Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1584/17.0T8BJA.E2
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MOTOCICLO
CAPACETE DE PROTECÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Resulta cientificamente comprovado que o uso correcto do capacete de protecção atenua a gravidade das lesões crânio-encefálicas dos sinistrados em acidentes de viação envolvendo motociclos, daí a sua obrigatoriedade.
II. Provado nos autos que o autor levava o capacete desapertado, o que teve por consequência ter saltado da cabeça com o embate, vindo a sofrer gravíssimas lesões crânio-encefálicas - precisamente a zona corporal protegida pelo capacete - que determinaram um estado de coma pelo período de 15 dias, é lícito dar como comprovado que, caso tivesse o capacete correctamente colocado teria sofrido lesões menos graves, impondo-se a redução da indemnização fixada, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo 1584/17.0T8BJA.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 4


I. Relatório
(…), com domicílio na Rua das (…), n.º 8, (…), em Beja, instaurou contra (…) Seguros, S.A., com sede na Av. (…), n.º 6, 11.º, em Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 188.270,52 a título de reparação pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente cuja ocorrência imputou a conduta culposa do condutor da viatura segurada na ré.
Citada, a Ré veio impugnar a versão do acidente narrada pelo autor, cuja ocorrência defende ter-se ficado a dever a conduta infractora do próprio, admitindo que, no limite, se esteja perante culpas concorrentes de ambos os condutores, sendo que a circunstância do demandante não ter na ocasião o capacete devidamente apertado contribuiu para o agravamento das lesões sofridas, o que deverá ser tido em conta nos termos do artigo 570.º do CC.
Interveio nos autos o Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Beja, I.P., com sede na Rua Professor (…), n.º 25, em Beja, tendo reclamado da ré o reembolso das quantias pagas ao autor a título de subsídio de doença entre 15 de Setembro de 2015 e 16 de Novembro de 2016, no montante total de € 7.325,25 (sete mil, trezentos e vinte e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).
*
Dispensada a realização da audiência, os autos prosseguiram com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decretou como segue:
a) condenou a Ré (…) Seguros, S.A. a pagar ao Autor (…) a quantia de € 28.270,52 (vinte e oito mil e duzentos e setenta euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos juros de mora legais;
b) condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico;
c) condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais;
d) condenou a Ré a pagar ao Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Beja, I.P. a quantia de € 7.325,25 (sete mil, trezentos e vinte e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).

Inconformada, apelou a ré seguradora, tendo sido proferido por este TR o acórdão datado de 26/9/2019, que determinou a anulação da decisão proferida, “circunscrita ao ponto 45. dos factos provados, em ordem a ficar esclarecido de que modo tinha o autor o capacete colocado na ocasião do acidente, designadamente se o mesmo se encontrava desapertado, procedendo o Tribunal “a quo” para tal, se julgado necessário, a diligências complementares, fundamentando devidamente a resposta”.
Devolvidos os autos à 1.ª instância, aí foi dado cumprimento ao determinado, tendo sido proferida nova sentença, a qual reproduziu a anterior condenação nos seus precisos termos.
Mantendo o inconformismo, apelou a ré e, tendo alegado doutamente, formulou no final as seguintes conclusões:
a) Pela apresentação das presentes alegações de recurso, pretende a recorrente a alteração da decisão sobre a matéria de facto, tendo por via das presentes alegações especificado, em concreto, nos termos previstos no nº 1 do artigo 640º do CPC, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, assim como os concretos meios probatórios, constantes no processo, que impõem decisão diversa da constante da sentença da qual se recorre.
b) Pretende, deste modo, a ora recorrente a alteração do teor da sentença proferida com base nos depoimentos prestados e na prova documental junta aos autos por entender, salvo o devido respeito que é muito, que o douto tribunal a quo não fez uma correcta valoração de tais elementos probatórios, designadamente para efeitos de apreciação da contribuição do lesado, aqui recorrido, para o agravamento dos danos que para si resultaram do acidente em apreço nestes autos.
c) Entende a ora recorrente que o ponto 32 da matéria dada por provada não poderia ter sido dado por provado.
d) Para prova de tal facto teve o douto tribunal em conta o depoimento prestado pela testemunha … (depoimento prestado em sede de julgamento no dia 08/11/2018), bem como a documentação clínica junta aos autos pelo autor de onde consta o boletim de alta emitido pela Seguradora de acidentes de trabalho (facto provado nº 27), bem como o relatório médico-legal elaborado pelos peritos do INML oportunamente junto aos autos.
e) Tendo o douto tribunal a quo considerado por provado que o autor teve perdas salariais derivadas do facto de, em virtude das lesões sofridas em consequência do acidente, não ter condições físicas e psíquicas para continuar a exercer o seu cargo de encarregado geral de fabrico para passar a ser panificador.
f) E sem prejuízo da valoração feita pelo douto tribunal a quo quanto ao depoimento prestado pela identificada testemunha (…), da documentação clínica junta ao processo pelo próprio autor não resulta que o mesmo tenha ficado impedido de exercer a sua actividade profissional habitual, no caso, a de encarregado. Tanto assim foi que a própria seguradora de acidentes de trabalho considerou o autor apto para o trabalho tendo-lhe dado alta em 15/08/2015 não fazendo referência a qualquer limitação do autor para o exercício da sua actividade habitual (facto provado 27).
g) Ao que acresce o facto de não resultar do teor do relatório pericial junto sob documento nº 12 – por reporte à avaliação pericial a que o autor foi submetido no âmbito do Processo n.º 1499/15.6T8BJA – que o autor tenha ficado a padecer de algum grau a título de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, somente constando que o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 16.3% não tendo, no entanto, sido determinado pelos peritos médicos responsáveis pela elaboração de tal relatório qualquer grau a título de IPATH.
h) A recorrente não ignora que no nosso sistema jurídico predomina o princípio da livre apreciação da prova previsto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC de acordo com o qual o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. No entanto, sendo a prova pericial um meio probatório cuja finalidade é a percepção de factos através de um juízo técnico e científico, torna-se necessário que tal juízo técnico proferido pelo perito seja subtraído a tal princípio da livre apreciação da prova.
i) Tendo por base o caso em apreço, e salvo melhor e douto entendimento, verifica-se que não foi o que sucedeu dado que apenas tendo por base o depoimento prestado pela testemunha (…) nos termos supra expostos, considerou o tribunal a quo ter resultado por provado o facto 32 nos termos do qual se considerou que o autor não tem actualmente capacidades físicas nem psíquicas para exercer as suas funções de chefia, sendo que dos autos consta documentação clínica que considera o autor apto para o trabalho – vide nota de alta (facto provado 27) e, em especial, o teor do relatório pericial junto sob documento nº 12 do qual não resultou definido para o autor qualquer grau de IPATH.
