Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3030/19.5T8STB.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O n.º 1 do art. 248.º do CIRE regula o período temporal entre a formulação do pedido de exoneração do passivo restante e a decisão final proferida sobre tal pedido, pelo que o disposto no n.º 4 desse artigo, que expressamente remete para o benefício concedido no seu n.º 1, apenas se pode reportar a esse mesmo período temporal.
II – Assim, a partir do momento em que é proferida decisão final, deixa de vigorar tal benefício e, em consequência, as modalidades do regime de apoio judiciário que tinham sido afastadas voltam a valer na sua plenitude.
III – Qualquer outra interpretação, para além de não ter assento na letra da lei, implicaria uma flagrante violação do princípio constitucional da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP), uma vez que comprometeria a possibilidade de acesso ao direito e aos tribunais em virtude, exclusivamente, da situação económica dos requerentes/devedores de exoneração do passivo restante, sendo incompreensível e injustificável tal discriminação.
IV – Efectivamente, o âmbito de aplicação do disposto no art. 248.º, nºs. 1 e 4, do CIRE não colide com o disposto no art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, pelo que o insolvente que requereu a exoneração do passivo restante beneficia, após a prolação da decisão final sobre tal requerimento, do beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, desde que o mesmo lhe tenha sido concedido e os respectivos pressupostos se mantenham.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3030/19.5T8STB.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
(…) apresentou-se à insolvência, nos termos dos arts. 18.º e 19.º do CIRE, requerendo a exoneração do passivo restante, nos termos do art. 235.º do referido Código, beneficiando de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e de nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Efectuada a regular tramitação, em 07-05-2019, foi proferida sentença, na qual foi julgada procedente a acção e declarada a insolvência de (…), tendo sido fixadas as custas pela massa insolvente.
Conforme relatório apresentado nos termos do art. 155.º do CIRE pelo Sr. Administrador da Insolvência, não foram “identificados quaisquer bens ou direitos susceptíveis de apreensão” à insolvente, ou seja, estava verificada a inexistência de massa insolvente.
Posteriormente, em 03-09-2019, o tribunal a quo admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, estabelecendo o início do prazo de cessão de rendimentos, e determinou o encerramento do processo, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo, e restantes dívidas, estabelecendo que o pagamento das custas incumbe à insolvente, com diferimento de pagamento para final, em cumprimento do art.º 248.º do CIRE.
Por lapso, na primeira conta de custas, elaborada em 03-10-2019, ficou como responsável a massa insolvente, vindo, por esse motivo, a ser elaborada nova conta, a 26-11-2019, na qual ficou como responsável a insolvente.
Inconformada com esta nota de custas, em 09-12-2019 a insolvente (…) veio apresentar reclamação, na qual, em síntese, requereu a rectificação da conta de custas, determinando-se como responsável pelo pagamento das mesmas a massa insolvente e não a própria insolvente, considerando ainda que, uma vez que foi concedido à insolvente o apoio judiciário na modalidade de dispensa total das custas e encargos do processo, sempre teria de lhe ser reconhecido tal apoio judiciário.
Ouvida a Contadora, veio a mesma defender que a conta se mostrava correctamente elaborada.
Aberta vista ao M.º P.º, o mesmo pronunciou-se pela manutenção da conta de custas efectuada em 26-11-2019, devendo, em consequência, a reclamação ser julgada improcedente.
Proferido despacho judicial, em 06-01-2020, foi julgada improcedente a reclamação e, em consequência, indeferido o pedido de rectificação da conta formulado pela insolvente, considerando-se que a responsabilidade das custas era da insolvente e que o pedido de apoio judiciário concedido cedeu, no que respeita à dispensa do pagamento das custas, por força do disposto no n.º 4 do citado art. 248.º do CIRE, subsistindo apenas, para benefício da insolvente, a dispensa do pagamento dos honorários do patrono oficioso.
Inconformada com este despacho, veio a insolvente (…) recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
I.
Vem a Apelante recorrer do despacho datado de 06.01.2020, com a referência CITIUS 89601926, que decidiu: “E quando, como in casu, ao insolvente tiver sido concedido o benefício do apoio judiciário, este cede, no que respeita à dispensa do pagamento das custas, por força do disposto no nº 4 do citado artº 248 do CIRE (subsistindo apenas para benefício do insolvente a dispensa do pagamento dos honorários do patrono oficioso).”
II.
A Apelante instaurou a presente ação especial, onde requereu a sua insolvência e respetiva exoneração do passivo restante.
III.
Para o efeito, em momento prévio, solicitou junto do Instituto de Segurança Social, I.P., o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo.
