Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
537/14.4T8FAR.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
LICITAÇÕES
DOAÇÃO MORTIS CAUSA
COLAÇÃO
DISPENSA
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Os interessados podem, até ao início das citações, reclamar contra o valor dos bens relacionados, por excesso ou por defeito, indicando logo o valor que reputam exato, competindo à conferência deliberar, não se alterando o valor se algum deles declarar aceitar esse valor, tudo nos termos do art.º 1362.º do CPC, na sua versão de 1961.
2. A licitação constitui o mecanismo, por excelência, de correção dos valores de todos os bens do inventariado, aumentando-os, neles se incluindo os bens doados pelo autor da herança, determinando a quota disponível e assegurando o valor da legítima.
3. Nada impede que os interessados requeiram uma segunda perícia, caso não concordem com a primeira, o facto de ter sido efetuada por um único perito nomeado pelo tribunal, aplicando-se o regime geral do art.º 589.º CPC, á data em vigor (atual art.º 487.º) ex vi art.º 1369.º
4. A reclamação sobre a relação de bens pode ser apresentada até ao despacho determinativo da partilha, ao abrigo do disposto no n.º6 do citado art.º 1348.º, do CPC, tendo apenas como consequência a condenação dos reclamantes em multa, salvo se demonstrarem que não o puderam fazer durante o prazo referido no seu n.º1, por facto que não lhes seja imputável.
5. Só assim não será se tiver havido reclamação sobre determinada questão concreta e tendo ela sido decidida, por despacho transitado em julgado, caso em que fica definitivamente resolvida a questão, nos termos do art.º 1336.º do CPC, não podendo ser de novo suscitada até ao trânsito em julgado da sentença homologatória.
6. As doações podem ser feitas por conta da legítima ou por conta da quota disponível (art.ºs 2113.º/1 e 2114.º/1 do C. Civil). Sendo a doação efetuada por conta da legítima, significa que o inventariado não pretendeu beneficiar esse herdeiro, mas antes antecipar a sua quota hereditária, no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens doados, razão pela qual o donatário tem de conferir todos os bens doados, para igualação da partilha com os demais herdeiros. Mas se for dispensada de colação pelo inventariado, entende-se que pretendeu beneficiar o donatário, razão pela qual este não tem de conferir esses bens, sendo a doação imputada na quota disponível do inventariado, sem prejuízo da sua redução por inoficiosidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
1. Nos presentes autos de inventário, instaurado em 18 de janeiro de 2001, em que são inventariados Maria F… e Manuel S… e Maria R…. e Bernardino V…, no qual exerce funções de cabeça de casal o interessado BB, em 24 de setembro de 2018 foi proferida sentença homologatória da partilha, da qual vieram os interessados CC e DD interpor o presente recurso, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença homologatória da partilha, bem como das seguintes decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos presentes autos:
a) Despacho exarado nos autos, com a referência 7514380, que rejeitou o requerimento apresentado pela ora Recorrente CC em 19-12-2013, de reclamação e pedido de esclarecimentos do Relatório de Avaliação junto aos autos;
b) Despacho exarado nos autos, com a referência 103655477, datado de 27-10-2016 que indeferiu o requerimento apresentado pelo ora Recorrente, DD, que pugnava pelo cumprimento do disposto no art. 2109º do CC (o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão); e
c) Despacho exarado nos autos, com a referência 105850081, datado de 16-05-2017 que indeferiu o requerimento apresentado pelos ora Recorrentes, CC e DD, que denunciava a omissão de uma doação em dinheiro efetuada a um presuntivo herdeiro legitimário; e
d) Despacho determinativo da forma à partilha.
2. Encontra-se pendente de decisão final o incidente de prestação de contas que corre por apenso aos presentes autos de inventário.
3. Nesse incidente está em causa um crédito da recorrente CC sobre a herança.
4. Tal crédito, a existir, constitui encargo da herança e devia ter sido considerado nas operações de partilha.
5. A omissão do julgamento da prestação de contas antes de decidida a causa principal, que daquela depende, consubstancia nulidade da sentença, bem como das operações de partilha efetuadas nos autos.
Igualmente,
6. Em sede de conferência de interessados foi aprovado passivo, reconhecido judicialmente, que não foi considerado nas operações de partilha.
7. Houve omissão do cálculo e pagamento do passivo, o que constitui nulidade.
8. Nos presentes autos foi, a requerimento da ora recorrente, efetuada avaliação dos imóveis pertencentes à herança bem como - a requerimento de apenas alguns dos interessados - dos imóveis doados em vida dos inventariados a dois herdeiros legitimários.
9. Tal avaliação, no entender da recorrente CC continha diversas contradições, divergências, inexatidões, erros de cálculo, medições erradas de áreas e – relativamente a uma das verbas – pressupostos de avaliação inexistentes.
10. A Recorrente reclamou atempadamente do Relatório de Avaliação, apontando os erros e pedindo esclarecimentos mas o seu requerimento foi indeferido.
11. A recorrente interpôs recurso, mas o mesmo não foi admitido logo na 1ª instância.
12. A Recorrente não se conforma com esta violação do princípio do contraditório que, impossibilitando nova apreciação da avaliação ou nova avaliação, nomeadamente de um bem que lhe tinha sido doado.
13. “Colocou” nas mãos da donatária um imóvel com um valor exorbitante (300.000,00 €),
14. Que, no final, e conforme se esperava, vai obrigar a uma redução da liberalidade, num valor que o imóvel não tem, nunca teve, nem se sabe como poderá vir a ter.
15. O erro de medição em que incorreu o perito avaliador foi confirmado pelo levantamento topográfico que os recorrentes mandaram efetuar no imóvel em causa e cuja junção requerem aos autos ao abrigo do disposto no art. 425º do CPC, uma vez que o mesmo só foi disponibilizado em 03 de Abril de 2018.
16. Igualmente requerem a junção do requerimento entregue no Serviço de Finanças, em 29-10-2018, para a retificação da área inscrita na caderneta predial do imóvel.