j) Não revestindo o depoimento prestado pela testemunha (…) de competências e/ou conhecimentos técnicos que lhe permitam pronunciar-se sobre as implicações que para o autor resultaram em consequência das lesões corporais sofridas em virtude do acidente no qual foi interveniente e, revestindo a prova pericial de especial força probatória, apenas podendo o tribunal dela divergir no caso da mesma padecer de erro manifesto nas suas conclusões ou pressupostos, o que não é o caso dos presentes autos, sempre deverá a mesma ser acolhida pelo douto tribunal de que se recorre resultando, deste modo, a inexistência de incapacidade absoluta do autor para o exercício da sua actividade profissional de encarregado geral de fabrico.
k) E tendo por base a manifesta contradição que resulta da análise do teor do depoimento prestado pela testemunha (…), bem como do teor da documentação clínica junta aos autos pelo autor, designadamente, do relatório pericial cuja especial força probatória não poderá ser ignorada nos presentes autos e, bem assim, da nota de alta emitida pela Seguradora de acidentes de trabalho, não logrou a ora recorrente alcançar, salvo o devido respeito que é muito, o modo como veio o douto tribunal de que se recorre dar por provado o ponto 32. da matéria de facto, razão pela qual requer a alteração da matéria dada por provada de onde deverá ser retirado o ponto 32 que deverá, em face da prova produzida, passar a constar da matéria dada por não provada.
l) Pelas presentes alegações, pretende ainda a recorrente que seja adicionado mais um ponto à matéria de facto dada por provada por entender que o douto tribunal a quo não se pronunciou, em concreto, sobre uma matéria que entende ser relevante para efeitos de apreciação da culpa dos intervenientes pela produção e agravamento dos danos, o que se alega e requer nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 563º e 572º do C. Civil ex vi do nº 1 do artigo 570º do CPC.
m) O Ponto 45 da matéria dada por provada refere-se ao desrespeito por parte do autor em fazer uso correcto do capacete, tendo o tribunal a quo tido em conta, para prova de tal facto cumpre referir que para prova de tal facto, os depoimentos prestados pelas testemunhas (…), (…) e (…).
n) A recorrente não discorda, bem pelo contrário, da valoração feita pelo douto tribunal a quo dos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas.
o) No entanto, crê a recorrente, uma vez mais, salvo o devido respeito que é muito, que o douto tribunal a quo, pese embora tenha considerado que o autor não levava o capacete correctamente colocado, não teve tal facto em consideração para efeitos de apuramento da culpa do autor, não pela produção do acidente em questão, mas sim pelo agravamento dos danos do mesmo resultantes, algo que, no entender da ora recorrente, não poderia ter sido ignorado pelo tribunal.
Na verdade,
p) Dúvidas não existem de que as lesões sofridas pelo autor se verificaram essencialmente ao nível da cabeça, tendo a testemunha (…) referido, do min 05:51 ao min. 05:58 da gravação que “são lesões de facto graves ao nível da parte do crânio” (sublinhado nosso).
q) Tendo mais adiante a mencionada testemunha referido que “o que nós podemos dizer com absoluta segurança – porque isto é público – (imperceptível) é que de facto o uso do capacete (…) diminui, evitava grande parte dos traumatismos cranianos e grandes sequelas (…). Isso está devidamente comprovado e clinicamente público. No caso concreto do sinistrado, é lógico que nós podemos dizer, da nossa experiência, que os estados mais graves são os casos em que não usavam capacete. Os casos menos graves são os que (…) usavam capacete.” – min. 03:27 ao min. 04:56 da gravação – mais tendo dito que as lesões sofridas pelo autor são “muito graves” mais referindo ser da sua experiência e do seu conhecimento que tais lesões “são resultantes da falta de uso do capacete. Se usasse o capacete talvez esta prevenção e esta protecção tivesse sido mais importante.” – minuto 04:58 ao min. 05:25 da gravação.
Ora,
r) Resultando evidente nos presentes autos que o autor sofreu lesões muito graves ao nível da cabeça, e bem assim, tendo ainda resultado evidente do depoimento prestado pela testemunha (…) que caso o autor fizesse uso correcto do capacete no momento em que sofreu o acidente, poderia ter evitado, ou pelo menos minimizado, as lesões que sofreu ao nível do crânio, não logrou a ora recorrente alcançar, salvo o devido respeito que é muito, perante tal evidência, o motivo pelo qual o douto tribunal a quo não teve tal matéria em conta para efeitos de apreciação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 570º do C. Civil, da eventual culpa do lesado para a produção dos danos decorrentes do acidente e/ou para o seu agravamento, o que aqui se alega e requer.
Na verdade,
s) Da análise da sentença proferida, constata-se que o douto tribunal a quo teve em consideração, ainda que os tenha considerado irrelevantes, o facto do autor circular na via pública sem ter seguro válido que garantisse os riscos decorrentes da circulação do motociclo perante terceiros, bem como o facto do autor circular sem ter habilitação legal para o efeito, nada tendo referido quanto ao facto do autor circular na via pública sem ter o capacete correctamente colocado ainda que tenha dado tal facto por provado.
t) Mas ainda que se entenda que o facto do autor conduzir na via pública sem seguro válido que garantisse os riscos da circulação do motociclo perante terceiros ou mesmo que se entenda que o facto do autor circular na via publica sem ter habilitação legal para o efeito não se consubstanciam como sendo factos determinantes para efeitos de apuramento da responsabilidade do autor pela produção do acidente em apreço nos autos, sempre as consequências traduzidas na gravidade das lesões corporais sofridas pelo autor ao nível do crânio em virtude do mesmo não fazer uso correcto do capacete, por não ter, deliberadamente, apertado a correia de ajuste, não poderiam ter sido ignoradas.
u) Isto porque, mesmo afirmando-se a existência de nexo causal entre a actuação do condutor do veículo seguro pela ora recorrente, aqui recorrente, pela produção do acidente – que não se discute – sempre a contribuição do condutor do motociclo na produção e consequente agravamento dos danos pelo mesmo sofridos, por não usar correctamente o capacete deverá, salvo melhor e douto entendimento, determinar a necessária redução do quantum indemnizatório em função de tal contribuição a qual, salvo melhor entendimento, sempre deverá ser definida em percentagem não inferior a 50% atentas as lesões efectivamente sofridas pelo autor as quais se verificaram, quase sem excepção, ao nível do crânio.