IV.
Pedido que lhe foi deferido, estando a Petição Inicial devidamente instruída com cópia da decisão da concessão de apoio judiciário, na modalidade requerida.
V.
Decretada a insolvência, em 3 de setembro de 2019, foi proferido despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, onde se declarou encerrado o processo, sem prejuízo do decurso do prazo para a exoneração do passivo restante.
VI.
Consignou-se, ainda, que as custas seriam a cargo da insolvente, com diferimento de pagamento para final, nos termos do artigo 248º do CIRE.
VII.
Em 03.10.2019 foi elaborada uma primeira conta de custas, a cargo da massa insolvente e, em 26.11.2019, foi a mesma retificada, passando a responsabilidade pelo pagamento das mesmas a cargo da insolvente, motivando a competente reclamação por parte da aqui Apelante.
VIII.
A reclamação teve por objeto não só a retificação da atribuição da responsabilidade da insolvente para a massa insolvente, como a indicação de que a insolvente beneficiava de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
IX.
Depois de concedida vista ao Ministério Público, em 06.01.2020 foi proferido despacho, com a referência CITIUS 89601926, mediante o qual se decidiu manter a responsabilidade pelo pagamento das custas a cargo da insolvente, e que, sendo esse o caso, esta terá de pagar custas do processo uma vez que a concessão do benefício do apoio judiciário cede, por força do disposto no número 4 do artigo 248º do CIRE.
X.
Foi feita uma errada interpretação do disposto no nº 4 do artigo 248º do CIRE!
XI.
O regime do artigo 248º difere o momento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, até à decisão final de exoneração do passivo restante.
XII.
Proferida a decisão final, nada obsta a que o devedor beneficie do apoio judiciário, entendimento que é amplamente sufragado pela nossa jurisprudência, a título de exemplo veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo nº 1780/13.9TBOLH.E1 de 11/21/2019, cujo sumário foi transcrito no articulado 13º supra.
XIII.
Em consequência o douto despacho violou os princípios da igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrados, respetivamente nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
XIV.
Foram ainda violadas normas de competência material, quanto à concessão do benefício do apoio judiciário, cuja competência exclusiva cabe ao Instituto da Segurança Social, nos termos do disposto no artigo 20º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
XV.
O artigo 248º do CIRE não pode, em momento algum, afastar a concessão do benefício do apoio judiciário, sem o que se retiraria, a final, a própria eficácia do processo de insolvência de pessoa singular!
Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, e em consequência revogar-se o despacho proferido, substituindo-o por outro que declare que tendo a insolvente junto, com a petição inicial, documento comprovativo de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça de demais encargos do processo, está dispensada do pagamento das custas do processo, depois de proferida decisão final de exoneração do passivo restante
FAZENDO-SE ASSIM A TÃO HABITUAL E ACOSTUMADA JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exactos termos e dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) O disposto no n.º 4 do art. 248.º do CIRE não impede a aplicação do regime de concessão do apoio judiciário; e
2) Violação das normas relativas à atribuição do pedido de protecção jurídica.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do relatório.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) o disposto no n.º 4 do art. 248.º do CIRE impede, ou não, a aplicação do regime de concessão do apoio judiciário; e (ii) houve violação das normas relativas à atribuição do pedido de protecção jurídica.
1 – O disposto no n.º 4 do art. 248.º do CIRE não impede a aplicação do regime de concessão do apoio judiciário
No entender da Apelante, o tribunal a quo, ao ter decidido que a concessão do benefício do apoio judiciário cede, por força do disposto no n.º 4 do art. 248º do CIRE, fez uma errada interpretação desse artigo, uma vez que o regime do art. 248º apenas difere o momento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, até à decisão final de exoneração do passivo restante, pelo que, proferida a decisão final, nada obsta a que o devedor beneficie do apoio judiciário, entendimento esse, aliás, que é amplamente sufragado pela nossa jurisprudência.
Alegou, por fim, que o despacho recorrido violou os princípios da igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrados, respetivamente, nos arts. 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe o art. 248.º do CIRE que:
1 - O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
2 - Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.
3 - Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no n.º 1 do artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais.
4 - O benefício previsto no n.º 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.

