Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3780/11.4TBLLE-F.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do disposto no artigo 224º, nº 2, do Código Civil, a declaração negocial recipienda ou receptícia considera-se eficaz, não apenas quando é recebida pelo destinatário, como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 3780/11.4TBLLE-F.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente Acção de Impugnação da Resolução de Contratos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125º do CIRE, contra Massa Insolvente de (…) – Transporte e Bombagens de Betão, Lda., representada pelo Administrador da Insolvência, Dr. António Joaquim Cardoso Taveira.
Citada a Massa insolvente, esta apresentou contestação pugnando pela improcedência da acção e invocando a caducidade da acção.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
Posteriormente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, julgou procedente, por provada, a excepção peremptória da caducidade do direito do autor a intentar a presente acção de impugnação da resolução do negócio em benefício da massa insolvente, bem como julgou procedente a resolução do negócio em benefício da massa insolvente operada pelo Administrador da Insolvência.

Inconformado com tal decisão dela apelou o A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. Atendendo aos depoimentos das testemunhas na audiência de julgamento, está cabalmente provado que o Requerente reside no Canadá, tendo uma moradia em Portugal, moradia essa que administra com toda a diligência, tendo para isso terceiros capazes, que lhe dão conta de tudo o que se passa.
II. Apenas vem a Portugal em amiúde, passando cá férias de Verão, não dispensando em Portugal mais tempo.
III. O Autor não recebeu a carta que lhe foi dirigida dando conta da resolução do negócio, a 03 de Julho de 2013.
IV. Prova disso é que esta carta foi devolvida com a menção "DEVOLVIDA AO REMETENTE", com a data de 08 de Julho de 2013.
V. O Autor apenas tomou conhecimento de que tinha sido enviada uma carta e o qual o seu teor, com uma comunicação feita por email do Senhor Administrador, a 3 de Março de 2014, à qual prontamente respondeu.
VI. Por todas estas razões o direito do Autor ainda está em tempo para interpor acção, não tendo assim caducado o seu direito.
VII. Quanto à validade do negócio, este não padece de nenhum dos vícios que o Senhor Administrador aponta na sua carta.
VIII. Aquando da celebração do negócio o Recorrente desconhecia que o Réu estivesse em situação de insolvência.
IX. Posto isto, a resolução do negócio deve ser julgada improcedente, e não deve produzir quaisquer efeitos.
X. Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo declarada por provada a não caducidade do direito e declarada nula a resolução do negócio. Assim se fazendo a acostumada Justiça
Pela R. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova (testemunhal e documental) carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada;
2º) Saber se não está verificada a excepção peremptória da caducidade do direito do A. a intentar a presente acção de impugnação da resolução do negócio em benefício da massa insolvente e, por via disso, deve ser revogada a resolução do negócio em benefício da massa insolvente, operada pelo Administrador da Insolvência.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância, que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Por sentença datada de 08.06.2012, foi declarada a insolvência da sociedade (…) – Transporte e Bombagens de Betão, Lda., transitada em julgado.
2. O processo de insolvência foi instaurado a 02.12.2011.
3. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Julho de 2013, o Administrador da Insolvência comunicou ao Autor a resolução do acordo denominado "Contrato de compra de venda" relativa ao veículo de matrícula 03-70-(…).
4. A missiva referida em 3 dirigida ao Autor (…), foi devolvida com a menção "DEVOLVIDO AO REMETENTE", com carimbo datado de 08.07.2013.
