Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2154/19.3T8STR.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A responsabilidade pré-negocial, também denominada culpa in contrahendo, prevista no artigo 227.º/1, do CC, funda-se no conceito indeterminado de boa fé, exigindo-se um processo que a concretize em cada uma das situações da vida real em que se verifique.
II.- Se foi celebrado um contrato de arrendamento por 6 meses, renovável, sabendo que a contraparte pretende realizar um contrato de longa duração a fim de poder preencher requisitos de agricultura biológica, o contrato é renovado e, no fim da renovação, se iniciaram negociações com pedido de apresentação de propostas pelos senhorios para a celebração do contrato de longa duração e, sem que sejam apresentados motivos ponderosos que alterem a vontade de contratar, este contrato não é celebrado, os senhorios atuaram com culpa in contrahendo, porque não cumpriram os deveres de informação, lealdade e clareza na condução do processo negocial, ao terem trilhado o caminho oposto àquele que qualquer contraente normal, colocado na posição do arrendatário, esperaria e exigiria.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 2154/19.3T8STR.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…) e (…)

Recorrido: (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica do Cartaxo, o ora recorrido propôs ação de processo comum contra os recorrentes, peticionando a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização de valor nunca inferior a € 10.000,00, por culpa in contrahendo, pela recusa na outorga do contrato de arrendamento prometido, danos patrimoniais decorrentes do dano nas culturas e danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, que celebrou com os Réus um contrato de arrendamento do prédio misto identificado, pelo período de 6 (seis) meses, renováveis uma única vez, tendo acordado o pagamento da renda mensal de € 250,00.
Tal contrato serviria de período experimental, uma vez que o Autor pretendia candidatar-se a um projeto de agricultura no âmbito do “Portugal PDR 2020” que exigia arrendamento de um terreno agrícola pelo período mínimo de 7 (sete) anos.
O Autor iniciou trabalhos de limpeza dos terrenos, tendo em vista o desenvolvimento e a preparação do terreno para a candidatura ao projeto Portugal PDR 2020, assim como os trabalhos para eletrificação da zona agrícola, adquiriu um sistema elétrico que serviria de base a futura instalação do sistema de irrigação da bomba elétrica trifásica.
Desejando saber do futuro contrato, reuniu com o Réu que lhe garantiu que nada impedia a sua celebração, de forma o Autor se candidatar ao programa em causa, exigindo, contudo, o trabalho do Réu durante dois dias na execução de tarefas variadas na quinta.
No entanto, no dia seguinte, comunicaram-lhe que não iriam celebrar o contrato de longa duração e o que vigorava terminaria no prazo previsto.
Após, os Réus cortaram a internet e água no anexo em que o Autor vivia, vedaram-lhe o acesso ao poço da quinta, que servia de rega à horta, prejudicando as plantações feitas pelo Autor, e destruíram as suas culturas, largando os seus animais na horta trabalhada por aquele.
Mais sustenta o Autor que a desmatação, limpeza e adubagem dos terrenos, bem como o sistema elétrico colocados, constituem benfeitorias úteis, que quantifica em, pelo menos, € 4.000,00.
Assim, defende que a frustração das expectativas na realização do contrato de arrendamento de longa duração deve ser indemnizada através do pagamento de uma indemnização não inferior a € 4.000,00 (correspondente aos trabalhos desenvolvidos no locado na expectativa de que o contrato se viesse a realizar), bem como os prejuízos com as plantações no valor € 3.600,00 e pelos danos não patrimoniais sofridos, peticionando quanto a estes a indemnização não inferior a € 1.000,00.
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Os Réus contestaram, sustentando que o objeto do contrato de arrendamento se destinava-se à habitação do Autor, exploração agrícola e/ou serviços associados à agricultura, segundo as regras de produção em modo biológico, tendo o Autor aceitado e reconhecido que o prédio misto realizava cabalmente o fim a que seria destinado.