17. Mais requerem a junção aos autos, ao abrigo do mesmo normativo, do parecer pedido à Câmara Municipal de Faro (que lhes foi remetido em 13-06-2018), comprovativo de que – mesmo considerando a área que o perito avaliador considerou por avaliação indireta (através da caderneta predial apenas) – não é possível levar a cabo no imóvel a construção que o perito considerou para efeito de avaliação.
18. Isto também tinha sido afirmado pela recorrente aquando da reclamação ao Relatório de Avaliação e é da maior importância,
19. Pois confirma que o terreno (que sempre teve uso agrícola) terá menos de metade do valor considerado na avaliação.
20. Esta violação do princípio do contraditório e a limitação imposta à interessada ora recorrente é, nas circunstâncias apontadas, e face às consequências no património da mesma, suficientemente grave e prejudicial para impor a revogação do douto despacho que indeferiu a reclamação e pedido de esclarecimentos à avaliação efetuada aos bens imóveis a partilhar, substituindo-o por outro que admita tal pedido.
21. Em 24-06-2016 o ora recorrente DD veio aos autos arguir a nulidade da avaliação dos bens doados.
22. Em 11-07-2016 a ora recorrente CC apresentou requerimento com o mesmo fundamento.
23. Defendem que o art. 2109º do Código Civil dispõe claramente que o valor dos bens doados, para efeito de conferência de valores e partilha “é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão”.
24. Trata-se de disposição de carácter imperativo, cuja violação acarreta a nulidade, os termos dos artigos 294º e 295º, ambos do Código Civil.
25. A avaliação considerou o valor atual destes bens, sendo que, relativamente a um dos bens doados à recorrente CC (a que supra se aludiu), considerou um valor potencial, baseado em pressupostos inexistentes e completamente divergente do valor que tem ou alguma vez teve.
26. A abertura da sucessão, relativamente aos bens doados aconteceu em 1993.
27. Estes bens foram avaliados à data atual, conforme consta do relatório, 20 anos depois da abertura da sucessão, em data muito diferente daquela em que seria possível aferir a vontade dos doadores e em que medida pretendiam ou não beneficiar algum dos herdeiros.
28. Basta verificar que o imóvel a que nos vimos referindo e que foi avaliado em 300.000,00 € por ter – segundo o avaliador – um potencial para construção de armazém comercial ou industrial, se anexado a um terreno com mais 10.000,00 €,
29. Basta verificar que à data da doação, como ainda hoje, esse terreno é a horta com pomar anexa à habitação da donatária.
30. Com o resultado da avaliação constante dos autos, a donatária encontra-se em risco de ficar sem a sua horta pois não tem dinheiro para dar de tornas nem a horta vale o que de lá consta.
31. Aquando da doação, nunca os doadores quiseram doar a esta filha um lote para construção comercial ou industrial, mas somente uma horta, que é o uso que a mesma tem.
32. É por esta razão que os ora recorrentes consideram que será mais justa a avaliação se considerada, conforme dispõe a lei, à data da abertura da sucessão.
33. A violação daquele preceito da lei substantiva constitui nulidade que inquina a avaliação.
34. Houve omissão do relacionamento de uma doação em dinheiro a favor de um presuntivo herdeiro legitimário.
35. Essa doação foi relacionada pela ora recorrente quando desempenhava o cargo de cabeça-de-casal nos autos.
36. E não foi contestada por nenhum dos interessados, nem sequer pelo respetivo beneficiário.
37. Quando a ora recorrente pediu escusa do cargo de cabeça-de-casal por ter atingido os 72 anos de idade,
38. O novo cabeça-de-casal apresentou nova relação de bens onde tal doação foi omitida.
39. A ora recorrente não se apercebeu de tal omissão.
40. Mas veio apontá-la antes da elaboração do mapa de partilha.
41. Bastava atualizar o montante da doação em dinheiro, nos termos da lei, e incluí-la no mapa de partilha,
42. Obviando a que tenha que se requerer e efetuar uma partilha adicional para inclusão de tal doação.
43. A pretensão dos recorrentes foi indeferida.
44. Consideram estes que o despacho de indeferimento se encontra ferido de nulidade por falta de fundamentação.
45. Nulidade que vêm arguir, requerendo que seja ordenada a inclusão de tal doação no mapa de partilha.
46. As 3 doações de imóveis referidas nos autos, efetuadas a favor de dois herdeiros legitimários, foram efetuadas por conta da quota disponível dos doadores.
47. A doação por conta da quota disponível equivale a uma dispensa de colação e corresponde, normalmente, a uma vontade dos doadores de beneficiarem algum ou alguns dos herdeiros, afastando a igualdade na partilha.
48. Afastando a divisão igualitária dos quinhões hereditários.
49. O nosso ordenamento jurídico respeita essa vontade.
50. Mas impõe como limite a intangibilidade da legítima de alguns herdeiros.
51. Sendo que, as doações efetuadas em vida a algum ou a alguns dos herdeiros legitimários poderão ter que ser reduzidas, se houver inoficiosidade (art. 2108º CC).
52. Ou seja, se afetarem a legítima de algum dos herdeiros (art. 2168º do CC).
53. Nesse caso, serão reduzidas as doações, com os critérios apontados no art. 2171º e segs. do CC.
54. Em tanto quanto for necessário para que a legítima ou legítimas sejam preenchidas (art. 2169º CC).
55. Ora, no caso dos autos, os cálculos efetuados no mapa de partilha beneficiam indevidamente o interessado BB.
56. Com efeito, obrigam a uma redução da doação efetuada à ora recorrente em mais 75.000,00 € do que seria necessário para o preenchimento da legítima daquele interessado.