v) Em face de tudo quanto se acabou de expor, é entendimento da ora recorrente existir, salvo o devido respeito que é muito, fundamento para que seja aditado ao ponto 45. da matéria de facto dada por provada, um outro ponto referente à contribuição do lesado para a produção/agravamento dos danos corporais pelo mesmo sofridos, pois só deste modo se poderá fazer um correcto apuramento do quantum indemnizatório a pagar por parte da Seguradora, ora recorrente.
w) Assim, e tendo por base o que se acabou de expor, é entendimento da ora recorrente que deverá ser acrescentado à matéria de facto dada por provada o seguinte facto:
45.1 – Caso tivesse o capacete devidamente colocado, o autor não teria sofrido lesões ao nível do crânio ou, a ter sofrido, sempre as mesmas teriam tido menor gravidade.
x) Em face de tudo quanto se acabou de expor, é entendimento ora recorrente existir, salvo o devido respeito que é muito, manifesta contradição entre prova testemunhal produzida e a fundamentação constante da sentença proferida pelo tribunal a quo nos termos da qual se concluiu pela ausência de responsabilidade do autor pela produção e/ou agravamento dos danos corporais pelo mesmo sofridos tendo, em consequência, concluído pela responsabilidade da Seguradora, ora recorrente, no pagamento da totalidade da indemnização fixada e com a qual a ora recorrente não pode concordar em virtude da evidente contribuição do autor para a produção e/ou agravamento dos danos corporais verificados.
y) Na verdade, mesmo que se tenha em causa ter sido o condutor do veículo seguro pela ora recorrente a dar início ao processo causal que redundou nos danos aqui reclamados, ao qual não é alheia a TAS com que o mesmo conduzia na via pública, tal nexo causal sempre se deverá ter por interrompido em face da actuação do condutor do motociclo, aqui recorrido, que podendo ter evitado e/ou diminuído a gravidade e extensão das lesões que sofreu ao nível do crânio caso fizesse correcto uso do capacete, tal acabou por não acontecer em face de tal conduta culposa que levou, por conseguinte a que o capacete lhe tivesse saltado da cabeça, não podendo, deste modo, por inexistência de nexo de causalidade, ser imputada à ora recorrente a total responsabilidade pelo pagamento da indemnização peticionada nos presentes autos.
z) Entende, por tudo quanto se acaba de expor, a ora recorrente que o douto tribunal a quo, salvo melhor e douto entendimento, muito embora tendo feito uma correcta aplicação das normas constantes nos artigos 483º e 562º, ambos do Código Civil, olvidou a aplicação da norma prevista no nº 1 do artigo 570.º do mesmo Código para efeitos de redução da indemnização atendendo à conduta adoptada pelo autor que, nos termos já expostos, se configura como tendo sido concausa para produção e/ou agravamento dos danos decorrentes do acidente.
aa) Em face das alterações à matéria de facto dada por provada, designadamente à alteração do ponto 32 que, no entender da recorrente, deverá ser dado por não provado e, bem assim, em face do requerido aditamento do ponto 45.1 à matéria de facto dada por provada, sempre os montantes da condenação terão de ser revistos.
bb) Assim, tendo sido fixada ao autor uma indemnização a título de perdas salariais no valor de € 22.750,52, sempre tal montante terá necessariamente de deixar de ser tido em conta caso se conclua pela efectiva procedência da requerida alteração do ponto 32 da matéria de facto dada por provada nos termos requeridos, atendendo a que, não tendo sido fixado pelos peritos médicos qualquer grau de IPATH, não poderia ter resultado por provado o ponto 32 da matéria de facto, designadamente no que respeita à despromoção do autor, em face das lesões sofridas, do cargo de encarregado geral de fabrico para o cargo de panificador, ou seja, não teria o autor direito a ser indemnizado a título de perdas salariais.
cc) De igual modo, e no que aos demais montantes indemnizatórios fixados a título de condenação respeita, tendo por base a efectiva contribuição do autor para a produção/agravamento dos danos corporais pelo mesmo sofridos, sempre os valores fixados a título de indemnização pelo dano biológico, computados em € 100.000, e de dano moral, computado em de € 40.000, terão necessariamente de ser reduzidos em pelo menos 50%, atenta a conduta do autor para a produção e/ou agravamento dos danos, daí resultando na condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização no valor total € 70.000, sendo € 50.000 a título de dano biológico e € 20.000 a título de dano moral, indemnização que se afigura como adequada tendo em conta as lesões efectivamente sofridas pelo autor, as repercussões que das mesmas resultaram na sua vida profissional e, bem assim, a contribuição daquele para a produção e/ou agravamento dos danos para si decorrentes do acidente, tudo em conformidade com a prova testemunhal e documental produzida e constante dos presentes autos nos termos já expostos.
dd) Nos termos do disposto no artigo 572º do C. Civil, a culpa do lesado deve ser conhecida pelo tribunal “ainda que não seja alegada”.
ee) Dispondo o artigo 563º do mesmo Código que a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
ff) No caso em apreço, a omissão de cuidado por parte do autor configura-se como sendo uma omissão claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e da diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa não podendo ainda o douto tribunal olvidar o facto do autor, para além de conduzir sem o capacete devidamente colocado, também conduzir na via pública sem ter seguro válido e eficaz que garantisse os riscos derivados da circulação do motociclo ao que acresce o facto do mesmo conduzir na via pública sem ter habilitação legal para o efeito (tal como consta dos factos dados por provados constantes da douta sentença para a qual se remete).
gg) Por outro lado e no que ao uso incorrecto do capacete pelo autor respeita, ainda que tal não resultasse evidente do depoimento prestado pela testemunha (…), tal como supra exposto, é do conhecimento comum, e o tribunal não poderia ter ignorado, que é perigoso, porquanto compromete a segurança – que o autor deliberadamente negligenciou – fazer-se transportar de motociclo na via pública sem fazer uso do capacete ou sem fazer uso correcto do mesmo, como foi o caso, razão pela qual se impõe a obrigação do seu uso correcto!
hh) Assim, e tendo por base tudo o que se acabou de expor, ao que não é alheio o critério de equidade subjacente à fixação da indemnização, entende a ora recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, que a conduta do autor contribuiu decisivamente para o agravamento dos danos pelo mesmo sofridos ao nível do crânio devendo, em consequência, a indemnização fixada a título de dano patrimonial e de dano não patrimonial ser reduzida em, pelo menos 50%, o que se requer nos termos e para os efeitos tidos nos artigos 572º e 563º do C. Civil, ex vi do 1 do artigo 570º do CPC.