No âmbito desse contrato, ao Autor cabia a realização dos contratos de água, eletricidade, gás, e outros serviços, nomeadamente de internet, tendo ainda acordado que o Autor não teria direito a indemnização por quaisquer benfeitorias. Contudo, de boa fé, emprestaram ao Autor alguns equipamentos/eletrodomésticos e partilhavam com este a internet.
Defendem, assim, que sempre cumpriram o contrato celebrado, assegurando a plena fruição do prédio misto pelo Autor, sem que nunca tivessem impedido o acesso ao poço ou cortado a água/eletricidade.
Impugnaram, ainda, a factualidade alegada pelo Autor, invocando que este nunca procedeu à limpeza e à desmatação do terreno, nem a qualquer plantação, para além de uma pequena horta à volta da habitação que ocupava.
Mais negaram que alguma vez tenham prometido a celebração de um contrato de arrendamento de longa duração ou criado essa expectativa – tendo mesmo indicado ao Autor que este não demonstrava capacidade técnica ou financeira para executar uma candidatura ao PDR 2020.
No articulado de contestação, os Réus deduziram reconvenção peticionando a condenação do Autor por prejuízos, porquanto tiveram de desistir da certificação e do projeto relativo ao Modo de Produção Biológico, uma vez que, alegam, o Autor adubou cerca de 2.500 m2 do terreno com estrume não certificado e de proveniência não documentada – essencial para a manutenção da certificação biológica do prédio misto.
Peticionavam, assim, a condenação do Autor a indemnizar os Réus no montante de € 32.500,00, pela desvalorização do terreno e lucros cessantes (considerando a produção média que conseguiriam naquela área de terreno).
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Foi designada data para a realização da audiência prévia, que veio a ser dada sem efeito atenta a suspensão dos prazos em virtude da pandemia por covid-19, tendo as partes sido convidadas a apresentar alegações por escrito.
Nesse seguimento, o Autor veio corrigir o valor da causa para € 12.600,00, bem como as datas indicadas na Petição Inicial – tendo o Tribunal considerado que se tratava de aperfeiçoamento daquele articulado inicial e admitido o mesmo.
Após, os Réus apresentaram nova contestação onde concluem como na primitiva contestação.
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Por despacho de 01.04.2022, em consequência do não pagamento da taxa de justiça devida, foi considerada não escrita a reconvenção, absolvendo-se o Reconvindo da instância reconvencional, por impossibilidade dessa lide.
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Foi proferido despacho a admitir a prova requerida pelas partes e a designar data para a audiência de discussão e julgamento.
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Após julgamento foi proferida a seguinte decisão:
Em face de todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Condeno os Réus (…) e (…) a pagar, solidariamente, ao Autor (…) a quantia de € 2.718,68 (dois mil, setecentos e dezoito euros e sessenta e oito cêntimos).
b) Absolvo os Réus do demais, contra si, peticionado.
c) Condeno Autor e Réus no pagamento das custas processuais na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 79% para os Réus e 21% para o Autor.
Registe e notifique.
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Não se conformando com a sentença os recorrentes apelaram, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
1- Tendo como ponto de partida a fundamentação da sentença (IV), e sem colocarem em causa os factos dados como provados, a verdade é que os réus, ora recorrentes, não podem conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal a quo.
2- Em boa verdade, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, atendendo, desde logo, ao teor do contrato celebrado entre o autor e os réus, cujo teor todos aceitaram, bem como à circunstância de aquele ter denunciado atempadamente o contrato em causa.
3- O tribunal recorrido violou o artigo 227.º, n.º 1, do CC.
4- E, também, errou ao apreciar a prova produzida.
5- Primo, desde o início que o réu sabia – reconhecendo tal circunstância, aliás – que o “acordo” designado de «contrato de arrendamento para fim habitacional com prazo certo» era, em boa verdade, um acordo experimental (ponto 4 dos factos provados), sem que certezas existissem quanto à celebração do contrato de longa duração.