5. A missiva referida em 3 dirigida ao Autor (…) tem o seguinte teor ''(…) Assunto: Resolução em benefício da massa insolvente (...) Nos termos do disposto nos artigos 120º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE; 1. Conforme resulta dos autos de insolvência, a sociedade supra referenciada, foi declarada como insolvente, em 08/06/2012. 2. No dia 30/03/2012, a sociedade insolvente alienou a Vexa. a viatura com a matrícula 03-70-(…), pelo preço de € 10.500,00 (...), a que acresceu o valor 23% de IVA. 3. Pese a viatura em causa, não estivesse no estado de nova, a verdade é que o preço de alienação foi, em muito, inferior ao valor real de mercado, quando para mais se trata de uma autobomba. (...) 5. O negócio efectuado entre V.exa. e a sociedade insolvente, data de 30/03/2012, sendo que o processo de insolvência, data de 30/11/2011, ou seja a venda ocorre 4 meses após a entrada do processo (...). 6. Tendo por referência o arquétipo legal do "bom pai de família", aplicável ao caso na forma do gerente normalmente diligente, em face das circunstâncias que aqui se referem, é incontestável que sendo a venda "interessante por preço" para o comprador, tal acto teria um caracter prejudicial para o vendedor, o aqui insolvente. (...) 7. Dada a notoriedade da empresa insolvente, bem como das outras empresas com os mesmos sócios, os mesmos negócios e com os mesmos gerentes, com forte implantação na zona geográfica onde foi realizado o negócio, tem de ser afastada a hipótese de Vexa. desconhecer os problemas que as empresas enfrentavam para, de forma algo precipitada, venderem os veículos em apreço; 8. Aliás, todo o parque de veículos que não se encontrava em leasing. 9. É vítreo que, tal negócio foi prejudicial à massa por diminuir, senão frustrar, a satisfação dos credores da insolvência. Acresce que, 10. Depois de muito instado por este Administrador da Insolvência, Vexa., fez prova, porém parcial, do pagamento dos veículos. 11. Atento o facto de que a gerência da insolvente e Vexa., cometeram, de forma conluiada, actos prejudiciais à massa insolvente e consequentemente aos credores, em data posterior à entrada do pedido de insolvência, quando a insolvência era iminente, encontram-se preenchidos os requisitos da resolução em benefício da massa insolvente. 13. Nestes termos, e dando cumprimento ao imposto no artigo 123º também do CIRE, declara-se resolvida e ineficaz a venda da viatura 03-70-(…), bem como se declara resolvido e ineficaz o registo em nome do comprador; 13. devendo a mesma ser entregue no prazo máximo de 15 (quinze) dias a este Administrador da insolvência. (...)"
6. Posteriormente foi enviada nova carta por correio simples e um email.
7. As missivas foram enviadas para a morada indicada pelo Autor ao Administrador da insolvência, na qual este assumiu perante o Sr. Administrador receber toda a correspondência que lhe fosse remetida: Rua (…), 68, 3º, Esquerdo, 8100-542 Loulé.
8. O Autor contactou o Administrador da Insolvência – Dr. António Joaquim Cardoso Taveira – por telefone tendo-lhe este comunicado o envio das cartas.
9. Em 23.04.2013 o Administrador da Insolvência – Dr. António Joaquim Cardoso Taveira – enviou um email ao Autor com o seguinte teor "Exmo. Senhor (…). Na sequência do email infra, somos a informar que, atenta a falta de resposta ao mesmo e anteriores, iremos resolver os contratos de compra e venda das diversas empresas em benefício da massa insolvente (...)."
10. A presente acção foi instaurada a 29.05.2014.
11. O domicílio fiscal do Autor é em (…), 8100-000 Querença.
12. Em 3 de Março de 2014, o Autor tomou conhecimento do teor da carta de resolução em benefício de massa insolvente, por email, por mensagem que foi enviada para o Autor por um colaborador do Administrador de Insolvência.
13. O Autor celebrou com a insolvente um acordo denominado "Contrato-promessa de compra e venda" do veículo de matrícula 03-70-(…), em 28 de Novembro de 2011.
14. Nos termos do acordo referido em 13 o Autor obrigou-se a entregar pelos veículos com as matrículas constantes do anexo do acordo denominado "Contrato-promessa de compra e venda", a quantia global de € 12.607,50 (doze mil e seiscentos e sete euros e cinquenta cêntimos), com IVA incluído até 27 de Março de 2012.
15. O veículo de matrícula 03-70-(…) foi adquirido por um preço inferior ao preço de mercado.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pelo recorrente – saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada – importa dizer a tal respeito que sustenta o A. a sua pretensão tendo por base o depoimento da testemunha (…).