Dispõe ainda o art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, que:
1 - O regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - O regime de apoio judiciário aplica-se, também, com as devidas adaptações, nos processos de contra-ordenação.
3 - O apoio judiciário é aplicável nos processos que corram nas conservatórias, em termos a definir por lei.

Cumpre decidir.
Em face dos artigos citados, inexistem dúvidas que o regime de apoio judiciário se mostra concebido para abranger todo o tipo de processos, inclusive o processo de insolvência.
Importa, então, apurar se efectivamente o disposto na norma especial constante dos nºs. 1 e 4 do art. 248.º do CIRE afasta a aplicação da norma geral prevista no n.º 1 do art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07.
Afigura-se-nos que não.
Na realidade, se bem atentarmos no disposto no n.º 1 do art. 248.º do CIRE constata-se que o mesmo regula o período temporal entre a formulação do pedido de exoneração do passivo restante e a decisão final proferida sobre tal pedido, pelo que o disposto no n.º 4 desse artigo, que expressamente remete para o benefício concedido no seu n.º 1, apenas se pode reportar a esse mesmo período temporal. Ou seja, apenas durante aquele mesmo período temporal é afastada a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.
Assim, a partir do momento em que é proferida decisão final, deixa de vigorar tal benefício e, em consequência, as modalidades do regime de apoio judiciário que tinham sido afastadas voltam a valer na sua plenitude.
Qualquer outra interpretação, para além de não ter assento na letra da lei, implicaria uma flagrante violação do princípio constitucional da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP[2]), uma vez que comprometeria a possibilidade de acesso ao direito e aos tribunais em virtude, exclusivamente, da situação económica dos requerentes/devedores de exoneração do passivo restante, sendo incompreensível e injustificável tal discriminação.
Aliás, não faz qualquer sentido que um regime que foi criado para proteger de maneira mais intensa o devedor que interpôs o pedido de exoneração de passivo restante, tornasse a situação desse devedor, quanto ao pagamento das custas, bastante mais gravosa do que a de qualquer outro devedor ou qualquer pessoa que interpusesse uma acção judicial.
Conforme bem se referiu no Acórdão do TRP, proferido em 11-09-2018, “salvo melhor opinião, temos um quadro normativo em que a lei visou com a norma especial prevista no artigo 248º do CIRE proteger de modo mais intensivo este devedor que deduz o pedido de exoneração de passivo restante; julgamos manifesto que o objectivo não terá sido a de agravar a sua condição económica, impondo-lhe, em troca de uma dispensa meramente temporária e delimitada no tempo, a obrigatoriedade inultrapassável de ter que pagar os encargos tributários com o referido pedido mais adiante”[3].
Efectivamente, o âmbito de aplicação do disposto no art. 248.º, nºs. 1 e 4, do CIRE não colide com o disposto no art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07, pelo que o insolvente que requereu a exoneração do passivo restante beneficia, após a prolação da decisão final sobre tal requerimento, do beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, desde que o mesmo lhe tenha sido concedido e os respectivos pressupostos se mantenham.
Esta é também a posição largamente maioritária da jurisprudência dos nossos tribunais superiores[4], da qual destacamos o sumário do acórdão do TRE, proferido em 21-11-2019, no âmbito do processo n.º 1780/13.9TBOLH.E1, consultável em www.dgsi.pt.
1 – O regime do art.º 248º do CIRE estabelece um benefício automático de diferimento do pagamento da taxa de justiça, afastando o regime da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais somente até à decisão final de exoneração do passivo restante.
2 – Esta norma é de natureza excepcional não no sentido limitar a possibilidade de «ser concedida qualquer outra modalidade de apoio judiciário, com ressalva, apenas, dos benefícios de nomeação de patrono e de pagamentos dos seus honorários»[26], dado que a mesma apenas têm aplicação temporal até à decisão final do pedido, mas na dimensão que, mesmo fora do contexto do regime acesso ao direito ao abrigo do apoio judiciário, se presume que durante a vigência do período de cessão o beneficiário se encontra numa situação de compreensão económica e que, por isso, o seu rendimento disponível não lhe permite proceder à satisfação dos encargos tributários do procedimento em curso.
3 – Assim, nada obsta a que o devedor possa beneficiar do regime geral do apoio judiciário depois daquela decisão final, sob pena de grave atropelo ao princípio constitucional da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais.
4 – Interpretação distinta implicaria necessariamente que um beneficiário de protecção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos ou qualquer outras das modalidades previstas[27] na Lei nº 34/2004, de 29/07, ficasse vinculado a proceder ao pagamento de custas quando já se encontrava comprovada a respectiva insuficiência económica e não exista qualquer motivo bastante para concluir pela necessidade de cancelamento da prestação social concedida.