Sem prescindir, e caso o Tribunal a quo assim não o entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite,
ii) De acordo com a sentença recorrida veio a Recorrente condenada no pagamento ao Autor da quantia de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais e da quantia de € 100.000,00 a título de dano biológico.
jj) Entende a Recorrente que incorre a sentença em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 494.º, 496.º, 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3, do Código Civil, na medida em que a indemnização arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.
kk) O A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial, em sede de perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, de 16,3%; não obstante, não foi determinado pelos peritos médicos responsáveis pela elaboração do relatório pericial qualquer grau a título de IPATH, isto é, não foi fixado ao autor qualquer grau de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual.
l) Tal grau de incapacidade de que é portador o Autor é compatível com o exercício da sua atividade habitual.
mm) Entende a Recorrente, reiterando o que acima se deixou exposto quanto a considerar-se como não provado o facto provado sob o ponto 32 e por conseguinte o facto 33 que para este remete (no respeitante à mudança de categoria de encarregado para panificador e correspondente redução da remuneração base), não se demonstrou que o A. tenha sofrido, em consequência do acidente, a partir da data da consolidação, em que a seguradora de AT o considerou apto para o trabalho, qualquer diminuição da sua remuneração laboral e qualquer limitação para o exercício da sua atividade profissional habitual.
nn) Não será, então, correcto falar em incapacidade de ganho uma vez que não há impedimento da atividade profissional, uma vez que o A. continuou a exercer a sua atividade profissional antes do acidente.
oo) Não resultou provado que o Autor tenha tido uma efectiva diminuição patrimonial, pois nunca deixou de exercer atividade no seu normal local de trabalho, não tendo resultado provada, no entender da Recorrente, a mudança de categoria de encarregado para panificador e respectivo nexo causal com as lesões sofridas e com o evento dos autos.
pp) Pelo exposto, deve a quantia fixada para indemnização por dano biológico do A. ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para um valor mais justo e equitativo.
qq) A ora Recorrente não pode deixar, igualmente, de se insurgir contra a compensação de € 40.000,00 arbitrada a título de danos não patrimoniais ao A., porquanto a mesma é manifestamente excessiva e extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.
rr) embora se admita que após o acidente o A. tenha apresentado lesões, tal como resulta provado, e que tenha tido dores posteriormente em consequência das mesmas, hoje, esses incómodos não podem considerar-se graves o suficiente que justifique uma indemnização pelo valor de € 40.000,00, até porque temos de atender ao estado em que o mesmo se encontra actualmente.
ss) Atendendo não apenas aos factos dados como provados, mas também aos parâmetros que vêm sido seguidos pela nossa jurisprudência (conforme supra demonstrámos), os montantes fixados pelo Tribunal a quo mostram-se excessivos e desajustados.
tt) A decisão recorrida não elenca quaisquer decisões exemplificativas dos montantes que vêm sendo arbitrados que se considera corresponder aos montantes fixados em situações equivalentes.
uu) Face ao supra exposto, o montante de € 40.000,00 fixado é desadequado por excessivo para ressarcir o A. tendo em conta a matéria dada como provada.
Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida, “com a consequente alteração da matéria de facto tal como requerido, de acordo com a qual sempre resultará, salvo melhor entendimento, a necessária redução do quantum indemnizatório em face da culpa do lesado para a produção e/ou agravamento dos danos e em virtude dos mesmos se considerarem excessivos”.
O autor/apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pela recorrente:
i. do erro de julgamento no que respeita ao facto 32. e aditamento ao ponto 45.;
ii. dos montantes indemnizatórios;
iii. da indevida desconsideração do disposto no artigo 570.º do CC.
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II. Fundamentação
i. impugnação da matéria de facto
Porque as questões de facto precedem logicamente as questões de direito, cumpre conhecer em primeiro lugar da impugnação que pela recorrente foi dirigida à decisão proferida sobre a matéria de facto.
Pretende a ré seguradora, nesta via de recurso, que se elimine dos factos provados o ponto 32., aditando-se por outro lado um novo ponto, na sequência do que vem dado como assente em 45., por ter ficado demonstrado que “Caso tivesse o capacete devidamente colocado, o autor não teria sofrido lesões ao nível do crânio ou, a ter sofrido, sempre as mesmas teriam tido menor gravidade”[1], apelando para tanto às declarações prestadas por (…).
É o seguinte o teor do impugnado ponto 32. “Por não ter actualmente capacidades físicas nem psíquicas para exercer as suas funções de chefia, o A. aceitou em Janeiro de 2017, mudar de categoria de encarregado para panificador”.
Na motivação que elaborou, revelou o julgador que “Os factos relativos às consequências que o acidente acarretou a nível laboral para o autor resultam do depoimento da testemunha (…) e, bem assim, dos recibos de vencimento e dos extractos de remunerações juntos aos autos”.
A recorrente insurge-se, argumentando que nada justifica – e o tribunal não justificou – a prevalência dada ao testemunho invocado, em detrimento da nota alta emitida pelos serviços clínicos da seguradora laboral e relatório da perícia médico legal a que o autor foi sujeito, elementos que o próprio juntou aos autos, ambos omissos quanto a eventual rebate profissional da incapacidade genérica de que ficou portador.
A propósito, cabe esclarecer, antes de mais, o equívoco em que a recorrente parece incorrer quando pretende que o relatório junto tem aqui natureza de prova pericial. Vejamos:
Com a petição inicial procedeu o autor à junção, quer da comunicação de alta da seguradora de acidentes de trabalho, quer do relatório da perícia de avaliação do dano em direito do trabalho (o autor foi examinado em 27/11/2015), a qual teve lugar no âmbito do processo laboral que correu termos sob o n.º 1499/15.6 T8BJA.
O art.º 421.º do CPC, epigrafado de “Valor extraprocessual das provas”, prevê que os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte possam ser invocados noutro processo contra a mesma parte, salvo se o regime da produção da prova no primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo e a tal não obstando a diferente natureza dos processos desde que a parte a quem a prova é oposta tenha tido oportunidade de a contraditar.
Visto o teor da enunciada disposição legal logo se vê que a perícia realizada no âmbito do processo laboral, no qual a aqui ré/apelante não teve intervenção, não podia, como tal, ser validamente importada para os presentes autos. E não foi, pelo que o valor probatório do relatório cuja cópia foi junta, à semelhança do que ocorre com o dito boletim da alta e demais documentação clínica, é aquele que livremente lhe for fixado pelo julgador, sem que seja de lhe reconhecer qualquer valor probatório reforçado (cfr. art.º 607.º, n.º 5, do CPC).