Ora, a este respeito, o nº 1 do artigo 662º do C.P.C., estipula o seguinte:
- “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artigo 640º do C.P.C. especifica ou concretiza quais os ónus que são impostos ao recorrente e que este, minimamente, deve observar, quando pretender impugnar a matéria de facto.
Tais ónus consistem em:
- especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), mencionando o diverso sentido em que se impõe decidir quanto a cada um dos factos impugnados, por referência ao que foi julgado provado na decisão recorrida (ou seja, na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das consideradas);
- fundamentar as razões da discordância, especificando os concretos meios probatórios em que se funda a impugnação;
- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – cfr., a este propósito, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 15.09.2011, disponível in www.dgsi.pt e, na doutrina, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., pág. 181 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014 – 2ª ed., págs. 132/133.
Ora, a este propósito, pode ver-se o Ac. do STJ de 31-05-2016, também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, foi afirmado o seguinte:
- (…) Embora o Novo Código de Processo Civil exija o cumprimento do ónus de alegação a cargo do Recorrente, impondo a este, quando se trata de impugnação da decisão da matéria de facto, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1 do art. 640º, o exercício desse ónus, conforme se salientou em ponto anterior, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respectiva motivação.
A lei não exige essa reprodução (…).
O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.
Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º do NCPC, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.
Seguramente que nas conclusões o Recorrente deve indicar os pontos da matéria de facto que pretende ver modificados, ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto.
No caso em apreço, o A., ora apelante, omite completamente, nas conclusões de recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterados, limitando-se a dizer de forma vaga e genérica que “reside no Canadá, tendo uma moradia em Portugal, moradia essa que administra com toda a diligência, tendo para isso terceiros capazes, que lhe dão conta de tudo o que se passa”, sendo certo que se impunha ao recorrente que indicasse nas respectivas conclusões os pontos de facto que considerava incorretamente julgados, o que, como vimos, aquele – de todo – não fez!
Ora, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os concretos pontos de facto que são objeto de impugnação. Já quanto aos demais ónus previstos no artigo 640º do CPC, é suficiente que os mesmos constem de forma explícita na motivação do recurso, o que constitui entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça – cfr., além do mencionado Ac. do STJ de 31.05.2016, os acórdãos neles citados e cujos sumários aí se transcreveram.
Assim sendo, forçoso é concluir que a inobservância, por parte do A., aqui apelante, do aludido ónus implica a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto – o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos (cfr. art. 640º do C.P.C.) – pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância, o que significa que a carta a que se alude nos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados foi enviada para a morada correcta, ou seja aquela que foi indicada pelo A. ao administrador da insolvência, na qual ele assumiu, perante o referido administrador, receber toda a correspondência que lhe fosse enviada (cfr. ponto 7 dos factos provados).

Analisando agora a segunda questão levantada pelo A., ora apelante – saber se não está verificada a excepção peremptória da caducidade do direito do A. a intentar a presente acção de impugnação da resolução do negócio em beneficio da massa insolvente e, por via disso, deve ser revogada a resolução do negócio em benefício da massa insolvente, operada pelo Administrador da Insolvência – haverá que referir a tal propósito que a resolução em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador de insolvência o poder de, com alguma eficácia, fazer reingressar naquela, bens ou direitos que possam ter sido alienados por actos praticados no intuito de os furtar à garantia da satisfação dos credores que vierem reclamar os seus créditos na insolvência.
Na verdade, como se esclarece no preâmbulo do D.L. 53/2004, de 18/3, diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua nota 41 – “prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a «resolução em benefício da massa insolvente» – que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”. O que se justifica na medida em que “a finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente”. Posto o que “importa apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa”.
Tal faculdade de resolução foi concedida, de forma incondicional, relativamente aos actos taxativamente apontados no art. 121º do CIRE, desde que praticados dentro de certo prazo que anteceda o início do processo de insolvência, que varia, conforme o tipo de acto, entre seis meses e dois anos.