6- Portanto, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido, o autor, logo na ocasião da negociação do primitivo contrato de arrendamento, não tinha nem mantinha qualquer expectativa da celebração do contrato de longa duração.
7- Designadamente, porque foi o próprio autor que coloca em crise tal celebração.
8- Não obstante tal circunstância, reconhecida e assumida expressamente pelo autor – designadamente, a aceitação de que o contrato poderia apenas ter como máximo de duração o prazo de 1 ano -, o mesmo, mais uma vez ao contrário do entendimento do tribunal recorrido, investiu, ainda assim, na preparação da quinta e do terreno da própria quinta.
9- Independentemente, repete-se, de existir, “depois”, um contrato de longa duração.
10- Secondo, resulta claramente do teor do contrato de arrendamento celebrado, aceite pelo autor e pelos réus, que “O Inquilino não pode (…) nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, ainda que autorizadas, nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção exceto tudo o que possa ser desmontável, como por exemplo, estufas, estufins, tutores, material de irrigação, tudo o que se possa montar e carregar um camião sem que prejudique estruturalmente o Prédio Misto.”
11- Bem sabia, pois, o autor, porque aceitou expressamente tal circunstância, que não poderia levantar quaisquer benfeitorias, incluindo, naturalmente, trabalho “braçal” e serviços por si pagos.
12- Com efeito, repete-se, pese embora o investimento (físico e financeiro) do autor no prédio, a verdade é que o mesmo sabia ab initio que estava “em aberto” a celebração do contrato de longa duração e que quaisquer benfeitorias não poderiam ser levantadas, nem por elas poderia ser pedida qualquer indemnização.
13- Portanto, uma vez mais, mal andou o tribunal recorrido, ao considerar que “todas as intervenções do Autor na quinta tinham em vista a expectativa da celebração do contrato de longa duração”.
14- Não só tal circunstância não corresponde à realidade, como o autor tinha consciência – porque o escreveu claramente – que, a contrario, poderia não haver depois (i. e., contrato de longa duração) e, não obstante, começou logo por intervencionar o prédio.
15- Por último, mas não menos importante, pese embora tenha sido totalmente desconsiderado pelo tribunal recorrido, o autor, no dia 29 de agosto de 2018, comunicou por escrito aos réus que rescindia o contrato de arrendamento celebrado.
16- Foi o autor, pois, quem, primeiramente, revelou não existir qualquer propósito da sua parte de prolongar a relação de arrendamento que vinha mantendo com os réus.
17- Concluindo, o autor comunicou, eficazmente, aos réus a sua pretensão de rescindir o contrato.
18- Ainda, cumpre referir que, de 5 ha, o autor apenas trabalhou, em dez meses, 2500 metros de terreno (ponto 9 dos factos provados).
19- Concatenando tudo o supra exposto, resta concluir que o autor não conseguiu demonstrar:
20- “A criação de uma razoável expectativa, uma confiança séria de que o contrato de longa duração seria celebrado (investindo o seu tempo e dinheiro na preparação do terreno para o projeto de agricultura que desenvolveria na vigência daquele contrato de longa duração), numa altura em que de todo o contexto resulta que, efetivamente, a boa fé e a ética negocial faziam pressupor que tais negociações culminariam na assinatura de tal contrato, ainda que não estivesse acordado todos os termos/conteúdo desse contrato (não obstante não estarem acordados todos os termos do acordo – o que não se revela essencial no caso concreto, porquanto o contrato de longa duração seria, praticamente, a continuação da situação que já existia)”.
21- “O carácter injustificado da rutura das negociações (uma vez que o Réu não lhe tinha comunicado que não via possibilidades de celebrarem tal contrato e, quando procurado pelo Autor para discutir os termos do contrato futuro, não afastou no imediato a possibilidade da sua celebração, tendo discutido alguns dos termos do mesmo, e solicitado que o Autor apresentasse proposta/projeto por escrito, comunicando-lhe no dia seguinte que não celebraria o contrato de longa duração)”.
