo ser posteriormente submetido a votação dos credores.
Dispõe o art. 222.º-F do CIRE, sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento”, que:
1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
3 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
4 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.
5 - O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º
6 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos n.os 2 a 5, 7 e 8 do artigo 222.º-G.
7 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que o devedor se encontra em situação de insolvência.
8 - A decisão de homologação vincula o devedor e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 222.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
9 - Compete ao devedor suportar as custas do processo de homologação.
10 - É aplicável ao acordo de pagamento o disposto no n.º 1 do artigo 218.º
11 - É aplicável o disposto no n.º 7 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 5 do presente artigo, exceto se o devedor demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o acordo de pagamento ou que o requerimento de novo processo especial para acordo de pagamento é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia ao devedor.

Dispõe, por sua vez, o art. 222.º-G do CIRE, sob a epígrafe “Conclusão do processo negocial sem a aprovação de acordo de pagamento”, que:
1 - Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente título acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir do termo do prazo previsto no n.º 5, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 255.º
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial para acordo de pagamento apenso ao processo de insolvência.
5 - Recebida a comunicação e sendo o parecer no sentido da insolvência do devedor, o tribunal notifica aquele para, querendo e caso se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos, em cinco dias, apresentar plano de pagamentos nos termos do disposto nos artigos 249.º e seguintes ou requerer a exoneração do passivo restante nos termos do disposto nos artigos 235.º e seguintes.
6 - O devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
7 - O termo do processo especial para acordo de pagamento efetuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
8 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial para acordo de pagamento convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 222.º-D.

Dispõe ainda o art. 17.º-F do CIRE, sob a epígrafe “conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa”, que:
1 - Até ao último dia do prazo de negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização, acompanhada de todos os elementos previstos no artigo 195.º, aplicável com as devidas adaptações, sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.
2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.
3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
6 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º, com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.
7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º
8 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos n.os 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G.
9 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.
10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
11 - Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação.
12 - É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º
13 - É aplicável o disposto no n.º 6 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7 do presente artigo, exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.

Dispõe, por fim, o artigo 17.º-G do CIRE, sob a epígrafe “Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”, que:
1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.

Ora, conforme resulta da inserção sistemática do art. 17.º-A a 17.º-J e dos arts. 222.º-A a 222.º-J do CIRE, o primeiro reporta-se ao processo especial de revitalização das empresas e o segundo ao processo especial para acordo de pagamento de devedores que não sejam empresas, tendo cada um as suas regras próprias.
O invocado art. 17.º-F do CIRE rege, conforme consta da sua epígrafe, situações em que as negociações se concluíram com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, do mesmo modo que o art. 222.º-F do CIRE rege, conforme consta da sua epígrafe, situações em que as negociações se concluíram com a aprovação de acordo de pagamento entre o devedor particular e os seus credores.
Por sua vez, o art. 17.º-G do CIRE rege, conforme consta da sua epígrafe, situações em que as negociações se concluíram sem a aprovação de plano de recuperação da empresa, do mesmo modo que o art. 222.º-G do CIRE rege, conforme consta da sua epígrafe, situações em que as negociações se concluíram sem a aprovação de acordo de pagamento entre o devedor particular e os seus credores.
Assim, não só resulta da leitura dos citados artigos que ambos os processos se encontram especificamente regulados, como, caso existisse (que não existe) qualquer lacuna no processo especial para acordo de pagamento que implicasse a integração dessa lacuna com o recursos ao processo especial de revitalização das empresas, por estarmos, no caso concreto, perante uma situação em que as negociações terminaram sem acordo (atente-se que o plano apresentado pela Apelante apenas se mostra subscrito pela própria, nele não constando a assinatura de qualquer credor, conforme previsto no n.º 1 do art. 222.º-F do CIRE) sempre seria de aplicar à presente situação o disposto no art. 17.º-G (cujo teor é, aliás, bastante semelhante ao que consta no art. 222.º-G) e não o disposto no art. 17.º-F.
Em conclusão, por o processo especial para acordo de pagamento se encontrar especificamente regulado nos arts. 222.º-A a 222.º-J do CIRE, na presente situação, em que no final das negociações não houve acordo entre a Apelante/devedora e os seus credores, é de aplicar o art. 222.º-G e não os arts. 17.º-A a 17.º-J do CIRE, que se reportam a um outro processo especial.
Nesta conformidade, improcede também nesta parte a pretensão da Apelante.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Évora, 27 de Fevereiro de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.
[2] No mesmo sentido os acórdãos do STJ, proferidos em 11-12-2012, no âmbito do processo n.º 116/07.2TBMCN.P1.S1; e em 27-04-2017, no âmbito do processo n.º 1192/12.1TVLSB.L1.S1, consultáveis no mesmo site.
[3] Veja-se o acórdão do STJ, proferido em 12-11-2013, no âmbito do processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1.