Por outro lado, nos termos do art. 120º do CIRE, a mencionada resolução pode ainda ser actuada relativamente a actos praticados dentro dos quatro anos anteriores a essa data, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé. Por depender da verificação de certos requisitos, vem-se chamando a esta, por contraposição aquela outra, resolução condicional.
Ora, a resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se, ao abrigo do estipulado no artigo 123º do CIRE, através de carta registada com A/R, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
Além disso, a aludida resolução poderá ser impugnada pela outra parte no acto resolvido ou por terceiro afectado pela resolução, a quem incumbe o ónus de intentar a acção correspondente, a qual, nos termos do disposto no artigo 125º do CIRE, correrá termos por dependência do processo de insolvência, sendo certo que, nessa acção, o que está em causa é saber se inexiste, de todo, fundamento para a resolução operada pelo administrador de insolvência.
No caso em apreço, o administrador de insolvência declarou resolvida, em benefício da massa insolvente, a venda da viatura com a matrícula 03-70-(…), tendo notificado de tal resolução o A., aqui apelante, através de carta registada com A/R, enviada para a sua morada em 3/7/2013, ou seja, aquela que foi indicada pelo A. ao administrador da insolvência, na qual ele assumiu, perante o referido administrador, receber toda a correspondência que lhe fosse enviada (cfr. art. 123º), carta essa que, no entanto, foi devolvida com os dizeres “não reclamado”.
Por isso, importa agora saber se, não obstante a devolução de tal carta, o recorrente deve considerar-se devidamente notificado nos termos e para os efeitos previstos no citado artigo 123º do CIRE.
Ora, se da carta registada com A/R consta a menção de “não reclamado” é porque a entrega não foi conseguida e o destinatário existe, sendo o aviso entregue na morada correcta pelo carteiro – atento o código postal correcto e completo da dita artéria – e a carta de resolução era susceptível de ser reclamada pelo A., ora apelante, na correspondente estação dos CTT.
Porém, a mencionada carta de resolução esteve a aguardar ser levantada nos CTT, não o tendo sido pelo destinatário, aqui apelante, o que só pode conduzir à aplicação do conceito de culpa de não recebimento pelo destinatário e a consequente consideração de eficácia à declaração – cfr. nº 2 do artigo 224º do Código Civil.
No sentido por nós sustentado veja-se o Ac. da R.L. de 27/6/2002, in CJ, 2002, Tomo 3º, pág. 114, onde é referido o seguinte:
- Considera-se recebida pelo declaratário a declaração constante de carta registada com aviso de recepção que é devolvida ao remetente com a menção de “não reclamado”. Cabe ao declaratário o ónus de prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta (sublinhado nosso).
Nesse mesmo sentido, pode ver-se o Ac. desta Relação de 7/11/2002, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se afirmou o seguinte:
- (…) a carta foi remetida para o endereço da Requerida, tal como esta o havia indicado no documento que subscreveu. Ora, dispõe o artigo 224º, nº 2, do Código Civil, que uma declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz em relação a este, embora a não tenha recebido oportunamente, por culpa sua. Consagra, pois, a lei, a Teoria da Recepção, mas numa forma mista: O declaratário fica vinculado não só quando o conteúdo da declaração chega efectivamente ao seu poder e conhecimento, mas ainda quando ela seja colocada ao seu alcance e só uma atitude sua o impediu de dela tomar conhecimento. Ora, num caso de encerramento do estabelecimento, de não levantar a carta na Estação dos CTT estando para isso avisado, ou de pedido de devolução da correspondência, existe um acto voluntário impeditivo de saber o conteúdo da carta que lhe era dirigida... (sublinhado nosso).
Em sentido idêntico veja-se ainda o Ac. do STJ de 3/5/2007, também disponível in www.dgsi.pt, que desde já passamos a transcrever:
- (…) Quanto ao facto de que sendo a notificação para se submeter a exames médicos uma declaração receptícia, competia à sua emissora provar que ela chegara realmente às mãos do notificando, cabe dizer que, na realidade, o provou, ao conseguir demonstrar que fora deixada na caixa do correio do recorrente.
