Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
65/19.1T8RDD-A.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
RETENÇÃO DE RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Da decisão que julga improcedente ou procedente a “reclamação” deduzida «contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo», segundo o seu n.º 1 do artigo 54º do CE cabe recurso, com efeito meramente devolutivo, que sobe com o recurso da decisão final, nos termos do nº 6 do mesmo artigo.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 65/19.1T8RDD-A.E1


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO:
A expropriada Sociedade Agrícola (…), Lda. apresentou reclamação do despacho de 8-7-2019 que admitiu o recurso interposto por, com subida nos próprios autos (alínea a) do nº 1 do art.º 645º), efeito devolutivo e a subir com o recurso que venha a ser interposto da decisão final (nº 6 do artigo 54º do Código das Expropriações), alegando em síntese o seguinte:
-o despacho reclamado fundamenta esta decisão de retenção de subida do recurso interposto no art.º 54º, nº 6 do Código das Expropriações;
-este preceito só pode ser aplicado quando está em causa um recurso da decisão que julga procedente a reclamação, porque nesse caso, o processo de expropriação continua a correr os seus termos no Tribunal, no âmbito de um processo judicial;
-nos casos em que a reclamação é indeferida (como é o nosso caso) o processo de expropriação é devolvido à expropriante, sendo esta a entidade a quem cabe depois assegurar os demais trâmites do procedimento expropriativo, como aconteceu in casu;
-no presente caso, devia ter sido aplicado o regime de subida dos recursos previsto artigo 645º, nº 1, al. a), do CPC, motivo pelo qual o recurso deverá subir de imediato;
-a retenção da subida do recurso interposto da decisão de 14.03.2019 terá como consequência a sua absoluta inutilidade, na medida em que se discute na reclamação apresentada pela expropriada é uma irregularidade gravíssima relativa ao procedimento expropriativo: a decisão que aprovou o traçado da ferrovia que determina esta expropriação não existe, nem nunca foi proferida pelo Estado Português.
Concluiu, pedindo que a presente reclamação seja julgada procedente e nos termos do art.º 643º, nº 6, do CPC, seja determinada a requisição do processo principal, de modo a ser conhecido e decidido o recurso interposto da sentença de 14-03-2019.
A expropriante IP, SA apresentou resposta à reclamação apresentada, sustentando em síntese o seguinte:
-contrariamente ao que pretende o expropriado, o nº 6 do art.º 54º do CE rege sobre o recurso da decisão proferida no incidente, quer seja de improcedência ou de procedência da reclamação;
-não é verdade que, quando a reclamação é declarada procedente, o processo expropriativo passe a correr no Tribunal (cf. art.º 54º, nº 5, do CE);
-o art.º 645º, nº 1, alínea a) refere-se à subida nos próprios autos e tem por objeto “decisões que ponham termo ao processo”, o que não é o caso da decisão da reclamação referida no art.º 54º do CE;
-a não existir a norma especial do art.º 54º, nº 6, o regime aplicável ao incidente previsto nesse artigo seria o do art.º 644º, nºs 3 e 4, do CPC (art.º 691º, nºs 3 e 4, do anterior CPC), ou seja, a decisão só poderia ser impugnada no recurso da decisão final, ou não o havendo, se a sua decisão tiver interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único a interpor após o respetivo trânsito”;
-invoca agora o expropriado, não o fez ao interpor recurso, nem na respetiva alegação- que o presente recurso foi interposto ao abrigo do art.º 644º, nº 2, al. h), do CPC (ponto 7 da reclamação), ou seja, como recurso da decisão “cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil);
-se assim o fosse, o respetivo prazo de interposição seria reduzido para 15 dias (art.º 638º, nº 1, do CPC), pelo que o recurso interposto não deveria ter sido admitido por extemporaneidade;
-o expropriado não demonstrou a “absoluta inutilidade, sendo que a eventual gravidade da “irregularidade” não se confunde com a absoluta inutilidade do recurso;
Concluiu, pedindo que seja julgada improcedente a reclamação.
Por decisão sumária foi indeferida a reclamação deduzida pela expropriada, mantendo-se o despacho reclamado que fixou a subida com o recurso que venha a ser interposto da decisão final.