57. E beneficiando-o igualmente em relação ao interessado EE.
58. Com a redução da doação da interessada CC, o EE ficaria com uma legítima de 133. 474,07 € (a que lhe é devida).
59. Mas o interessado BB ficaria com o valor de 208.474,07 € (mais do que a sua legítima).
60. E isto porque não foi considerada na sua herança a doação que também recebeu de seus pais no valor de 75.000,00 €.
61. A falta de consideração deste valor tem como consequência uma redução por inoficiosidade da doação a CC que não é necessária
62. Pois o interessado BB apenas necessita do valor de 524,07 € para ver preenchida a sua legítima.
63. Julgando como julgou violou o Tribunal a quo as disposições dos artigos 2068º, 2108º, nº2, 2109º, 2162º, 2168º e 2169º, todos do Código Civil e 485º, nº2, 608º, nº2 e 1375º, nº2, todos do CPC.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se as decisões Recorridas.
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O interessado e cabeça de casal BB, e o interessado E, contra alegaram, pugnando pela improcedência dos recursos.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir são as seguintes:
a) Nulidades da sentença.
b) Segunda avaliação do imóvel doado à recorrente e violação do princípio do contraditório.
c) Prazo de reclamação contra a relação de bens.
d) Omissão no mapa de partilha do relacionamento de uma doação em dinheiro a um dos interessados e redução excessiva das doações feitas à recorrente CC.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Nulidades da sentença.
Os recorrentes invocam a nulidade da sentença homologatória da partilha por não ter considerado a pendência de um incidente de prestação de contas que corre por apenso aos presentes autos de inventário, estando aí em causa um crédito da recorrente CC sobre a herança, que a reconhecer-se constitui encargo da herança e devia ter sido considerado nas operações de partilha.
Assim, consideram que a omissão do julgamento da prestação de contas antes de decidida a causa principal, que daquela depende, consubstancia nulidade da sentença, bem como das operações de partilha efetuadas nos autos.
Mais sustentam que o facto de não ter sido considerado nas operações de partilha o cálculo e pagamento do passivo aprovado na conferência de interessados e reconhecido judicialmente constitui nulidade.
Ora, as nulidades da sentença vêm enunciadas taxativamente no art.º 615.º do C. P. Civil, o qual prescreve:
1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No caso concreto estamos em presença de uma sentença homologatória de partilha, com estrutura muito simples, visando apenas «autenticar as partilhas, condenar os interessados no pagamento das custas e ordenar o pagamento do passivo que tenha sido aprovado ou reconhecido» (Carvalho de Sá, Do Inventário, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 245).
Como se exarou no acórdão do STJ de 21/02/2002, Proc. 02B2891, (Ferreira Girão), consultável em www.dgsi.pt:
A sentença com que, normalmente, culmina o inventário não tem a amplitude de cognoscibilidade da sentença proferida em processo comum. Conforme resulta dos artigos 1354.º, nº 1, 1382.º e 1383.º do C. P. Civil, ela serve apenas para homologar a partilha e ordenar o pagamento do passivo aprovado ou reconhecido.”
Ora, atentos os fundamentos invocados, urge concluir que não se incluem em qualquer uma das mencionadas causas de nulidade da sentença, pois o tribunal limitou-se a homologar o mapa de partilha, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões e condenou-os no pagamento das tornas devidas e custas.
Assim, sem outras considerações, por desnecessárias, improcedem as invocadas nulidades da sentença.
2. Os recorrentes recorrem da decisão interlocutória proferida em 22/01/2014 (Ref.ª 7514380), que rejeitou o requerimento apresentado pela ora Recorrente CC apresentado em 19-12-2013, de reclamação e pedido de esclarecimentos do Relatório de Avaliação.
Com efeito, no auto de avaliação pelo perito nomeado pelo tribunal, relativamente a vários imóveis relacionados e apresentado em 3/12/2013, foi atribuído ao imóvel descrito na verba n.º 7, Misto …-Z e …u … o valor de €300.000.
Notificados os interessados deste relatório pericial, a recorrente CC apresentou requerimento no qual pede que o senhor perito seja notificado para esclarecer as dúvidas suscitadas pelo relatório.
Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho:
“I – A interessada CC, notificada da avaliação dos imóveis, veio reclamar, discordando do valor atribuído a algumas das verbas.
Ora, como a realizada avaliação visou, precisamente, apurar do valor dos bens, não sendo suscetível de reclamação, uma vez que não se trata de uma perícia (a diligência probatória a que se referem os arts. 577.º/2 e 587.º do Código de Processo Civil), mais sim de ‘arbitramento’ (leia-se, avaliação por árbitro), para efeitos de fixação do valor bens, destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos mesmos pelos vários interessados (cf. art. 1353.º/2 do CPC, red. do DL 227/94, de 8/9), ou seja, uma diligência sumária, tendo em vista, tão-somente, a assinalada finalidade, no pressuposto acordado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do cit. art. 1353.º, é impertinente e improcedente a reclamação - cf. arts. 6.º/1, 130.º e 527.º/1 e 2, do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26/06 (ex vi art. 6.º/1 desta), e 7º/4 do Regulamento das Custas Processuais.
Acresce referir que, ainda que assim se não entendesse, as discordâncias e dúvidas não se circunscrevem no âmbito do pedido de esclarecimento, legalmente assinalado no art. 587.º/2 (hoje, 485.º/2), do Código de Processo Civil («deficiência, obscuridade ou contradição ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas»).
Pelo que, rejeito o apresentado requerimento, com a sua devolução à parte e eliminação do respetivo histórico, com uma UC de taxa de justiça pela interessada”.
Vejamos, pois, se tem razão.
Nos termos do art.º 29.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, os processos de inventário instaurados até à data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, mantêm a sua tramitação no tribunal, aplicando-se as disposições legais em vigor a 31 de agosto de 2013.
Assim, ao presente inventário são aplicáveis as disposições do pretérito C. P. Civil.
Estamos em presença de uma ação de inventário proposta em 18 de janeiro de 2001 e a decisão recorrida foi proferida em 22 de janeiro de 2014.
Nos termos do n.º1 do art.º 7.º da Lei n.º 41/2003, de 26 de junho “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.