Daí se segue que é aplicável o nº 2 do artº 224º do Código Civil que considera eficaz a declaração receptícia se apenas por culpa do destinatário dela não tomou este conhecimento.
Com efeito, nada mais competia à ré seguradora fazer – enviando a carta para a única residência do autor que conhecia – enquanto, por outro lado, competia ao titular da caixa de correio – o autor – ser diligente no sentido de ter em atenção o correio que ali era depositado. O que não foi o caso do recorrente.
Era a este que tinha o ónus de contrariar a culpa assim demonstrada, demonstrando que não houvera negligência da sua parte, para que pudesse beneficiar do nº 3 do referido artº 224º que considera ineficaz a declaração se não houver culpa do declaratário na falta de recepção. Mas o recorrente limitou-se a dizer que a deficiência era dos serviços de correio).
A eficácia da notificação não pode, pois, ser aqui posta em causa (sublinhado nosso).
Por último, o Ac. da R.G. de 6/11/2014, também disponível in www.dgsi.pt, o qual aborda um caso similar ao dos presentes autos, onde é afirmado o seguinte:
- (…) É indiscutível que a resolução, como declaração de vontade, a operar, no caso, mediante comunicação legalmente tarifada, é uma declaração receptícia, isto é, a respectiva eficácia depende do conhecimento do destinatário.
A recorrente põe em causa a validade, quanto a si, da resolução operada pela administradora da insolvência, por a mesma ter sido efectuada na pessoa do respectivo procurador no negócio, o Dr. (…), que segundo ela, uma vez que «não detinha poderes para receber a citação nos presentes autos, pela mesma ordem de ideias não detinha poderes para receber a comunicação da resolução nos termos do art. 123.º do CIRE.»
Mas não tem razão.
Nos termos do art. 224º do Código Civil:
1- “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (…);
2 – É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida; (sublinhado nosso).
O transcrito preceito consagra uma teoria mista: O declaratário fica vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou o documento não lhe tenham sido entregues.
Mas fica igualmente vinculado nos termos da teoria da recepção, isto é, logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela.
O que releva é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo (sublinhado nosso).
A solução legal visa, naturalmente, evitar fraudes e intencionais alheamentos por banda do destinatário: é por isso que se considera eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do destinatário, como sucede quando ele se ausenta para parte incerta, se recusa a receber a carta negocial ou não a levante em eventual apartado que possua.
O mencionado preceito consagra a regra geral no domínio da eficácia da declaração negocial – cfr. Ac. do STJ de 18.02.2009 (Sousa Grandão), proc. 08S2577, in www.dgsi.pt.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 09.02.2012 (Abrantes Geraldes) «[a] dificuldade está na apreciação dos comportamentos (acções ou omissões) do destinatário susceptíveis de integrar a situação prevista no nº 2 do art.º 224º do Cód. Civil. Lidando com conceitos indeterminados conexos com elementos subjectivos da responsabilidade contratual (a culpa e a exclusividade da culpa), a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual.
Deste modo, será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais.
Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do disposto no art. 799º, nº 2, do CC, sobre a culpa no âmbito da responsabilidade contratual e, por via remissiva, do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos da qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.»
É também este o sentido interpretativo para que aponta Pais de Vasconcelos quando refere que o nº 2 do art. 224º do CC se destina a contrariar «as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas”, para concluir que “ser necessário demonstrar que, sem acção ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebido. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou não recepção da declaração» – cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., pp. 457 e 458.
No caso em apreço, a administradora da insolvência enviou as cartas de resolução para as moradas dos réus e dos respectivos representantes, constantes da escritura de compra e venda, únicas existentes no processo, até porque do contrato de compra e venda não constavam outras moradas, sendo que não foi sequer alegado que tenha sido transmitido à senhora administradora uma outra morada da recorrente para lhe serem efectuadas eventuais comunicações relativas ao contrato em causa (sublinhado nosso).