Destacamos ainda pela sua relevância, o sumário do acórdão do TRP, proferido em 11-04-2019, no âmbito do processo n.º 3933/12.8TBPRD.P1, consultável em www.dgsi.pt:
I - Não parece lógico que se preveja nas disposições dos nºs 1 e 4 do art.º 248º do CIRE um regime especial de apoio judiciário, antes sim uma regulação específica do instituto da exoneração do passivo restante que se aplica a todos os que nele se enquadrem, independentemente de terem ou não benefício do apoio judiciário.
II - Não existe nenhum verdadeiro conflito normativo, desde logo porque não há uma disputa lógica ou teleológica.
São distintos pela natureza e pela finalidade os dois institutos em relevo.
III - O regime do apoio judiciário é emanação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, segundo o qual a insuficiência de meios económicos não deve impedir o acesso de todos à justiça e ao Direito.
IV - A instituição da exoneração do passivo restante apresenta-se como um benefício concedido ao devedor pessoa singular declarado insolvente e pretende conciliar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim permitir-lhes a sua reabilitação económica.
V - Logo não existe aqui qualquer incongruência normativa a solucionar pelo princípio hermenêutico: lex specialis derogat legi generali (a lei especial derroga a lei geral).

Pelo exposto, apenas nos resta concluir que, tendo a Apelante/insolvente (…) requerido previamente o apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, o qual lhe foi concedido, ao solicitar a exoneração do passivo, proferida decisão final sobre esta solicitação, beneficia do referido apoio judiciário, inclusive, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, desde que os pressupostos que o determinaram não tenham sido alterados.
Nesta conformidade, procede a pretensão da Apelante.
2 – Violação das normas relativas à atribuição do pedido de protecção jurídica
No entender da Apelante, foram ainda violadas normas de competência material, quanto à concessão do benefício do apoio judiciário, cuja competência exclusiva cabe ao Instituto da Segurança Social, nos termos do disposto no art. 20º da Lei n.º 34/2004 de 29-07, uma vez que o art. 248.º do CIRE não pode, em momento algum, afastar a concessão do benefício do apoio judiciário.
Apreciemos.
Na realidade, e uma vez que foi deferida a anterior pretensão da Apelante, através da qual passou a beneficiar o pedido de apoio judiciário que lhe tinha sido concedido, a presente questão ficou manifestamente prejudicada, pelo que, por inútil, não se procederá à sua apreciação (art. 130.º do Código de Processo Civil).
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual é substituída pela seguinte decisão:
- a insolvente (…) mostra-se dispensada do pagamento de custas por força do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, que lhe foi concedido e que se mantém operante.
Sem tributação.
Notifique.
Évora, 23 de Abril de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura

__________________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.

[2] Art. 20.º, n.º 1, da CRP: A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

[3] Proferido no processo n.º 1825/12.0TBPRD.P1, consultável em www.dgsi.pt.

[4] Vejam-se, designadamente, os acórdãos dos tribunais da relação de Guimarães, proferidos em 17-05-2012, processo n.º 1617/11.3TBFLG.G1, e 10-05-2018, processo n.º 2676/10.1TBGMR.G1; da relação de Lisboa, proferido em 28-11-2013, processo n.º 2645/13.0TBBRR.L1-6; e da relação do Porto, proferidos em 06-02-2018, processo n.º 749/16.6T8OAZ.P2, 13-06-2018, processo n.º 1525/12.0TBPRD.P1, 25-09-2018, processo n.º 2075/12.0TBFLG.P1, e 15-11-2018, processo n.º 1741/11.2TBLSD-C.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.