Assim, sendo a ação anterior a 1 de janeiro de 2008 é-lhe aplicável o regime de recursos do C. Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, prevendo-se no n.º2 do art.º 1396.º que “salvo nos casos previstos no n.º2 do art.º 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.
Por isso, o despacho proferido em 19/02/2014 (Ref.ª 7640478), que rejeitou, por intempestivo, o recurso interposto desse despacho pela ora recorrente, não pode transitar em julgado, como defende o interessado cabeça de casal nas contra alegações, visto ser este o momento próprio para a sua apreciação, já que o recurso foi interposto com o recurso da sentença homologatória da partilha.
De acordo com o disposto no n.º2 do art.º 1353 do C. P. Civil, na conferência de interessados, estes podem acordar, por unanimidade, nomeadamente os bens e os respetivos valores que há de compor o quinhão de cada um deles ( al. a) do seu n.º1) , podendo essas diligências ser precedidas de arbitramento, requerido pelos interessados ou oficiosamente determinado pelo juiz, destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.
Na conferência de interessados compete também, na falta desse acordo, deliberar as reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados.
Sendo realizada a avaliação dos bens, será efetuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, nos termos gerais do CPC, como manda o art.º 1369.º do CPC.
Assim, se as partes não concordarem com a perícia realizada podem requerer uma segunda perícia, nos termos dos art.ºs 589.º a 591.º do CPC.
Como se decidiu no STJ, em acórdão de 20/06/2012, proc. n.º 3796/08.8TJCBR-D.C1, disponível em www.dgsi.pt, “O facto de se impor a avaliação por um único perito nomeado pelo tribunal não impede que se aplique o disposto na parte geral do Código de Processo Civil, no artigo 589.º, ou seja a possibilidade de qualquer das partes requerer a realização de uma 2.ª perícia, caso não concorde com os resultados da primeira, até por que a regra da primeira perícia ser efetuada por um único perito vale também hoje no regime geral – art.º 568º, n.º 1 do Código de Processo Civil
Ora, sendo admissível neste tipo especialíssimo de processo de inventário a realização de uma segunda avaliação, ela poderá ser requerida não só pelos credores reclamantes que discordem do resultado da 1.ª avaliação, mas também por qualquer uma das partes do processo de inventário, interessados na separação de meações”.
E, para além disso, sempre os interessados podem, até ao início das citações, reclamar contra o valor dos bens relacionados, por excesso ou por defeito, indicando logo o valor que reputam exato, competindo à conferência deliberar, não se alterando o valor se algum deles declarar aceitar esse valor, tudo nos termos do art.º 1362.º do CPC.
A licitação constitui o mecanismo, por excelência, de correção dos valores de todos os bens do inventariado, aumentando-os, neles se incluindo os bens doados pelo autor da herança, determinando a quota disponível e assegurando o valor da legítima.
E no que respeita ao valor dos bens doados, prescreve-se igualmente nos art.º s 1365.º e 1367.º regras a observar.
Ora, no caso concreto, os recorrentes manifestaram apenas discordância quanto aos critérios utilizados pelo perito nomeado pelo tribunal para apuramento do valor desse imóvel, pedindo a notificação deste para “esclarecer as dúvidas suscitadas”, o que foi indeferido, e bem, pelo despacho recorrido.
Na verdade, não requereram uma segunda avaliação, sendo que ainda podiam usar dos meios processuais citados para determinar o valor desse imóvel se dele discordassem.
Porém, como flui da ata de conferência de interessados iniciada em 2/3/2017 e concluída em 6 de abril de 2017, constata-se que, face à falta de acordo nos termos do n.º1 do art.º 1353.º do C. P. C., teve lugar a licitação de bens quanto às verbas n.ºs 1 a 4, não sendo licitadas as verbas n.ºs 5, 6 e 7, as quais, por vontade dos donatários, lhes seriam adjudicadas, não tendo, nessa altura, sido apresentada à conferência qualquer reclamação sobre os valores dos bens relacionados, nos termos do n.º4, alínea a) do citado art.º 1353.º.
Daí improceder o recurso dessa decisão interlocutória.
3. Despacho com a referência 103655477, datado de 27-10-2016, que indeferiu o requerimento apresentado pelo ora Recorrente DD, que pugnava pelo cumprimento do disposto no art. 2109º do CC (o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão).
O aludido despacho tem a seguinte redação:
“(…)
Vieram, ainda, a fls. 849 e seguintes os interessados DD e FF e CC apresentar requerimento onde pedem, novamente, que se proceda a nova avaliação da verba 7, acrescentando que a nulidade que invocam não é uma nulidade processual, mas uma nulidade da lei substantiva, pugnando pelo deferimento do requerido.
Cumpre apreciar.

No que concerne à nulidade substancial invocada pelos interessados DD e Paulo FF e CC, parece- nos que não lhes assistirá razão.
Por conseguinte, dispõe o artigo 2109º, do Código Civil, sob a epígrafe “valor dos bens doados” o seguinte:
1. O valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão.
2. Se tiverem sido doados bens que o donatário consumiu, alienou ou onerou, ou que pereceram por sua culpa, atende-se ao valor que esses bens teriam na data da abertura da sucessão, se não fossem consumidos, alienados ou onerados, ou não tivessem perecido.
3. A doação em dinheiro, bem como os encargos em dinheiro que a oneraram e foram cumpridos pelo donatário, são atualizados nos termos do artigo 551.”
Dispõe, por sua vez, o artigo 2162º, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “cálculo da legítima” o seguinte:
1. Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança.
2. Não é atendido para o cálculo da legítima o valor dos bens que, nos termos do artigo 2112.º, não são objeto de colação.”
Dúvidas não nos assistem de que o legislador estatuiu que, de acordo com o disposto no artigo 2019º do Código Civil, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão.
Contudo, de acordo com o também citado artigo 2162º do mesmo diploma legal e no que ora importa, para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte e ao valor dos bens doados.
Quanto a este normativo esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela que “ o valor de todos os bens existentes no património do autor da herança à data da sua morte (relictum) (…) marca, como ponto decisivo de referência, não só a pertinência dos bens à titularidade do falecido (…), mas também a fixação do valor dos bens” (in “Código Civil Anotado”, Volume VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 262).
Vale isto por dizer que o momento decisivo que importa para efeitos de fixação do valor dos bens, de todos e não só dos doados, é o da abertura da sucessão, a qual ocorre com o decesso, de acordo com o disposto no artigo 2031º do Código Civil. Tem sentido que assim seja sob pena de permitir uma verdadeira injustiça material na partilha e sem prejuízo do animus donandi do de cujus: admitir que a avaliação fosse feita, em relação a uns bens, tendo em conta a data da abertura da sucessão e, quanto a outros, o seu valor atual era admitir dois pesos e duas medida na determinação do acervo hereditário, com notório e manifesto prejuízo para os herdeiros que não beneficiassem de bens cuja avaliação fosse feita tendo unicamente por referência a data da abertura da sucessão. Tal intenção parece resultar igualmente do disposto no artigo 1353º, n.º2 do Código de Processo Civil, na redação aplicável, quando o legislador se refere à possibilidade de arbitramento destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.
Por outro lado, cumpre referir que, uma vez que o critério temporal determinante para a aferição do valor dos bens (de todos os bens) que compõem o acervo hereditário é o da data da abertura da sucessão não se vislumbra qualquer nulidade quando todos os interessados estão de acordo ou não se opõem a que seja feita uma avaliação dos bens tendo em conta o momento atual e não o do decesso, porquanto o resultado dessa avaliação a todos beneficiará ou prejudicará na mesma medida.
Acresce que o artigo 1406º do Código de Processo Civil se refere à avaliação dos bens a partilhar sem indicação de qual o regime desta prova pericial. O artigo 1369º do mesmo diploma, que regula a avaliação de bens em inventário, dispõe que a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efetuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 20/06/2012 ao referir que: “O facto de se impor a avaliação por um único perito nomeado pelo tribunal não impede que se aplique o disposto na parte geral do Código de Processo Civil, no artigo 589.º, ou seja a possibilidade de qualquer das partes requerer a realização de uma 2.ª perícia, caso não concorde com os resultados da primeira, até por que a regra da primeira perícia ser efetuada por um único perito vale também hoje no regime geral – art.º 568º, n.º 1 do Código de Processo Civil
Ora, sendo admissível neste tipo especialíssimo de processo de inventário a realização de uma segunda avaliação, ela poderá ser requerida não só pelos credores reclamantes que discordem do resultado da 1.ª avaliação, mas também por qualquer uma das partes do processo de inventário, interessados na separação de meações” (processo 3796/08.8TJCBR-D.C1, relator Sílvia Pires, disponível em www.dgsi.pt).
Dispõe o artigo 485º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 589º) que, qualquer das partes pode pedir que se proceda a uma 2ª perícia, no prazo de 10 dias, a contra do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Não foi, nos autos, atempadamente requerida a realização de uma segunda perícia, entenda-se avaliação.
Não colhe, aqui, o argumento de que apenas agora intervêm diretamente os Requerentes porquanto, tendo sido habilitados no lugar que ocupava o seu pai, ocupam o lugar que aquele ocupava processualmente para prosseguirem os termos da demanda (cf. artigo 351º do Código de Processo Civil), não facultando a habilitação a prerrogativa de praticarem atos que o habilitado não praticou.
Aludir, ainda, a que pese embora o artigo 1353º, n.º4, al. a) do Código de Processo Civil (na redação aplicável) permita que na conferência de interessados se delibere sobre as reclamações relativas ao valor atribuído aos bens relacionados, não pode tal normativo ser interpretado no sentido de que se esteja constante e indefinidamente a discutir o valor de bens que foram já objeto de avaliação requerida pelos interessados e à qual nenhum se opôs.
Por fim, não pode o Tribunal deixar de atendar a postura processual dos Requerentes, que relegaram para o momento da realização da conferência de interessados a presentação do requerimento em apreço, com os constrangimentos que se encontram plasmados nos autos. A celeridade da Justiça não depende unicamente do Tribunal, devendo as partes contribuir, com a sua postura processual e sem prejuízo dos direitos de que são titulares, para a mesma.
Em face do exposto, indefiro a requerida nova avaliação da verba 7 constante da relação de bens, bem como que quanto às verbas 5 e 6 se tenha em consideração o valor indicado pelo cabeça de casal em requerimento de 13/06/2011, por falta de fundamento legal e determino, em consequência, que o valor dos bens que compõem o acervo hereditário é o que resulta da avaliação junta aos autos” – fim de citação.
Assim, como se refere no despacho recorrido, estava em causa o pedido de uma segunda avaliação das verbas 5 a 7, a qual foi indeferida por não ter sido oportunamente requerida, ou seja, no prazo de 10 dias a partir do conhecimento da primeira.
E quanto ao momento em que deve ser considerado o valor dos bens doados, não se questiona na decisão recorrida a sua relação com a data de abertura da sucessão, de acordo com o disposto no art.º 2019º do Código Civil.
Todavia, também aí se acrescenta que “uma vez que o critério temporal determinante para a aferição do valor dos bens (de todos os bens) que compõem o acervo hereditário é o da data da abertura da sucessão, não se vislumbra qualquer nulidade quando todos os interessados estão de acordo ou não se opõem a que seja feita uma avaliação dos bens tendo em conta o momento atual e não o do decesso, porquanto o resultado dessa avaliação a todos beneficiará ou prejudicará na mesma medida”.
Ora, se todos os interessados acordaram em determinar o valor de todos os bens, incluindo os doados, na data da avaliação, e que os recorrentes não questionam, não se vê qualquer nulidade da avaliação, que, a existir, sempre deveria ter sido invocada em momento processual próprio.
Acresce que, como se disse no ponto anterior, se não concordaram com o valor da avaliação deveriam ter suscitado essa divergência requerendo uma segunda avaliação.
Destarte, e tendo em conta o que se disse no ponto anterior, improcede o recurso deste despacho.
4. Despacho com a referência 105850081, datado de 16-05-2017, que indeferiu o requerimento apresentado pelos ora Recorrentes CC e DD, que denunciava a omissão de uma doação em dinheiro efetuada a um presuntivo herdeiro legitimário.
Sustenta a recorrente que essa doação foi por si relacionada quando desempenhava o cargo de cabeça-de-casal nos autos, não foi contestada por nenhum dos interessados, nem sequer pelo respetivo beneficiário, mas quando o novo cabeça-de-casal apresentou nova relação de bens tal doação foi omitida, não se apercebeu, mas suscitou essa questão no requerimento apresentado sobre a forma da partilha.
O despacho em causa tem o seguinte teor:
“Fls. 985 (ref. 25556581):
Inexiste fundamento legal para o requerimento em apreço não cabendo, neste momento, qualquer “esclarecimento” para a alegada “situação que não foi devidamente explicada nos autos”, motivo pelo qual indefiro o requerido”.
Assim, está em causa saber se os recorrentes podiam suscitar essa omissão no prazo legal concedido para se pronunciarem sobre a forma à partilha, nos termos do art.º 1373.º/ 1 do CPC.
Para responder a esta questão importa conhecer a seguinte dinâmica processual:
a) Em 05/Dez./2006 a cabeça-de-casal (à data) e agora interessada CC apresentou a Relação de Bens do Inventário, constando relacionado na verba n.º7 a seguinte doação:
“ Ao seu neto EE, em representação do pai pré-falecido, BERNARDINO V…, em 1983, o valor de 300.000$00, quantia a atualizar nos termos dos artigos 2109º, nº 3 e 551º, ambos do Código Civil” – Fls. 169.
b) Foram apresentadas reclamações a fls. 76 a 78 e a fls. 230 a 232 à relação de bens de fls. 169, mas não quanto à concreta doação da quantia de 300.000$00.
c) Posteriormente, por razões de saúde, a cabeça-de-casal pediu escusa, o que foi deferido por despacho de 11/3/2018 - fls. 349.
d) E foi nomeado, em sua substituição, o seu irmão, BB.
e) O novo cabeça de casal, em 18/06/2009, apresentou nova relação de bens por óbito dos inventariados Bernardino V… e Maria R…, nela não constando a doação da verba n.º7 referida em a).
f) Por essa razão, por despacho exarado em 15/07/2010 ( fls. 481) a Senhora Juíza determinou o seguinte:
Deverá o cabeça-de-casal esclarecer se a verba indicada na relação de bens a fls. 164 junta aos autos em 05.12.2006 não foi agora mencionada por lapso ou se é efetivamente para excluir, sendo que na eventualidade de tal verba continuar a dever ser relacionada deverá o cabeça-de-casal juntar nova relação de bens devidamente retificada”.
g) Respondeu o cabeça de casal dizendo que “foram apresentadas, em separado, pelo ora cabeça de casal, duas relações de bens, e devendo manter-se integralmente estas e substituindo-se assim a relação de bens de fls. 164”.
h) Na sequência de despacho de 27/7/2010 (fls. 500) o cabeça de casal juntou a fls. 502 a 506 uma relação de bens única, nela incluindo todos os bens que constavam nas duas relações de bens juntas anteriormente em 18/06/2009.
i) Notificados dessas relações de bens, os recorrentes não apresentaram qualquer reclamação.
Ora, os recorrentes, no seu requerimento de 26 de abril de 2017, fls. 985 a 987, apenas alegaram que a omissão dessa doação na relação de bens “nunca foi devidamente explicada nos autos”, e que “a falta de esclarecimento expresso ao Tribunal pelo cabeça-de-casal aquando da notificação do despacho de 15/07/2010 levanta dúvidas legítimas sobre se houve, efetivamente, lapso do novo cabeça-de-casal quando apresentou a sua relação de bens”.
Assim, os recorrentes não reclamaram da falta na relação de bens dessa doação, mas que essa questão não foi devidamente esclarecida nos autos.
E a verdade é que o cabeça de casal, após notificação de despacho para o efeito, foi claro em afirmar que “as relações por si apresentadas substituíam a anterior de fls. 164”, sendo que os interessados, incluindo os recorrentes, não reclamaram dessa omissão, como o poderiam fazer no momento processual previsto nos n.º 1 do art.º 1348.º do CPC, ou seja, no prazo de 10 dias após a notificação dessa relação de bens.
E podiam fazê-lo, ainda, posteriormente, ao abrigo do disposto no n.º6 do citado art.º 1348.º, sendo condenados em multa, salvo se demonstrarem que não o puderam fazer durante aquele prazo, por facto que não lhes seja imputável.
Assim, independentemente da sua sujeição a multa, a verdade é que tem sido entendido que essa reclamação pode ser apresentada até à determinação do mapa de partilha.
Desde logo, porque a lei não fixa prazo temporal para a sua apresentação, significando a expressão “posteriormente” referida no seu n.º6 que pode ser apresentada a “qualquer altura”, pois como sublinha Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, pág. 525, “o significado do advérbio empregado não consente entendimento diverso”.
Neste sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/3/83, BMJ n.º 325-606, afirmando: “Atento o objetivo do processo de inventário e que por aí se não fixar limite temporal para a reclamação, é de concluir que poderá ser apresentado até ao trânsito em julgado de sentença homologatória da partilha”.
Assim também se entendeu no recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/1/2019, proc. n.º 453/08.9YXLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt: “Se bem que, de acordo com o disposto no art.º 1348º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil-61, as reclamações contra a relação de bens possam ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, em homenagem ao princípio da verdade material, disso não se extrai que, tendo havido reclamação, incidindo sobre determinados pontos, e tendo ela sido decidida, por despacho transitado em julgado, se possam suscitar, até ao trânsito em julgado da sentença homologatória, de novo, questões já tratadas”.