Ademais, a notificação da resolução foi recebida pelo Dr. (…), procurador da recorrente que teve intervenção na escritura de compra e venda, o qual, por isso, tinha poderes para ser abordado relativamente à resolução operada, ou pelo menos para suscitar junto da administradora da insolvência a sua ilegitimidade para tal, o que não fez.
Assim, mesmo a admitir-se que a recorrente não tenha recebido a carta de resolução, o que não está sequer demonstrado, pode concluir-se, com elevado padrão de certeza, que a declaração de resolução apenas não foi do conhecimento efectivo da recorrente…. porque esta não quis. E se não quis, nem fez nada para inverter o rumo dos acontecimentos, não é legítimo que venha agora questionar a actuação da administradora da insolvência (sublinhado nosso).

Deste modo, atentas as razões e fundamentos supra referidos, forçoso é concluir que o A., ora apelante, não recebeu a carta que o administrador de insolvência lhe enviou (ao abrigo do disposto no art. 123º do CIRE) apenas porque não quis, uma vez que o carteiro tentou entregar tal carta, mas, estando o recorrente ausente, terá ficado aviso para o seu levantamento na estação dos CTT da respectiva área, o que este não fez (por si, ou por terceiro que o representasse), pelo que a mesma foi devolvida ao administrador de insolvência com os dizeres “não reclamado”, sendo certo que o A. também não veio a demonstrar nos autos qualquer impossibilidade da sua parte no levantamento de tal carta (pois o ónus a si pertencia…), a fim de poder evidenciar, “in casu”, a sua total ausência de culpa no ocorrido.
Por outro lado, dispõe o artigo 125.º do CIRE, que “o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a acção correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.

Assim sendo, da factualidade apurada nos autos, resulta claro que o A. se tem por notificado da dita resolução em 8/7/2013, pelo que no dia seguinte – 9/7/2013 – iniciou-se o prazo para o mesmo intentar acção de impugnação da referida resolução, prazo esse de 3 meses que caducava em 25/11/2013 (descontando-se já o período das férias judiciais de Verão).
Ora, a presente acção, intentada pelo A. com esse objectivo, apenas deu entrada em juízo em 29/5/2014, ou seja, muito depois do referido prazo de 3 meses ter expirado, pelo que forçoso é concluir que a mesma é manifestamente intempestiva, já que nesta data o direito do A. a impugnar a aludida resolução negocial se mostrava, há muito, caducado, atento o disposto no citado artigo 125.º do CIRE, estando assim verificada, indubitavelmente, a excepção peremptória da caducidade do direito do A. a interpor esta acção.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelo A., ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indicados.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do artigo 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados, com precisão, quais os concretos pontos de facto que são objeto de impugnação, sendo certo que a inobservância, por parte do A., aqui apelante, do ónus que lhe é imposto pelo art. 640.º do C.P.C., determina, sem mais, a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto efectuada por aquele. - Nos termos do disposto no artigo 224º, nº 2, do Código Civil, a declaração negocial recipienda ou receptícia considera-se eficaz, não apenas quando é recebida pelo destinatário, como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida.
- Por isso, tendo o administrador de insolvência enviado a carta de resolução da venda a favor da massa insolvente para a morada que lhe foi indicada pelo A., o seu não recebimento deve-se a culpa exclusiva deste último.
- Assim sendo, o A. tem-se por notificado da dita resolução em 8/7/2013, pelo que no dia seguinte – 9/7/2013 – iniciou-se o prazo para o mesmo intentar acção de impugnação da referida resolução, prazo esse de 3 meses que caducava em 25/11/2013 (descontando-se já o período das férias judiciais de Verão).
- A presente acção, intentada pelo A. com esse objectivo, apenas deu entrada em juízo em 29/5/2014, ou seja, muito depois do referido prazo de 3 meses ter expirado, pelo que forçoso é concluir que a mesma é manifestamente intempestiva, atento o disposto no artigo 125.º do CIRE.

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelo A. e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelo A., ora apelante.
Évora, 28 de Junho de 2018
Rui Manuel Machado e Moura
Maria Eduarda Branquinho
Mário João Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).