Acresce, no que respeita ao dito relatório – o qual, em todo o caso, obedece a critérios distintos dos legalmente fixados para apuramento do dano em matéria cível –, que nele se menciona, sem outra especificação, que o autor era padeiro aquando do acidente, profissão que mantém. Admite-se que tal menção provenha de informação que pelo autor foi prestada como, aliás, dele consta, mas a verdade é que não é rigorosa, não especificando as exactas funções que, dentro da panificadora, eram por ele exercidas, tanto bastando para que se possa questionar a omissão evidenciada pela recorrente e de que se pretende fazer valer[2].
Atento o que vem de se expor, considerando as sequelas a nível cognitivo e de memória de que o demandante ficou portador, confirmadas pelo muito esclarecedor testemunho prestado pela Dr.ª (…), que o acompanhou durante a sua estadia no Hospital do Mar, e que a factualidade apurada e não impugnada exuberantemente ilustra, surge como evidente que estaria para além da sua capacidade continuar a desempenhar tarefas organizativas, surgindo assim justificada a alteração de funções que se veio a verificar e de que a testemunha (…) deu conta com clara razão de ciência, por ser o patrão do apelado há mais de 30 anos. O depoimento que prestou, ainda que não tenha conhecimentos médicos, exibiu, em contrapartida, o cunho da verdade de quem se confrontou, na prática e diariamente, com a incapacidade do autor continuar a desempenhar as tarefas como até então. Trata-se de um testemunho absolutamente credível – o que, de resto, a apelante não questiona – , não merecendo qualquer censura a decisão de dar como provado o facto em causa. Acresce que não fora o reconhecimento, pelo próprio demandante, da sua incapacidade para continuar a exercer as antigas funções e nenhuma razão haveria para aceitar uma despromoção, coim expressiva perda salarial. Mantém-se assim o facto impugnado.
A recorrente requer ainda que seja aditado um novo ponto à factualidade assente com o seguinte conteúdo: Caso tivesse o capacete devidamente colocado, o autor não teria sofrido lesões ao nível do crânio ou, a ter sofrido, sempre as mesmas teriam tido menor gravidade.
O facto em causa teria resultado demonstrado pelas declarações prestadas pelo médico (…), nas passagens que identificou.
Pois bem, resultando provado nos autos que o autor sofreu graves lesões ao nível da cabeça e que o uso obrigatório – e correcto – do capacete se destina obviamente a proteger esta parte do corpo, que abriga órgãos vitais, não custa aceitar, por mero apelo às regras da experiência ou normal devir das coisas, que alguém que não leva o capacete apertado, como era o caso do autor – e tanto assim que o mesmo saltou, conforme resulta do relato das testemunhas inquiridas, ficando a 2-3 metros do local onde aquele veio a cair –, não goza de protecção aquando do embate no solo, ficando sujeito a sofrer lesões mais gravosas do que aquelas que seriam produzidas caso a cabeça estivesse protegida pelo capacete.
A este respeito a testemunha (…), que em 2014 prestava serviço na Unidade de Saúde do Baixo Alentejo, declarou que do ponto de vista clínica é muito importante saber se a vítima do acidente tinha ou não capacete, embora acabasse por referir que traumatismos crânio encefálicos e hematomas subdurais existem com ou sem capacete.
A testemunha (…), médico que por vezes presta serviços à Ré, não tendo observado o autor teve, contudo, acesso a toda a documentação clínica, que analisou. Declarou que o demandante sofreu lesões crânio-encefálicas graves, com fractura dos ossos. À pergunta, directa, se de acordo com a sua experiência poderia dizer que as lesões sofridas por aquele seriam as mesmas com ou sem capacete, declarou que o que pode afirmar-se com absoluta segurança, por se encontrar demonstrado por todos os estudos científicos, é que o uso do capacete evita grande parte das lesões e traumatismos cranianos, daí a obrigatoriedade do seu uso. Acrescentou que no caso concreto do sinistrado o que podia dizer, com apoio na sua experiência, é que os casos mais graves correspondem a sinistrados que não usavam capacete e os menos graves aos que dele faziam uso, sendo certo que as lesões sofridas pelo autor são bastante graves ao nível do crânio, precisamente aquelas que o capacete protege, opinando no sentido de a gravidade das lesões talvez se deverem ao não uso do capacete.
Ora, apesar da testemunha ter utilizado o advérbio talvez – porque certezas absolutas efectivamente não as há – afigura-se que das suas declarações, na linha aliás do que já se retirava do depoimento prestado pelo Dr. (…), pode extrair-se que, com elevado grau de probabilidade, caso o autor fizesse um uso correcto do capacete, não evitando as lesões sofridas, dada a violência do embate, a sua gravidade seria minorada. Tal é ainda o que nos ditam as regras da experiência, termos em que, procedendo nesta parte a impugnação, se adita à factualidade assente o ponto 41.a) com a seguinte redacção:
Caso tivesse o capacete correctamente colocado, com a correia apertada, este não teria saltado e as lesões sofridas pelo autor ao nível crânio encefálico terem sido menos graves.
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II. Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade a atender, com relevância para a decisão:
1. No dia 7 de Dezembro de 2014, pelas 19h45m, o A. conduzia o seu motociclo de matrícula 29-(…)-59 pela Estrada Nacional n.º 260, ao Km 4,149 no sentido Nossa Senhora das Neves – Beja.
2. A Estrada Nacional n.º 260 tem duas faixas de rodagem, uma para cada sentido da marcha.
3. Circulava pela sua mão de trânsito.
4. Atrás de si, no mesmo sentido de marcha, circulava um veículo terceiro e atrás deste o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 60-(…)-78, conduzido por (…).
5. (…) havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo 60-(…)-78 através da apólice n.º (…).
6. O condutor do veículo com a matrícula 60-(…)-78 iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo terceiro que seguia à sua frente.
7. Ao voltar à hemifaixa destinada ao seu sentido de marcha o veículo com a matrícula 60-(…)-78 embateu o motociclo conduzido pelo A. por trás.
8. Após o embate ambos os veículos entraram em despiste.
9. O (…) imobilizou-se na faixa destinada ao trânsito em sentido contrário depois de ter capotado.
10. O motociclo imobilizou-se na berma da estrada onde o A., depois de ter caído, ficou imobilizado.
11. O local do embate é uma recta, era de noite, o tempo estava bom, o piso seco, apresentando-se aos condutores com visibilidade não inferior a 100 metros.