Tanto assim que no despacho a proferir sobre a forma da partilha devem ser resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa de partilha, podendo mandar proceder-se à produção de prova que se julgue necessária, nos termos do n.º2 do art.º 1373.º do CPC.
Esta foi também a orientação seguida no acórdão do STJ de 21/01/2003, proc. n.º 02A931 (Silva Salazar), disponível em www.dgsi.pt, no qual se exarou:
Finalmente, do disposto no art.º 1348º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, resulta que as reclamações contra a relação de bens podem sempre ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, em homenagem ao princípio da verdade material, que em processo de inventário chega ao extremo de conduzir à possibilidade de emenda ou de anulação da partilha mesmo depois do trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória nos termos dos art.ºs 1386º, 1387º e 1388º do mesmo Código. Ora, tal sentença ainda não transitou em julgado, pelo que os ora recorridos ainda estavam e estão em tempo de suscitar essa questão, não se encontrando sequer sujeitos, para o efeito, a qualquer fórmula sacramental”.
Só assim não será se tiver havido reclamação sobre determinada questão concreta e tendo ela sido decidida, por despacho transitado em julgado, caso em que fica definitivamente resolvida a questão, nos termos do art.º 1336.º do CPC, não podendo ser de novo suscitada até ao trânsito em julgado da sentença homologatória, sob pena de “ eternização do processo de inventário, um non liquet que, desde logo, pelo respeito pelo caso julgado formal, nenhum processo pode consentir” – cf. os citados acórdãos do STJ de 21/2/2003 e da Relação de Lisboa de 24/1/2019.
Ora, como se deixou dito, no caso concreto não houve qualquer reclamação sobre a relação de bens apresentada pelo novo cabeça de casal, em particular quanto à omissão dessa doação, nem foi proferida decisão sobre essa questão, razão pela qual, não estando definitivamente resolvida, podia ser suscitada aquando da resposta sobre o mapa de partilha.
Porém, não foi isso que sucedeu, ou seja, os recorrentes não vieram reclamar da falta na relação de bens da doação dessa importância, caso em que deveriam, desde logo, que apresentar os respetivos meios de prova, como se exige no art.º 1344.º/2 do CPC, ex vi n.º3 do art.º 1349.º.
Ao invés, limitaram-se a vir dizer a “situação que não foi devidamente explicada nos autos”, pretendendo um esclarecimento.
E assim sendo, foi bem indeferida essa pretensão, não merecendo censura o despacho recorrido.
Improcede, pois, a apelação quanto ao despacho em causa.
5. Despacho determinativo da forma à partilha.
Os recorrentes aceitam a forma dada à partilha e o mapa de partilha elaborado, no que respeita ao valor total do acervo hereditário dos inventariados, no total de €600.633,33, assim como o apurado valor da legítima de cada um dos herdeiros (€ 133.474,07), mas discordam do mapa de partilha e sentença homologatória na parte em que não considerou a doação de €75.000,00 efetuada ao interessado BB, cabeça de casal, para preenchimento da sua legítima.
Com efeito, alegam os recorrentes, ser possível a redução das doações mas, neste caso, só se houver inoficiosidade, ou seja, afetação da legítima dos outros herdeiros legitimários, sendo as doações redutíveis em tanto quanto for necessário para que as legítimas sejam preenchidas. Mas no caso concreto, quanto ao preenchimento da legítima deste interessado, se a ora recorrente CC “der de tornas” no valor de € 75.524,07, ele fica com uma quota hereditária de 208.474,07 €, superior à legítima a que tinha direito, enquanto para o cálculo da legítima da interessada e recorrente CC teve-se em conta a doação do imóvel.
Daí entender que apenas lhe deve dar de tornas a quantia de 524,07 € para ver preenchida a sua legítima.
Porém, não tem razão.
Com efeito, nos termos do art.º 2168.º do C. Civil, “Dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.”
E prescreve o art.º 2169.º do C. Civil que as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.
A lei não permite a renúncia ao direito de reduzir as liberalidades em vida do autor da sucessão, como dispõe o art.º 2170.º do C. Civil.
Com o chamamento dos donatários, conferentes ou não conferentes, pretende-se garantir o seu direito à defesa das doações, desde que exista a possibilidade da sua redução, o que poderá ocorrer com a licitação.
Com efeito, as doações podem ser feitas por conta da legítima ou por conta da quota disponível. É o que decorre dos art.ºs 2113.º/1 e 2114.º/1 do C. Civil, ao prescrever que a colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou posteriormente e, não havendo lugar à colação, a doação é imputada na quota disponível.
Sendo a doação efetuada por conta da legítima, significa que o inventariado não pretendeu beneficiar esse herdeiro, mas antes antecipar a sua quota hereditária, no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens doados, razão pela qual o donatário tem de conferir todos os bens doados, para igualação da partilha com os demais herdeiros. Daí a denominação de donatário conferente, justamente por dever restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhe foram doados, restituição a que a lei chama de “colação” (art.º 2104.º do C. Civil) [1].
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, pág. 173, «A colação (como logo se infere do étimo de raiz latina - conferir - donde a palavra deriva) é a restituição (as mais das vezes apenas em valor, não em espécie ou substância), feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste.
A colação tem por fim a igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança.
Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários – art.º 2156.º do C. Civil.
O valor líquido da herança há de resultar do somatório de todos os bens, incluindo os doados, abatidas as dívidas da herança, nos termos do art.º 2162.º do C. Civil, após o que se determinará a legítima e a quota disponível.
E concluindo-se que não há lugar à redução da doação por inoficiosidade, ou seja, a doação não atinge a quota legitimária, o donatário não tem que repor os bens, razão pela qual se algum interessado declarar que pretende licitar nos bens doados, o donatário, seja ou não conferente, poderá opor-se à licitação, tendo essa oposição como consequência poder requerer-se a avaliação dos bens, a qual poderá ser requerida até à decisão da partilha – n.ºs 1 e 5 do art.º 1365.º do CPC.
A colação faz-se pela imputação do valor dos bens doados na quota hereditária, ou, havendo acordo de todos os herdeiros, pela restituição dos próprios bens doados – art.º 2108.º/1 do C. Civil.
Mas se a doação for dispensada de colação pelo inventariado, entende-se que pretendeu beneficiar o donatário, razão pela qual este não tem de conferir esses bens, denominando-se de donatário “não conferente”, sendo imputada na quota disponível do inventariado, sem prejuízo da sua redução por inoficiosidade.
Feitas estas breves considerações sobre o regime legal aplicável às doações feitas pelo inventariado, importa descer ao caso concreto.
Ora, está assente que as verbas 5 e 7 foram doadas à recorrente CC por conta da quota disponível, o que significa que os inventariados dispensaram esses bens da colação, pretendendo beneficiar esta herdeira legitimária, sendo imputadas na quota disponível do inventariado, sem prejuízo da sua redução por inoficiosidade.
Assim, apurado o montante do acervo hereditário dos inventariados no total de €600.633,33, correspondendo a €200.211,11 a quota disponível (1/3), assim como o apurado valor de € 133.474,07 (€400.422,22:3=133.474,07), correspondente à legítima de cada um dos herdeiros (3), e que os bens doados à recorrente CC têm o valor total de €375.000,00, importa fazer a sua redução na medida do necessário a respeitar a legítima dos demais herdeiros.
Por isso, dando a recorrente CC tornas aos interessados DD, no valor de €15,319,45, a EE, no valor de € 75,524,07, e igual quantia ao interessado e cabeça de casal BB, como consta do mapa de partilha, para que seja respeitada a legítima destes, no valor de € 133.474,07, verifica-se que a recorrente entrega de tornas o valor total de € 166.367,59. E recebendo doações (verbas 5 e 7) que totalizam €375.000,00, significa que ficará com o valor total de €208,632,41 (€375.000,00 - €166.367,59), que excede a sua legítima em €75.158,34 (€208,632,41 - € 133.474,07).
Demonstrado está, pois, que a recorrente CC é beneficiada com as doações, recebendo mais do que os restantes herdeiros legitimários, respeitando-se, assim, a vontade dos inventariados em beneficiar a donatária, mas reduzindo essas doações até ao necessário do preenchimento da legítima dos demais interessados.
Resulta, pois, demonstrado, que o mapa de partilha respeita integralmente o despacho determinativo da partilha, não merecendo qualquer censura.
E quanto á doação de €75.000,00 ao interessado e cabeça de casal questionada pelos recorrentes, a verdade é que tal quantia não se mostra descrita na relação de bens de fls. 502 a 506, razão pela qual nunca poderia ser considerada para o preenchimento da legítima do interessado BB.
Improcede, pois, a apelação.
Vencidos no recurso, suportarão os apelantes as custas devidas - art.º 527.º/1 e 2 do CPC.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Os interessados podem, até ao início das citações, reclamar contra o valor dos bens relacionados, por excesso ou por defeito, indicando logo o valor que reputam exato, competindo à conferência deliberar, não se alterando o valor se algum deles declarar aceitar esse valor, tudo nos termos do art.º 1362.º do CPC, na sua versão de 1961.
2. A licitação constitui o mecanismo, por excelência, de correção dos valores de todos os bens do inventariado, aumentando-os, neles se incluindo os bens doados pelo autor da herança, determinando a quota disponível e assegurando o valor da legítima.
3. Nada impede que os interessados requeiram uma segunda perícia, caso não concordem com a primeira, o facto de ter sido efetuada por um único perito nomeado pelo tribunal, aplicando-se o regime geral do art.º 589.º CPC, á data em vigor (atual art.º 487.º) ex vi art.º 1369.º
4. A reclamação sobre a relação de bens pode ser apresentada até ao despacho determinativo da partilha, ao abrigo do disposto no n.º6 do citado art.º 1348.º, do CPC, tendo apenas como consequência a condenação dos reclamantes em multa, salvo se demonstrarem que não o puderam fazer durante o prazo referido no seu n.º1, por facto que não lhes seja imputável.
5. Só assim não será se tiver havido reclamação sobre determinada questão concreta e tendo ela sido decidida, por despacho transitado em julgado, caso em que fica definitivamente resolvida a questão, nos termos do art.º 1336.º do CPC, não podendo ser de novo suscitada até ao trânsito em julgado da sentença homologatória.
6. As doações podem ser feitas por conta da legítima ou por conta da quota disponível ( art.ºs 2113.º/1 e 2114.º/1 do C. Civil). Sendo a doação efetuada por conta da legítima, significa que o inventariado não pretendeu beneficiar esse herdeiro, mas antes antecipar a sua quota hereditária, no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens doados, razão pela qual o donatário tem de conferir todos os bens doados, para igualação da partilha com os demais herdeiros. Mas se for dispensada de colação pelo inventariado, entende-se que pretendeu beneficiar o donatário, razão pela qual este não tem de conferir esses bens, sendo a doação imputada na quota disponível do inventariado, sem prejuízo da sua redução por inoficiosidade.
***

V. Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos e manter as decisões recorridas.
Custas das apelações pelos recorrentes.

Évora, 2019/02/28
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Assim também o entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/07/2009, Proc. n.º 11687/06.0TBOER-A.L1-8, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “1. O instituto da colação visa a igualação dos descendentes na partilha, mediante a restituição fictícia à herança dos bens doados em vida pelo de cujus a um dos herdeiros. 2. E assenta na presunção de que o de cujus, fazendo em vida alguma liberalidade a um seu presuntivo herdeiro legitimário, não quis avantajá-lo em relação aos restantes, mas tão só antecipar a transferência da legítima que viria a competir-lhe. 3. A lei prevê que a colação possa ser dispensada pelo doador no ato da doação ou posteriormente. 4. Mas tal dispensa deverá sempre resultar de factos inequívocos que revelem que a declaração visa objetivamente a dispensa da colação. 5. A dispensa de colação está sujeita à mesma forma do ato a que se reporta.