22- “A produção de um dano no seu património (o trabalho investido e pago pelos serviços que teve de contratar para realização dos trabalhos efetuados na quinta, nomeadamente € 818,68 pelo sistema elétrico da bomba de irrigação)”.
23- “A relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada (porquanto todas as intervenções do Autor na quinta tinham em vista a expectativa da celebração do contrato de longa duração)”.
24- Em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os réus.
25- Quanto aos danos patrimoniais, é mister concluir que a sentença recorrida, nesta rubrica, peca por excessiva e desproporcional.
26- Devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que considere um valor bastante inferior, mas nunca superior a € 50,00.
27- Por último, e quanto aos danos não patrimoniais, se é que o autor realmente enfrentou sofrimento e frustrações, foi por conta da sua própria atuação e da sua própria incapacidade.
28- Razão pela qual esta questão fica, necessariamente, prejudicada.
29- Face ao exposto, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva os réus.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser recebido e considerado totalmente procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os réus dos pedidos formulados pelos autores,
Assim se fazendo a habitual justiça.
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A questão que importa decidir é a de saber se, nas negociações preliminares para a formalização de um contrato de arrendamento de longa duração, os réus atuaram de tal forma que causaram prejuízos ao autor quer patrimoniais quer não patrimoniais e, bem assim, se resultaram outros danos causados ao autor pela conduta dos réus.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
A- Factos Provados
1 – Autor e Réus celebraram um acordo designado de “Contrato de arrendamento para fim habitacional com prazo certo”, que tinha por objeto o prédio misto sito na Rua (…), n.º 31, (…), Cartaxo, no qual acordaram:
“Cláusula 3.ª (Início e Prazo de Vigência)
1 O presente contrato de arrendamento é celebrado com prazo certo, pelo prazo efetivo de 6 (seis) meses, com início em 01 de dezembro de 2017 e término em 31 de maio de 2018.
Cláusula 4.ª (Renovações)
1 No fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento é renovável por mais 6 (seis) meses. (…)
Cláusula 8.ª (Uso do Prédio Misto)
1 O Prédio Misto destina-se à habitação do Inquilino, exploração agrícola e/ou serviços associados à agricultura, segundo as regras de produção em modo biológico, o qual reconhece que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado, não podendo dar-lhe outro uso, nem subloca-la, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos Senhorios.
Cláusula 9.ª (Obrigações dos Inquilinos)
1 O Inquilino obriga-se a conservar o Prédio Misto no seu estado atual, que aceita como bom, as instalações e canalizações de água, eletricidade, gás, esgotos e demais equipamentos do local arrendado
Cláusula 10.ª (Despesas de Consumo)
1 O Inquilino obriga-se ao pagamento das suas despesas dos consumos no uso doméstico de água, eletricidade, gás, telefone, televisão, internet e à elaboração dos contratos junto das respetivas entidades. (…)
Cláusula 12.ª (obras e outras benfeitorias)
1 O Inquilino não pode fazer quaisquer obras de alteração no local arrendado sem autorização prévia e por escrito dos Senhorios, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, ainda que autorizadas, nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção exceto tudo o que possa ser desmontável, como por exemplo, estufas, estufins, tutores, material de irrigação, tudo o que se possa montar e carregar um camião sem que prejudique estruturalmente o Prédio Misto.
2 – O Autor pretendia candidatar-se a um projeto de agricultura biológica no âmbito do programa “Portugal PDR 2020” que exigia arrendamento de um terreno agrícola pelo período mínimo de 7 (sete) anos,
3 – (…) o que era do conhecimento dos Réus,
4 – (…) destinando-se o contrato celebrado a servir de período experimental.
5 – O prédio referido em 1. tinha 5 hectares na totalidade.