12. A velocidade permitida no local é de 90 kms/hora.
13. A Estrada Nacional n.º 260 não tem iluminação pública.
14. O condutor do veículo com a matrícula 60-(…)-78 conduzia com uma Taxa de Álcool no Sangue de, pelo menos 1,85 g/l, correspondente à Tas de 1,95 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível.
15. Após o sinistro, o A. foi transportado para o Hospital de Beja e de seguida helitransportado para a Neurocirurgia do Hospital de São José, em Lisboa.
16. Em consequência do embate o A. sofreu traumatismo torácico e traumatismo craniano encefálico grave, (fractura dos ossos próprios do nariz com opacificação dos seios perinasais em relação com hematossinus; hemorragia subaracnoídea e hematoma subdural bilateral, fractura da região temporo parietal direito com volumoso hematoma epicraniano associado, opacificação de células mastóideas); extensas lesões enfisema parasseptal, particularmente no campo pulmonar esquerdo; Opacidades em relação com edema gravitacional nos campos pulmonares inferiores.
17. O A. permaneceu em coma durante 15 dias.
18. Após acompanhamento no Hospital de São José regressou ao Hospital de Beja em 26/12/2014, onde se manteve até 19/01/2015.
19. Em 19/01/2015 teve alta do hospital de Beja e, por indicação da seguradora AT (…, que assegurou o tratamento inicial do A.), foi encaminhado para o Hospital do Mar, na Bobabela, para tratamento das sequelas neurológicas ocasionadas pelo acidente.
20. Não reconhecia a maior parte das pessoas, inclusive os familiares.
21. Em meados de Janeiro de 2015 começou aos poucos a recuperar parcialmente a sua consciência, sempre com períodos de alheamento e na maior parte do tempo sem coerência no discurso.
22. Em 19.01.2015 apresentava-se “ligeiramente desorientado no tempo e no espaço, com amnésia pós-traumática e desvalorização dos défices e do seu impacto presente e futuro (…) discurso fluente, embora empobrecido e por vezes confuso, com pausas anómicas”.
23. Em 27.01.2015 evidenciava “quadro neuropsicológico pós-traumático caraterizado por: 1. alteração de linguagem tipo anómico; 2. Desorientação temporal; 3. Defeito atencional; 4. Síndroma disexecutiva (conceptualização verbal, memória de trabalho, programação, flexibilidade, iniciativa verbal, motora, automonitorização), 5. Defeito de memória visual e verbal episódica”.
24. Em 15.06.2015 sofreu uma convulsão tónico-clónica generalizada.
25. Em 17/06/2015 apresentava:
- Défice cognitivo multidomínios pós-traumático;
- Lentidão e incapacidade para cumprir ordens simples;
- Diminuição da força global;
- Alteração do equilíbrio.
26. Em 18.06.2015 teve alta hospitalar.
27. Em 14/08/2015, a seguradora de AT considerou-o apto para o trabalho, dando-lhe alta.
28. Regressado ao trabalho o A. não conseguia realizar as suas tarefas habituais, quer devido à limitação de movimentos que sentia (e sente) ao nível do ombro esquerdo e costas, quer pelo facto de ter frequentes episódios de desorientação e esquecimentos.
29. À data do acidente exercia funções de Encarregado Geral de fabrico, na (…) – Pão Alentejano, SA, auferindo a retribuição base de € 750,00 x 14; € 250,00 de isenção de horário x 14; € 69,28 de subsídio de trabalho nocturno; € 27,00 de diuturnidades X 14; gratificação de € 10,00 X 14; € 4,15 de subsídio de alimentação X 22 X 11; diferencial de outros subsídios € 21,20 X 12; trabalho suplementar € 276,47;
30. Em 15/09/2015, após consulta com o seu médico de família voltou a ficar de baixa.
31. Entre Julho de 2015 e Setembro de 2017 trabalhou 268 de um total de 810 dias;
32. Por não ter actualmente capacidades físicas nem psíquicas para exercer as suas funções de chefia, o A. aceitou em Janeiro de 2017, mudar de categoria de encarregado para panificador;
33. Tal mudança de categoria implicou a redução da sua remuneração base de € 750,00 para € 630,00, bem como a perda da isenção de horário no valor mensal de € 250,00 e ainda uma redução do valor horário das suas horas nocturnas, num total superior a € 400,00 mensais;
34. Entre Dezembro de 2014 e Setembro de 2017, o A., caso não tivesse sido vítima do acidente teria auferido a título de rendimento do trabalho a quantia global € 55.290,00.
35. No indicado período auferiu as seguintes quantias:
- Seguro AT …………………… € 7.392,72;
- Rendimento de trabalho …... € 13.084,26;
- Prestações por doença ……. € 12.142,50;
36. A reparação da moto Yamaha XT660, que o A. conduzia, foi orçamentada em € 12.543,68;
37. Ao tempo do acidente o seu valor não era inferior a € 5.500,00;
38. A roupa que vestia na altura do acidente, num valor não inferior a € 200,00, ficou igualmente inutilizada.
39. No âmbito do processo n.º 1499/15.6T8BJA, que correu termos na Instância Central, Secção do Trabalho de Beja, o A. foi submetido a perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial resultante do acidente de 16,3%.
40. O A. sofre de grande desgosto e angústia com o reconhecimento das suas limitações.
41. À data do acidente era um homem saudável, trabalhador assíduo, alegre e extrovertido, que não sofria de qualquer limitação ou anomalia física nem psíquica.
42. Hoje é uma pessoa triste e revoltada, que pouco convive socialmente.
43. Sofre dores recorrentemente.
44. O A. apresenta cicatrizes no nariz e região temporo-parietal direita.
45. O A. conduzia o motociclo sem ter o capacete correctamente colocado, não tendo a respectiva correia de ajuste apertada.
45 a) Caso tivesse o capacete correctamente colocado, com a correia apertada, este não teria saltado e as lesões sofridas pelo autor ao nível crânio encefálico terem sido menos graves.
46. O A. tripulava o motociclo na via pública sem ter seguro válido e eficaz que garantisse os riscos decorrentes da circulação do motociclo perante terceiros.
47. O A. conduzia o motociclo sem ter habilitação legal para o efeito.
48. O Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Beja, I.P. pagou ao A. a quantia de € 7.325,25, a título de subsídio de doença referente ao período compreendido entre 15.09.2015 e 16.11.2016.
49. O autor contava 43 anos de idade à data do acidente (cfr. art.º 56.º da petição, constando da diversa documentação junta aos autos, designadamente dos documentos emitidos pela SS relativos às contribuições efectuadas e relatório da perícia médica que nasceu em 13/4/1971 – facto aditado nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC).