Inconformado com esta decisão, veio a expropriada Sociedade Agrícola (…), Lda. reclamar para a Conferência, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª A questão que nos ocupa na presente Reclamação é a seguinte: num procedimento expropriativo, tendo a Expropriada suscitado uma irregularidade nos termos e para os efeitos do artigo 54º do Código das Expropriações e tendo essa reclamação sido indeferida, qual o momento da subida do recurso interposto deste indeferimento?
Como a Expropriada defende, parece-nos que o art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações não se aplica nesta situação, em que a reclamação foi indeferida, uma vez que este preceito apenas se aplicará ao recurso das decisões de procedência da reclamação aí prevista.
Deste modo, concluindo-se que o Código das Expropriações não contém uma norma especial para o regime de subida dos recursos interpostos de indeferimento destas reclamações, aplicar-se-á o regime geral de subida dos recursos previsto no artigo no CPC, isto é, o art.º 645º, nº 1, do CPC, motivo pelo qual o presente recurso deverá subir de imediato e nos próprios autos.
2ª Na Decisão Singular sub judice considerou-se que o art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, (i) aplica-se ao recurso das decisões de procedência e ao recurso das decisões de improcedência das reclamações e (iii), por ser norma especial, prevalece sobre as disposições do CPC.
3º A Decisão Singular sub judice não fundamentou por qualquer forma a sua decisão de considerar aplicável o referido art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações aos recursos das decisões de improcedência/indeferimento das reclamações, limitando-se a concluir nesse sentido.
3ª.1 Com efeito, a citação que a Decisão Singular é irrelevante para o que aqui se discute e não contraria em nada a posição/pretensão da Reclamante. De facto, por um lado, não se discute aqui a recorribilidade das decisões de improcedência deste tipo de reclamações; aliás, a Reclamante apresentou recurso da decisão de improcedência da sua Reclamação; o que se discute é o regime de subida deste recurso interposto da decisão de improcedência, entendendo a Reclamante que o referido art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações apenas se pode aplicar aos recursos interpostos das decisões de procedência, motivo pelo qual aos recursos interpostos das decisões de improcedência ter-se-á de aplicar o regime geral do CPC, designadamente o art.º 645º, nº 1, a), do CPC; por outro lado, também não se discute aqui que o artigo 54º, nº 6, do Código das Expropriações seja uma “norma especial” e que prevaleça sobre o regime do CPC; o que a Reclamante defende é que esse art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, não se pretende aplicar aos recursos de decisões de improcedência das reclamações, mas apenas aos recursos de decisões de procedência, motivo pelo qual, não existindo nenhuma norma especial que seja aplicável aos recursos de decisões de improcedência das reclamações (visto o referido art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, não ter aplicação a estes casos), deve ser aplicado o regime geral de subida dos recursos previsto no CPC, designadamente o art.º 645º, nº 1, a), do CPC.
3º.2 De igual modo, o Acórdão referido na Decisão Singular sub judice não inviabiliza o entendimento da Recorrente, na medida em que ali não se decidiu que o art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações se aplica quer às decisões de procedência, quer às decisões de improcedência das reclamações deduzidas por irregularidades do processo administrativo; aliás, não há sequer referência a esta distinção, motivo pelo qual o referido Acórdão citado na Decisão Singular sub judice é irrelevante para o que aqui se discute.
4ª Assim, a necessária conclusão que a Decisão Singular sub judice padece de uma manifesta insuficiência de fundamentação: os argumentos que apresenta, com a citação de Salvador da Costa e com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.04.2006, nada têm que ver com a questão que aqui se discute (cf., supra, nº 1): por um lado, não inviabilizam a interpretação defendida pela Recorrente de que o art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações apenas se aplica aos recursos das decisões de procedência das reclamações aí previstas; por outro lado não suportam o entendimento da Decisão Singular sub judice, segundo o qual o referido preceito legal se aplica aos recursos de procedência ou de improcedência dessas reclamações.
5ª Quanto à interpretação do art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, importa constatar que a interpretação jus-normativa deste preceito não pode atender, só, à letra da lei, não se pode reduzir a aspetos puramente formais, mas também ao elemento sistemático da hermenêutica jurídica e articular/conjugar o preceito em causa com o regime globalmente considerado. Ora, atendendo a este elemento sistemático da interpretação normativa, impõe-se concluir que a interpretação do regime do art.º 54º, nº 6, do CE só faz sentido na unidade do sistema jurídico se for no sentido de que a ‘decisão’ aí referida ser a decisão que defira a reclamação apresentada.
E esta interpretação também tem pleno suporte no teor literal deste art.º 54º do Código das Expropriações, pois o seu nº 6 vem na sequência do nº 5 do mesmo preceito que só regula as decisões de procedência, pelo que a ‘decisão’ do nº 6 será a ‘decisão’ do nº 5, isto é, a decisão que defere a reclamação.
6ª Deste modo, concluindo-se (i) que a previsão normativa do nº 6 se deve circunscrever às decisões que defiram as reclamações e, portanto, (ii) que o art.º 54º do Código das Expropriações não prevê um regime especial de subida das decisões que indefiram estas reclamações, impõe-se aplicar a esta situação o regime geral de subida dos recursos do CPC, isto é, o art.º 645º, nº 1, a), motivo pelo qual o presente recurso deverá subir de imediato (nos próprios autos).
7ª Por outro lado, importa constatar que, nos casos de indeferimento da reclamação, essa decisão de indeferimento é efetivamente a decisão final desse processo judicial: o processo judicial que nos ocupa (julgamento de irregularidades no procedimento expropriativo), diferente e autónomo do subsequente e hipotético processo judicial onde se pretenderá fixar a justa indemnização devida aos expropriados, extinguir-se-á com esta decisão de indeferimento.
8ª Por último, no que respeita à natureza ‘especial’ do art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, e consequente prevalência sobre o regime geral do CPC, não se colocam questões: os recursos das decisões de procedência ou deferimento das reclamações deduzidas nos termos do art.º 54º do Código das Expropriações apenas sobem com a decisão final do respetivo processo, uma vez que é apenas a essas decisões de procedência/deferimento que o referido art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações se aplica.
Na medida em que este art.º 54º, nº 6, do Código das Expropriações, não se aplica ao caso dos presentes autos, em que se discute um recurso de uma decisão de improcedência/indeferimento de reclamação, a sua natureza ‘especial’ não releva para o que aqui se discute.
Nestes termos,
a. A Decisão singular sub judice enferma de erros nos seus pressupostos, motivo pelo qual deverá ser revogada;
b. A presente reclamação deve ser julgada procedente e, nos termos do art.º 643º, nº 6, do CPC, considerar-se que este recurso sobe de imediato, sendo determinada a requisição do processo principal (na parte relativa à Reclamação em causa que a Recorrente interpôs nos termos do art.º 54º do CE), de modo a ser conhecido e decidido o recurso interposto da Sentença de 14.03.2019.
A expropriante Infraestruturas de Portugal, S.A. respondeu à reclamação, sustentando a sua improcedência.

II- QUESTÃO A DECIDIR:
Se o recurso interposto deve subir de imediato como sustenta a Reclamante ou se deve subir com o recurso interposto da decisão final, tal como se decidiu no despacho de admissão do recurso e é defendido pela Reclamada.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. Em 14-03-2019 foi proferida a seguinte decisão:
“Infraestruturas de Portugal, SA, remeteu, nos termos do disposto no artigo 54.º do Código das Expropriações, a este Juízo de Competência Genérica a reclamação apresentada pela expropriada Sociedade Agrícola (…), Lda., pessoa coletiva número (…), com sede na Rua (…), n.º 13, 1.º, Lisboa.
Sustenta a expropriada, na reclamação que apresenta, e em síntese, que: (i) por ofício de 29.01.2019 foi notificada, pela entidade expropriante, da declaração de utilidade pública da expropriação para a construção de ligação ferroviária que afetará parcela terreno de que é proprietária e da vistoria ad perpetuam rei memoriam a realizar; (ii) não obstante, a entidade expropriante incumpre o dever de notificar a expropriada da decisão que definiu o traçado ferroviário e os respetivos fundamentos técnicos; (iii) a declaração de utilidade pública é mero ato de execução da decisão que define o traçado do projeto expropriante; e que (iv) a expropriada pronunciara-se, em sede de consulta pública relativa aos traçados em estudo, sem todavia ter obtido, até ao presente, qualquer resposta.
Conclui, assim, que existe irregularidade originária no procedimento expropriativo, por omissão do dever de notificar os interessados da decisão sobre a definição do traçado expropriante, pedindo que este Tribunal suspenda o processo expropriativo até que a entidade expropriante notifique os reclamantes da decisão que definiu o traçado da ferrovia.
Na informação elaborada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 54.º do Código das Expropriações, a entidade expropriante sustenta, em síntese, que: (i) a reclamação é extemporânea; (ii) a irregularidade arguida respeita a momento anterior ao procedimento expropriativo; (iii) o pedido (suspensão do processo expropriativo) não tem fundamento leal.
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 54º do Código das Expropriações, “O expropriado, a entidade expropriante nos casos em que lhe não seja imputável ou os demais interessados podem reclamar, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo (…) oferecendo logo as provas que tiverem por convenientes e que não constem já do processo”.
Por sua vez, o n.º 3 do referido artigo prevê que “O juiz decide com base nas provas oferecidas que entenda úteis à decisão do incidente e nos elementos fornecidos pelo procedimento, podendo solicitar esclarecimentos ou provas complementares”.
O n.º 4 do preceito consagra que “Sendo a reclamação julgada improcedente, o juiz manda devolver imediatamente o processo de expropriação à entidade expropriante.” Ao passo que o n.º 5 estipula que “No despacho que julgar procedente a reclamação, o juiz indica os atos ou diligências que devem ser repetidos ou reformulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 42.º”.
Entendo que os elementos dos autos permitem, desde já, conhecer da reclamação apresentada, pelo que não determino a realização de qualquer diligência probatória e passo desde já a proferir decisão.
***
Da tempestividade da reclamação
Nos termos do já citado n.º 1 do artigo 54.º do Código das Expropriações, o interessado pode reclamar no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo.
Importa, assim, antes do mais, averiguar da tempestividade da reclamação.
De acordo com a tese da expropriada, a irregularidade arguida é “genética, originária”, consistindo na “omissão do dever de notificar os Interessados afetados daquela decisão sobre a definição do traçado expropriante”.
Ora, sendo irregularidade que, na perspetiva da expropriada, é originária e, portanto, que surge com o próprio procedimento expropriativo, ferindo-o de irregularidade (de ilegalidade, na tese da expropriada) desde o seu momento inicial (porque, na verdade, é irregularidade que lhe antecede, referente à própria decisão de expropriar), terá de se concluir, necessariamente, que a reclamação apresentada é extemporânea.
Com efeito, a resolução de requerer a declaração de utilidade pública de expropriação data de 12.10.2018 e foi comunicada à expropriada por comunicação de 24.10.2018, recebida em 26.10.2018 (cfr. documento de fls. 47), nos termos do disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 10.º do Código das Expropriações.
Por sua vez, o despacho que declara a utilidade pública da expropriação em causa é de 19.12.2018, foi publicado na II.ª Série do Diário da República de 16.01.2019, e foi notificado à expropriada, juntamente com a marcação de data para a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, em 29.01.2019.
Ora, sendo a resolução de requerer a declaração de utilidade pública (e a respetiva notificação) uma fase necessária do processo expropriativo, e tendo a entidade expropriante cumprido o dever de notificação imposto pelo já referido n.º 5 do artigo 10.º do Código das Expropriações, é com essa notificação, de 24.10.2018, recebida em 26.10.2018, que a expropriada toma conhecimento do processo expropriativo e é a partir dessa data que pode lançar mão do mecanismo de garantia processual que o artigo 54.º consagra.
Não sendo a reclamação ora apresentada relativa a qualquer vício ou irregularidade relacionada com a declaração de utilidade pública e com a designação de data para a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam – únicas circunstâncias inovatórias trazidas pela notificação de 29.01.2019, há que concluir que a reclamação é extemporânea, razão pela qual cabe indeferi-la (n.º 1 do artigo 54.º do Código das Expropriações).
Custas do incidente pela expropriada, que fixo no mínimo.
Notifique à entidade expropriante e à expropriada.
Devolva o processo de expropriação à entidade expropriante (n.º 4 do artigo 54.º do Código das Expropriações).
Oportunamente, arquive.”
2. O expropriante interpôs recurso desta decisão.
3. Em 8-07-2019 foi proferido o seguinte despacho: “Por legal e tempestivo (n.º 1 do art.º 638.º e n.º 6 do art.º 54.º do Código das Expropriações), admito o recurso interposto pela expropriada Sociedade Agrícola (…), SA, por requerimento com a referência acima identificada, que sobe nos próprios autos (alínea a) do n.º 1 do artigo 645.º), tem efeito devolutivo e subirá com o recurso que venha a ser interposto da decisão final (n.º 6 do artigo 54.º do Código das Expropriações) ”.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Preceituava o art.º 60º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11-12 (Código das Expropriações):
1. Se o expropriado reclamar no prazo de cinco dias, a partir do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida na constituição ou funcionamento da arbitragem, será o processo imediatamente remetido ao tribunal da comarca da situação dos prédios ou da sua maior parte.
2. Caberá ao juiz decidir a reclamação, podendo a parte agravar para a Relação, de harmonia com a regra geral das alçadas.
3. O processado correspondente a este incidente constituirá um apenso ao processo de arbitragem, que prosseguirá os seus termos, independentemente da decisão a proferir.
4. O agravo a que se refere o nº 2 subirá imediatamente no apenso do incidente e sem efeito suspensivo.
Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9-11, cujo artigo 52º estabelecia:
1- O expropriado pode reclamar, no prazo de sete dias a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida na convocação ou na realização da vistoria a que se refere o artigo 19º ou na constituição e funcionamento da arbitragem, designadamente por falta de cumprimento dos prazos fixados na lei, oferecendo logo as provas que tiver por convenientes e que não constem já do processo.
2- Recebida a reclamação, a entidade expropriante, o perito o árbitro presidente, conforme for o caso, exara no processo informação sobre a tempestividade, os fundamentos e a provas oferecidas, devendo o processo ser remetido pela entidade expropriante ao juiz de direito da comarca da situação dos bens ou da sua maior extensão no prazo de 14 dias a contar da apresentação da reclamação, sob pena de avocação imediata do processo pelo tribunal mediante participação do reclamante instruída com cópia da reclamação contendo nota de receção com menção da respetiva data.
3- O processado correspondente a este incidente constitui apenso ao processo de expropriação.
4- O juiz decide com base nas provas oferecidas que entenda úteis à decisão do incidente e nos elementos fornecidos pelo processo, podendo solicitar esclarecimentos ou provas complementares.
5- Sendo a reclamação julgada improcedente, o juiz manda devolver imediatamente o processo de expropriação à entidade expropriante.
6- Da decisão cabe sempre recurso para o tribunal da relação, o qual sobe imediatamente nos próprios autos e tem caráter urgente.
Este diploma foi revogado pela Lei nº 168/99, de 18 de setembro.
Dispõe o art.º 54º da Lei nº 168/99, de 18 de setembro:
1 - O expropriado, a entidade expropriante nos casos em que lhe não seja imputável ou os demais interessados podem reclamar, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo, nomeadamente na convocação ou na realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, bem como na constituição ou no funcionamento da arbitragem ou nos laudos ou acórdão dos árbitros, designadamente por falta de cumprimento dos prazos fixados na lei, oferecendo logo as provas que tiverem por convenientes e que não constem já do processo.
2 - Recebida a reclamação, o perito ou o árbitro presidente, conforme for o caso, exara informação sobre a tempestividade, os fundamentos e as provas oferecidas, devendo o processo ser remetido pela entidade expropriante ao juiz de direito da comarca da situação dos bens ou da sua maior extensão no prazo de 10 dias a contar da apresentação da reclamação, sob pena de avocação imediata do procedimento pelo tribunal, mediante participação do reclamante, instruída com cópia da reclamação contendo nota de receção com menção da respetiva data.
3 - O juiz decide com base nas provas oferecidas que entenda úteis à decisão do incidente e nos elementos fornecidos pelo procedimento, podendo solicitar esclarecimentos ou provas complementares.
4 - Sendo a reclamação julgada improcedente, o juiz manda devolver imediatamente o processo de expropriação à entidade expropriante.
5 - No despacho que julgar procedente a reclamação, o juiz indica os atos ou diligências que devem ser repetidos ou reformulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 42.º
6 - Da decisão cabe recurso com efeito meramente devolutivo, que sobe com o recurso da decisão final.
Em anotação a este artigo escreveu Salvador da Costa[1]: “Prevê o nº 6 deste artigo a decisão do incidente em causa e estatui que dela cabe recurso, com efeito meramente devolutivo, a subir com o recurso da decisão final.
Temos, pois, que da decisão proferida pelo juiz no incidente, quer seja de improcedência ou de procedência da reclamação, cabe recurso para o tribunal da relação.

Todavia, propendemos a considerar que este normativo relativo à subida diferida deste recurso, agora de apelação, é especial em relação ao regime geral do recurso de apelação, pelo que nos termos do artigo 7º, nº 3, do Código Civil, prevalece sobre este.
Em consequência, concluímos no sentido de que o recurso de apelação que este normativo se reporta sobe com o recurso que venha a ser interposto da decisão final”.
Na decisão (sumária) do Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2006[2]que recaiu sobre uma reclamação do despacho que – ao recurso do despacho que indeferiu reclamações por inclusão de partes do prédio não constantes da declaração de utilidade pública – fixou a subida com o recurso da decisão final escreveu-se “Dentro do mesmo espírito, ainda que assim não se entendesse, há que obedecer à norma específica deste tipo de ação e, mais concretamente, sobre “Irregularidades”, determinando o art.º 54.º-n.º 6, do CE, aprov. pela Lei 168/99, de 18-9, que “Da decisão (que julga a “reclamação” deduzida «contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo», segundo o seu n.º 1) cabe recurso com efeito meramente devolutivo, que sobe «com o recurso da decisão final»”.
Com efeito, a alteração introduzida no atual CE, em face dos Códigos de Expropriação de 1976 e 1991, significa que o legislador quis, de forma inequívoca, abandonar a solução da subida imediata.
Constata-se que, quando o legislador das expropriações quis que o recurso subisse imediatamente, disse-o: nos outros dois incidentes do processo de expropriação previstos no CE, determina-se a subida imediata do recurso (cfr. artigos 53º, nº 4 e 55º, nº 3).
E dado que o nº 6 menciona apenas “Da decisão”, sem especificar o sentido da mesma, tem de entender-se que abarca tanto a decisão que julgue procedente, bem como a decisão que julgue improcedente a reclamação.
Não se concorda assim com a Reclamante segundo a qual a sua interpretação também tem pleno suporte no teor literal deste art.º 54º do Código das Expropriações, pois o seu nº 6 vem na sequência do nº 5 do mesmo preceito que só regula as decisões de procedência, pelo que a ‘decisão’ do nº 6 será a ‘decisão’ do nº 5, isto é, a decisão que defere a reclamação.
Sustenta a Reclamante que sendo a decisão recorrida a decisão final deste processo judicial que a reclamação iniciou, o recurso interposto pela Recorrente deve seguir o regime geral de subida dos recursos do CPC, isto é, o art.º 645º, nº 1, a), motivo pelo qual o presente recurso deverá subir de imediato (nos próprios autos).
O art.º 645º, nº 1, al. a) do CPC refere-se à subida nos próprios autos e tem por objeto as “decisões que ponham termo ao processo”, o que não é o caso da reclamação referida no art.º 54º do CE que não põe termo ao processo de expropriação. O processo de expropriação é devolvido imediatamente à entidade expropriante (nº 4 do art.º 54º).
Ora, a decisão final a que alude o nº 6 do art.º 54º do CE é a decisão do Tribunal que, em recurso de arbitragem, fixa o valor da indemnização. Não havendo recurso da decisão do Tribunal de 1ª instância que fixa o valor da indemnização, tem aplicação o disposto no art.º 644º, nº 4, do CPC, o que sucede igualmente quando não haja recurso da decisão arbitral[3].
Em face do acima exposto, entendemos que o recurso com subida com o recurso da decisão final previsto no nº 6 do art.º 54º do CE, abrange a decisão da reclamação, seja de improcedência (indeferimento) ou procedência.
Em suma, improcede a reclamação da decisão singular.

Sumário (art.º 663º, nº 7, do CPC):
(…)

V- DECISÃO:
Com fundamento no atrás exposto, decide-se julgar improcedente a reclamação.
Custas pela Reclamante.
Évora, 13 de fevereiro de 2020
Mário Rodrigues da Silva- Juiz relator
José Manuel Barata
Emília Ramos Costa

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[1] Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotado e Comentados, 2010, Almedina, pp. 337-338
[2] Proc. 0622592, relator Correia de Paiva, www.dgsi.pt.
[3] Decisão sumária do TRE, de 18-11-2019, reclamação nº 64/19.T8RDD-A.E1 “Por fim referira-se que mesmo que da decisão arbitral não seja interposto recurso sempre pode subir o recurso interposto ao abrigo do artigo 54º, nº 6, após o trânsito em julgado da decisão judicial a que se refere artigo 51º, nº 5, da CE, nos termos do disposto no 4º do artigo 664º do CPC.