6 – Em data não concretamente apurada, o Autor passou a habitar no prédio, não na habitação principal, que se encontrava em obras e passou depois a ser ocupada pelos Réus, mas numa habitação anexa.
7 – Os Réus cederam ao Autor a utilização da internet por eles contratada, bem como a eletricidade e a água, pagando o Autor o seu consumo.
8 – O Autor iniciou trabalhos de limpeza do terreno, cortando mato e retirando entulho, com vista a preparar o terreno para agricultura.
9 – O Autor necessitou mesmo de contratar uma retroescavadora e um trator para executar parte desses trabalhos, nomeadamente para retirar entulho e para lavrar cerca de 2500 metros,
10 – (…) iniciou a plantação de culturas e fez uma horta, procedeu ainda à eletrificação de parte do terreno e à instalação elétrica necessária à utilização de uma bomba de água, pela qual pagou 818,68€.
11 – Findos os primeiros seis meses, o contrato foi renovado.
12 – Contactados pelo Autor com vista a abordarem a celebração do contrato de longa duração, ocorreu uma reunião com o Réu, onde este não afastou tal possibilidade, tendo abordado alguns dos termos desse futuro contrato e sido pedido ao Autor que apresentasse a sua proposta/projeto por escrito.
13 – No dia seguinte, após a apresentação da proposta pelo Autor, os Réus comunicaram que não pretendiam realizar contrato de longa duração com o Autor.
14 – Após esse momento, os Réus deixaram de ceder internet ao Autor e deixaram de permitir que utilizasse a bomba de água para extrair água do poço.
15 – (…) para a rega das culturas, colocando em causa a plantação de melões, e encher o depósito que servia a sua habitação.
16 – A certa altura, mas também após o referido em 13, o bode da propriedade dos Réus e que se encontrava ao cuidado dos mesmos, invadiu a horta do Autor, destruindo as culturas plantadas.
17 – No dia 29.08.2018, o Autor comunicou por escrito aos Réus que rescindia o contrato descrito em 1.
18 – Os trabalhos desenvolvidos pelo Autor no prédio referido em 1, foram-no na perspetiva da realização do contrato de longa duração para candidatura ao projeto de agricultura no âmbito do “Portugal PDR 2020”.
19 – Toda a atuação dos Réus causou ao Autor angústia e frustrações.
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B - Factos não provados:
i. O Autor comprou uma moto roçadora;
ii. Em meados de abril de 2018, o Réu comunicou ao Autor que o contrato de longa duração não iria, seguramente, acontecer.
iii. Na reunião referida em 12 foram acordados todos termos do futuro contrato.
iv. Por estar impedido de usar a água do poço, o Autor viu morrer aproximadamente 2.000 (duas mil) alfaces, plântulas de beterraba, tomate, couve, brócolos, rúcula e manjericão,
v. (…) o que lhe provocou prejuízos de cerca € 3.600,00.
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Conhecendo.
A responsabilidade pré-negocial, também denominada culpa in contrahendo ou responsabilidade civil por danos decorrentes de atos ou omissões verificados no período que antecede a celebração dos contratos, prevista no artigo 227.º/1, do CC, funda-se no conceito indeterminado de boa fé, exigindo-se um processo que a concretize em cada uma das situações da vida real em que se verifique.
Foi Rudoph von Jhering no seu célebre ensaio de 1861, que consagrou o instituto no Código Civil alemão de 1896, o que foi seguido pelo Código italiano de 1942.
O artigo 1337.º deste último é a fonte do artigo 227.º do nosso CC.
A culpa in contrahendo pode ocorrer quando, na fase preparatória de um contrato, a parte não observa certos deveres de atuação que sobre ela já impendem; porque quem se apresenta perante a comunidade como potencial negociador tem que proceder de forma a emanar, para as suas contrapartes, uma segurança que só pode ser dada por alguém que se encontra imbuído de boa fé, sem o que o giro negocial se tornaria impossível.