*
b- Factos não provados
Da discussão da causa não resultou provado que:
- o veículo seguro na R. circulava a uma velocidade inferior a 70 kms/hora;
- o motociclo conduzido pelo A. circulava na faixa de rodagem sem as luzes traseiras ou dianteiras do motociclo ligadas e sem qualquer dispositivo reflector.
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De Direito
II. O “quantum” indemnizatório
Pese embora a apelante chame a atenção, nas suas alegações, para o facto de o autor conduzir o motociclo na via pública sem para tal se encontrar habilitado e sem que tivesse celebrado seguro obrigatório, afigura-se que pretendia colocar em evidência um padrão de negligência, sem, todavia, questionar a conclusão a que se chegou na sentença apelada no sentido do embate se ter ficado a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado.
Estão assim em discussão os montantes indemnizatórios fixados na sentença recorrida para reparação do chamado dano biológico e compensação dos danos de natureza não patrimonial nos valores de, respectivamente, € 100.000,00 e € 40.000,00, que a apelante reputa de exagerados. Sem razão, desde já se adianta.
Pressuposto da existência de responsabilidade civil é a existência do dano ou prejuízo a ressarcir, sendo este “toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica”[3].
Dentre as várias classificações do dano, avulta a distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária, ou seja, “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”[4].
Convergindo na caracterização do dano biológico, em que inequivocamente se traduz uma incapacidade genérica permanente, como a diminuição somático-psíquica do indivíduo, o prejuízo “in natura”, com natural repercussão na vida de quem a sofre, têm os nossos Tribunais hesitado na sua integração numa ou outra das referidas categorias tradicionais[5], não faltando quem o reconheça como categoria autónoma[6]. De todo o modo, independentemente da sua caracterização como dano evento, com potencial para desencadear danos (consequentes) de natureza patrimonial e não patrimonial, ou dano autónomo, aqui se avaliando nessa dupla vertente, a indemnização continua a ser calculada nos termos tradicionais[7].
No caso dos autos, resulta da factualidade assente que o défice funcional permanente da integridade físico psíquica de que o autor ficou portador teve impacto imediato e relevante nos rendimentos que auferia por força do seu trabalho, já que se viu forçado a desempenhar funções menos exigentes (cfr. ponto 33), perdendo um rendimento mensal superior a € 400,00, dano de natureza patrimonial que se projecta para o futuro, ainda para além da idade de reforma, uma vez que afecta igualmente a sua carreira contributiva. Ademais, a mesma incapacidade reduz a sua aptidão para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, afectando o seu potencial de gerar rendimentos fazendo uso da sua força de trabalho.
Estando-se inequivocamente em presença de um dano carecido de reparação, no cálculo da indemnização parece adequado tomar como base o prejuízo mensal efectivo que já se encontra apurado, a idade do lesado à data da alta e sua expectativa de vida, não confinada à idade limite para a reforma. Sublinha-se que para este efeito relevam apenas as implicações de alcance económico, e já não as respeitantes a outras incidências, nomeadamente ao nível da qualidade de vida, estas a relevar enquanto dano de natureza não patrimonial. E assim observados os mencionados critérios, considerando que o autor contava 44 anos de idade à data da alta, a sua expectativa de vida e a perda de rendimento já apurada, afigura-se adequado o montante encontrado, mesmo tendo em conta o benefício que resulta da sua antecipação.
*
No que respeita aos danos de natureza patrimonial, não tendo sido questionada a sua indiscutível gravidade, são os mesmos ressarcíveis (cfr. art.º 496.º).
Resulta do disposto no n.º 3 do citado preceito que a indemnização a arbitrar pelos danos de natureza não patrimonial deve ser calculada segundo a equidade, cuja aplicação convoca “as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”[8]. Sendo este o primeiro critério a observar, deve conformar os demais, a saber: o grau de culpa do agente, a sua situação económica e do lesado e as demais circunstâncias do caso, este último a conceder ao julgador ampla liberdade, em ordem a atingir a justiça no caso concreto, implicando um olhar pelas decisões dos nossos tribunais e a sua ponderação, funcionando como garante da justiça relativa – imposição do princípio da igualdade – que deve presidir à fixação do “quantum” indemnizatório, critério aliás sublinhado pela recorrente, que alega não ter sido observado. Já se disse, todavia, e aqui se reitera, que o montante encontrado se afigura justo.
Olhando a factualidade apurada com relevo para este segmento indemnizatório, destaque para a gravidade das lesões sofridas, que determinaram um período de 15 dias de coma e importante período de convalescença, e sobretudo o quadro sequelar subsistente, que vem obrigando a sucessivos períodos de baixa médica (cfr. ponto 31) e importante alteração do seu quotidiano, passando de saudável, trabalhador assíduo, alegre e extrovertido, que não sofria de qualquer limitação ou anomalia física nem psíquica, a pessoa triste e revoltada, que se esquiva ao convívio social, apresentando cicatrizes – dano estético também carecido da devida compensação –, sofrendo recorrentemente de dores e de permanentes grande desgosto e angústia com o reconhecimento das suas limitações (factos 40. a 44). A sopesar ainda a culpa exclusiva do condutor da viatura segurada na ré, que conduzia com um elevadíssimo grau de alcoolemia, tendo embatido na traseira do motociclo conduzido pelo autor, que em nada contribuiu para a ocorrência do acidente, na realização de uma descuidada manobra de ultrapassagem.
Tudo ponderado, e em juízo de equidade, confirma-se o montante de € 40.000,00 fixado na sentença recorrida (cfr. acórdãos do STJ de 25 de Maio de 2017, processo 868/10.2TBALR.E1.S1, que confirmou o montante indemnizatório de € 50.000,00 para compensação dos danos de natureza patrimonial em caso com algumas similitudes – embora sendo o lesado mais jovem, ficou a padecer de uma incapacidade de apenas 7 pontos percentuais – e 4 de Junho de 2015, processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1, que atribuiu montante idêntico a lesada com similar incapacidade).
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iii. Da aplicação do disposto no art.º 570.º do CC
Derradeiramente, defende a seguradora, fazendo apelo ao disposto no art.º 570.º, que os montantes indemnizatórios fixados devem ser reduzidos a metade, por força da culpa do lesado, não na contribuição para a ocorrência do facto danoso, mas para o agravamento dos danos, em virtude de não fazer um uso correcto do capacete de protecção.
Dispõe o convocado art.º 570.º que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” (cfr. n.º 1 do preceito).
Na sentença impugnada recusou-se reduzir a indemnização arbitrada face à consideração de que a actuação do autor não tinha contribuído para o acidente, não assumindo gravidade que justificasse uma qualquer redução.
Pois bem, sublinhando que não está em causa um qualquer contributo para o processo causal que levou à produção dos danos, a verdade é que está demonstrado que a actuação do autor contribuiu para o agravamento das lesões sofridas.
Conforme ponderou o STJ, em acórdão de 8/10/2013[9], “(…) Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, o cumprimento da correspondente obrigação não deixa de, reflexamente, proteger quem – como, no caso, a ré-seguradora – esteja legalmente obrigado a ressarcir os danos consequentes de tal falta de uso, porquanto, havendo lesões físicas na zona corporal reservada a tal uso, não pode negar-se um agravamento causal dos inerentes danos provocado pela falta do capacete de protecção, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos”.
Em sentido idêntico, decidiu o mesmo STJ[10] que “1. No iter conducente às indemnizações por acidente de viação, pode ter de se distinguir entre a culpa na eclosão do acidente e a culpa na produção/agravamento dos danos.
2. A falta de capacete com que circulava um motociclista não relevando quanto à primeira, pode relevar quanto à segunda.
3. Deve ser acolhida presunção judicial extraída pela Relação, no sentido de que a falta de capacete com que circulava um motociclista contribuiu para a produção/agravamento das lesões neurológicas que sofreu.
4. Sendo ainda de aceitar que, situando-se as lesões essenciais no crânio, apesar de não ter contribuído para a eclosão do acidente, que se deveu a desrespeito pelas regras da prioridade por parte da condutora do veículo com o qual colidiu, os valores indemnizatórios sejam reduzidos em 1/3 nos termos do artigo 570.º do Código Civil”.
Reconhecido embora o contributo do autor lesado para o agravamento das lesões sofridas, afigura-se no entanto que o grau de culpa do condutor da viatura segurada – exclusivo causador do evento danoso por conduzir, recorda-se, sob a influência do álcool, sendo portador de uma taxa de alcoolémia mais de 3 vezes superior ao limite legal, e tendo embatido na traseira do motociclo tripulado pelo autor na realização de manobra perigosa – justifica que a redução a operar aos montantes indemnizatórios fixados não exceda os 15%. A redução ora determinada afecta apenas a indemnização atribuída ao autor, uma vez que em parte alguma das conclusões a recorrente põe em causa a condenação em favor do ISS.
*
III. Decisão
Atento o exposto, e na parcial procedência do recurso interposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, aditando aos factos provados o ponto 45.a) e condenando a Ré seguradora a pagar ao autor as seguintes quantias (já operada a redução de 15% aos montantes indemnizatórios fixados):
- € 24.029,94 (vinte e quatro mil e vinte e nove euros e noventa e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos juros de mora legais;
- € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial;
- € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros), para compensação dos danos de natureza não patrimonial, mantendo-se quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo de A. e Ré na proporção dos seus decaimentos, sem prejuízo da isenção que ao primeiro foi concedida.
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Sumário:
(…)
*
Évora, 08 de Outubro de 2020
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Mário Rodrigues da Silva
__________________________________________________
[1] Trata-se de matéria alegada pela Ré no art.º 44.º da contestação: “Ao que acresce o facto do autor conduzir o motociclo na via pública sem ter o capacete devidamente apertado, facto este que decisivamente contribuiu não só para a verificação das lesões sofridas pelo autor em consequência do acidente como também para o seu agravamento (…)”.
[2] E assim seria ainda que estivesse em causa verdadeira prova pericial, também ela sujeita ao princípio da livre apreciação, tal como a recorrente reconhece.
Tal como se explicou no acórdão do STJ de 16/12/2010, processo 819/06.9TBFLG.P1.S1
“Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica.
Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais” .
[3] Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., págs. 542-543.
[4] Idem.
[5] Afirmando a sua natureza patrimonial, o ac. STJ de 29/4/2010, processo 344/04.2 GTSTR.S1 sintetizou: “O dano biológico traduz-se numa diminuição somático-psíquica clara, com natural repercussão no padrão de vida do indivíduo, cuja afectação física, desde logo, determina uma imediata e quase sempre irreversível perda de faculdades físicas e bem-estar psicológico, progressivamente notados, de resto, em tese geral, com repercussão necessária desfavorável na sua qualidade de vida, assim se analisando, mais apropriadamente, dada aquela determinante afectação da actividade vital, em “dano patrimonial”.
[6] Cfr. ac. STJ de 20/5/2010, processo n.º 103/2002.L1.S1 – no qual se considerou que “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”. No mesmo sentido, o ac. também do STJ de 20/1/2011, processo n.º 520/04.8 GAVNF.P2.S1.
Negando relevância à conceptualização desta categoria que, no entendimento expresso, não veio “tirar nem pôr ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, ainda o STJ, em acórdão de 6/12/2011, processo n.º 52/06.0 TBVNC.G1.S1.
Em sentido diverso, reconhecendo méritos à conceptualização deste dano, o exaustivo acórdão do TRC de 21/3/2013, processo 793/07.4TBAND.C1, todos em www.dgsi.pt.
[7] Admitindo a dupla relevância deste dano, o que não equivale obviamente à indevida duplicação de indemnização, o Ac. STJ de 17/12/2009, processo n.º 340/03.7 TBPNH.C1.S1, de que se destaca o seguinte ponto do sumário: “O denominado dano biológico provocado no lesado num acidente de viação, é o dano “in natura” por ele sofrido, cuja repercussão o atinge quer em termos patrimoniais quer não patrimoniais”.
No mesmo sentido ainda o aresto do STJ de 21/3/2013, processo 565/10.9TBPVL.S1 e recente acórdão do mesmo STJ de 29 de Outubro de 2019, no processo 613/11.6TBPDL.L1.S2, no qual se afirma que “O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e de integridade psicossomática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária).
No sentido de que a violação do direito à saúde e à integridade pessoal (art.ºs 70.º e 25.º, n.º 1, da CRP) constitui um dano-evento, e não um dano consequencial patrimonial ou não patrimonial, mas reconhecendo à consideração do dano biológico o mérito de ter ampliado a percepção das componentes do dano real, C.ª Maria da Graça Trigo, “Responsabilidade Civil, temas especiais”, págs. 79 a 87.
[8] Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, 4.ª ed., comentário ao preceito em epígrafe.
[9] Revista n.º 1585/06.3TBPRD.P1.S1 - 6.ª Secção
[10] Ac. STJ de 7/5/2014, processo 1070/11.TBVCT.G1.S1. Em sentido idêntico, ac. TRG de Acórdão de 9/10/2012, processo 546/06.7TBAMR.G1, acessíveis, um e outro, em www.dgsi.pt.