Nesta fase, para além dos deveres de proteção, informação e lealdade recortados por Menezes Cordeiro, também se identificam outros deveres como os de guarda, de restituição, de segredo, de clareza e conservação (Ana Prata, Notas Sobre a Responsabilidade Pré-Contratual, Lisboa, 1991, pág. 49 e ss).
A violação dos deveres a que a parte se encontra adstrita nas fases preliminares do contrato podem dar origem à obrigação de indemnizar se o contrato não for celebrado ou mesmo quando o contrato é validamente celebrado, podendo acontecer que um contraente, depois de celebrado o contrato, seja responsável pelos danos que causou à contraparte na fase negociatória, se lhe for imputável uma conduta contrária à boa-fé nesta fase pré-contratual.
No caso dos autos, ficou provado que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento de um prédio misto, com a duração de 6 meses, renovável por igual período, onde o arrendatário iria residir e ali se dedicaria a uma atividade agrícola de cariz biológico.
Este contrato constituía uma aproximação à atividade agrícola do arrendatário com vista a candidatar-se a um projeto de agricultura biológica, onde se exigia um contrato de arrendamento por um período mínimo de 7 anos (facto provado 2).
Estes factos eram do conhecimento dos senhorios (facto provado 3).
No prosseguimento das intenções do arrendatário, o contrato foi renovado por um igual período de 6 meses (facto 11).
Durante a fruição do locado, o arrendatário habitou o prédio urbano existente e cultivou parte do prédio rústico (factos 6, 8, 9, 10).
No final deste período, a pedido do arrendatário, foi realizada uma reunião com o senhorio, tendo em vista a celebração de um contrato de longa duração onde o senhorio não afastou tal possibilidade e abordando mesmo alguns dos termos desse futuro contrato, tendo sido pedido ao arrendatário que apesentasse uma proposta/projeto por escrito (facto 12).
Este iter negocial, porque tinha subjacente a intenção inicial do arrendatário de arrendar por um período longo – o que era do conhecimento dos senhorios – levou-o a formar a convicção de que seria celebrado o contrato de arrendamento de longa duração.
Caso contrário, o contrato não seria renovado ao fim do primeiro período de 6 meses e, bem assim, o senhorio não afastou a possibilidade de celebrar o contrato de longa duação, pedindo mesmo a apresentação de proposta por escrito, o que reforçou a convicção da celebração do contrato, salvo se ocorrências estranhas à vontade dos contraentes, entretanto tivessem ocorrido, o que não foi o caso.
Isto, porque, criar a convicção de que se contratará não obriga necessariamente a contratar, devem é estar presentes razões plausíveis que impeçam um dos contraentes de prosseguir com a sua boa fé contratual até aí demonstrada.
Ora, após o referido iter negocial, sem que circunstâncias estranhas à vontade das partes tivessem ocorrido, os senhorios recusaram a realização do contrato de arrendamento de longa duração (factos 13 e 17).
Com esta atuação – porque destituída de razões ponderosas que a justificassem – violaram os ora recorrentes/senhorios, os princípios da boa fé contratual, o que causou danos e, por isso, se obrigaram a indemnizar o recorrido.
Recordamos que estes princípios se materializam, em concreto, no prosseguimento, entre outros, nos deveres de informação, lealdade e clareza na condução do processo negocial, deveres estes que não foram cumpridos pelos recorrentes/senhorios ao terem trilhado o caminho oposto àquele que qualquer contraente normal colocado na posição do arrendatário esperaria e exigiria.
Assim sendo, a apelação é improcedente, devendo manter-se a decisão recorrida, porque, para além do mais, os montantes indemnizatórios fixados se mostram adequados e equitativos, quer quanto aos danos patrimoniais quer quantos aos não patrimoniais (artigos 483.º e 496.º do CC).
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Sumário: (…)
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes – artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 30-03-2023
José Manuel Barata (Relator)
Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura